APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014042-12.2007.4.03.6104
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: GMR GRADUAL REALTY S.A.
Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO CELSO FONSECA PUGLIESE - SP155105-A, BRUNO SANCHEZ BELO - SP287404-A, CARINA BULLARA DE ANDRADE - SP406725-A, LUIZA FRANCESCHINI CHADE - SP390681-A, RAQUEL ROTHER BEZERRA - SP471662
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
ASSISTENTE: MUNICIPIO DE SAO VICENTE
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ISABELLA CARDOSO ADEGAS - SP175542-A
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: OBERDAN MOREIRA ELIAS - SP164578-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014042-12.2007.4.03.6104 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: GMR GRADUAL REALTY S.A. Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO CELSO FONSECA PUGLIESE - SP155105-A, BRUNO SANCHEZ BELO - SP287404-A, CARINA BULLARA DE ANDRADE - SP406725-A, LUIZA FRANCESCHINI CHADE - SP390681-A, RAQUEL ROTHER BEZERRA - SP471662 APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: MUNICIPIO DE SAO VICENTE ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ISABELLA CARDOSO ADEGAS - SP175542-A R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: Trata-se de agravo interno interposto pela GMR Gradual Realty S.A. contra a decisão que, em consonância com o art. 55 § 3º, do NCPC, decidiu conjuntamente os processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0008588-17.2008.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104, nos seguintes termos: “Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos de apelação interpostos pela GMR nos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104, para fixar a verba honorária na forma detalhada acima, e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação interposta pela Caixa na Ação Civil Pública nº 0011357-95.2008.4.03.6104, para condenar a GMR à restituição do valor pago pelo FAR em decorrência da compra e venda. Nada a decidir quanto à Ação Cautelar nº 0008588-17.2008.4.03.6104.” A recorrente pugna pela reforma da decisão. Repete os mesmos argumentos expostos nas razões do recurso já analisado. Alega, em síntese, (i) que a pretensão de ressarcimento formulada pela CEF se encontra prescrita; (ii) que o procedimento demarcatório foi nulo; (iii) que o imóvel objeto da ação em referência não se caracteriza como terreno de marinha ou acrescido de marinha, e se encontra regular do ponto de vista registral; (iv) que não há impedimento legal à transferência entre particulares de bens públicos cuja ocupação tenha sido cedida pela União. Subsidiariamente, requer (v) o reconhecimento da solidariedade dos demais interessados; (vi) que não seja condenada ao pagamento de juros de mora, pois a obrigação de devolução do dinheiro pago pela CEF nasceu por força de ato judicial; e (vii) o arbitramento da indenização devida em seu favor em razão da extinção da enfiteuse. A parte contrária apresentou contrarrazões, pugnando pela manutenção do julgado. É O RELATÓRIO.
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: OBERDAN MOREIRA ELIAS - SP164578-A
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014042-12.2007.4.03.6104 RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS APELANTE: GMR GRADUAL REALTY S.A. Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO CELSO FONSECA PUGLIESE - SP155105-A, BRUNO SANCHEZ BELO - SP287404-A, CARINA BULLARA DE ANDRADE - SP406725-A, LUIZA FRANCESCHINI CHADE - SP390681-A, RAQUEL ROTHER BEZERRA - SP471662 APELADO: UNIÃO FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: ASSISTENTE: MUNICIPIO DE SAO VICENTE ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ISABELLA CARDOSO ADEGAS - SP175542-A V O T O O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS: De início consigo que tal qual o pretérito artigo 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932,incisos V e V, do Novo CPC pode ser utilizada no caso de jurisprudência dominante, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910). O caso dos autos não é de retratação. Do conhecimento parcial do recurso Inicialmente, deixo de conhecer do recurso da GMR no que diz respeito à alegação de nulidade do procedimento demarcatório. Tal questão não possui relevância à análise realizada nos presentes autos, a qual, diversamente do que alegou a agravante, não se baseou nas conclusões dos procedimentos demarcatórios, mas em laudo pericial extenso e complexo, realizado por profissional de confiança do juízo, em respeito à decisão anteriormente proferida por esta Corte nos autos do agravo de instrumento nº 0029076- 59.2014.4.03.0000. Assim sendo, eventual nulidade do procedimento demarcatório em nada influiria na decisão ora combatida. O recurso com razões dissociadas do provimento a que se quer ver reformado não merece ser conhecido, dada a sua inadmissibilidade. Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS DA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEI N.º 8.036/90, ART. 29-C. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO. 1. Não se conhece de apelação cujas razões sejam dissociadas da fundamentação expendida na sentença. 2. Nas demandas entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas, bem como naquelas em que figurem os respectivos representantes ou substitutos processuais, não haverá condenação ao pagamento de honorários advocatícios (Lei n.º 8.036/90, art. 29-C)." (TRF da 3ª Região, AC 2005.61.26.002970-0, Segunda Turma, rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, DJU 14/09/2007. p. 429). "PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL - ART. 535 DO CPC - VIOLAÇÃO INEXISTENTE - RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO ATACAM OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DA REGULARIDADE FORMAL 1. O especial é via recursal inadequada quando se trata de suscitar violação a dispositivo constitucional. 2. Inocorre ofensa ao artigo 535 do CPC quando o Tribunal a quo se manifesta acerca das questões suscitadas pela recorrente. 3. Não merece ser conhecida a apelação se as razões recursais não combatem a fundamentação da sentença - Inteligência dos arts. 514 e 515 do CPC - Precedentes. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido." (STJ, REsp 686724/RS, Segunda Turma, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 03/10/2005, p. 203). Da mesma forma, deixo de conhecer do recurso no que diz respeito às alegações de (i) prescrição da pretensão de ressarcimento formulada pela CEF; (ii) existência de solidariedade entre a GMR e os demais interessados; e (iii) não incidência de juros de mora. Ainda que, na decisão combatida, tenham sido julgados em conjunto os recursos de apelação interpostos nos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104, o objeto do presente processo é unicamente o direito da União em imitir-se na posse dos imóveis. Os argumentos relativos à lide existente entre a CEF e a GMR devem ser apresentados exclusivamente nos autos em que ambas são partes, o que não é o caso dos autos. Passo à análise dos demais pontos do recurso. Da caracterização dos imóveis como terrenos de marinha O cerne da controvérsia expressa nos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0008588-17.2008.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104 diz respeito à caracterização, como terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, dos imóveis registrados sob as matrículas nº 129.444, 130.349 e 130.350 no Cartório de Registro de Imóveis de São Vicente. Nos termos do art. 20, VII, da Constituição Federal, são bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos. O Decreto-Lei nº 9.760/1946 conceitua os terrenos de marinha e acrescidos de marinha nos seus artigos 2º e 3º: “ Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.” A identificação destes terrenos é realizada a partir da determinação da linha do preamar-médio de 1831 (LPM-1831), em procedimento demarcatório conduzido pelo Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.), conforme procedimento previsto nos artigos 9º e 10 do DL 9.760/46. No caso, a área em discussão foi objeto dos procedimentos de demarcação nº 1.154/53 e 2.253/54. Contudo, em acórdão proferido no AI 0029076-59.2014.4.03.0000 e transitado em julgado em 14/04/2021, esta Primeira Turma determinou a produção de prova pericial, a fim de verificar se os imóveis se encontram localizados em terreno de marinha, em razão da existência de controvérsia nos autos a respeito da legalidade da demarcação anterior. A prova pericial foi realizada, nos autos de nº 0010789-45.2009.4.03.6104. O perito realizou o cálculo da cota altimétrica da LPM-1831 com base em dois diferentes critérios: a média aritmética das doze maiores marés mensais e a média de todas as preamares no período considerado, tendo chegado, respectivamente, aos resultados de +0,91 m e +0,62 m. A partir da planta nº 344/70 do Cadastro Técnico da Baixada Santista, referente ao levantamento aerofotogramétrico datado de novembro de 1972, o perito verificou que, mesmo após a realização das obras da DNOS, a área em discussão apresentava cotas altimétricas de, no máximo, +0,40 m – abaixo da cota altimétrica da LPM-1831, independentemente do critério considerado no seu cálculo. Assim, concluiu o perito que os terrenos ficavam ordinariamente submersos na média das preamares. Noto que, de acordo com o perito, a área em discussão “estava originalmente inserida em extenso manguezal, que foi em grande parte extinto no início da de 1950 pelas obras de saneamento realizadas na região pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS)”. A existência do mangue na região consta, inclusive, das matrículas mais antigas do imóvel. A existência desta área de manguezal extinto corrobora a conclusão de que a área em questão costumava ser alagada, com influência direta das marés. Há, ademais, demonstração cabal de que a área de manguezal ainda não estava extinta em 1831, ano a ser considerado para a determinação da posição da linha do preamar-médio. Tem-se, portanto, terreno hoje situado no continente, que em 1831 ficava submerso na média das preamares. Ademais, concluiu o perito que “o trecho natural remanescente do Rio do Bugre, localizado próximo da área em apreço, sofre notória influência da maré, da mesma forma que os canais de drenagem do DNOS localizados nas Avenidas Penedo e Sambaiatuba, que hoje delimitam a área em questão, refletem as variações cíclicas do nível do mar”. Concluo, assim, que os imóveis registrados sob as matrículas nº 129.444, 130.349 e 130.350 no CRI de São Vicente localizam-se em terrenos de marinha, e consequentemente são de propriedade da União. Esclareço, por oportuno, que não se sustenta a alegação da GMR, de que o trabalho pericial apresenta inconsistências técnicas e conceituais não esclarecidas após impugnação. Friso que a perícia foi realizada por profissional de confiança do Juízo, equidistante das partes e que possui conhecimentos técnicos, sendo as impugnações da GMR insuficientes para desqualificá-la. Da ocupação irregular dos terrenos pela GMR Uma vez estabelecido que os imóveis objeto das matrículas nº 129.444, 130.349 e 130.350 no CRI de São Vicente são de propriedade da União, passo à investigação do direito da GMR sobre os mesmos. O uso de terrenos de marinha por particulares pode ser autorizado sob dois diferentes regimes: o aforamento ou a ocupação. Pelo aforamento, ou enfiteuse, a União pode realizar a transferência do domínio útil do bem a particulares, após a realização de procedimento administrativo detalhado na Lei nº 9.636/98 e Decreto-lei nº 9.760/46. Em contrapartida, o particular pagará anualmente à União foro de 0,6% do valor do domínio pleno. Além disso, será devido laudêmio sempre que houver transferência do domínio útil do imóvel. Pela ocupação, a União permite que o particular utilize o terreno de marinha, mediante pagamento anual de taxa de ocupação de 2% do valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias (art. 1º do Decreto-lei nº2.398/87). A ocupação deve ser inscrita perante a Secretaria do Patrimônio da União, constituindo-se em ato precário, resolúvel a qualquer tempo, nos termos do art. 7º da Lei nº 9.636/98. No caso, os terrenos em discussão nunca foram aforados pela União, de forma a se concluir que a GMR nunca deteve domínio útil sobre os mesmos. Assim, para verificação de sua posse em relação a eles, faz-se necessária a análise do histórico registral da área em discussão, esmiuçado pelo perito judicial em seu laudo. Verifico que o terreno se encontrava inicialmente registrado na averbação nº 3 da Transcrição nº 19.561 do 3º CRI de Santos. Desta averbação, constava da descrição do imóvel a presença de mangue na área, assim como fato de que o mesmo era dividido por terreno de marinha. Em 13/03/1974, a Imobiliária Itararé adquiriu o terreno, tendo sido realizado o respectivo registro na Transcrição nº 57.304 do CRI de São Vicente. Segundo esclareceu o perito, “consta do título aquisitivo da Imobiliária Itararé (anexo 4) a transcrição do Alvará nº 1.901-73 do SPU, datado de 12/12/1973, que concede licença ao Banco Faro para transferir à Imobiliária Itararé a ocupação de terreno de mangue localizado no Rio Catarina de Moraes”. Em 1999, a Imobiliária Itararé requereu ao Juízo da Corregedoria Permanente do CRI de São Vicente a abertura de nova matrícula para o imóvel. Com o deferimento do pedido, foi aberta em 13/08/1999 a Matrícula nº 127.246 no CRI de São Vicente. A nova matrícula aberta não explicitou a natureza de terreno de marinha da área. Em algum momento do ano 2000, a GMR adquiriu o terreno da Imobiliária Itararé. Existem nos autos dois diferentes compromissos de compra e venda assinados pelas partes, com o mesmo objeto, datados de 19/05/1999 e 19/01/2000. Ao final, foi levado a registro no CRI de São Vicente o contrato assinado em 19/01/2000. Em 18/10/2001, a Matrícula nº 127.246 foi desmembrada a pedido da GMR, originando as Matrículas 129.444 (Lote 1) e 129.445 (Lote 2). Esta última, por sua vez, foi novamente fracionada, originando as Matrículas nº 130.349 e 130.350. A área objeto da Matrícula 129.444 (Lote 1) permaneceu registrada em nome da GMR, enquanto a área das Matrículas 130.349 e 130.350 (Lote 2) foi vendida pela GMR ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), em 2002. A SPU havia autorizado que a Imobiliária Itararé exercesse ocupação sobre os terrenos, conforme resta evidenciado pela análise do Alvará constante da Transcrição nº 57.304 do CRI de São Vicente (ID 280155749). Contudo, quando da celebração do negócio de compra e venda entre a GMR e a Imobiliária Itararé, as partes não providenciaram a necessária autorização da União para ocupação do terreno. Este motivo, inclusive, levou ao cancelamento do RIP 7121-0004862-37, segundo informou a SPU em manifestação (ID 280155846 dos autos nº 0010789-45.2009.4.03.6104: “(...) o RIP 7121-0004862-37, específico do terreno em questão, com área de 43.776,00m², foi cancelado (SEI ME 29706697), devido a débitos acumulados e irregularidades nos processos de transferências da área, que ocorreram sem nunca terem sido autorizados pela SPU/SP. As irregularidades foram identificadas e registradas no processo 04977.276307/2004-35” Resta evidente, portanto, que a ocupação do terreno pela GMR se deu de forma irregular. Por este motivo, não lhe é devida qualquer indenização, conforme dispõe o art. 71 do Decreto-lei nº 9.760/46: Art. 71. O ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil. No mesmo sentido, dispõe a Súmula 619 do C. STJ: “A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”. É irrelevante neste ponto a existência de matrícula em registro de imóveis do qual a GMR constava como proprietária, tendo em vista que "os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União" (Súmula 496-STJ). Destaco ainda que a ocupação da GMR não pode ser tida como de boa fé, pois existem nos autos elementos que permitem concluir que esta tinha, ou ao menos deveria ter, ciência de que os imóveis se encontravam localizados em terrenos de marinha. Conforme mencionado acima, constam dos autos dois compromissos de compra e venda assinados pela GMR e pela Imobiliária Itararé. O contrato mais antigo, datado de 19/05/1999, foi assinado por Roberto Sahade, enquanto sócio-diretor da GMR, e por Moukbel Sahade, enquanto procurador da Imobiliária Itararé. Uma vez que o referido contrato foi assinado antes da abertura da a Matrícula nº 127.246 no CRI de São Vicente, é razoável concluir que a GMR teve acesso, durante as negociações, à Transcrição nº 57.304, da qual constava transcrição do Alvará nº 1.901-73 do SPU, deixando claro que a Imobiliária Itararé possuía apenas direito de ocupação do terreno. Ademais, constou do contrato que o imóvel se encontrava inscrito junto à SPU sob o RIP nº 71210004862-3. Chama atenção, ainda, que o Sr. Moukbel tenha assinado o pedido dirigido ao Juiz Corregedor Permanente do CRI de São Vicente, para abertura da Matrícula nº 127.246, na qualidade de procurador da GMR, pois o Sr. Moukbel já foi sócio da GMR (conforme 1ª Alteração do Contrato Social) e é pai dos Srs. Roberto, Guilherme e Marcelo Sahade, sócios da empresa à época do negócio. Da conclusão Não procedem, portanto, os argumentos expostos nas razões recusais. No mais, é forte a jurisprudência desta Casa no sentido de que decisões condizentemente fundamentadas e sem máculas, tais como ilegalidade ou abuso de poder, não devem ser modificadas, verbis: "PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VIA INADEQUADA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1- Segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do Relator não deve ser alterada se solidamente fundamentada e dela não se vislumbrar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte. (...) 4- Agravo improvido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgMS 235404, proc. 2002.03.00.015855-6, rel. Des. Fed. Santos Neves, v. u., DJU 23/8/2007, p. 939) "PROCESSO CIVIL. LIMINAR.PECIAL FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DECISÃO FUNDAMENTADA. I - É pacífico o entendimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar decisões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa gerar dano irreparável ou de difícil reparação. (...) VI - Agravo não provido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgAR 6420, A competência para processar e julgar as ações rescisórias ajuizadas contra decisões proferidas pelos Juizados Federais é do órgão de interposição dos próprios Juizados, isto é, das Turmas Recursais, não do Tribunal Regional Federal (artigos 102, I, ‘j’, 105, I, ‘e’, e 108, I, ‘b’, CF/88). Esclareça-se que às Cortes Regionais Federais não incumbe rever os decisórios oriundos dos Juizados Especiais Federais, por se tratarem de órgãos jurisdicionais diversos. De resto, fixadas a estruturação e competência da Justiça Especializada por força de lei (Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001), cediço que o reexame das causas ali julgadas há de ser realizado pelos Juízos de interposição correlatos”. (Turmas Recursais proc. 2008.03.00.034022-1, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., DJF3 21/11/2008). Ainda: AgRgAR 5182, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., e-DJF3 24/9/2012; AgAR 2518, rel. Des. Fed. Lucia Ursaia, v. u., e-DJF3 17/8/2012; AgAR 2495, rel. Des. Fed. Nelson Bernardes, v. u., e-DJF3 23/7/2012; AgRgAR 8536, rel. Des. Fed. Vera Jucovsky, v. u., e-DJF3 22/5/2012; AgRgAR 8419, rel. Des. Fed. Vera Jucovsky, v. u., e-DJF3 16/3/2012. Ad argumentandum tantum, "Não viola o princípio da legalidade a invocação da jurisprudência como razão de decidir; reportar-se à jurisprudência é forma abreviada de acolher a interpretação da lei que nela se consagrou" (STF - 1ª T., AI 201.132-9-AgRg, Min. Sepúlveda Pertence, j. 11.11.97, DJU 19.12.97)." (NEGRÃO, Theotonio; FERREIRA GOUVÊA, José Roberto; AIDAR BONDIOLI, Luis Guilherme; NAVES DA FONSECA, João Francisco. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 520) (g. n.). Eventual alegação de que não é cabível o julgamento monocrático no caso presente resta superada, frente à apresentação do recurso para julgamento colegiado. Consigno, finalmente, que foram analisadas todas as alegações constantes do recurso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada no decisum recorrido. Isto posto, CONHEÇO EM PARTE e, na parte conhecida, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO da GMR. Saliento que eventuais embargos de declaração opostos com o intuito de rediscutir as questões de mérito já definidas no julgado serão considerados meramente protelatórios, cabendo a aplicação de multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC. Por último, de forma a evitar a oposição de embargos de declaração destinados meramente ao prequestionamento e de modo a viabilizar o acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda a matéria constitucional e infraconstitucional suscitada nos autos, uma vez que apreciadas as questões relacionadas à controvérsia por este Colegiado, ainda que não tenha ocorrido a individualização de cada um dos argumentos ou dispositivos legais invocados, cenário ademais incapaz de negativamente influir na conclusão adotada, competindo às partes observar o disposto no artigo 1.026, §2º do CPC. É O VOTO.
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: OBERDAN MOREIRA ELIAS - SP164578-A
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0014042-12.2007.4.03.6104
RELATOR: Gab. 01 - DES. FED. DAVID DANTAS
APELANTE: GMR GRADUAL REALTY S.A.
Advogados do(a) APELANTE: ANTONIO CELSO FONSECA PUGLIESE - SP155105-A, BRUNO SANCHEZ BELO - SP287404-A, LUIZA FRANCESCHINI CHADE - SP390681-A, RAQUEL ROTHER BEZERRA - SP471662
APELADO: UNIÃO FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
ASSISTENTE: MUNICIPIO DE SAO VICENTE
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: ISABELLA CARDOSO ADEGAS - SP175542-A
ADVOGADO do(a) ASSISTENTE: OBERDAN MOREIRA ELIAS - SP164578-A
V O T O
O EXMO. SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL DAVID DANTAS:
De início consigo que tal qual o pretérito artigo 557 do CPC de 1973, a regra do artigo 932,incisos V e V, do Novo CPC pode ser utilizada no caso de jurisprudência dominante, ressaltando-se que alegações de descabimento da decisão monocrática ou nulidade perdem o objeto com a mera submissão do agravo ao crivo da Turma (mutatis mutandis, vide STJ-Corte Especial, REsp 1.049.974, Min. Luiz Fux, j. 2.6.10, DJ 3.8910).
O caso dos autos não é de retratação.
Do conhecimento parcial do recurso
Inicialmente, deixo de conhecer do recurso da GMR no que diz respeito à alegação de nulidade do procedimento demarcatório.
Tal questão não possui relevância à análise realizada nos presentes autos, a qual, diversamente do que alegou a agravante, não se baseou nas conclusões dos procedimentos demarcatórios, mas em laudo pericial extenso e complexo, realizado por profissional de confiança do juízo, em respeito à decisão anteriormente proferida por esta Corte nos autos do agravo de instrumento nº 0029076- 59.2014.4.03.0000.
Assim sendo, eventual nulidade do procedimento demarcatório em nada influiria na decisão ora combatida. O recurso com razões dissociadas do provimento a que se quer ver reformado não merece ser conhecido, dada a sua inadmissibilidade. Confira-se:
"PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. RAZÕES DISSOCIADAS DA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEI N.º 8.036/90, ART. 29-C. RECURSO CONHECIDO EM PARTE E PROVIDO.
1. Não se conhece de apelação cujas razões sejam dissociadas da fundamentação expendida na sentença.
2. Nas demandas entre o FGTS e os titulares de contas vinculadas, bem como naquelas em que figurem os respectivos representantes ou substitutos processuais, não haverá condenação ao pagamento de honorários advocatícios (Lei n.º 8.036/90, art. 29-C)."
(TRF da 3ª Região, AC 2005.61.26.002970-0, Segunda Turma, rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, DJU 14/09/2007. p. 429).
"PROCESSUAL CIVIL - RECURSO ESPECIAL - OFENSA A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL - ART. 535 DO CPC - VIOLAÇÃO INEXISTENTE - RAZÕES RECURSAIS QUE NÃO ATACAM OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA - AUSÊNCIA DA REGULARIDADE FORMAL
1. O especial é via recursal inadequada quando se trata de suscitar violação a dispositivo constitucional.
2. Inocorre ofensa ao artigo 535 do CPC quando o Tribunal a quo se manifesta acerca das questões suscitadas pela recorrente.
3. Não merece ser conhecida a apelação se as razões recursais não combatem a fundamentação da sentença - Inteligência dos arts. 514 e 515 do CPC - Precedentes.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, improvido."
(STJ, REsp 686724/RS, Segunda Turma, rel. Min. Eliana Calmon, DJ 03/10/2005, p. 203).
Da mesma forma, deixo de conhecer do recurso no que diz respeito às alegações de (i) prescrição da pretensão de ressarcimento formulada pela CEF; (ii) existência de solidariedade entre a GMR e os demais interessados; e (iii) não incidência de juros de mora.
Ainda que, na decisão combatida, tenham sido julgados em conjunto os recursos de apelação interpostos nos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104, o objeto do presente processo é unicamente o direito da União em imitir-se na posse dos imóveis. Os argumentos relativos à lide existente entre a CEF e a GMR devem ser apresentados exclusivamente nos autos em que ambas são partes, o que não é o caso dos autos.
Passo à análise dos demais pontos do recurso.
Da caracterização dos imóveis como terrenos de marinha
O cerne da controvérsia expressa nos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0008588-17.2008.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104 diz respeito à caracterização, como terrenos de marinha ou acrescidos de marinha, dos imóveis registrados sob as matrículas nº 129.444, 130.349 e 130.350 no Cartório de Registro de Imóveis de São Vicente.
Nos termos do art. 20, VII, da Constituição Federal, são bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos.
O Decreto-Lei nº 9.760/1946 conceitua os terrenos de marinha e acrescidos de marinha nos seus artigos 2º e 3º:
“ Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831:
a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés;
b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés.
Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano.
Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha.”
A identificação destes terrenos é realizada a partir da determinação da linha do preamar-médio de 1831 (LPM-1831), em procedimento demarcatório conduzido pelo Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.), conforme procedimento previsto nos artigos 9º e 10 do DL 9.760/46.
No caso, a área em discussão foi objeto dos procedimentos de demarcação nº 1.154/53 e 2.253/54. Contudo, em acórdão proferido no AI 0029076-59.2014.4.03.0000 e transitado em julgado em 14/04/2021, esta Primeira Turma determinou a produção de prova pericial, a fim de verificar se os imóveis se encontram localizados em terreno de marinha, em razão da existência de controvérsia nos autos a respeito da legalidade da demarcação anterior.
A prova pericial foi realizada, nos autos de nº 0010789-45.2009.4.03.6104.
O perito realizou o cálculo da cota altimétrica da LPM-1831 com base em dois diferentes critérios: a média aritmética das doze maiores marés mensais e a média de todas as preamares no período considerado, tendo chegado, respectivamente, aos resultados de +0,91 m e +0,62 m.
A partir da planta nº 344/70 do Cadastro Técnico da Baixada Santista, referente ao levantamento aerofotogramétrico datado de novembro de 1972, o perito verificou que, mesmo após a realização das obras da DNOS, a área em discussão apresentava cotas altimétricas de, no máximo, +0,40 m – abaixo da cota altimétrica da LPM-1831, independentemente do critério considerado no seu cálculo. Assim, concluiu o perito que os terrenos ficavam ordinariamente submersos na média das preamares.
Noto que, de acordo com o perito, a área em discussão “estava originalmente inserida em extenso manguezal, que foi em grande parte extinto no início da de 1950 pelas obras de saneamento realizadas na região pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS)”. A existência do mangue na região consta, inclusive, das matrículas mais antigas do imóvel.
A existência desta área de manguezal extinto corrobora a conclusão de que a área em questão costumava ser alagada, com influência direta das marés. Há, ademais, demonstração cabal de que a área de manguezal ainda não estava extinta em 1831, ano a ser considerado para a determinação da posição da linha do preamar-médio.
Tem-se, portanto, terreno hoje situado no continente, que em 1831 ficava submerso na média das preamares. Ademais, concluiu o perito que “o trecho natural remanescente do Rio do Bugre, localizado próximo da área em apreço, sofre notória influência da maré, da mesma forma que os canais de drenagem do DNOS localizados nas Avenidas Penedo e Sambaiatuba, que hoje delimitam a área em questão, refletem as variações cíclicas do nível do mar”.
Concluo, assim, que os imóveis registrados sob as matrículas nº 129.444, 130.349 e 130.350 no CRI de São Vicente localizam-se em terrenos de marinha, e consequentemente são de propriedade da União.
Esclareço, por oportuno, que não se sustenta a alegação da GMR, de que o trabalho pericial apresenta inconsistências técnicas e conceituais não esclarecidas após impugnação. Friso que a perícia foi realizada por profissional de confiança do Juízo, equidistante das partes e que possui conhecimentos técnicos, sendo as impugnações da GMR insuficientes para desqualificá-la.
Da ocupação irregular dos terrenos pela GMR
Uma vez estabelecido que os imóveis objeto das matrículas nº 129.444, 130.349 e 130.350 no CRI de São Vicente são de propriedade da União, passo à investigação do direito da GMR sobre os mesmos.
O uso de terrenos de marinha por particulares pode ser autorizado sob dois diferentes regimes: o aforamento ou a ocupação.
Pelo aforamento, ou enfiteuse, a União pode realizar a transferência do domínio útil do bem a particulares, após a realização de procedimento administrativo detalhado na Lei nº 9.636/98 e Decreto-lei nº 9.760/46. Em contrapartida, o particular pagará anualmente à União foro de 0,6% do valor do domínio pleno. Além disso, será devido laudêmio sempre que houver transferência do domínio útil do imóvel.
Pela ocupação, a União permite que o particular utilize o terreno de marinha, mediante pagamento anual de taxa de ocupação de 2% do valor do domínio pleno do terreno, excluídas as benfeitorias (art. 1º do Decreto-lei nº2.398/87). A ocupação deve ser inscrita perante a Secretaria do Patrimônio da União, constituindo-se em ato precário, resolúvel a qualquer tempo, nos termos do art. 7º da Lei nº 9.636/98.
No caso, os terrenos em discussão nunca foram aforados pela União, de forma a se concluir que a GMR nunca deteve domínio útil sobre os mesmos. Assim, para verificação de sua posse em relação a eles, faz-se necessária a análise do histórico registral da área em discussão, esmiuçado pelo perito judicial em seu laudo.
Verifico que o terreno se encontrava inicialmente registrado na averbação nº 3 da Transcrição nº 19.561 do 3º CRI de Santos. Desta averbação, constava da descrição do imóvel a presença de mangue na área, assim como fato de que o mesmo era dividido por terreno de marinha.
Em 13/03/1974, a Imobiliária Itararé adquiriu o terreno, tendo sido realizado o respectivo registro na Transcrição nº 57.304 do CRI de São Vicente. Segundo esclareceu o perito, “consta do título aquisitivo da Imobiliária Itararé (anexo 4) a transcrição do Alvará nº 1.901-73 do SPU, datado de 12/12/1973, que concede licença ao Banco Faro para transferir à Imobiliária Itararé a ocupação de terreno de mangue localizado no Rio Catarina de Moraes”.
Em 1999, a Imobiliária Itararé requereu ao Juízo da Corregedoria Permanente do CRI de São Vicente a abertura de nova matrícula para o imóvel. Com o deferimento do pedido, foi aberta em 13/08/1999 a Matrícula nº 127.246 no CRI de São Vicente. A nova matrícula aberta não explicitou a natureza de terreno de marinha da área.
Em algum momento do ano 2000, a GMR adquiriu o terreno da Imobiliária Itararé. Existem nos autos dois diferentes compromissos de compra e venda assinados pelas partes, com o mesmo objeto, datados de 19/05/1999 e 19/01/2000. Ao final, foi levado a registro no CRI de São Vicente o contrato assinado em 19/01/2000.
Em 18/10/2001, a Matrícula nº 127.246 foi desmembrada a pedido da GMR, originando as Matrículas 129.444 (Lote 1) e 129.445 (Lote 2). Esta última, por sua vez, foi novamente fracionada, originando as Matrículas nº 130.349 e 130.350.
A área objeto da Matrícula 129.444 (Lote 1) permaneceu registrada em nome da GMR, enquanto a área das Matrículas 130.349 e 130.350 (Lote 2) foi vendida pela GMR ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), em 2002.
A SPU havia autorizado que a Imobiliária Itararé exercesse ocupação sobre os terrenos, conforme resta evidenciado pela análise do Alvará constante da Transcrição nº 57.304 do CRI de São Vicente (ID 280155749). Contudo, quando da celebração do negócio de compra e venda entre a GMR e a Imobiliária Itararé, as partes não providenciaram a necessária autorização da União para ocupação do terreno.
Este motivo, inclusive, levou ao cancelamento do RIP 7121-0004862-37, segundo informou a SPU em manifestação (ID 280155846 dos autos nº 0010789-45.2009.4.03.6104:
“(...) o RIP 7121-0004862-37, específico do terreno em questão, com área de 43.776,00m², foi cancelado (SEI ME 29706697), devido a débitos acumulados e irregularidades nos processos de transferências da área, que ocorreram sem nunca terem sido autorizados pela SPU/SP. As irregularidades foram identificadas e registradas no processo 04977.276307/2004-35”
Resta evidente, portanto, que a ocupação do terreno pela GMR se deu de forma irregular. Por este motivo, não lhe é devida qualquer indenização, conforme dispõe o art. 71 do Decreto-lei nº 9.760/46:
Art. 71. O ocupante de imóvel da União sem assentimento desta, poderá ser sumariamente despejado e perderá, sem direito a qualquer indenização, tudo quanto haja incorporado ao solo, ficando ainda sujeito ao disposto nos arts. 513, 515 e 517 do Código Civil.
No mesmo sentido, dispõe a Súmula 619 do C. STJ:
“A ocupação indevida de bem público configura mera detenção, de natureza precária, insuscetível de retenção ou indenização por acessões e benfeitorias”.
É irrelevante neste ponto a existência de matrícula em registro de imóveis do qual a GMR constava como proprietária, tendo em vista que "os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União" (Súmula 496-STJ).
Destaco ainda que a ocupação da GMR não pode ser tida como de boa fé, pois existem nos autos elementos que permitem concluir que esta tinha, ou ao menos deveria ter, ciência de que os imóveis se encontravam localizados em terrenos de marinha.
Conforme mencionado acima, constam dos autos dois compromissos de compra e venda assinados pela GMR e pela Imobiliária Itararé. O contrato mais antigo, datado de 19/05/1999, foi assinado por Roberto Sahade, enquanto sócio-diretor da GMR, e por Moukbel Sahade, enquanto procurador da Imobiliária Itararé. Uma vez que o referido contrato foi assinado antes da abertura da a Matrícula nº 127.246 no CRI de São Vicente, é razoável concluir que a GMR teve acesso, durante as negociações, à Transcrição nº 57.304, da qual constava transcrição do Alvará nº 1.901-73 do SPU, deixando claro que a Imobiliária Itararé possuía apenas direito de ocupação do terreno. Ademais, constou do contrato que o imóvel se encontrava inscrito junto à SPU sob o RIP nº 71210004862-3.
Chama atenção, ainda, que o Sr. Moukbel tenha assinado o pedido dirigido ao Juiz Corregedor Permanente do CRI de São Vicente, para abertura da Matrícula nº 127.246, na qualidade de procurador da GMR, pois o Sr. Moukbel já foi sócio da GMR (conforme 1ª Alteração do Contrato Social) e é pai dos Srs. Roberto, Guilherme e Marcelo Sahade, sócios da empresa à época do negócio.
Da conclusão
Não procedem, portanto, os argumentos expostos nas razões recusais.
No mais, é forte a jurisprudência desta Casa no sentido de que decisões condizentemente fundamentadas e sem máculas, tais como ilegalidade ou abuso de poder, não devem ser modificadas, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MANDADO DE SEGURANÇA. VIA INADEQUADA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
1- Segundo entendimento firmado nesta Corte, a decisão do Relator não deve ser alterada se solidamente fundamentada e dela não se vislumbrar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que resulte em dano irreparável ou de difícil reparação para a parte.
(...)
4- Agravo improvido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgMS 235404, proc. 2002.03.00.015855-6, rel. Des. Fed. Santos Neves, v. u., DJU 23/8/2007, p. 939)
"PROCESSO CIVIL. LIMINAR.PECIAL FEDERAL. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. DECISÃO FUNDAMENTADA.
I - É pacífico o entendimento nesta E. Corte, segundo o qual não cabe alterar decisões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa gerar dano irreparável ou de difícil reparação.
(...)
VI - Agravo não provido." (TRF - 3ª Região, 3ª Seção, AgRgAR 6420, A competência para processar e julgar as ações rescisórias ajuizadas contra decisões proferidas pelos Juizados Federais é do órgão de interposição dos próprios Juizados, isto é, das Turmas Recursais, não do Tribunal Regional Federal (artigos 102, I, ‘j’, 105, I, ‘e’, e 108, I, ‘b’, CF/88).
Esclareça-se que às Cortes Regionais Federais não incumbe rever os decisórios oriundos dos Juizados Especiais Federais, por se tratarem de órgãos jurisdicionais diversos.
De resto, fixadas a estruturação e competência da Justiça Especializada por força de lei (Leis nº 9.099/95 e 10.259/2001), cediço que o reexame das causas ali julgadas há de ser realizado pelos Juízos de interposição correlatos”. (Turmas Recursais proc. 2008.03.00.034022-1, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., DJF3 21/11/2008).
Ainda: AgRgAR 5182, rel. Des. Fed. Marianina Galante, v. u., e-DJF3 24/9/2012; AgAR 2518, rel. Des. Fed. Lucia Ursaia, v. u., e-DJF3 17/8/2012; AgAR 2495, rel. Des. Fed. Nelson Bernardes, v. u., e-DJF3 23/7/2012; AgRgAR 8536, rel. Des. Fed. Vera Jucovsky, v. u., e-DJF3 22/5/2012; AgRgAR 8419, rel. Des. Fed. Vera Jucovsky, v. u., e-DJF3 16/3/2012.
Ad argumentandum tantum, "Não viola o princípio da legalidade a invocação da jurisprudência como razão de decidir; reportar-se à jurisprudência é forma abreviada de acolher a interpretação da lei que nela se consagrou" (STF - 1ª T., AI 201.132-9-AgRg, Min. Sepúlveda Pertence, j. 11.11.97, DJU 19.12.97)." (NEGRÃO, Theotonio; FERREIRA GOUVÊA, José Roberto; AIDAR BONDIOLI, Luis Guilherme; NAVES DA FONSECA, João Francisco. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 44ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 520) (g. n.).
Eventual alegação de que não é cabível o julgamento monocrático no caso presente resta superada, frente à apresentação do recurso para julgamento colegiado.
Consigno, finalmente, que foram analisadas todas as alegações constantes do recurso capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada no decisum recorrido.
Isto posto, CONHEÇO EM PARTE e, na parte conhecida, NEGO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO da GMR.
Saliento que eventuais embargos de declaração opostos com o intuito de rediscutir as questões de mérito já definidas no julgado serão considerados meramente protelatórios, cabendo a aplicação de multa não excedente a dois por cento sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC.
Por último, de forma a evitar a oposição de embargos de declaração destinados meramente ao prequestionamento e de modo a viabilizar o acesso às vias extraordinária e especial, considera-se prequestionada toda a matéria constitucional e infraconstitucional suscitada nos autos, uma vez que apreciadas as questões relacionadas à controvérsia por este Colegiado, ainda que não tenha ocorrido a individualização de cada um dos argumentos ou dispositivos legais invocados, cenário ademais incapaz de negativamente influir na conclusão adotada, competindo às partes observar o disposto no artigo 1.026, §2º do CPC.
É O VOTO.
E M E N T A
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. RAZÕES PARCIALMENTE DIVERGENTES. OCUPAÇÃO IRREGULAR DE TERRENO DE MARINHA. RECURSOS CONHECIDO EM PARTE E DESPROVIDO.
I. Caso em exame
1. Agravo interno interposto pela GMR Gradual Realty S.A. contra decisão que determinou o julgamento conjunto dos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0008588-17.2008.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104, nos termos do art. 55, § 3º, do NCPC.
II. Questão em discussão
2. As questões em discussão consistem em: (i) analisar se a pretensão de ressarcimento formulada pela CEF se encontra prescrita; (ii) verificar se o procedimento demarcatório foi nulo; (iii) examinar se o imóvel objeto da ação em referência se caracteriza como terreno de marinha ou acrescido de marinha; (iv) determinar se há solidariedade entre a GMR e os demais interessados (Imobiliária Itararé, Moukbel Roberto Sahade e Estado de São Paulo); (v) averiguar se são devidos juros de mora pela GMR; e (vi) apurar se é devida indenização à GMR pela extinção da enfiteuse.
III. Razões de decidir
3. Eventual nulidade do procedimento demarcatório em nada influiria na decisão ora combatida, que não se baseou em suas conclusões, mas em laudo pericial extenso e complexo, realizado por profissional de confiança do juízo, em respeito à decisão anteriormente proferida por esta Corte nos autos do agravo de instrumento nº 0029076- 59.2014.4.03.0000. Recurso não conhecido neste ponto.
4. Ainda que, na decisão combatida, tenham sido julgados em conjunto os recursos de apelação interpostos nos processos nº 014042-12.2007.4.03.6104, 0011357-95.2008.4.03.6104 e 0010789-45.2009.4.03.6104, o objeto do presente processo é unicamente o direito da União em imitir-se na posse dos imóveis. Os argumentos relativos à lide existente entre a CEF e a GMR devem ser apresentados exclusivamente nos autos em que ambas são partes. Recurso não conhecido nestes pontos.
5. A perícia judicial concluiu que o imóvel está situado em terreno de marinha, sendo de propriedade da União.
6. Os terrenos em discussão nunca foram aforados pela União, de forma a se concluir que a GMR nunca deteve domínio útil sobre os mesmos. Da mesma forma, quando da celebração do negócio de compra e venda entre a GMR e a Imobiliária Itararé, as partes não providenciaram a necessária autorização da União para ocupação do terreno.
7. A ocupação irregular do terreno sem autorização da União caracteriza detenção precária, sem direito a indenização, nos termos do art. 71 do Decreto-Lei nº 9.760/46.
IV. Dispositivo e tese
8. Recurso da GMR conhecido em parte e desprovido.
Tese de julgamento:
"1. A ocupação irregular de imóvel situado em terreno de marinha, sem assentimento da União, não gera direito a indenização."
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 20, VII; Decreto-Lei nº 9.760/46, artigos 2º, 3º e 71; Lei nº 9.636/98, art. 7º.
Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 619; STJ, Súmula 496.