APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000016-52.2020.4.03.6108
RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO
APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MUNICIPIO DE BAURU
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS BONAFIM NEGRI - SP266436-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE BAURU, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
Advogado do(a) APELADO: LUIZ CARLOS BONAFIM NEGRI - SP266436-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000016-52.2020.4.03.6108 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MUNICIPIO DE BAURU Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS BONAFIM NEGRI - SP266436-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE BAURU, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: LUIZ CARLOS BONAFIM NEGRI - SP266436-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: Trata-se de apelações interpostas, respectivamente, pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL e pelo MUNICÍPIO DE BAURU contra a sentença (ID 281458062) que julgou parcialmente procedente os pedidos formulados nos autos da Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, do MUNICÍPIO DE BAURU/SP e da UNIÃO, pretendendo compelir a parte contrária a cumprir obrigações de fazer relativas à fiscalização de supostas ocupações irregulares, cessões irregulares, e abandono das unidades habitacionais do empreendimento “Residencial Três Américas II”, construídos com recursos públicos por meio do Programa Minha Casa e Minha Vida, bem como a condenação das corresponsáveis, ao pagamento de danos morais coletivos. Na origem, aduz o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (ID 281457573) que, por meio do Procedimento Administrativo nº 1.34.003.000187/2014-91 apurou ocupações irregulares, cessões irregulares e abandono de unidades habitacionais no empreendimento RESIDENCIAL TRÊS AMÉRICAS II no Município de Bauru/SP, o qual foi construído com recurso público da União (Fundo de Arrendamento Residencial), por meio do Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV. Alega que, em vistoria realizada pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis, constatou-se que vários mutuários/beneficiários de unidades habitacionais estão realizando a venda, o aluguel, a cessão e o abandono de imóveis. Aponta que a referida vistoria foi realizada em 384 unidades, das quais 219 estavam com ocupação regular, 40 foram encontradas fechadas, 84 com suspeita de ocupação irregular e 04, comprovadamente, ocupadas irregularmente. Afirma que, de acordo com art. 3º da Lei º 11.977/2009, seria de competência do Município de Bauru e da Caixa Econômica Federal a responsabilidade de executar trabalho técnico e social pós-ocupação dos empreendimentos e que, diante do apurado, há negligência por parte das mesmas quanto à fiscalização e adoção de providências em relação às irregularidades. Assevera que a União também é corresponsável, quanto à responsabilidade da Caixa, pois por meio do Ministério das Cidades, atual Ministério do Desenvolvimento Regional, por expressa disposição legal, deveria fiscalizar e cobrar da CEF uma atuação condizente com a sua responsabilidade e remuneração recebidas dos cofres públicos para a implementação do programa habitacional. Foi determinada a intimação das partes quanto ao pedido liminar (ID 281457929). A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (ID 281457941), em resumo, requer o indeferimento do pedido de antecipação de tutela em razão da irreversibilidade das medidas requeridas, bem como por entender que não estão presentes os requisitos necessários para a concessão da tutela. O MUNICÍPIO DE BAURU (ID 281457945) aponta a complexidade do Programa Minha Casa Minha Vida, a sua ilegitimidade, e pugna pela realização de audiência de conciliação. A UNIÃO apresentou manifestação (ID 281457947), por meio da qual alega litispendência dos pedidos formulados com a ação civil pública nº 5002994-36.2019.4.03.6108. Ainda, pugna pelo reconhecimento de sua ilegitimidade para figurar no polo passivo e pelo indeferimento do pedido liminar. Sustenta seu pedido alegando, em síntese, que conforme a Lei nº 11.977/2009 que trata do Fundo de Arrendamento Residencial – FAR, a gestão exclusiva do referido fundo é da Caixa Econômica Federal e que ao Ministério das Cidades coube apenas estabelecer diretrizes gerais para a aplicação dos recursos. Requer o reconhecimento da litispendência no que tange a parte dos pedidos, bem como a sua exclusão do polo passivo da lide ou, que seja indeferido o pedido liminar. Foi concedida parcialmente a tutela provisória para determinar à CEF: “a) se houve ajuizamento de ações de reintegração de posse ou medidas cautelares de produção de provas, em relação aos mutuários da Tabela 1, relacionada na petição inicial e, em caso negativo (não ajuizamento de ações possessórias), justificar os motivos; b) se houve ajuizamento de ações de reintegração, ou medidas cautelares de produção de provas, e se, nos termos do acordado na reunião realizada aos 25.10.2018, houve, pela CAIXA, encaminhamento das denúncias diretamente à Polícia Federal com representação para instauração de inquérito policial (v. item “f” da ata acostada às fls. 530/531), em relação aos mutuários descritos na Tabela 2, em caso negativo, justificar os motivos; c) se houve encaminhamento das denúncias diretamente à Polícia Federal com representação para instauração de inquérito policial (v. item “f” da ata acostada às fls. 530/531), relativamente aos mutuários da Tabela 3 (denúncias procedentes, com ajuizamento de ação de reintegração de posse pela Caixa Econômica Federal, sem instauração de investigação criminal) e, em caso negativo, justificar os motivos”. Foi determinado à CEF, ainda: “que a CEF informe nos autos, em até 90 dias, quais as medidas adotadas para rescisão dos contratos, ou mesmo a propositura de medidas cautelares de produção de provas, investigação criminal e retomada dos imóveis dos mutuários indicados na Tabela 4 (a CAIXA ou decisões do Juízo cível concluíram pela improcedência da denúncia na época, mas há divergência na vistoria recente do CRCI) e na Tabela 5 (casos novos de irregularidades ou suspeitas de irregularidades apontados pela vistoria do Conselho Regional de Corretores de Imóveis em 02/07/2019 e que não estavam em apuração), comprovando-se nos autos”. Na oportunidade, também foi designada audiência de tentativa de conciliação (ID 281457951). A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL prestou informações (ID 281457960). Foi cancela audiência designada para tentativa de conciliação (ID 281457964). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou documentos a respeito de novos levantamentos que forma realizados no Residencial Três Américas II (281457968). O MUNICÍPIO DE BAURU (ID 281457976) apresentou contestação, descrevendo o papel do Município no período anterior à ocupação dos imóveis e no momento posterior a ocupação. Afirma que entregou à Caixa Econômica Federal o empreendimento Três Américas II terminado e pronto para morar, bem como o cadastro com as famílias beneficiadas. Discorre que foi celebrado contrato entre a CEF e cada um dos mutuários, razão pela qual defende que a responsabilidade de fiscalização é da CEF. Assevera que o acompanhamento de famílias em condições de risco social é realizado pelo Município de Bauru por meio da Secretaria Municipal do Bem Estar Social estejam estas famílias onde estiverem, inclusive no Residencial Três Américas II e que esta ação é espontânea. Aduz que este trabalho depende de uma relação de confiança entre os profissionais da Secretaria Municipal do Bem Estar Social e as famílias assistidas, o que é incompatível com o trabalho de fiscalização do empreendimento. Aponta que a obrigação de acompanhamento e capacitação de gestão condominial é da CEF, mas que por algum tempo foi repassada para o Município por meio de contrato, que atuava utilizando da equipe multissetorial. Esclarece que a CEF utilizava das informações apresentadas pelo Município para realizar a gestão do contrato relativo aos imóveis, mas que posteriormente foi finalizado o contrato. Alega que o que era uma colaboração passou a ser tratada como uma obrigação do Município de Bauru, com requisições do Ministério Público Federal para que as fiscalizações contratuais continuassem a ser feitas pelo Município. Por fim, pugna pelo julgamento de improcedência da ação em relação ao Município de Bauru. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou réplica à contestação do Município de Bauru (ID 281457978). Determinado às partes a apresentação das provas que pretendem produzir (ID 281457994). A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL apresentou contestação (ID 281457998), em que, preliminarmente, alega carência da ação em razão de ausência de fundamento legal, ilegitimidade passiva da CEF e inadequação da via eleita. No mérito, defende não existir previsão legal de atribuição de responsabilidade da CEF para promover fiscalização, in loco, como pretendido, pois a instituição era mero agente financeiro de políticas públicas, responsável por viabilizar ao Município a produção do empreendimento do PMCMV. Aduz que os problemas no empreendimento decorrem de ausência de políticas públicas. Por fim, quanto ao pedido de condenação em danos morais, sustenta não ser possível indenizar um dano genérico e sem qualquer indicação de qual teria sido o dano e qual suposto beneficiário o teria sofrido. O MUNICÍPIO DE BAURU apresentou documentos a respeito do acompanhamento social realizado no empreendimento (ID 281458000). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou réplica às manifestações das rés (ID 281458021). Foi proferida decisão afastando as preliminares arguidas (ID 281458054). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou manifestação (ID 281458055). O Juiz de origem proferiu sentença (281458062) em que, com relação à União, julgou extinto, sem resolução do mérito, os pedidos relacionados no item b.2; b.3; b.4; b.5 e IV.3 “b” constantes na petição inicial, por já estarem sendo analisados na Ação Civil Pública nº 5002994-36.2019.4.03.6108. No mérito, julgou improcedentes o pedido de criação de cadastro nos termos do item b da página 27 do id. 26144763 e o pedido de condenação em danos morais. Ratificou a liminar e, julgou parcialmente procedentes os demais pedidos “para condenar a CAIXA e o Município de Bauru a apresentarem em Juízo proposta de rotina de fiscalização contínua de regularidade de ocupação de unidades habitacionais no Residencial Três Américas II/Bauru, elencando os procedimentos a serem adotados”. Ainda, determinou à CAIXA “adotar - se já não o fez devido ao deferimento da tutela - as medidas necessárias em relação aos mutuários das Tabelas 1 a 3 e 5 listadas pelo MPF no id. 26144763 - Pág. 29 e ss. e que dão conta de casos em que a instituição financeira verificou irregularidades, alguns com instauração de investigação criminal e com a correspondente ação de reintegração de posse) ou uma ou outra. A tabela cinco contempla “casos novos de irregularidades ou suspeitas de irregularidades apontados pela vistoria do Conselho Regional de Corretores de Imóveis em 02/07/2019”. Não houve condenação ao pagamento de honorários advocatícios, com o fundamento de que "O STJ entende que o Ministério público somente pode ser condenado ao pagamento de honorários advocatícios – em sede de ação civil pública e de improbidade administrativa - nos casos de prova irrefutável de sua má-fé. Dentro de critério de absoluta simetria, se o Ministério Público não paga os honorários, também não deve recebê-los (Precedente: REsp 1099573/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 27/04/2010, DJe 19/05/2010)". As custas foram fixadas em desfavor da parte autora, das quais é isenta. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou expressamente o desinteresse em recorrer (ID 281458063). A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL apresentou apelação (ID 281458064), em que se insurge contra o afastamento das preliminares arguidas em contestação. Aduz inadequação da via eleita, nos termos do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 7.347/1985, uma vez que a pretensão nesses autos volta-se contra o FAR, fundo institucional. Assevera que a função de fiscalizar é tarefa complexa e dispendiosa, e que a CEF não detém pessoal preparado, e o PMCMV também não possui previsão orçamentária. Defende que, por outro lado, com relação ao Município não há impedimento legal para o prosseguimento da Ação Civil Pública. No mérito, em resumo, alega que conforme legislação vigente, compete ao Município a fiscalização e levantamento das irregularidades na ocupação das unidades habitacionais construídas e financiadas no bojo do PMCMV e que à CEF, de posse da fiscalização realizada pelo Município, inicia o processo administrativo de apuração do descumprimento contratual. Requer seja reconhecida a sua ilegitimidade passiva ou, subsidiariamente seja reconhecida a falta de interesse processual ou reformada a sentença para julgar improcedentes todos os pedidos. O MUNICÍPIO DE BAURU apresentou apelação (ID 281458066), em que alega a sua ilegitimidade e a ausência de responsabilidade do Município, sob o argumento de que não existe qualquer norma que que determine ao Município a fiscalização do cumprimento do contrato entre a CEF e os mutuários. Afirma que a única obrigação do Município de Bauru prevista nas Portarias e Resoluções que regulamentam o Programa Minha Casa Minha Vida é de acompanhamento social das famílias dos mutuários. Assevera que o Residencial Três Américas II é do anos de 2012 e regido pelas normas vigentes à época, as quais não previam a competência do ente de fiscalizar. Requer o acolhimento da preliminar de ilegitimidade e, no mérito, o reconhecimento da inexistência de responsabilidade do Município de Bauru. A CAIXA ENCONÔMICA FEDERAL apresentou contrarrazões à apelação do Município de Bauru (ID 281458071). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou contrarrazões às apelações do Município de Bauru e da Caixa Econômica Federal (ID 281458072). O MUNICÍPIO DE BAURU apresentou contrarrazões à apelação da Caixa Econômica Federal (ID 281458073). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou parecer pugnando pelo desprovimento das apelações (ID 282937222). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000016-52.2020.4.03.6108 RELATOR: Gab. 02 - DES. FED. RENATO BECHO APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MUNICIPIO DE BAURU Advogado do(a) APELANTE: LUIZ CARLOS BONAFIM NEGRI - SP266436-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, UNIÃO FEDERAL, MUNICIPIO DE BAURU, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP Advogado do(a) APELADO: LUIZ CARLOS BONAFIM NEGRI - SP266436-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RENATO BECHO, RELATOR: Trata-se Ação Civil Pública objetivando apurar ocupações e cessões irregulares e abandono de unidades habitacionais no empreendimento RESIDENCIAL TRÊS AMÉRICAS II, na cidade de Bauru, construído com recursos públicos da União, no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, mais especificamente, recursos do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial), bem como responsabilizar a União, o Município de Bauru e a Caixa Econômica Federal quanto à fiscalização do pós-ocupação dos imóveis. Das preliminares Inicialmente, em suas apelações, tanto a Caixa Econômica Federal quanto o Município de Bauru apresentaram preliminares. A CEF reitera a preliminar de ilegitimidade passiva e inadequação da via eleita e o Município de Bauru também apresentou preliminar de ilegitimidade passiva. As questões preliminares sobre ilegitimidade passiva, embora se confundam com o próprio mérito, como salientado pelo Juízo de primeiro grau na sentença, foram afastadas na decisão ID 281458053, proferida em setembro de 2022, e em face dela não houve recurso das partes, razão pela qual precluiu o direito de nova discussão. Por outro lado, no que tange a preliminar de inadequação da via eleita, não verifiquei a análise específica pelo Juízo de origem, logo, por se tratar de matéria de ordem pública, passo a sua análise. A CEF, com fundamento no art. 1º, parágrafo único da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), o qual dispõe que: "Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados", aduz que questões que envolvam fundos institucionais não podem ser objeto de pedido em Ação Civil Pública, vez que possuem leis específicas. Entretanto, afasto a preliminar de inadequação da via eleita, porquanto, como salientado pelo Ministério Público Federal, o fundo institucional, em sim, não é o objeto da presente Ação Civil Pública. Na realidade, o que se pretende é a implementação de rotinas para que a parte contrária possa se organizar e efetivar seus deveres de fiscalização e acompanhamento, com relação à destinação das unidades habitacionais do PMCMV, pois os pedidos decorrem diretamente das obrigações impostas aos entes participantes do Programa Minha Casa Minha Vida. Ademais, a destinação inadequada da unidades habitacionais, construídas com recursos públicos, não prejudica apenas individuas determinados, mas toda a sociedade. Assim, diante de toda a complexidade da dinâmica que envolve o Programa Minha Casa Minha Vida, as determinações requeridas pelo Ministério Público Federal decorrem da interpretação e da busca pela solução dos problemas apontados nos autos, não havendo qualquer óbice pela utilização do instrumento processual escolhido. Da responsabilidade da Caixa Econômica Federal e do Município de Bauru Quanto ao mérito, saliente-se, primeiramente, que este julgador na Ação Civil Pública nº 5002994-36.2019.4.03.6108, a qual discutia questões de outro residencial, também no município de Bauru, mas com questões semelhantes às apresentadas nesses autos, já fixou entendimento a respeito das responsabilidade das partes envolvendo as irregularidades quanto à fiscalização dos empreendimentos construído por meio do PMCMV e, da análise detida da apresente ação não constatei fatos novos que pudessem levar a entendimento diverso do anteriormente construído. É incontroverso nos autos as irregularidades apontadas pelo Ministério Público Federal quanto a ocorrência de venda, abandono e ocupações irregulares nos imóveis objeto do programa habitacional, apurados no Procedimento Administrativo nº 1.34.003.000187/2014-91. A questão trazida nos recursos se delimita à existência de responsabilidade da Caixa Econômica Federal e do Município de Bauru/SP quanto à gestão dos empreendimentos no pós-ocupação, bem como quanto ao alcance das determinações de medidas de solução dos problemas por meio da presente Ação de Civil Pública. Conforme disposto na inicial, realizada vistoria pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis no empreendimento RESIDENCIAL TRÊS AMÉRCAS II, foram levantadas as seguintes irregularidades (ID 281457573, pág. 4): - 384 unidades do empreendimento foram visitadas pelos agentes de fiscalização do Conselho Regional de Corretores de Imóveis; - 219 unidades estavam com ocupação regular; - 40 unidades foram encontradas fechadas, sem coleta de informações; - 84 unidades estão com suspeita de ocupação irregular; - 4 unidades estão, comprovadamente, ocupadas irregularmente. O Ministério Público Federal assevera que “as normas que tratam do Programa Minha Casa Minha Vida preveem expressamente a responsabilidade da corré CAIXA também no pós-ocupação, e que a atuação e comunicação dos entes envolvidos devem ser coordenadas e integradas, inclusive para a elaboração e manutenção de cadastros unificados e consistentes; preveem ainda que deve haver rotina de fiscalização e acompanhamento, que as denúncias de irregularidade devem ser apuradas e que deve haver ampla divulgação das normas que regem o Programa (...)”. Quanto ao Município de Bauru, aponta que “a responsabilidade do Município de Bauru fica ainda mais evidente pelo fato de ter (ele próprio, como admitiu) também investido verbas públicas no empreendimento; ou seja, tendo despendido recursos públicos no Residencial Três Américas II, evidente que tem o dever de fiscalizar a correta aplicação e destinação dessas verbas, de acordo com os normativos do PMCMV”. O Município de Bauru, por sua vez, afirma que na fase do pós-ocupação suas obrigações se limitam à assistência social, e que não tem o dever legal ou contratual de fiscalizar os mutuários na referida fase. Alega que a CEF não tinha estrutura para fiscalizar os empreendimentos PMCV implantados em Bauru e que necessitava de ajuda, razão pela qual o Município se comprometeu a prestar a ajuda a título de colaboração, e que agora está sendo responsabilizado pela fiscalização dos empreendimentos, sem qualquer previsão legal. A Caixa Econômica Federal discorreu sobre a forma que se realiza os desdobramentos do PMCMV. Em apertada síntese, alega que a Lei nº 11.977/2009 atribuiu ao Ministério das Cidades a regulamentação do PMCMV, o qual no uso de suas atribuições editou a norma regulamentar do PMCMV, conforme Portaria nº 2.081/2020. E, conforme a Portaria, compete ao Município proceder à fiscalização e levantamento das irregularidade nos empreendimentos construídos no bojo do PMCMV, o qual deve relatar as suas conclusões, de forma documentada, à CEF para às medidas e providências para rescisão contratual e retomada dos imóveis. Pois bem. Após a análise apurada dos fatos, bem como considerando toda a dinâmica de ações que envolvem o Programa Minha Casa Minha Vida, com razão o Ministério Público Federal a respeito da responsabilidade da Caixa Econômica Federal e do Município de Bauru/SP no pós-ocupação, porquanto, considerando o objetivo do Programa, que é a concessão de moradia à população de baixa renda, especificamente situada na faixa 1 (renda mensal de até R$ 1.600,00), bem como da importância da conduta integrada dos órgãos e entes empenhados em sua execução, concluir de forma diferente poderia gerar distorções e dificultar o fiel desempenho do projeto. Nesse sentido, o artigo 3°, § 5º da Lei n° 11.977/2009, com redação dada pela Lei n° 13.590/2018 estabelece que incumbe aos Estados, Municípios e Distrito Federal que aderirem ao Programa Minha Casa Minha Vida e à Caixa Econômica Federal a responsabilidade pela execução do trabalho técnico e social pós-ocupação dos empreendimentos implantados, na forma estabelecida em termo de adesão a ser definido em regulamento, in verbis: "Art. 3º Para a indicação dos beneficiários do PMCMV, deverão ser observados os seguintes requisitos: (...) § 5º Os Estados, Municípios e Distrito Federal que aderirem ao PMCMV e a Caixa Econômica Federal serão responsáveis pela execução do trabalho técnico e social pós-ocupação dos empreendimentos implantados, na forma estabelecida em termo de adesão a ser definido em regulamento." Ainda, oDecreto nº 7.499/2011 que regulamenta a legislação supramencionada, dispõe que: "Art. 23. A participação dos estados, Distrito Federal e municípios no âmbito do PMCMV será regida por Termo de Adesão, a ser definido pelo Ministério das Cidades, que conferirá aos estados, municípios e ao Distrito Federal as seguintes atribuições: I - executar a seleção de beneficiários do PMCMV, observada a regulamentação do Ministério das Cidades; II - executar o trabalho técnico e social pós-ocupação dos empreendimentos implantados, definido como um conjunto de ações que visam promover o desenvolvimento da população beneficiária, de forma a favorecer a sustentabilidade do empreendimento, mediante a abordagem dos temas mobilização e organização comunitária, educação sanitária e ambiental, e geração de trabalho e renda; III - promover ações que facilitem a elaboração e execução de projetos, na forma disposta no art. 4º ; e IV - firmar, a cada projeto, instrumento de compromisso com a execução dos equipamentos e serviços, de que trata o inciso IV do art. 6º ." Importante ressaltar que, o art.5o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estabelece que "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". E o art. 22, § 1º, do mesmo diploma legal, quanto às normas sobre gestão pública dispõe: "Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados. § 1º Em decisão sobre regularidade de conduta ou validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, serão consideradas as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente." Dessa feita, como é precípuo o aspecto social do programa governamental em comento, é evidente a conclusão no sentido de que a verificação do cumprimento da destinação social das moradias do PMCMV não constitui dever exclusivo da União, mas, é dever ínsito às obrigações assumidas tanto pela CEF, como pelo ente Público Municipal. Entretanto, é necessário estabelecer de que modo deve ocorrer a fiscalização das unidades no pós-ocupação, bem como delimitar como cada envolvido deverá atuar, vez que reconhecer a responsabilidade das rés sem a devida indicação da forma que devem atuar é contraproducente, até mesmo porque, direcionar, por exemplo, Município e CEF para realizarem a mesma atividade de fiscalização, não se mostra o mais adequado. O Município foi o ente que realizou o cadastramento e seleção das famílias participantes do PMCMV. Foi ele quem teve o primeiro contato com os beneficiários e, como apontado nos autos, facilitou o trabalho de fiscalização a ser desenvolvido pela CEF. Embora o Município em suas manifestações defenda não possuir qualquer responsabilidade após a ocupação dos imóveis, tal postura é contrária ao que dispõe a Constituição Federal em seu art. 23, IX, eis que é competência também do Município "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico". Atuar na fase inicial do PMCV e, posteriormente, se eximir de qualquer responsabilidade quanto às irregularidades, descaracteriza a sua competência de resguardar e buscar as melhores condições de vida a seus munícipes. Assim, consoante já decidiu a Primeira Turma deste E. Tribunal, a fiscalização quanto à ocupação dos imóveis está mais intimamente relacionada às atividades rotineiramente desempenhadas pelo Município, cujos agentes gozam das prerrogativas de funcionários públicos, de sorte que a imposição do dever de fiscalização à municipalidade se afigura medida razoável, visto que tem maior alcance do que à CEF, in verbis: DIREITO ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NA OCUPAÇÃO DE IMÓVEIS ABRANGIDOS PELO PROGRAMA. DECISÃO LIMINAR QUE IMPÕE À MUNICIPALIDADE O DEVER DE FISCALIZAÇÃO QUANTO À OCUPAÇÃO DE IMÓVEIS ABRANGIDOS PELO PROGRAMA. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA COMINATÓRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PELA FAZENDA PÚBLICA. POSSIBILIDADE. VALOR RAZOÁVEL E ADEQUADO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. MANUTENÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO PROVIDO. 1. Incontroversa nos autos da ação civil pública ajuizada na origem a existência de elementos que apontam para a existência de possíveis irregularidades na ocupação de imóveis residenciais abrangidos pelo Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, cinge-se a controvérsia recursal ao dever da municipalidade de promover atos de fiscalização para averiguar a ocorrência destes possíveis vícios, bem como de informar as famílias selecionadas para o programa acerca da existência do número de telefone da Ouvidoria da CEF, destinada a receber e apurar notícias destas irregularidades, ao cabimento de multa cominatória em seu desfavor e à quantia fixada pelo Juízo de origem a este título. 2. Incumbe aos Estados, Municípios e Distrito Federal que aderirem ao Programa Minha Casa Minha Vida e à Caixa Econômica Federal a responsabilidade pela execução do trabalho técnico e social pós-ocupação dos empreendimentos implantados, na forma estabelecida em termo de adesão a ser definido em regulamento, nos termos do art. 3°, § 5º da Lei n° 11.977/2009, com redação dada pela Lei n° 13.590/2018. 3. Correta a conclusão a que chegou o Juízo de Origem, no sentido de que a execução do trabalho social de que tratam o art. 3°, § 5º da Lei n° 11.977/2009 e a alínea “k” do inciso “ii” da Cláusula Segunda do Termo de Adesão firmado entre o município e a CEF abrange o trabalho de fiscalização determinado na decisão agravada, fiscalização da qual depende a própria eficácia do programa habitacional governamental, já que há nos autos da ação civil pública de origem elementos que apontam para a ocorrência de diversas irregularidades na ocupação dos imóveis em questão, como a comercialização e locação destes imóveis, em detrimento dos objetivos do programa habitacional e de pessoas que preenchem os requisitos legais para dele participarem, mas que não lograram fazê-lo em razão da baixa oferta de imóveis. 4. Em razão dos deveres legais e regulamentares de execução do trabalho social pós-ocupação em relação às famílias participantes do Programa Minha Casa Minha Vida e de se tratarem de medidas que estão mais ao alcance do município do que da CEF, revela-se possível e razoável a imposição, à municipalidade, do dever de empreender fiscalização para averiguar possíveis irregularidades quanto à ocupação dos imóveis, devendo a decisão agravada ser mantida neste ponto. 5. Irreparável a decisão ao obrigar a municipalidade a “encaminhar a todas as famílias selecionadas nos programas de habitação de interesse social informativo sobre a existência do número da ouvidora da CEF acerca do tema (0800 725 7474 e 0800 721 6258) e sobre a forma de denunciar eventuais irregularidades”, o que constitui uma ferramenta a mais para se dar efetividade às medidas de fiscalização impostas pelo Juízo de Origem, sendo certo que o fato de que as famílias participantes do PMCMV já tiveram contato com este dado quando da adesão ao programa não afasta a relevância e a utilidade da medida, já que tal informação notoriamente vem acompanhada de inúmeros outros termos e cláusulas que os participantes devem observar, sendo, portanto, de pequena eficácia. 6. A Jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça tem assentado o entendimento de que é cabível a fixação de multa diária cominatória em desfavor da Fazenda Pública em caso de descumprimento de obrigação de fazer. Precedentes. 7. Sequer é possível se acolher o argumento de que não se poderia fixar multa em desfavor do ente público porque o dinheiro a ser utilizado para o seu pagamento adviria do Erário e poderia ser empregado a bem do interesse público, já que, em se tratando de decisão que impõe ao ente público obrigação de fazer possível e razoável, basta que a municipalidade venha a cumpri-la para não se ver obrigada a arcar com a multa cominatória em questão. 8. Considerando as particularidades do caso concreto, em especial o bem jurídico que se pretende tutelar (eficácia de programa governamental de habitação popular) – que é de grande relevo – a considerável capacidade econômica da parte a quem cabe cumprir a obrigação de fazer - a municipalidade de Franca/SP – e o comportamento da parte, que vinha resistindo a observar seus deveres de fiscalização quanto a possíveis irregularidades na ocupação de imóveis abrangidos pelo Programa Minha Casa Minha Vida, ao menos até a concessão da liminar nos autos de origem, tem-se por razoável e adequado o valor fixado pelo Juízo de Origem, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de descumprimento, de sorte que fica a decisão agravada integralmente mantida. 9. Agravo de instrumento não provido. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5022778-24.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 23/12/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 15/01/2020) Dessa feita, deve o Município manter a fiscalização do empreendimento para verificar possíveis irregularidades, devendo repassar à CEF o levantamento das providências que julgar cabíveis. No caso da Caixa Econômica Federal, entendo que ela não atua como mero agente financeiro, mas também como agente executor de políticas federais para a promoção de moradia para pessoas de baixa renda, não podendo se eximir da responsabilidade no pós-venda dos imóveis destinados ao Programa. É patente que a Caixa Econômica Federal no PMCV é gestora dos recursos do Fundo de Arrendamento Residencial - FAR. Em simples pesquisa no sítio eletrônico da própria CEF, aparece a descrição do seu papel como gestora. Confira-se: "Compete à CAIXA o papel de administrar, gerir, representar judicialmente e extrajudicialmente, elaborar prestação de contas anual, expedir atos necessários à atuação de Instituições Financeiras que operam nos programas e manter o equilíbrio econômico-financeiro do fundo." (https://sisdu.caixa.gov.br/sicfg/fundos/FAR/detalhe/sobre/) Nesse sentido, compete à Caixa Econômica Federal todas as medidas administrativas e judiciais posteriores à constatação de desvio de finalidade dos imóveis com vistas a regularização das unidades habitacionais, sendo certo que é ela quem figura como parte nas contratações firmadas. Dessa feita, levantadas as irregularidades pelos trabalhos exercidos pelo Município de Bauru e repassadas as informações à CEF, esta deverá ser a responsável pelas medidas necessárias para a regularização das unidades habitacionais. Ressalte-se que o recebimento de denúncias e o trabalho de conscientização da população beneficiária dos imóveis do empreendimento podem ser realizados em parceria tanto pelo Município quanto pela CEF, pois nesse ponto, a atuação concomitante possivelmente trará resultados mais satisfatórios. s Dessa forma, imperiosa a reforma da sentença, nos moldes em que proferida. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do MUNICÍPIO DE BAURU e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL para delimitar a sua responsabilidade com relação às providências relacionadas ao pós-ocupação do empreendimento Três Américas II, no sentido de determinar que o Município de Bauru seja o responsável pela fiscalização do empreendimento para verificação de possíveis irregularidades, o qual deverá repassar os dados à CEF para as providências cabíveis. Ressalta-se que ficam mantidas as demais determinações constantes na sentença de primeiro grau. É como voto.
E M E N T A
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO.AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. POSSÍVEIS IRREGULARIDADES NA OCUPAÇÃO DE IMÓVEIS ABRANGIDOS PELO PROGRAMA. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO QUANTO ÀFISCALIZAÇÃO DOSIMÓVEIS ABRANGIDOS PELO PROGRAMA NO PÓS-OCUPAÇÃO. POSSIBILIDADE. RESPONSABILIDADE DA CAIXA ENCONÔMICA FEDERAL QUANTO ÀS MEDIDAS PARA REGULARIZAÇÃO DOS IMÓVEIS NO PÓS-OCUPAÇÃO. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO MUNICÍPIO DE BAURU IMPROVIDO. RECURSO DA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Sentença que julgou extinto o feito sem resolução do mérito, com relação à União e julgou parcialmente procedentes os pedidos com relação à responsabilidade da Caixa Econômica Federal e do Município de Bauru quanto à fiscalização e providências a respeito das ocupações irregulares de unidades habitacionais do Residencial Três Américas II/Bauru.
2. A Caixa Econômica Federal apresentou preliminar de inadequação da via eleita. No mérito, defende que compete ao Município a responsabilidade pela fiscalização e levantamento das irregularidades na ocupação das unidades habitacionais.
3. O Município de Bauru apresentou preliminar de ilegitimidade passiva. No mérito, defende que inexiste qualquer norma que determine ao Município a responsabilidade pela fiscalização do cumprimento do contrato que foi firmado entre a CEF e os mutuários.
II. Questão em discussão
4. A controvérsia trata sobre definir/delimitar de quem é a responsabilidade de proceder à fiscalização/providências a respeito de ocupações e cessões irregulares e abandono de unidades habitacionais no empreendimento Residencial Três Américas II, na cidade de Bauru, construído com recursos públicos da União, no Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, mais especificamente, recursos do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial).
III. Razões de decidir
5. As questões preliminares sobre ilegitimidade passiva foram afastadas na decisão proferida em setembro de 2022, e em face dela não houve recurso das partes, razão pela qual precluiu o direito de nova discussão.
6. Afastada a preliminar de inadequação da via eleita, porquanto, como salientado pelo Ministério Público Federal, o fundo institucional, em sim, não é o objeto da presente Ação Civil Pública. Na realidade, o que se pretende é a implementação de rotinas para que a parte contrária possa se organizar e efetivar seus deveres de fiscalização e acompanhamento, com relação à destinação das unidades habitacionais do PMCMV, pois os pedidos decorrem diretamente das obrigações impostas aos entes participantes do Programa Minha Casa Minha Vida. Ademais, a destinação inadequada da unidades habitacionais, construídas com recursos públicos, não prejudica apenas individuas determinados, mas toda a sociedade.
7. Embora o Município em suas manifestações defenda não possuir qualquer responsabilidade após a ocupação dos imóveis, tal postura é contrária ao que dispõe a Constituição Federal em seu art. 23, IX, eis que é competência também do Município "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico". Atuar na fase inicial do PMCV e, posteriormente, se eximir de qualquer responsabilidade quanto às irregularidades, descaracteriza a sua competência de resguardar e buscar as melhores condições de vida a seus munícipes.
8. Compete à Caixa Econômica Federal todas as medidas administrativas e judiciais posteriores à constatação de desvio de finalidade dos imóveis com vistas a regularização das unidades habitacionais, sendo certo que é ela quem figura como parte nas contratações firmadas.
IV. Dispositivo e tese
9. Recurso de apelação do Município de Bauru improvido. Recurso de apelação da Caixa Econômica Federal parcialmente provido.
Dispositivos relevantes citados: § 5º do art. 3º da L. nº 11.977/2009; art. 5º e § 1º do art. 22 do DL. nº 4.657/42; art. 23, IX da CF.
Jurisprudências relevantes citadas: TRF 3, 1ª T. AI n. 5022778-24.2018.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho, julgado em 23/12/2019.