Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5102999-57.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: APARECIDA MATIAS DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: CLEONICE MARIA DE CARVALHO - MS8437-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5102999-57.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: APARECIDA MATIAS DA SILVA

Advogado do(a) APELADO: CLEONICE MARIA DE CARVALHO - MS8437-A

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Cuida-se de apelação interposta em face da sentença, não submetida a reexame necessário, que julgou procedente o pedido de aposentadoria por incapacidade permanente, desde o requerimento administrativo, discriminados os consectários legais e antecipados os efeitos da tutela.

A autarquia previdenciária, alega, preliminarmente, inépcia da petição inicial, por não ter sido informado o ajuizamento de ação anterior pela parte autora, deixando de atender as determinações do art. 129-A, da Lei n. 8.213/1991. No mérito, alega a não comprovação da qualidade de segurada especial da parte autora e requer a reforma integral do julgado. Subsidiariamente, requer: "1. A observância da prescrição quinquenal;2. Na hipótese de concessão de aposentadoria, a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a  autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03 de abril de 2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no art. 24, §§ 1.º e 2.º da Emenda Constitucional 103/2019; 3. A fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; 4. A declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; 5. O desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada."

Com contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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9ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5102999-57.2024.4.03.9999

RELATOR: Gab. 31 - DES. FED. DALDICE SANTANA

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Advogado do(a) APELADO: CLEONICE MARIA DE CARVALHO - MS8437-A

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V O T O - V I S T A

 

 

 

O Exmo. Desembargador Federal Gilberto Jordan:

Pedi vista dos autos para melhor inteirar-me acerca do conjunto probatório e, após a devida análise, com a devida vênia, ouso divergir da E. Relatora pelas razões que passo a expor:

TUTELA ANTECIPADA

A preliminar de suspensão da antecipação dos efeitos da tutela se confunde com o mérito, e com este será analisado.

DA APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE E AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA

A cobertura do evento invalidez é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II da Seguridade Social, no art. 201, I, da Constituição Federal.

A Lei nº 8.213/91 preconiza, nos arts. 42 a 47, que o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente, nos termos da EC n° 103/2019, será devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 (doze) contribuições mensais, estando ou não em gozo de auxílio doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária, nos termos da EC n° 103/2019, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício da atividade que lhe garanta a subsistência e a condição de segurado.

Independe, porém, de carência a concessão do benefício nos casos de acidente de qualquer natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como ao segurado que, após filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social, for acometido das doenças relacionadas no art. 151 da Lei de Benefícios.

Cumpre salientar que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social não impede a concessão do benefício na hipótese em que a incapacidade tenha decorrido de progressão ou agravamento da moléstia.

Acerca da matéria, há de se observar o disposto na seguinte ementa:

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ . CARÊNCIA E QUALIDADE DE SEGURADO NÃO COMPROVAÇÃO. INCAPACIDADE PREEXISTENTE. REFILIAÇÃO.

1- Não é devida a aposentadoria por invalidez à parte Autora que não cumpriu a carência , bem como não demonstrou a manutenção da qualidade de segurado no momento em sobreveio a incapacidade para o trabalho.

2- Incapacidade constatada em perícia médica realizada pelo INSS no procedimento administrativo originado do requerimento de auxílio - doença .

3- Ainda que se considerasse a refiliação da Autora à Previdência pelo período necessário de 1/3 do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido, esta se deu posteriormente à sua incapacidade.

4- A doença preexistente não legitima o deferimento de aposentadoria por invalidez ou auxílio - doença , à exceção de quando a incapacidade laborativa resulte progressão ou agravamento do mal incapacitante.

5- A Autora quando reingressou no sistema previdenciário, logrando cumprir a carência exigida e recuperando sua qualidade de segurada, já era portadora da doença e da incapacidade, o que impede a concessão do benefício pretendido, segundo vedação expressa do art. 42, § 2º, da Lei nº 8.213/91.

6- Apelação da parte Autora improvida. Sentença mantida."

(TRF3, 9ª Turma, AC nº 2005.03.99.032325-7, Des. Fed. Rel. Santos Neves, DJU de 13/12/2007, p. 614).

 

É certo que o art. 43, §1º, da Lei de Benefícios disciplina que a concessão da aposentadoria depende da comprovação da incapacidade total e definitiva mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social. O entendimento jurisprudencial, no entanto, firmou-se no sentido de que também gera direito ao benefício a incapacidade parcial e definitiva para o trabalho, atestada por perícia médica, a qual inabilite o segurado de exercer sua ocupação habitual, tornando inviável a sua readaptação. Tal entendimento traduz, da melhor forma, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento da Seguridade Social.

É que, para efeitos previdenciários, basta a incapacidade permanente que impeça o exercício da atividade laborativa nos moldes ditados pelo mercado de trabalho, evidenciando, dessa forma, padecer o periciando de incapacidade total.

Nesse sentido, destaco acórdão desta Turma:

 

"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ . REQUISITOS: PREENCHIMENTO. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ AO LAUDO PERICIAL. INVIABILIDADE DE EXERCÍCIO DAS ATIVIDADES HABITUAIS E DE READAPTAÇÃO A OUTRAS. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO.

(...)

II - O laudo pericial concluiu pela incapacidade parcial da autora. Porém, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, devendo valer-se de outros elementos para a formação de sua convicção. No caso, corretamente considerada a falta de condições da autora para exercer suas funções habituais de cozinheira, em razão de tenossinovite no punho e problemas de coluna, que levaram-na a perder as forças das mãos, bem como sua idade avançada e as dificuldades financeiras e físicas para exercer outra profissão ou aprender novo ofício. Mantida a sentença que deferiu o benefício da aposentadoria por invalidez à autora.

(...)

IV - Apelações improvidas."

(9ª Turma, AC nº 1997.03.007667-0, Des. Fed. Rel. Marisa Santos, v.u., DJU de 04.09.2003, p. 327).

 

(...)

O benefício de auxílio por incapacidade temporária, por sua vez, é devido ao segurado que tiver cumprido o período de carência exigido de 12 contribuições mensais e for considerado temporariamente incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual, por mais de 15 dias consecutivos e possuir a condição de segurado (arts. 59 a 63 da Lei de Benefícios).

Cumpre salientar, ainda, que o benefício acima referido é um "minus" em relação à aposentadoria por incapacidade permanente, a qual sendo concedida não gera cumulação, mas sim cessação daquele.

DO CASO DOS AUTOS

Não há insurgência da Autarquia Federal quanto à incapacidade laborativa, razão pela qual deixo de analisar tal requisito, em respeito ao princípio da devolutividade dos recursos ou tantum devolutum quantum appellatum.

No caso concreto, para comprovar a qualidade de segurada e carência rurais, a requerente juntou aos autos os documentos abaixo indicados:

- cópia da CTPS do companheiro, que indica vínculos empregatícios rurais nos períodos de 02.08.1986 a 30.07.1987, de 01.06.1988 a 30.07.1988, de 16.09.1992 a 05.11.1992, de 01.06.1996 a 31.08.1996, de 01.05.1997 a 30.09.1997, de 01.04.2007 a 29.11.2007, de 01.07.2009 a 30.01.2010, de 01.08.2010 a 30.11.2010, de 17.01.2011 a 08.04.2011, de 05.12.2011 a 21.02.2012 e de 01.10.2012 a 31.03.2015 (ID 308475937 – págs. 01-02 e ID 308475938);  

- cópia de certificado de dispensa militar, em nome do companheiro, no ano de 1978, que indica a profissão como lavrador (308475937 – pág. 03); e

- cópia da Declaração de união estável no ano de 2022, que indica sua qualificação e a do companheiro como trabalhadores rurais (ID 308475936).

Importante destacar que, embora exista recente declaração de união estável da Autora e seu companheiro, firmada em 2022, não há prova documental contemporânea acerca da existência do início da união estável que remeta à década de 1990, bem assim ao exercício de atividade campesina, nos termos em que alegado.

A despeito dos depoimentos das testemunhas sobre as atividades rurais e menção ao companheiro da Autora, é assente a regra de que não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, razão pela qual necessária a obtenção de um mínimo de prova documental contemporânea que ampare as declarações.

Do que consta nos autos, não se nega a existência de indício de trabalho campesino no contexto de vida da Autora, contudo, as provas não são aptas a autorizar o reconhecimento da longínqua data alegada como início de união estável, tampouco a reconhecer o exercício de atividade rural pelo período vindicado.

Entretanto, considerando haver a possibilidade de efetiva comprovação do exercício dessa atividade rural e do início da união estável mediante apresentação de provas documentais contemporâneas, o pedido não deve ser julgado improcedente, mas, sim, extinto sem julgamento do mérito, a fim de que a parte autora possa diligenciar no sentido de localizar as provas aptas a suprir a insuficiência probatória indicada.

Com efeito, sendo verificada a ausência de prova do labor rural, a solução adequada é a aplicação do Tema 629 do STJ, extinguindo o feito sem julgamento do mérito, considerando a natureza de direito fundamental que reveste o direito previdenciário. 

Vejamos o que ficou definido pelo Tema/STJ nº 629: 

"A ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial, conforme determina o art. 283 do CPC, implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC) e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação (art. 268 do CPC), caso reúna os elementos necessários à tal iniciativa". 

Essa solução dada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 629 possibilita ao segurado ingressar com nova ação deduzindo o mesmo pedido, caso obtenha outras provas.     

Assim, de rigor a reforma da sentença, com a revogação da tutela antecipada.  

TUTELA ANTECIPADA 

Considerando o disposto acima, revogo a antecipação de tutela anteriormente concedida, observando-se o Tema/STJ 692.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS 

Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios no valor de 10% do valor da causa. 

DISPOSITIVO  

Ante o exposto, julgo prejudicada a apelação do INSS e extingo o feito sem resolução do mérito, consoante Tema 629/STJ, nos termos da fundamentação. Condenação das verbas honorárias na forma acima fundamentada. 

Revogo a tutela antecipada. Comunique-se o INSS.

É o voto. 

 


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V O T O

 

 

O recurso preenche os pressupostos de admissibilidade e merece ser conhecido.

Preliminarmente, afasto a alegação de inépcia da petição inicial, por estarem presentes os requisitos previstos no artigo do 319 Código de Processo Civil (CPC). Ademais, a autora comprovou o indeferimento do benefício requerido em 25/8/2022 (NB 640.919.568-6).

No mérito, discute-se nos autos o direito da parte autora a benefício por incapacidade laboral.

A cobertura do evento incapacidade para o trabalho é garantia constitucional prevista no Título VIII, Capítulo II, da Seguridade Social, especialmente no artigo 201, I, da Constituição Federal (CF/1988), cuja redação atual é dada pela Emenda Constitucional n. 103, publicada em 13/11/2019 (EC n. 103/2019):

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: I - cobertura dos eventos de incapacidade temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; (...)”.

Já a Lei n. 8.213/1991, aplicando o princípio da distributividade (artigo 194, parágrafo único, III, da CF/1988), estabelece as condições para a concessão desse tipo de benefício.

A aposentadoria por invalidez, atualmente denominada aposentadoria por incapacidade permanente (EC n. 103/2019), é devida ao segurado que for considerado permanentemente incapaz para o exercício de quaisquer atividades laborativas, não sendo possível a reabilitação em outra profissão.

Nos termos do artigo 42 da Lei n. 8.213/1991, o benefício será devido ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz para o trabalho e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e será pago enquanto perdurar esta condição.

Por sua vez, o auxílio-doença, atualmente denominado auxílio por incapacidade temporária (EC n. 103/2019), é devido ao segurado que ficar temporariamente incapacitado para o trabalho e, à luz do disposto no artigo 59 da Lei n. 8.213/1991, "não para quaisquer atividades laborativas, mas para (...) sua atividade habitual" (Direito da Seguridade Social, Simone Barbisan Fortes e Leandro Paulsen, Livraria do Advogado e Esmafe, Porto Alegre, 2005, p. 128).

São requisitos para a concessão desses benefícios, além da incapacidade laboral: a qualidade de segurado, a carência de 12 (doze) contribuições mensais, quando exigida, bem como a demonstração de que o segurado não estava previamente incapacitado ao filiar-se ao Regime Geral da Previdência Social.

Caso reconhecida a incapacidade apenas parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de benefício por incapacidade permanente ou temporária. Pode, ainda, conceder auxílio-acidente, na forma do artigo 86 da Lei n. 8.213/1991, se a parcial incapacidade decorre de acidente de trabalho, ou de qualquer natureza, ou ainda de doença profissional ou do trabalho (artigo 20, I e II, da mesma lei).

O reconhecimento da incapacidade laboral, total ou parcial, depende da realização de perícia médica, por perito nomeado pelo Juízo, nos termos do Código de Processo Civil (CPC). Contudo, o Juiz não está adstrito unicamente às suas conclusões, podendo valer-se de outros elementos pessoais, profissionais ou sociais para a formação de sua convicção, desde que constantes dos autos.

Alguns enunciados da Turma Nacional de Uniformização (TNU) são pertinentes a esse tema.

Súmula 47 da TNU: “Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez”.

Súmula 53 da TNU: “Não há direito a auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez quando a incapacidade para o trabalho é preexistente ao reingresso do segurado no Regime Geral de Previdência Social”.

Súmula 77 da TNU: “O julgador não é obrigado a analisar as condições pessoais e sociais quando não reconhecer a incapacidade do requerente para a sua atividade habitual”.

Especificamente quanto aos rurícolas, a legislação sofreu longa evolução, refletida em inúmeros diplomas normativos a versar sobre a matéria, sendo mister destacar alguns aspectos pertinentes a essa movimentação legislativa, para, assim, deixar claros os fundamentos do acolhimento ou rejeição do pedido.

Pois bem. Embora a primeira previsão legislativa de concessão de benefícios previdenciários ao trabalhador rural estivesse consubstanciada no Estatuto do Trabalhador Rural (Lei n. 4.214/63), que criou o Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural – FUNRURAL com essa finalidade, somente depois da edição da Lei Complementar n. 11, de 25 de maio de 1971, passaram alguns desses benefícios, de fato, dentre os quais o de aposentadoria por invalidez, a ser efetivamente concedidos, muito embora limitados a um determinado percentual do salário mínimo.

Antes do advento da Constituição Federal de 1988, o artigo 3º da Lei n. 7.604, de 26 de maio de 1987, incluiu o auxílio-doença no Programa de Assistência ao Trabalhador Rural - PRORURAL.

Na época, não se perquiria sobre a qualidade de segurado, nem sobre o recolhimento de contribuições, por possuírem os benefícios previstos na Lei Complementar n. 11/1971, relativa ao FUNRURAL, caráter assistencial.

Somente a Constituição Federal de 1988 poria fim à discrepância de regimes entre a Previdência Urbana e a Rural, medida, por sinal, concretizada pelas Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991.

Assim, a concessão dos benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente e auxílio por incapacidade temporária para os trabalhadores rurais, se atendidos os requisitos essenciais, encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribuna de Justiça (STJ) e desta Corte: STJ – AR 4041/SP – Proc. 2008/0179925-1, Rel, Ministro Jorge Mussi – Dje 05/10/2018; AREsp 1538882/RS – Proc. 2019/0199322-6, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 11/10/2019; Ap.Civ. 6072016-34.2019.4.03.9999, 9ª Turma, Rel. Des. Fed. Gilberto Jordan, e-DJF3 Judicial – 02/03/2020; Ap.Civ. 5923573-44.2019.4.03.9999, 10ª Turma, Rel. Des. Fed. Nelson Porfírio – Publ. 13/03/2020).

Cabe destacar, ainda, que o pescador artesanal está equiparado ao trabalhador rural para efeitos previdenciários, à luz do artigo 11, da Lei n. 8.213/1991.

A comprovação do exercício da atividade rural – e da atividade de pescador artesanal - deve ser feita por meio de início de prova material, a qual possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data de referência, desde que corroborado por robusta prova testemunhal (REsp Repetitivo n. 1.348.633 e Súmula n. 149 do STJ).

No caso dos autos, a perícia médica judicial de 18/7/2023, realizada por especialista em ortopedia, constatou a incapacidade laboral total e permanente da autora, por ser portadora de espondilodiscopatia lombar, discopatia lombar degenerativa e espondiloartrose lombar.

O perito fixou o início da incapacidade em 13/2/2020, data do relatório médico apresentado.

Resta averiguar, entretanto, o exercício de atividades rurais nos doze meses que antecedem o início da incapacidade laboral do autor.

Na petição inicial, a autora alega que sempre exerceu suas atividades laborativas no campo na função de trabalhadora rural, como boia-fria/diarista, porém sem registro em carteira de trabalho e de previdência social (CTPS).

Como início de prova material do alegado trabalho rural, a autora apresentou: (i) escritura pública de união estável lavrada em 5/8/2022, na qual ela e o companheiro Devair Carvalho Campos estão qualificados como trabalhadores rurais; (ii) CTPS do companheiro, com registros de vínculos rurais entre 8/1986 e 9/1997, e entre 11/2007 e 3/2015; (ii) certificado de dispensa de incorporação do companheiro em 1978, o qual está qualificado como lavrador.

Ocorre que a declaração de união estável, embora anote a ocupação da autora de trabalhadora rural, não serve para tanto, pois não há diligências para aferir a veracidade do ali informado. Tudo que consta do documento tem cunho meramente declaratório da informação a respeito da profissão. Ora, admitir tal declaração como início de prova material implicaria em aceitar a criação pela parte de documento, metamorfoseando declaração sua em prova documental, o que, infelizmente, abriria ensejo à má-fé.

Além disso, conquanto a autora alegue ter exercido a vida inteira atividades rurais, não há um único elemento, em nome próprio, que demonstre o efetivo exercício campesino da autora. Assim, não há outros elementos de convicção, em nome do autor, capazes de estabelecer liame entre o ofício rural alegado e a forma de sua ocorrência, mormente nos doze meses que antecedem o início da incapacidade laboral.

Por seu turno, a prova oral, realizada em 15/8/2024, é bastante fraca. As testemunhas Antonia Francisca Corina da Silva, Neide Aparecida da Silva e Maria Lourdes da Silva se reportaram genericamente ao trabalho da autora na lavoura até ela ficar incapacitada para o trabalho, mas não delimitaram períodos, a frequência e os locais nos quais o autor teria laborado.

Os depoimentos colhidos foram muito vagos em termos de cronicidade, não sabendo os respectivos locais e exatos períodos ou anos dos serviços prestados.

Portanto, a prova da atividade rural da parte autora até o advento da incapacidade não está comprovada a contento, porque fincada exclusivamente em prova vaga, sendo que o início de prova material é precário.

Assim, joeirado o conjunto probatório, entendo não ter sido demonstrada a faina campesina pelo período de doze meses que antecedem a incapacidade laboral, ficando inviabilizada a procedência do pedido deduzido na inicial.

Invertida a sucumbência, condeno a parte autora a pagar custas processuais e honorários de advogado, arbitrados em 12% (doze por cento) sobre o valor atualizado da causa, já majorados em razão da fase recursal, conforme critérios do artigo 85, §§ 1º, 2º, 3º, I, e 4º, III, do Código de Processo Civil, suspensa, porém, a exigibilidade, na forma do artigo 98, § 3º, do mesmo diploma processual, por tratar-se de beneficiária da justiça gratuita.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou provimento à apelação para julgar improcedentes os pedidos e revogo a tutela jurídica provisória, consoante Tema Repetitivo n. 692 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Informe-se ao INSS, via sistema, para fins de revogação da tutela provisória de urgência anteriormente concedida.

É o voto.

 


Autos: APELAÇÃO CÍVEL - 5102999-57.2024.4.03.9999
Requerente: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Requerido: APARECIDA MATIAS DA SILVA

 

EMENTA 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE RURAL. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO DE OFÍCIO. TEMA 629 DO STJ. POSSIBILIDADE DE NOVA DEMANDA. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. RECURSO PREJUDICADO. 

I. Caso em exame 

  1. Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face de sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente, desde o requerimento administrativo, condenando o réu aos consectários legais e concedendo tutela antecipada. 

  1. O INSS alega a não comprovação da qualidade de segurada especial da parte autora e requer a reforma integral do julgado. 

II. Questão em discussão 

  1. A controvérsia reside em verificar se os documentos apresentados pela parte autora constituem início razoável de prova material para o reconhecimento do tempo de serviço rural e consequente concessão do benefício previdenciário objeto da ação. 

III. Razões de decidir 

  1. Nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91 e da Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, a prova exclusivamente testemunhal não basta para a comprovação da atividade rural para fins previdenciários. 

  1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhece que documentos em nome de terceiros podem ser aceitos como início de prova material, desde que corroborados por testemunhos idôneos e coerentes. No caso concreto, a documentação apresentada é insuficiente para comprovar o período alegado de labor rural. 

  1. A parte autora requer o aproveitamento da documentação rural de seu companheiro, todavia, não há prova hábil acerca do início da união estável, bem como não há documentos contemporâneos aptos a comprovar o labor rural em nome da Autora, afigurando-se evidente conjunto probatório insuficiente.  

  1. Conforme decidido no Tema 629/STJ, a ausência de prova eficaz enseja a extinção do feito sem resolução do mérito, possibilitando a reinterposição da demanda caso sejam obtidos novos elementos probatórios. 

IV. Dispositivo e tese 

8. Apelação prejudicada. Extinção do feito sem resolução do mérito, nos termos do Tema 629 do STJ. 

Tese de julgamento: "1. Para concessão de aposentadoria por idade híbrida, é necessário início razoável de prova material, não sendo suficiente a prova exclusivamente testemunhal. 2. A ausência de provas eficazes enseja a extinção do feito sem resolução do mérito, possibilitando nova demanda com elementos probatórios suficientes." 

Dispositivos relevantes citados: Lei 8.213/91, art. 48, § 3º; art. 55, § 3º. 

Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 149; STJ, Tema 629; STJ, REsp 1.348.633/SP, 1ª Seção, j. 28.08.2013. 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, a Nona Turma, por maioria, decidiu julgar prejudicada a apelação do INSS e extinguir o feito sem resolução do mérito, consoante Tema 629/STJ, nos termos do voto-vista do Desembargador Federal Gilberto Jordan, que foi acompanhado pelo Desembargador Federal Fonseca Gonçalves e pela Desembargadora Federal Cristina Melo (4º voto). Vencida a Relatora, que rejeitava a matéria preliminar e, no mérito, dava provimento à apelação, no que foi acompanhada pela Desembargadora Federal Ana Iucker (5º voto). Julgamento nos termos do art. 942, caput e § 1º, do CPC. Lavrará acórdão o Desembargador Federal Gilberto Jordan , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GILBERTO JORDAN
DESEMBARGADOR FEDERAL