APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5568123-92.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: GILDA APARECIDA VICENTE SILVERIO
Advogado do(a) APELANTE: GLAUCO DONIZETTI TEIXEIRA VASCONCELLOS - SP279275-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5568123-92.2019.4.03.9999 RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP APELANTE: GILDA APARECIDA VICENTE SILVERIO Advogado do(a) APELANTE: GLAUCO DONIZETTI TEIXEIRA VASCONCELLOS - SP279275-N APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR): Trata-se de apelação interposta por GILDA APARECIDA VICENTE SILVERIO, em ação de conhecimento por ela ajuizada, objetivando a concessão do benefício de aposentadoria por idade urbana. A r. sentença (ID 55649716) julgou improcedente o pedido, condenando a parte autora ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, observada a gratuidade que lhe foi deferida. Em razões recursais de ID 55649721, a parte autora pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido, sustentando que comprovou o cumprimento dos requisitos legais para a concessão do benefício. A autarquia não apresentou contrarrazões. Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório.
VOTO-VISTA Cuida-se de apelação interposta pela autora em face da r. sentença de fls. 123/125 que julgou improcedente o pedido de cômputo integral do período de 08/04/1973 a 12/04/1979 com a consequente concessão de aposentadoria por idade, condenando-a ao pagamento das custas judiciais e honorários advocatícios fixados em R$ 1.000,00, observada a gratuidade que lhe foi deferida. O E. Relator, Desembargador Federal Erik Gramstrup, em seu judicioso voto, negou provimento ao recurso sob o fundamento de que a existência de rasura em campo relevante da CTPS afasta a presunção de veracidade do vínculo, de sorte que caberia a autora colacionar ao feito prova documental hábil à comprovação de sua existência, a fim de que pudesse ser reconhecido e averbado aos seus demais períodos de trabalho, ônus do qual não se desincumbiu, não tendo comprovado a satisfação dos requisitos legais necessários à concessão do benefício pleiteado . Por sua vez, o e. Juiz Federal Convocado Marcus Orione, em seu voto-vista acompanhou o e. Relator ao entender que a rasura na CTPS da autora gera dúvida acerca da data de extinção do vínculo de emprego, inexistindo início razoável de prova material acerca da atividade laborativa alegada, dele divergindo por entender pela incidência ao caso do Tema Repetitivo 629 decidido pela Corte Especial do C. STJ, no julgamento do REsp 1.352.721/SP, cujo alcance não ficou adstrito às lides de natureza rural, estendendo-se no âmbito de demandas previdenciárias, de sorte que a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, a ensejar a sua extinção sem o julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV do CPC, (artigos 485, IV, e 320, do CPC). Pedi vista para um exame mais aprofundado dos autos. A autora busca o reconhecimento de período integral trabalhado como empregada doméstica - de 08/04/1973 a 12/04/1979 – com a consequente concessão da aposentadoria por idade. Para comprovar o labor nesse interregno, a autora apresentou sua CTPS que, por conter rasura no ano de término do vínculo, resultou no reconhecimento administrativo parcial do período de 08/04/1973 a 31/12/1974, que foi insuficiente para a concessão do benefício pleiteado. Controverte-se, portanto, sobre a admissão, como elemento de prova, da CTPS que apresenta rasura. A jurisprudência é firme no sentido de que a existência de rasura ou vícios na CTPS afasta a presunção de veracidade das respectivas anotações, podendo constituir, a depender do caso, início de prova material, sendo necessária a confirmação do vínculo laboral por outros meios de prova. Contudo, o caso concreto apresenta circunstâncias que devem ser sopesadas pelo julgador, pois a presente ação versa sobre benefício previdenciário decorrente de trabalho exercido predominantemente por mulheres, sem maior formação. A literatura especializada é unânime em reconhecer que o trabalho doméstico ficou marcado, no Brasil, pela herança escravista. Esta foi também uma das conclusões da pesquisa da historiadora Lorena Féres da Silva Telles, em seu livro Libertas entre Sobrados: mulheres negras e trabalho doméstico em São Paulo (1880-1920), da Alameda Editorial, 2014. Além desta conclusão, a historiadora destaca que a situação de precariedade dessas mulheres negras que se ocuparam do labor doméstico remunerado não melhorou com a implementação das leis trabalhistas ainda na primeira metade do século XIX. Em suas palavras: “A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada em 1943, ignorou a categoria, sob a alegação de que as trabalhadoras domésticas desempenhavam atividades de caráter não econômico. E a Constituição Federal de 1988 limitou o acesso delas a somente 9 dos 34 direitos garantidos aos demais trabalhadores”. No mesmo sentido, é a posição da defensora pública do Estado de São Paulo Isadora Brandão, expressa em uma entrevista que deu ao UOL em 2023 (Seção Economia, por Letícia Casado, em 02/04/2023), época na qual ocupava o cargo de secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos no Ministério de Direitos Humanos. Destaco alguns trechos dessa entrevista de Isadora Brandão: “O trabalho doméstico tem uma clara relação com o período de escravidão. Ou seja, há uma herança escravista muito presente no trabalho doméstico, que dialoga com essa divisão que a nossa sociedade estabelece entre trabalho intelectual e trabalho manual, no qual esse trabalho, considerado manual, é atribuído a grupos racializados”. “Enquanto algumas categorias de trabalhadores, por exemplo, mais masculinas, sindicalizados e vinculados ao setor produtivo, angariaram muitos avanços em termos de acesso a direitos trabalhistas, essas trabalhadoras continuam ainda numa situação de muita desproteção. Então, nosso papel é chamar a atenção para a realidade, para que ninguém fique para trás”. “Quando a gente chama a atenção para a realidade das trabalhadoras domésticas, ainda hoje, a gente está chamando a atenção para o fato de que esses elementos de gênero, de raça e classe têm sido responsáveis por toda uma invisibilização desses sujeitos das políticas públicas”. Assim, é possível afirmar que a interseccionalidade entre gênero, raça, formação educacional e classe social está presente quando figurarem no pólo ativo mulheres seguradas empregadas domésticas. Por conseqüência, na valoração da prova, é imperioso lançar mão de ferramentas e concepções que se aproximem da realidade das empregadas domésticas: a consideração da interseccionalidade; e a observância do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, previsto na Resolução CNJ 492/23. O Protocolo é um guia para que os tribunais brasileiros evitem preconceitos e discriminação por gênero em julgamentos, reconhecendo que existem desigualdades sociais, culturais, históricas e regionais entre mulheres e homens visando a promoção da igualdade de gênero e da justiça social. Portanto, “julgar com perspectiva de gênero” significa reconhecer as desigualdades que as mulheres enfrentam e combater a discriminação e a violência contra elas, inclusive a discriminação na proteção de atividades laborais historicamente atribuídas a mulheres e por estas executadas para obtenção de seu sustento e de sua família. Não é demais dizer que há semelhanças entre a situação em que se encontra a doméstica e a do rurícola até a década de 1970. Realmente, levando-se em conta as características do trabalho doméstico, vê-se que, comumente, inexistia qualquer vinculação mais formal para que se estabelecesse a relação empregatícia, tais como registro em CTPS ou mesmo contrato de trabalho escrito. Assim, raros serão os casos em que a empregada doméstica terá como provar documentalmente o efetivo exercício da atividade laborativa, especialmente se existir período anterior ao advento da Lei 5859/72, que estendeu os benefícios previdenciários a esta categoria de trabalhadoras. A Constituição Federal de 1988 promoveu a constitucionalização de direitos da categoria, incluindo a aposentadoria, bem como a sua integração à previdência social. Em 1991, a Lei nº 8.212 passou a disciplinar a contribuição do trabalhador doméstico, fixando as alíquotas em 8, 9 ou 11% sobre o salário-de-contribuição, cujo desconto e recolhimento estava a cargo do empregador, juntamente com a sua cota parte, na alíquota de 12% incidente também sobre o salário-de-contribuição do empregado (arts. 20 e 24 da referida lei). A Emenda Constitucional 72/2013 ampliou a formalização da categoria, estabelecendo a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais. A partir da Lei Complementar 150/2015, o pagamento dos encargos do empregador doméstico, inclusive a parcela descontada do empregado, passou a ser realizado através de regime unificado de pagamento, denominado Simples Doméstico. A despeito da evolução normativa e dos avanços havidos, a informalidade ainda é uma realidade no trabalho doméstico e persiste entre as trabalhadoras domésticas, que segue sendo desvalorizado, com parcela de empregadas domésticas trabalhando sem carteira assinada, o que reflete uma realidade profundamente desigual. Logo, o gênero e raça somados às circunstâncias que caracterizavam a precariedade da prestação do serviço prestado pelas empregadas domésticas e as vulnerabilizaram enquanto merecedoras dos direitos trabalhistas até a Lei Complementar 150/2015, é necessário aplicar o Protocolo de julgamento sob perspectiva de gênero como aporte para se admitir a mitigação na exigência da prova documental. Feitas essas ponderações, quero destacar primeiramente que apesar de ter mencionado a semelhança entre a precariedade do trabalho rural e das empregadas domésticas e a dificuldade e a hipervulnerabilidade dos dois grupos de trabalhadores, entendo que não é possível a aplicação do Repetitivo 629 decidido pela Corte Especial do C. STJ, no julgamento do REsp 1.352.721/SP, já que o STJ deixou expresso que seu alcance do repetitivo está adstrito às lides de natureza rural. Superada essa questão, no caso concreto, a autora trouxe sua CTPS (fls. 19/35) com admissão como empregada doméstica em 08/04/1973 e data de saída em outra folha e com o ano rasurado em 12/04/1979, tendo o INSS reconhecido a data de término em 31/12/1974 com esteio no extrato de recolhimentos do período de 01/74 a 12/78 que apurou um total de 20 contribuições (id 55649704 - Pág. 30) Referido vínculo, a despeito de anotado em outra folha e com rasura, está anotado em ordem cronológica, seguindo-se outros vínculos devidamente anotados, nos períodos de 07/10/1986 a 17/11/1986, 28/11/1994 a 28/12/1994 (data fim do vínculo rasurada), 11/12/2004 a 06/01/2008, 14/04/2007 a 22/05/2007, data ilegível de início do vínculo a 29/02/2008, 25/08/2008 a 13/01/2009, 18/01/2010 a 03/04/2010. Há nos autos, ainda, extrato do CNIS ( fl. 62) , onde constam vínculos, na condição de empregada, nos períodos de 08/04/1973 a 31/12/1974, 07/10/1986 a 17/11/1986, 11/12/2004 sem data fim do vínculo, 01/04/2007 a 30/04/2007, 14/04/2007 a 22/05/2007, 13/08/2007 sem data fim do vínculo, 25/08/2008 a 13/01/2009 e 18/01/2010 a 03/04/2010. A autora não cumpriu pedido de diligência feito administrativamente para apresentação de outras provas, sendo o caso de se questionar se alguma outra prova documental faltante de fato poderia ter sido produzida. Entendo que não. É notório que ainda hoje houve um avanço da informalidade e da precariedade entre as trabalhadoras domésticas brasileiras. Subtrair da autora o direito de reconhecer a validade da única prova documental que lhe foi possível obter, é reforçar as estruturas discriminatórias de gênero e de raça que continuam a perverter o curso da justiça. Ademais, a prova oral produzida em Juízo em audiência de instrução realizada em 30/08/2018 foi uníssona ao afirmar que a autora trabalhou como empregada doméstica, para Maria do Carmo de Castro e Horta, de 1973 a 1979. A testemunha OSCAR DONIZEITI GERIBOLA disse que conhece a autora, pois estudava em uma escola dentro da fazenda onde ela trabalhava, quando tinha uns 12 ou 13 anos. Afirmou que a autora trabalhava na casa da patroa, na fazenda, como empregada doméstica. Disse que a autora trabalhou lá de 1973 a 1977 ou 78. Não sabe se ela tinha registro em CTPS. Por sua vez, a testemunha CELIA APARECIDA MONTEIRO afirmou que conhece a autora do trabalho na fazenda Horta. Disse que a autora trabalhou na casa, como doméstica, de 1973 a 1979. Sabe disso, pois ela a via e trabalhava na casa de parente dos empregadores dela. Comprovado o período laborado como empregada doméstica em sua integralidade (08/04/1973 a 12/04/19790, cumpre perquirir se a autora preencheu os requisitos legais necessários à concessão do benefício pleiteado. A aposentadoria por idade do trabalhador urbano está prevista no caput do art. 48 da Lei nº 8.213/91, in verbis: "Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher." Por sua vez, o artigo 24 da Lei nº 8.213/1991 dispõe que: "Período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências." O período de carência exigido para a aposentadoria por idade é de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II, da Lei nº 8.213/91), observadas as regras de transição previstas no art. 142, da referida Lei. A carência a ser cumprida deve levar em consideração a data em que foi implementado o requisito etário para a obtenção do benefício e não a data em que a pessoa formula o requerimento de aposentadoria por idade junto ao Instituto Nacional do Seguro Social. Portanto, caso cumprido o requisito etário, mas não a carência, o aferimento desta, relativamente à aposentadoria por idade, será realizado quando do implemento da idade esperada, ainda que, naquele Insta sinalar, por oportuno, que, com o advento da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, a perda da qualidade de segurado se tornou irrelevante para a concessão da aposentadoria por idade, desde que o segurado já conte com o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência, na data de requerimento do benefício, verbis: "Art. 3º: A perda da qualidade do segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. §1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício. §2º A concessão do benefício de aposentadoria por idade, nos termos do §1º, observará, para os fins de cálculo do valor do benefício, o disposto no art. 3º, caput e §2°, da Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, ou, não havendo salários de contribuição recolhidos no período a partir da competência julho de 1994, o disposto no art. 35 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991." A despeito de o art. 3º, §1º, da Lei 10.666/2003 estabelecer que o segurado deve contar com no mínimo o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento segundo o qual a carência exigida deve levar em conta a data em que o segurado implementou as condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo. Cumpre consignar, por fim, que a EC nº 103/2019 trouxe as seguintes regras de transição para os segurados filiados ao Regime Geral da Previdência Social que ainda não haviam cumprido todos os requisitos para a concessão da aposentadoria por idade até a entrada em vigor do referido diploma normativo: “Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos: I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos. § 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de 60 (sessenta) anos da mulher, prevista no inciso I do caput, será acrescida em 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade. § 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.” No caso concreto, por ocasião da DER, em 02/05/2017, o INSS apurou um total de 164 meses de contribuição (fl. 36), ou 13 anos, 02 meses e 26 dias de tempo de contribuição (fls. 95). Somando-se o período ora reconhecido – de 01/01/1975 a 12/04/1979 (o período de 08/04/1973 a 31/12/1974 foi reconhecido pelo INSS) com o período reconhecido administrativamente, que é incontroverso, emerge à evidência que, por ocasião da DER, em 02/05/2017, a autora havia preenchido os requisitos legais necessários à concessão da aposentadoria por idade, razão pela qual a procedência do pedido é de rigor. Relativamente ao termo inicial do benefício, o artigo 49 da Lei 8.213/91 dispõe: "Art. 49. A aposentadoria por idade será devida: I - ao segurado empregado, inclusive o doméstico, a partir: a) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 (noventa) dias depois dela; ou b) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for requerida após o prazo previsto na alínea "a"; II - para os demais segurados, da data da entrada do requerimento." Portanto, o termo inicial do benefício deve ser fixado a partir do requerimento administrativo (02/05/2017), observada a prescrição qüinqüenal. Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, revendo posicionamento adotado anteriormente, devem ser aplicados os índices e critérios adotados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vigente na data da execução, o qual Revendo meu posicionamento, e em consonância com o entendimento dominante esposado pelas Turmas componentes da 3ª Seção deste E. Tribunal - no sentido de que, nos casos em que o benefício previdenciário não é concedido em sentença, mas apenas em sede recursal, a base de cálculos da verba honorária compreende as parcelas vencidas até a data da decisão concessiva do benefício -, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data do presente julgado. Isento o INSS de custas processuais. Ante o exposto, com a devida vênia, dou provimento ao recurso para reformar a r. sentença e julgar procedente o pedido, condenando a autarquia previdenciária reconhecer e averbar o período de 08/04/1973 a 12/04/1979, em sua integralidade e a pagar a autora o benefício de aposentadoria por idade, na forma do expendido. É o voto.
foi instituído pelo Conselho da Justiça Federal com o objetivo de unificar os critérios de cálculo a serem aplicados a todos os processos sob sua jurisdição, na fase de execução, e seus parâmetros são estabelecidos com base na legislação vigente e na jurisprudência dominante, por meio de Resolução, devendo ser observado, sem ofensa à coisa julgada, a versão mais atualizada do manual.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5568123-92.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: GILDA APARECIDA VICENTE SILVERIO
Advogado do(a) APELANTE: GLAUCO DONIZETTI TEIXEIRA VASCONCELLOS - SP279275-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ERIK GRAMSTRUP (RELATOR):
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.
DA APOSENTADORIA POR IDADE URBANA
Postula a parte autora a concessão de aposentadoria por idade, prevista no artigo 48, caput, da Lei nº 8.213/91, que dispõe:
"Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher."
Assim, para a percepção do benefício de aposentadoria por idade, exige-se o implemento da idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e o recolhimento do número mínimo de contribuições previdenciárias, para o cumprimento da carência.
Após o advento da Lei nº 10.666, de 08 de maio de 2003, a manutenção da qualidade de segurado se tornou desnecessária para a concessão da aposentadoria por idade, desde que o segurado conte com contribuições suficientes ao cumprimento da carência, na data de requerimento do benefício (art. 3º, § 1º).
A despeito de referido dispositivo legal estabelecer que o número de contribuições mínimas seria aferido na data do requerimento administrativo, a Jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento no sentido de que a carência exigida deve levar em conta a data em que o segurado implementou as condições necessárias à concessão do benefício.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. ART. 142 DA LEI Nº 8.213/91. PERÍODO DE CARÊNCIA. PREENCHIMENTO. PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. ATENDIMENTO PRÉVIO DOS REQUISITOS. BENEFÍCIO DEVIDO.
1. Na forma da atual redação do art. 142 da Lei nº 8.213/91, alterado pela Lei nº 9.032/95, a carência das aposentadorias por idade, por tempo de serviço e especial obedecerá à tabela ali prevista, mas levando-se em consideração o ano em que o segurado implementou as condições necessárias à concessão do benefício e não a data do requerimento administrativo.
2. Aplica-se ao caso o art. 102, § 1º, da Lei nº 8.213/91, que dispõe que a perda da qualidade de segurado não prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os requisitos segundo a legislação então em vigor (arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/91).
3. Recurso especial provido." (REsp.nº 490.585/PR, Relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU de 23/8/2005).
CARÊNCIA
Para o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 24/07/91, a carência deve observar a tabela progressiva do artigo 142 da Lei Federal nº. 8.213/91.
Para os que ingressaram posteriormente à edição da Lei de Benefícios ou implementaram o requisito etário após 31/12/2.010, a carência será de 180 meses, a teor do que dispõe o artigo 25, inciso II, da Lei n.º 8.213/1991.
REGRA DE TRANSIÇÃO – EC 103/2019
A Emenda Constitucional 103/2013 traz, no seu artigo 18, regra de transição para a concessão da aposentadoria por idade aos segurados filiados ao RGPS até a data da sua entrada em vigor, em 13/12/2019.
Respeitado o direito adquirido, na forma do § 1º do referido dispositivo legal, a idade mínima exigida das mulheres será acrescida de 6 (seis) meses a cada ano, aplicando-se o primeiro acréscimo a partir de janeiro de 2020, até que se atinja 62 (sessenta e dois) anos.
CTPS. MERAS IRREGULARIDADES.
No que se refere às anotações efetuadas em CTPS, ainda que ausentes do CNIS, ressalto que constituem prova do período nela anotado e que gozam de presunção de veracidade relativa, cabendo ao INSS demonstrar eventual irregularidades para desconsiderá-las.
Vale dizer que, compete à Autarquia, ante qualquer dúvida acerca da validade da anotação, produzir prova hábil a invalidá-la, não bastando à tanto a mera alegação de irregularidade nas anotações. Nesse sentido, o precedente da Jurisprudência específica da Sétima Turma: ApCiv 5002592-77.2023.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal Marcelo Vieira de Campos, julgado em 05/07/2023, DJEN DATA: 10/07/2023)
DO EMPREGADO DOMÉSTICO
Considera-se empregado doméstico aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos (art. 11, inciso II, Lei 8.213/1991).
O Decreto-Lei nº 3.078/1941 disciplinou, por primeiro, na legislação brasileira, o conceito de empregado doméstico. Posteriormente, a Lei Orgânica da Previdência Social, Lei nº 3.807/1960, possibilitou ao doméstico a filiação junto à Previdência Social na condição de segurado facultativo.
Com o advento da Lei nº 5.859/72, lei específica que passou a disciplinar o trabalho doméstico, regulamentada pelo Decreto nº 71.885/73, foi assegurado aos empregados domésticos os benefícios e serviços da Previdência Social, atribuindo-lhes a condição de segurados obrigatórios.
Mencionada lei instituiu o empregador como responsável tributário quanto ao recolhimento das contribuições ao INSS:
“Art. 5º Os recursos para o custeio do plano de prestações provirão das contribuições abaixo, a serem recolhidas pelo empregador até o último dia do mês seguinte àquele a que se referirem e incidentes sobre o valor do salário-mínimo da região:
I - 8% (oito por cento) do empregador;
II - 8% (oito por cento) do empregado doméstico.”.
Vê-se que, no período que antecede à Lei nº 5.859/72, inexistia previsão legal exigindo o recolhimento de contribuições previdenciárias referente à prestação do serviço doméstico, ou mesmo o registro em CTPS do contrato de trabalho.
Assim, para o labor doméstico prestado anteriormente à edição da Lei 8.589/72, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que bastaria à comprovação do vínculo empregatício a apresentação de início de prova material, admitindo-se a esse título a declaração firmada por ex-empregador, ainda que extemporânea, ratificados por prova oral. Neste sentido:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. EMPREGADA DOMÉSTICA. PERÍODO SEM REGISTRO EM CTPS, ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 5.859/72. DECLARAÇÃO DE EX-EMPREGADOR. ADMISSÃO. CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. PROCEDÊNCIA. TERMO INICIAL. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APELAÇÃO DA AUTORA PROVIDA.
1 - A aposentadoria por idade do trabalhador urbano encontra previsão no caput do art. 48, da Lei nº 8.213/91.
2 - O período de carência exigido é de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II, da Lei nº 8.213/91), observadas as regras de transição previstas no art. 142, da referida Lei.
3 - A parte autora pleiteia a concessão de aposentadoria por idade urbana. Nasceu em 18 de junho de 1953, tendo implementado o requisito etário em 18 de junho de 2013. Deveria, portanto, comprovar, ao menos, 180 (cento e oitenta) meses de contribuição, conforme determinação contida no art. 142 da Lei nº 8.213/91, uma vez que a segurada já se encontrava inscrito na Previdência Social Urbana em 24 de julho de 1991.
4 - Tido como segurado obrigatório, o conceito de trabalhador doméstico foi definido pelo inciso II do artigo 11 da Lei 8.213/91, como sendo "aquele que presta serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em atividades sem fins lucrativos".
5 - No entanto, convém esclarecer que, antes da Lei 5.859/72, a empregada doméstica não era considerada segurada obrigatória da Previdência Social. É sabido que não havia fonte de custeio para o pagamento de benefícios previdenciários aos empregados domésticos antes da vigência da citada lei, e que, portanto, não estavam protegidos pelo sistema previdenciário.
6 - Após a vigência da Lei 5.859/72, o empregador tornou-se o responsável tributário pelos descontos e recolhimentos das contribuições previdenciárias, responsabilidade que também foi disciplinada pelo inciso V do art. 30 da Lei 8.212/91, motivo pelo qual não se pode punir o empregado doméstico pela ausência de recolhimentos, sendo computado o período laborado e comprovado para fins de carência, independentemente de indenização aos cofres da Previdência.
7 - O E. STJ definiu que, no período anterior à vigência Lei n° 5.859/72, admite-se a declaração extemporânea do ex-empregador como início de prova material e, não existindo então a previsão legal para registro trabalhista e filiação previdenciária do trabalhador doméstico, portanto, é descabida a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao aludido período anterior à previsão legal. Quanto ao período posterior à vigência da Lei nº 5.859/72, o empregador doméstico tornou-se o responsável tributário pelos descontos e recolhimentos das contribuições previdenciárias (EDcl no AGRG no REsp n° 1.059.063; AgRg no REsp n° 1.001.652).
8 - Cumpre ressaltar que o art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios estabelece que a comprovação do tempo de serviço somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal. Necessária, ainda, a existência de, ao menos, um início válido de prova material situado no lapso temporal cuja comprovação se pretende.
9 - Foi acostada aos autos, dentre outros documentos, cópia de declaração firmada por Ariovaldo Arantes Carneiro, em 2017, atestando que a autora trabalhou na residência dela, de 20/06/1965 a 05/12/1971, na função de empregada doméstica.
10 - É pacífico o entendimento jurisprudencial segundo o qual a prova oral tem aptidão para, em conjunto com o início de prova material, demonstrar a existência de vínculo laborativo.
11 - Assim sendo, com base no conjunto probatório, extrai-se que a autora comprovadamente exerceu as lides de empregada doméstica, sendo possível e suficiente o reconhecimento do período de 20/06/1965 a 05/12/1971, uma vez que, no período anterior à vigência da Lei 5.859/72, não existia previsão legal para registro trabalhista e filiação previdenciária do trabalhador doméstico, sendo, portanto, descabida a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao aludido período.
12 - Preenche a autora os requisitos para a concessão de aposentadoria por idade, considerando que atendeu ao requisito etário, bem como logrou a demonstração do exercício de atividades laborativas por período superior à carência exigida em lei, considerando o somatório das atividades laborativas exercidas com e sem registro em CTPS, sendo, portanto, de rigor, a concessão do benefício pleiteado.
13 - O termo inicial do benefício deve ser fixado na data do requerimento administrativo.
14 - A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
15 - Os juros de mora devem ser fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante.
16 - A partir da promulgação da EC nº 113/2021, publicada em 09/12/2021, para fins de atualização monetária e compensação da mora, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
17 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada moderadamente.
18 - Apelação da autora provida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5869699-47.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 10/05/2022, DJEN DATA: 17/05/2022)
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, houve a constitucionalização de direitos da categoria, a qual incluía a aposentadoria, bem como a sua integração à previdência social.
Em 1991, a Lei nº 8.212 passou a disciplinar a contribuição do trabalhador doméstico, a qual fixou as alíquotas em 8, 9 ou 11% sobre o salário-de-contribuição, cujo desconto e recolhimento estava a cargo do empregador, juntamente com a sua cota parte, na alíquota de 12% incidente também sobre o salário-de-contribuição do empregado (arts. 20 e 24 da referida lei).
A partir da Lei Complementar 150/2015, o pagamento dos encargos do empregador doméstico, inclusive a parcela descontada do empregado, passou a ser realizado através de regime unificado de pagamento, denominado Simples Doméstico.
Para análise probatória do labor doméstico, posterior à modificação legislativa que trouxe a supracitada lei, é necessária a apresentação de início de prova material contemporânea, corroborada por prova testemunhal, nos termos do art. 55, II, da Lei n. 8.213/1991, senão, vejamos:
“PREVIDENCIÁRIO: APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. EMPREGADA DOMÉSTICA. RECONHECIMENTO DE ATIVIDADE URBANA SEM REGISTRO EM CTPS. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. INADMISSIBILIDADE. CARÊNCIA NÃO CUMPRIDA. REQUISITOS NÃO SATISFEITOS.
1. A aposentadoria por idade do trabalhador urbano está prevista no caput do art. 48 da Lei nº 8.213/91 que exige o implemento da idade de 65 (sessenta e cinco) anos, se homem, e 60 (sessenta), se mulher e o cumprimento da carência.
2. O período de carência exigido é de 180 (cento e oitenta) contribuições mensais (art. 25, II, da Lei nº 8.213/91), observadas as regras de transição previstas no art. 142, da referida Lei.
3. No caso concreto, a autora implementou o requisito etário em 2017, devendo comprovar a carência de 180 meses, ex vi do disposto no artigo 142 da Lei 8.213/91.
4.. A controvérsia cinge-se aos períodos em que a autora alegou ter trabalhado como empregada doméstica sem anotação em CTPS, de 02/01/1995 a 31/12/2001.
5. A autora não trouxe nenhum início de prova material do alegado labor como empregada doméstica no período mencionado, o qual é posterior à edição da Lei 5.859/72.
6. O artigo 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, expressamente não admite a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do tempo de serviço para a aquisição do benefício vindicado, exigindo-se ao menos o denominado início de prova material para a sua comprovação.
7. No caso concreto, ainda que tenha sido produzida prova oral, não é possível admiti-la para, isoladamente, comprovar o exercício da atividade de empregada doméstica no período elencado.
8. Não satisfeitos os requisitos necessários à implantação do benefício, a improcedência da ação era de rigor.
9. Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, parágrafo 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei, ficando sua exigibilidade condicionada à futura deliberação sobre o Tema nº 1.059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo.
10. Recurso desprovido, condenando a parte autora ao pagamento de honorários recursais, na forma antes delineada.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5061541-94.2023.4.03.9999, Rel. Juíza Federal Convocada VANESSA VIEIRA DE MELLO, julgado em 27/09/2023, DJEN DATA: 03/10/2023)”[g.n.]
Ademais, acerca da questão probatória, o art. 36 da Lei 8.213/91 dispõe o seguinte:
“Art. 36. Para o segurado empregado doméstico que, tendo satisfeito as condições exigidas para a concessão do benefício requerido, não comprovar o efetivo recolhimento das contribuições devidas, será concedido o benefício de valor mínimo, devendo sua renda ser recalculada quando da apresentação da prova do recolhimento das contribuições.”.
Desse modo, comprovado o vínculo empregatício, resta dispensável a demonstração do recolhimento de contribuições previdenciárias para a concessão de benefício previdenciário, pois os descontos e recolhimentos constituem encargo do empregador, de forma que não pode o segurado ser penalizado pela sua omissão, devendo o período de labor ser computado para fins de carência.
CASO CONCRETO
Com essas breves considerações,passo ao exame do méritorecursal.
A parte autora completou 60 anos em 24/11/2016.
De acordo com o disposto conjunto nos artigos 142 e 143 da Lei de Benefícios, a carência exigida corresponde a 180 meses.
Para comprovar o cumprimento da carência, juntou aos autos cópia CTPS de ID 55649692, com anotações de contratos de trabalho urbano, na condição de empregado, nos períodos 08/04/1973 a 12/04/1979 (data fim do vínculo rasurada), 07/10/1986 a 17/11/1986, 28/11/1994 a 28/12/1994 (data fim do vínculo rasurada), 11/12/2004 a 06/01/2008, 14/04/2007 a 22/05/2007, data ilegível de início do vínculo a 29/02/2008, 25/08/2008 a 13/01/2009, 18/01/2010 a 03/04/2010.
Ainda, há nos autos extrato do CNIS (ID 55649702), onde constam vínculos, na condição de empregada, nos períodos de 08/04/1973 a 31/12/1974, 07/10/1986 a 17/11/1986, 11/12/2004 sem data fim do vínculo, 01/04/2007 a 30/04/2007, 14/04/2007 a 22/05/2007, 13/08/2007 sem data fim do vínculo, 25/08/2008 a 13/01/2009 e 18/01/2010 a 03/04/2010.
Inicialmente, insta consignar que o próprio INSS computou, para fins de carência, 164 contribuições, conforme Resumo de Documentos para Cálculo de Tempo de Contribuição (ID 55649704, fls. 34/35), razão pela qual tenho-as como incontroversas.
Na peça exordial, afirma a parte autora que laborou, como empregada doméstica, de 08/04/1973 a 12/04/1979, conforme CTPS. No entanto, a autarquia previdenciária apenas considerou período de 08/04/1973 a 31/12/1974 no cômputo para fins de carência. Desse modo, pretende a postulante que o lapso seja reconhecido em sua integralidade (08/04/1973 a 12/04/1979) para que se atinja a carência legal necessária à concessão do benefício vindicado.
Na audiência de instrução, realizada em 30/08/2018, a prova testemunhal foi uníssona ao afirmar que a autora trabalhava, como empregada doméstica, para Maria do Carmo de Castro e Horta, de 1973 a 1979.
A testemunha OSCAR DONIZEITI GERIBOLA disse que conhece a autora pois estudava em uma escola dentro da fazenda onde ela trabalhava, quando tinha uns 12 ou 13 anos. Afirmou que a autora trabalhava na casa da patroa, na fazenda, como empregada doméstica. Disse que a postulante trabalhou lá de 1973 a 1977 ou 78. Não sabe se ela tinha registro em CTPS.
Já a testemunha CELIA APARECIDA MONTEIRO afirmou que conhece a autora do trabalho na fazenda Horta. Disse que a postulante trabalhou na casa, como doméstica, de 1973 a 1979. Sabe disso pois ela a via e trabalhava na casa de parente dos empregadores dela.
Destaco que o interregno que a autora pretende ver reconhecido (08/04/1973 a 12/04/1979) está apostado na CTPS, no entanto, resta rasurada a data final do vínculo empregatício constante da folha 11 da Carteira de Trabalho.
Saliento que os períodos laborados com registro em CTPS possuem presunção de veracidade e legitimidade. De igual sorte, a ausência dos respectivos recolhimentos não afasta o direito do segurado em ver seu labor urbano reconhecido, por tratar-se de dever do empregador, devendo o INSS fiscalizar o cumprimento da norma.
Ocorre que, no caso dos autos, a rasura em campo relevante da CTPS constitui irregularidade de suma importância capaz de afastar a presunção de veracidade do vínculo. Desse modo, caberia a parte autora colacionar ao feito prova documental hábil à comprovação de sua existência, a fim de que pudesse ser reconhecido e averbado aos seus demais períodos de trabalho, ônus do qual não se desincumbiu.
Neste sentido está o entendimento deste E. Tribunal:
“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. EMPREGADA DOMÉSTICA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. DECLARAÇÃO EXTEMPORÂNEA NÃO ACOLHIDA. CTPS DANIFICADA. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA IMPROVIDA.
1. Para a percepção de Aposentadoria por Idade, o segurado deve demonstrar o cumprimento da idade mínima de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e número mínimo de contribuições para preenchimento do período de carência correspondente, conforme artigos 48 e 142 da Lei 8.213/91.
2. Cumpre salientar que a profissão de empregado doméstico somente foi disciplinada com a edição da Lei nº 5.859, de 11-12-1972, em vigor desde 09-04-1973, que tornou obrigatória a anotação do contrato de trabalho doméstico em CTPS. A jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça é convergente com o entendimento de que a declaração não contemporânea de ex-empregador, referente a período de labor anterior ao advento da Lei nº 5.859/72, serve como início de prova material.
3. No caso dos autos, a declaração extemporânea da suposta ex-empregadora, nos termos deste arrazoado, não pode ser acatada como início de prova material, pois se trata de período posterior a 04/1973. A CTPS rasurada, por sua vez, também não se mostra possível de acolhimento para esta finalidade, pois as partes ilegíveis são extensas e não há qualquer outro documento a apontar a existência dos vínculos laborais nos períodos em que se buscou o reconhecimento. Observe-se, ainda, que parte do período que se buscou reconhecimento judicial é posterior à emissão da CTPS, o que traz ainda mais dúvidas no tocante à veracidade das alegações feitas na exordial. A existência de algumas contribuições previdenciárias constantes nas microfilmagens colacionadas aos autos também é insuficiente para a comprovação vindicada, na medida em que não é possível saber quem teria feito tais contribuições, quando elas se iniciaram e a que título elas foram vertidas. Curioso notar que, em nenhum momento, a parte autora esclareceu qual foi o acidente que ocorreu com sua CTPS, de modo a deixar somente algumas páginas completamente ilegíveis da carteira profissional (todas relacionadas aos inícios dos vínculos laborais havidos) enquanto que, em outras partes do referido documento, ficou preservada a legibilidade. Também não foi mencionado nos autos por qual motivo a ex-empregadora teria iniciado a verter contribuições previdenciárias em favor da autora em período no qual sequer a CTPS de sua empregada teria sido emitida. Desse modo, forçoso reconhecer que o conjunto probatório dos autos se basearia, unicamente, na prova testemunhal produzida, o que não é permitido. A manutenção da improcedência da ação, nesses termos, é medida imperativa.
4. Apelação da parte autora improvida.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5981088-37.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 11/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 16/09/2020)”
“PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADA. ANOTAÇÃO NA CTPS. EMPREGADOR DOMÉSTICO. PROVA RELATIVA DE VERACIDADE.
1. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento.
2. Demonstrados o óbito e a dependência econômica da parte autora.
3. Nos termos do previsto no artigo 15, II e §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.213/91, o período de graça será de 12 meses, após a cessação das contribuições; prorrogáveis para até 24 meses na hipótese de o segurado já tiver pago mais de 120 contribuições previdenciárias ininterruptas; e, ainda, com a possibilidade do acréscimo de mais 12 meses no caso de desemprego involuntário, totalizando 36 meses de período de graça.
4. No tocante à condição de segurada da falecida, o Cadastro Nacional de Informações Sociais evidencia que ela verteu menos de 120 (cento e vinte) contribuições previdenciárias, bem como que o último recolhimento foi em 31/03/2018, como facultativa, no importe de 11% (0nze por cento) do salário mínimo, de modo que ostentou a condição de segurada até 15/11/2018 (artigo 15, VI, da Lei n. 8.213/1991), período anterior ao passamento.
5. No que tange ao reconhecimento dos registros como domésticas pertinentes aos períodos de 01/11/1973 a 31/01/1974 e 01/03/1975 a 10/04/1981, como tempo de contribuição e de carência para fins de aquisição ao direito a aposentadoria, a única prova existente nos autos são as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social, considerando-se que não houve os respectivos recolhimentos previdenciários.
6. As anotações constantes na CTPS têm prova relativa de veracidade, bem como compete ao empregador doméstico a responsabilidade pelos recolhimentos previdenciários, nos termos do artigo 30, V, da Lei n. 8.212/1991, competindo ao INSS o ônus de provar o desacerto das informações, sob pena de ser admitida como prova material do vínculo empregatício, mesmo que não constem do CNIS, consoante Súmula 75 da TNU.
7. Por corolário, referida presunção é afastada quando a CTPS está rasurada, não se apresenta formalmente em ordem ou a anotação gera dúvida acerca do fato nele atestado. Precedente.
8. No caso em testilha, a CTPS evidencia rasura, bem como foi adulterada, porquanto a fotografia não condiz com a idade da falecida à época, qual seja 21 (vinte e um) anos de idade, aparentando ter sido inserida posteriormente, já que não abrangida pelo carimbo oposto pelo Serviço de Emprego.
9. Comprometida a presunção relativa de veracidade da CTPS e à mingua de outras provas necessárias a demonstrar o labor doméstico nos períodos aqui pretendidos, tem-se que a falecida não ostentava a qualidade de segurada no dia do evento morte.
10. Recurso não provido.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000964-89.2022.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 15/03/2023, DJEN DATA: 17/03/2023)”.
Vê-se da CTPS constante dos autos que não há registros de opção de FGTS, férias, anotações e alterações de salário referente ao período em questão, ou ainda, qualquer documento contemporâneo que ateste a prestação de serviço pelo lapso alegado.
Insta salientar que o art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91, não admite a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do tempo de serviço para a aquisição do benefício vindicado. Desse modo, não há como considerar a prova oral produzida nos autos como suficiente para comprovar o labor junto à empregadora “Maria do Carmo de Castro e Horta”.
Desta feita, ante a inexistência de início razoável de prova material, inviável a utilização do período vindicado, restando insuficiente a carência legal para concessão do benefício perquirido.
De rigor, portanto, o indeferimento do benefício postulado e a manutenção da sentença de Primeiro Grau.
VERBA HONORÁRIA RECURSAL
O art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, dispõe acerca da majoração de ofício da verba honorária, destacando a sua pertinência quando o recurso tenha exigido ao advogado da parte contrária trabalho adicional, observados os limites estabelecidos em lei e ficando sua exigibilidade condicionada ao quanto decidido por ocasião do julgamento do Tema n.º 1059/STJ, o que será examinado oportunamente pelo Juízo a quo.
Assim, considerando o não provimento do recurso, determino, a título de sucumbência recursal, a majoração dos honorários de advogado arbitrados na sentença em 2%, cuja exigibilidade, diante da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedida, fica condicionada à hipótese prevista no § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil/2015.
Ante o exposto, nego provimento ao apelo da parte autora.
É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5568123-92.2019.4.03.9999
RELATOR: Gab. 49 - DES. FED. ERIK GRAMSTRUP
APELANTE: GILDA APARECIDA VICENTE SILVERIO
Advogado do(a) APELANTE: GLAUCO DONIZETTI TEIXEIRA VASCONCELLOS - SP279275-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
V O T O - V I S T A
O Exmo. Senhor Juiz Federal Convocado Marcus Orione: Trata-se de apelação interposta por Trata-se de apelação interposta por GILDA APARECIDA VICENTE SILVERIO, em ação que objetiva a concessão do benefício de aposentadoria por idade urbana, mediante reconhecimento de atividade laborativa de empregada doméstica.
O Ilustre Relator, o Exmo. Sr. Desembargador Federal Erik Gramstrup, em seu brilhante voto, houve por bem negar provimento à apelação da autora, ao fundamento de que ante a inexistência de início razoável de prova material acerca da atividade laborativa alegada, é inviável a utilização do período vindicado, restando insuficiente a carência legal para concessão do benefício perquirido.
Considerou o Relator que o interregno que a autora pretende ver reconhecido (08/04/1973 a 12/04/1979) está anotado na CTPS, no entanto, resta rasurada a data final do vínculo empregatício, não havendo registros de opção de FGTS, férias, anotações e alterações de salário referente ao período em questão, ou ainda, qualquer documento contemporâneo que ateste a prestação de serviço pelo lapso alegado.
Salientou que os períodos laborados com registro em CTPS possuem presunção de veracidade e legitimidade. De igual sorte, a ausência dos respectivos recolhimentos não afasta o direito do segurado em ver seu labor urbano reconhecido, por tratar-se de dever do empregador, devendo o INSS fiscalizar o cumprimento da norma.
Ponderou, contudo, que, no caso dos autos, a rasura em campo relevante da CTPS constitui irregularidade de suma importância capaz de afastar a presunção de veracidade do vínculo. Desse modo, caberia à parte autora colacionar ao feito prova documental hábil à comprovação de sua existência, a fim de que pudesse ser reconhecido e averbado aos seus demais períodos de trabalho, ônus do qual não se desincumbiu.
Pedi vista dos autos para melhor reflexão quanto aos aspectos fáticos e jurídicos que envolvem a presente causa.
No caso em apreço, busca a autora comprovar a atividade laborativa como empregada doméstica, no período de 08.04.1973 a 12.04.1979, junto à empregadora Maria do Carmo de Castro e Horta, a fim de obter a concessão do benefício de aposentadoria por idade.
Conforme bem consignado pelo i. Relator, verifica-se, de fato, que a CTPS da autora encontra-se rasurada, gerando dúvida acerca da data de extinção do vínculo de emprego, tendo o INSS computado o período de 08.04.1973 a 31.12.1974 (ID 55649692 – p. 01/02).
De outra parte, a autora não trouxe aos autos qualquer outro documento apto a servir de início razoável de prova material da atividade desenvolvida no período alegado.
E, no caso, o art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, não admite a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação do tempo de serviço, para a aquisição do benefício vindicado.
No entanto, entendo que a ausência nos autos de documento apto à comprovação da atividade laborativa é causa de extinção do feito sem resolução do mérito, com base no art. 485, IV, do CPC, de modo a evitar prejuízo ao segurado.
Assim, tenho que incide ao caso o Tema Repetitivo 629 decidido pela Corte Especial do C. STJ, no julgamento do REsp 1.352.721/SP, e pela Primeira Seção (REsp 1.352.875/SP), no sentido de que no âmbito de demandas previdenciárias, a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV do CPC, (artigos 485, IV, e 320, do CPC), pois restou decidido que o alcance do tema não ficou adstrito às lides de natureza rural.
A propósito, trago à colação os seguintes julgados:
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REPETIÇÃO DE DEMANDAS ANTERIORES. TRÍPLICE IDENTIDADE. COISA JULGADA. FLEXIBILIZAÇÃO. DESCABIMENTO.
1. A Corte Especial, no julgamento do REsp n. 1.352.721/SP, e a Primeira Seção (REsp n. 1.352.875/SP) decidiram que, no âmbito de demandas previdenciárias, a ausência de conteúdo probatório eficaz a instruir a inicial implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo a sua extinção sem o julgamento do mérito (art. 267, IV do CPC). (...) (AgInt no AREsp 1430807/PR, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, j. 16/11/2020, DJe 27/11/2020);
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO DO SEGURADO PARA RECONHECER A POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE NOVA AÇÃO. AGRAVO INTERNO QUE SE LIMITA A DEFENDER A IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA ATIVIDADE ESPECIAL. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DA REALIDADE DOS AUTOS. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 283 E 284/STF. AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
(...)
4. Ademais, cabe esclarecer que, ao contrário do que afirma o INSS, o entendimento firmado no REsp. 1.352.721/SP, julgado em sede de recurso repetitivo pela Corte Especial do STJ, fixa parâmetro para o julgamento de qualquer ação previdenciária, não se podendo restringir seu alcance à lides de trabalhadores rurais.
5. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento.”
(AgInt no AgInt no AREsp 1538872 / PR, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, j. 26/10/2020, DJe 12/11/2020)
Destarte, tendo em vista a falta de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, não deve a ação ser julgada improcedente, mas, sim, extinta sem resolução do mérito, sendo de rigor a reforma da r. sentença para extinguir o feito nos termos dos artigos 485, IV, e 320, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados proferidos por esta Corte Regional:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. EMPREGADO DOMÉSTICO. PROVA DOCUMENTAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. APELAÇÃO DO INSS PREJUDICADA.
1 - A Lei nº 5.859/72, que entrou em vigor em 09/04/1973, disciplinou a matéria acerca da obrigatoriedade de contribuições da empregada doméstica, nos arts. 4º e 5º.
2 - No momento anterior à aludida legislação, a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça é uníssona no sentido de ser dispensada a exigência de recolhimento das contribuições previdenciárias relativas período. E ainda, o E. STJ admite como início de prova material do trabalho doméstico a mera declaração extemporânea do ex-empregador.
3 - Após a edição da Lei 5.859/72 o empregado doméstico passou à condição de segurado obrigatório, sendo indispensável o recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias, a cargo do empregador, para que o tempo laborado seja computado para efeito de carência. Esse conceito foi recepcionado pelo inciso II do art. 11 da Lei 8.213/91.
4 - Portanto, após a vigência da Lei 5.859/72, o empregador tornou-se o responsável tributário pelos descontos e recolhimentos das contribuições previdenciárias, responsabilidade que também foi disciplinada pelo inciso V do art. 30 da Lei 8.212/91, motivo pelo qual não se pode punir o empregado doméstico pela ausência de recolhimentos, podendo ser computado o período laborado e comprovado para fins de carência, independentemente de indenização aos cofres da Previdência.
5 - Nesse período posterior à vigência da Lei 5.859/72, passou a ser exigido início de prova material acompanhado da prova testemunhal para a comprovação do emprego doméstico.
6 - Controvertido, na demanda, o reconhecimento do labor, como empregada doméstica, no 01/04/1981 a 31/12/1988.
7 - Para comprovar o labor no referido intervalo, a autora apresentou apenas algumas fotos, sem data (ID 6669744 - Pág. 5/7), e sua carteira de trabalho (ID 6669743 - Págs. 5/6).
8 - A documentação acostada aos autos nada esclarece acerca do labor da parte autora como empregada doméstica no período em análise. Salta aos olhos que o primeiro vínculo empregatício da requerente foi como “serviços gerais” na “Escola de Educação Infantil Pingo da Gente” de 01/02/1989 a 14/09/1995 (ID 6669743 - Pág. 5).
9 - Não há nos autos nenhuma evidência documental que leve a crer que a autora trabalhou para a Sra. Linda David Antunes (vínculo anotado de 01/02/1996 a 20/04/2007) antes de seu primeiro emprego registrado em carteira, como serviços gerais em uma escola infantil (01/02/1989), como alegado pela parte autora.
10 - Demais disso, nenhuma outra prova material foi acostada aos autos, pretendendo a parte autora que os depoimentos testemunhais supram a comprovação de muitos anos de exercício de labor como empregada doméstica, o que não se afigura legítimo.
11 - Destarte, conclui-se que a parte autora não apresentou o início de prova material apta a comprovar o labor em atividade doméstica de 01/04/1981 a 31/12/1988, da forma exigida pelo art. 55, § 3º, da Lei de Benefícios e jurisprudência do C. Superior Tribunal de Justiça.
12 - Diante da ausência de início razoável de prova material, imperiosa a extinção da demanda, sem resolução do mérito, a fim de possibilitar a propositura de nova ação, caso o requerente venha a conseguir documentos que comprovem o labor desenvolvido na qualidade de empregada doméstica no período alegado.
13 - A sentença concedeu a tutela antecipada. Tendo em vista que a eventual devolução dos valores recebidos por força de tutela provisória deferida neste feito, ora revogada: a) é matéria inerente à liquidação e cumprimento do julgado, conforme disposição dos artigos 297, parágrafo único e 520, II, ambos do CPC; b) que é tema cuja análise se encontra suspensa na sistemática de apreciação de recurso especial repetitivo (STJ, Tema afetado nº 692), nos termos do § 1º do art. 1.036 do CPC; e c) que a garantia constitucional da duração razoável do processo recomenda o curso regular do processo, até o derradeiro momento em que a ausência de definição sobre o impasse sirva de efetivo obstáculo ao andamento do feito; determina-se que a controvérsia em questão deverá ser apreciada pelo juízo da execução, de acordo com a futura deliberação do tema pelo E. STJ.
14 - Inversão do ônus sucumbencial, com condenação da parte autora no ressarcimento das despesas processuais eventualmente desembolsadas pela autarquia, bem como no pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% (dez por cento) do valor atualizado da causa (CPC, art. 85, §§2º e 3º), observando-se o previsto no §3º do art. 98 do CPC.
15 – Processo julgado extinto sem exame do mérito de ofício. Apelação do INSS prejudicada.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5055164-83.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 20/10/2021, DJEN DATA: 27/10/2021)
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE TRABALHO RURAL E URBANO SEM REGISTRO. AUSÊNCIA/INSUFICIÊNCIA DE PROVA MATERIAL PARA COMPROVAÇÃO INTEGRAL DOS PERÍODOS ALEGADOS.
1. A Lei nº 11.718/2008, ao alterar o Art. 48, da Lei 8.213/91, possibilitou ao segurado o direito à aposentadoria por idade, mediante a soma dos lapsos temporais de trabalho rural com o urbano.
2. Comprovado o trabalho rural sem registro mediante apresentação de início de prova material corroborada por idônea prova testemunhal, é de ser averbado nos cadastros da autora, para fins previdenciários, independentemente do recolhimento de contribuições.
3. Restou uniformizado pelo e. Superior Tribunal de Justiça, o entendimento de que a declaração firmada por ex-empregadores, constitui razoável início de prova material para a comprovação do tempo de serviço como empregada doméstica, no período anterior à regulamentação da profissão pela Lei 5.859/72, desde que corroborada por robusta prova testemunhal.
4. Insuficiência de prova material não corroborada pela prova oral produzida em Juízo, acerca do alegado trabalho urbano sem registro como empregada doméstica, no período de 07/2007 a 12/2012.
5. Ausente um dos pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo, é de ser extinto o feito sem resolução do mérito, quanto aos pedidos de reconhecimento do trabalho rural em regime de economia familiar no período de 26/09/1970 até meados de 1986, e quanto ao trabalho urbano sem registro como empregada doméstica, no período de 07/2007 a 12/2012.
6. Tendo a autoria decaído de parte do pedido, devem ser observadas as disposições disposições contidas nos §§ 2º, 3º, I, e 4º, do Art. 85, e no Art. 86, do CPC.
7. Remessa oficial, havida como submetida, provida em parte e apelações desprovidas.
(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0021620-92.2018.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal PAULO OCTAVIO BAPTISTA PEREIRA, julgado em 19/04/2023, DJEN DATA: 24/04/2023)
Diante do exposto, respeitosamente e com a devida vênia, divirjo do voto do i. Relator, para extinguir o feito sem resolução do mérito em relação ao pedido de reconhecimento da atividade laborativa no período de 01.01.1975 a 12.04.1979, nos termos do art. 485, IV, do CPC, julgando prejudicada a apelação da parte autora.
É o voto.
VOTO RETIFICADOR
Na sessão de julgamentos desta E. 7ª Turma realizada em 11.03.2025, apresentei voto divergindo do Exmo. Desembargador Federal Relator, no sentido de extinguir o feito sem resolução do mérito em relação ao pedido de reconhecimento da atividade laborativa no período de 01.01.1975 a 12.04.1979, nos termos do art. 485, IV, do CPC, julgando prejudicada a apelação da parte autora.
Entretanto, as brilhantes ponderações colocadas pela Exma. Des. Federal Inês Virgínia em seu voto-vista, sensíveis à matéria em debate, fizeram com que alterasse minha convicção.
De fato, o caso dos autos deve ser analisado a partir da adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero (a Resolução CNJ 492/23), pois a medida concretiza-se como um dos caminhos para a justiça social.
Consoante bem destacou a Desembargadora Inês Virgínia, é sabido por todos que as relações de trabalho das empregadas domésticas ainda hoje se revestem de certa informalidade, não sendo fácil a obtenção de prova documental hábil à sua comprovação.
Destarte, refutar a única prova obtida pela interessada com base no artigo 55, § 3º da Lei n. 8.213/91, por entender-se que ela não logrou comprovar sua situação de empregada doméstica mediante a apresentação de início de prova material, ao argumento de que a rasura em campo relevante da CTPS constitui irregularidade de suma importância capaz de afastar a presunção de veracidade do vínculo, no contexto desta demanda, significa manter e perpetuar o não reconhecimento do trabalho feminino, inclusive no âmbito deste processo.
Em outras palavras, a medida apropriada para superar a desigualdade de gênero, no caso em análise, consiste em flexibilizar os meios de prova, permitindo à trabalhadora doméstica utilizar-se do meio probatório de que dispõe, o qual, destaque-se, restou sobejamente corroborado pelos depoimentos das testemunhas ouvidas durante o curso da instrução processual.
Sendo assim, adiro ao voto-vista apresentado pela Desembargadora Federal Inês Virgínia e entendo comprovado o labor desempenhado pela demandante como empregada doméstica no intervalo de 08.04.1973 a 12.04.1979, bem como o direito daquela à concessão do benefício de aposentadoria por idade, desde a DER (02.05.2017), observada a prescrição quinquenal.
Estou de acordo com os demais fundamentos expostos no voto da Exma. Desembargadora Federal Inês Virgínia, os quais adoto igualmente como razões de decidir.
Desta forma, apresento voto retificador para tornar sem efeito o proferido anteriormente e acompanhar a divergência inaugurada pela Exma. Desembargadora Inês Virgínia, a fim de dar provimento à apelação da parte autora e julgar procedente o pedido.
É como voto.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO COMO EMPREGADA DOMÉSTICA. RASURA EM CTPS. PROVA ORAL IDÔNEA. JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO. RECURSO PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
III. RAZÕES DE DECIDIR
IV. DISPOSITIVO E TESE
Tese de julgamento:
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 5º, I e XXXV; Lei nº 8.213/1991, arts. 25, II, 48, 49 e 142; Lei nº 10.666/2003, art. 3º, §1º; Resolução CNJ nº 492/2023.
Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.352.721/SP, Corte Especial, j. 12.11.2014 (não aplicável ao caso, mas citado como referência para distinção); TRF3, 3ª Seção, jurisprudência dominante sobre honorários e cálculo do benefício.