APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008066-29.2023.4.03.6119
RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS
Advogado do(a) APELADO: ALINE DE ARAUJO HIRAYAMA - SP323883-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008066-29.2023.4.03.6119 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS Advogado do(a) APELADO: ALINE DE ARAUJO HIRAYAMA - SP323883-A ORIGEM: 1ª Vara Federal de Guarulhos R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelação criminal (ID 293562446) interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença (ID 293562438) que julgou procedente a pretensão punitiva estatal e condenou a ré ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS, nascida aos 18/07/1998, como incursa nas penas do art. 33, "caput", c/c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 às penas de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente aberto, e pagamento de 195 (cento e noventa e cinco) dias-multa, no valor unitário no mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, a razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e pelo pagamento de prestação pecuniária no valor equivalente a 03 (três) salários mínimos, em favor da União e cujo pagamento poderá ser convencionado em audiência admonitória. A Defesa/ré não recorreu da sentença condenatória, tendo decorrido o prazo em 25/03/2024, conforme andamento no PJe da 1ª instância. Narra a denúncia (ID 299904009), em síntese, que, 20/08/2023, a denunciada foi presa em flagrante no aeroporto internacional de Guarulhos, quando se preparava para embarcar no voo QR774 da companhia aérea Qatar Airways, com destino a Doha/Catar, de onde partiria no voo QR1369 para cidade do Cabo/África do Sul, trazendo consigo 3.264g (três mil, duzentos e sessenta e quatro gramas) de cocaína, massa bruta. Consta que as malas da denunciada foram submetidas ao raio X, quando se constatou substância nas hastes das malas. Aberta as hastes das malas, localizou-se substância com aspecto de cocaína. Foi realizado o narcoteste prévio pelos policiais e o resultado deu sugestivo para COCAÍNA. Foi realizada audiência de custódia em 21/08/2023, oportunidade em que foi homologada a prisão em flagrante da ré e concedida liberdade provisória (ID 298520396). A denúncia foi recebida em 26/01/2024 (ID 312830407), e a sentença, publicada em 18/03/2024 (ID 293562438). O Ministério Público Federal requer a reforma da sentença para: "a) seja exasperada a pena base fixada na primeira fase de dosimetria da pena, considerando-se a natureza e quantidade da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006; b) seja afastado o tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, § 4° da Lei n° 11.343/06 ou, subsidiariamente, seja fixada a fração mínima de redução da pena; c) seja fixado regime inicial mais gravoso para o cumprimento da pena; d) seja afastada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos” (ID 293562446). A defesa apresentou contrarrazões (ID 293562508). A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso ministerial, a fim de que a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 seja aplicada na fração mínima cominada pela lei (ID 294939640). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5008066-29.2023.4.03.6119 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS Advogado do(a) APELADO: ALINE DE ARAUJO HIRAYAMA - SP323883-A V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Trata-se de apelação criminal (ID 293562446) interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença (ID 293562438) que julgou procedente a pretensão punitiva estatal e condenou a ré ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS, nascida aos 18/07/1998, como incursa nas penas do art. 33, "caput", c/c art. 40, inciso I, da Lei nº 11.343/06 às penas de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente aberto, e pagamento de 195 (cento e noventa e cinco) dias-multa, no valor unitário no mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, a razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e pelo pagamento de prestação pecuniária no valor equivalente a 03 (três) salários mínimos, em favor da União e cujo pagamento poderá ser convencionado em audiência admonitória. A Defesa/ré não recorreu da sentença condenatória, tendo decorrido o prazo em 25/03/2024, conforme andamento no PJe da 1ª instância. Narra a denúncia (ID 299904009), em síntese, que, 20/08/2023, a denunciada foi presa em flagrante no aeroporto internacional de Guarulhos, quando se preparava para embarcar no voo QR774 da companhia aérea Qatar Airways, com destino a Doha/Catar, de onde partiria no voo QR1369 para cidade do Cabo/África do Sul, trazendo consigo 3.264g (três mil, duzentos e sessenta e quatro gramas) de cocaína, massa bruta. Consta que as malas da denunciada foram submetidas ao raio X, quando se constatou substância nas hastes das malas. Aberta as hastes das malas, localizou-se substância com aspecto de cocaína. Foi realizado o narcoteste prévio pelos policiais e o resultado deu sugestivo para COCAÍNA. Foi realizada audiência de custódia em 21/08/2023, oportunidade em que foi homologada a prisão em flagrante da ré e concedida liberdade provisória (ID 298520396). A denúncia foi recebida em 26/01/2024 (ID 312830407), e a sentença, publicada em 18/03/2024 (ID 293562438). O Ministério Público Federal requer a reforma da sentença para: "a) seja exasperada a pena base fixada na primeira fase de dosimetria da pena, considerando-se a natureza e quantidade da droga apreendida, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006; b) seja afastado o tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, § 4° da Lei n° 11.343/06 ou, subsidiariamente, seja fixada a fração mínima de redução da pena; c) seja fixado regime inicial mais gravoso para o cumprimento da pena; d) seja afastada a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos”. Passo a análise do recurso ministerial. Verifico que a materialidade, autoria delitiva e dolo, não foram objetos de impugnação recursal, mas também são incontestes pelas provas encartadas aos autos. A materialidade do crime de tráfico internacional de drogas restou amplamente demonstrada, conforme auto de apresentação e apreensão (ID 298426120, pág. 18); laudo preliminar de constatação (ID 298426120, págs. 15/17) e laudo definitivo (ID 300006294). O laudo definitivo afirmou que os exames resultaram positivo para COCAÍNA para a amostra enviada para análise. A autoria está comprovada pelo auto de prisão em flagrante, auto de apreensão em que consta a droga apreendida em poder da ré, bem como diante da prova oral colhida (ID 293561936). Por fim, o dolo também está bem evidenciado, já que a acusada tinha plena ciência do transporte do ilícito. Dessa forma, mantenho a condenação de pela prática do crime do artigo 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006. Passo à análise da pena aplicada. Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base acima do mínimo legal, ou seja, em 05 (cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa, em razão da quantidade e a natureza da droga, com fundamento nos arts. 59 do CP e 42 da Lei 11.343/2006. Na primeira fase da dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, são circunstâncias que devem ser consideradas com preponderância sobre o artigo 59 do Código Penal, nos termos do artigo 42 da Lei de Drogas, independentemente da pureza da substância, de quanto ela poderia render ou de quanto ela está misturada a outros produtos nocivos à saúde. À luz dos parâmetros utilizados por esta Turma Julgadora, a qualidade e a quantidade de droga transportada (3.250g de cocaína) não são suficientes para a majoração da pena, pelo que reduzo a pena-base, de ofício, para seu mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão e pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa, a fim de que seja adequada aos parâmetros de entendimento deste órgão fracionário. Registra-se que, embora a defesa não tenha se insurgido contra a dosimetria da pena, a apelação criminal devolve ao conhecimento do Tribunal ad quem toda a matéria ventilada nos autos, privilegiando a ampla defesa do réu, sendo possível a reformatio in mellius até mesmo em recurso exclusivo da acusação (STJ, REsp 628.971/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 12/04/2010 e HC n. 368.973/SP, Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe de 26/2/2018). Na segunda fase, o juiz sentenciante não reconheceu quaisquer agravantes, mas reconheceu a atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d"), o que conservo. Logo, mantido o percentual de redução de 1/6 aplicado na sentença nessa fase, a pena permanece em 5 (cinco)anos de reclusão, e 500 (quinhentos)dias-multa, a teor do previsto na Súmula 231 do STJ. Registre-se que, em julgamento realizado no dia 14 de agosto de 2024, a c. 3ª Seção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) concluiu pela manutenção do enunciado de Súmula 231, nos seguintes termos (REsp nº 1869764 / MS; REsp nº 2052085 / TO e REsp nº 2057181 / SE ): "Proclamação Final de Julgamento: Retomado o julgamento, após o voto-vista antecipado divergente do Sr. Ministro Messod Azulay Neto, rejeitando o cancelamento do enunciado da Súmula 231 e, por conseguinte, negando provimento ao recurso especial, no que foi acompanhado pelos Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca, Antonio Saldanha Palheiro, Joel Ilan Paciornik e Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), e os votos da Sra. Ministra Daniela Teixeira e dos Srs. Ministros Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP) e Sebastião Reis Júnior, acompanhando o voto do Sr. Ministro Rogerio Schietti Cruz (Relator), dando provimento ao recurso especial, para acolher a tese segundo a qual a incidência da circunstância atenuante pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal, com o consequente cancelamento da Súmula 231, a Terceira Seção, por maioria, rejeitou o cancelamento do enunciado da Súmula 231 deste Superior Tribunal de Justiça e, por conseguinte, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Messod Azulay Neto, que lavrará o acórdão" Na terceira fase, o aumento da pena pela transnacionalidade do delito (artigo 40, inciso I, da Lei nº 11.343/2006) deve ser mantido na fração mínima de 1/6 (um sexto), pois está demonstrado que a droga apreendida seria destinada ao exterior, uma vez que a ré foi presa no aeroporto internacional, já se dirigindo ao estrangeiro. Tal contexto basta à incidência da norma em tela, seguindo enunciado da Súmula 607/STJ: “A majorante do tráfico transnacional de drogas (art. 40, I, da Lei n. 11.343/2006) configura-se com a prova da destinação internacional das drogas, ainda que não consumada a transposição de fronteiras”. Desse modo, a pena passa para 5(cinco) anos e 10 (dez) meses de reclusão, além de 583 (quinhentos e oitenta e três) dias-multa. O MPF pugna pelo afastamento da causa de diminuição do tráfico privilegiado, previsto no artigo 33, § 4° da Lei n° 11.343/06 ou, subsidiariamente, caso mantida, seja fixada a fração mínima de um sexto de redução da pena. O juízo “a quo” aplicou a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4.º, da Lei nº 11.343/2006, na sua fração máxima de dois terços, sob os seguintes fundamentos, in verbis: "(...) Dentre as causas de diminuição da pena, observo regra específica do tipo penal envolvido (art. 33), §4º, conforme já exposto anteriormente. A questão remanescente é reduzir em qual patamar: mínimo, máximo ou intermediário? Ora, vejo que as circunstâncias do art. 59 são favoráveis à ré (que não pode ser confundido por presunção com traficante “profissional” de drogas). O STJ, por ambas as Turmas competentes, dispõe de que forma deve-se promover a análise da fração aplicável ao caso concreto: Em relação à redutora prevista no art. 33, §4°, da Lei 11.343/06, insta consignar que para a aplicação do percentual de redução, o magistrado deve levar em consideração as circunstâncias do caso, especialmente a natureza e a quantidade da droga apreendida, bem como as demais circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ante a ausência de indicação das balizas pelo legislador para a definição do quantum de diminuição. (Quinta Turma, HC 421411, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJE 13/03/2018 – trecho do voto do Relator) Malgrado seja legítimo invocar a natureza, a quantidade, e a variedade das drogas para eleição do quantum de incidência da benesse em testilha, com fulcro no art. 42 da Lei Antidrogas, na espécie, embora a empreitada criminosa tenha envolvido duas substâncias entorpecentes, uma delas de elevado potencial lesivo, a quantidade apreendida – 7,28 g de crack e 56,46 g de maconha – não se mostra expressiva o suficiente a ponto de ensejar a aplicação da minorante no patamar mínimo, sendo possível, pois, a sua incidência na fração máxima. Nesse contexto, a meu ver, há ilegalidade, porquanto a existência de uma graduação de 1/6 a 2/3 reclama decisão fundamentada com base nos elementos do caso concreto. (Sexta Turma, HC 371555 / SP, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe 23/10/2017 – trecho do voto da Relatora) Acrescento, ainda, dos parâmetros expostos pelo STJ, o cuidado de afastar eventual “bis in idem”. Ou seja, evitar-se aplicar como fundamento para agravar pena (portanto, fração menor que a máxima permitida no art. 33, §4º, Lei nº 11.343/2006) circunstância já levada em consideração na pena-base. Assim, considero para a gradação da minorante a periculosidade em concreto da atuação do agente, no contexto da narcotraficância, vale dizer, o quanto ele contribui com o tráfico de drogas internacional, atuando em favor de grupo criminoso internacional, embora não o integre. Porém, nesse caso específico, é clara a sua condição de mera mula, não havendo demonstração nos autos que tivesse qualquer envolvimento com a organização criminosa. Reforce-se: efetivamente, não existem outros elementos desabonadores da ré, não havendo, por isso, causa que justifique fração de diminuição diversa do máximo permitido legalmente. Precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) com aplicação da causa de diminuição na fração máxima: Agravo regimental no habeas corpus. 2. Agravo da PGR. 3. A quantidade da droga não pode ser usada, exclusivamente, para o afastamento do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas. 4. Agravado, contratado como mula, transportava 19kg de maconha. Ausentes provas de envolvimento com organização criminosa e dedicação a atividades ilícitas. 5. Mera mula. 6. Agravo improvido. (STF, Segunda Turma, HC 199178, AgR, Relator GILMAR MENDES, Dje 01-09-2021) Agravo regimental no habeas corpus. 2. Recurso da PGR. 3. Regime inicial mais gravoso apenas com base na quantidade da droga. Impossibilidade no caso concreto. 4. Transporte de 5kg de maconha na condição de mula. Pessoa em estado de vulnerabilidade social, que não pode receber a mesma reprimenda do proprietário da droga e responsável por ter-lhe contratado. Agravada não faz parte da organização criminosa. 5. Faculta-se ao magistrado a análise dos requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Precedentes. 6. Agravo improvido. (STF, Segunda Turma, HC 180065 AgR, Relator GILMAR MENDES, Dje 02-04-2020) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO. QUANTIDADE DE DROGA. INCIDÊNCIA DA MINORANTE. PATAMAR DE REDUÇÃO. 1. A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Pertinente à dosimetria da pena, encontra-se a aplicação da causa de diminuição da pena do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006. 2. Considerados a primariedade, os bons antecedentes ostentados pelo paciente, a ausência de envolvimento, ou de maior responsabilidade com organização criminosa, ou de dedicação ao crime, impõe-se o reconhecimento da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006. 3. Quanto ao patamar de redução, proporcional e razoável a fixação da minorante no patamar de 2/3 (dois terços), uma vez inexistentes circunstâncias ou fatos desabonadores ensejadores de aplicação de fração diversa. 4. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, Primeira Turma, HC 154810 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, julgamento 24/08/2020, publicação 04/09/2020) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO AGRAVADA. RECONSIDERAÇÃO. FUNDAMENTOS IMPUGNADOS. CONHECIMENTO. TRÁFICO DE DROGAS. MINORANTE ESTABELECIDA NO PATAMAR MÍNIMO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. ILEGALIDADE EVIDENCIADA. ALTERAÇÃO PARA FRAÇÃO DE DOIS TERÇOS. 1. Devidamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, é de ser reconsiderada a decisão que não conheceu do agravo, em ordem a que se evolua para o mérito recursal. 2. Constitui constrangimento ilegal a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 no patamar mínimo sem a apresentação de justificativa idônea. 3. Levar consigo droga oculta dentro de capas e contracapas de livros não denota especial gravidade ao delito de tráfico, cuja prática costuma ocorrer às escondidas, não justificando, portanto, a incidência de fração mínima na minorante do tráfico privilegiado. Faz parte do crime a natural estratégia de sucesso. 4. Agravo regimental provido. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial. Aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, na fração de 2/3. Condenação estabilizada em 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e 194 dias-multa. Manutenção do regime aberto e da substituição. (STJ, Sexta Turma, AgRg no AREsp n. 1.974.737/SP, relator Desembargador Convocado do TRF 1ª Região Olindo Menezes, julgado em 15/3/2022, DJe de 21/3/2022) Desse modo, com olhos na situação concreta da ré, entendo cabível aplicação de fração máxima da causa de diminuição de pena. Não tendo a acusação trazido elementos concretos que colocassem a ré em situação diversa de simples mula do tráfico. Assim, entendo por aplicar a benesse legal no seu patamar máximo, em 2/3, alcançando a pena final 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e 195 (cento e noventa e cinco) dias-multa, cujo valor unitário fixo no mínimo legal, ante a ausência de prova de condição econômica superior da ré. (...)" No que diz respeito à causa de diminuição da pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, verifico que ela prevê a redução da pena de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas, nem integre organização criminosa. Deve ser dito, ainda, que no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) com Agravo nº 666.334/AM, com repercussão geral reconhecida, o Supremo Tribunal Federal decidiu que, em caso de condenação por tráfico ilícito de entorpecentes, a natureza e a quantidade da droga devem ser levadas em consideração tão somente em uma das fases da dosimetria da pena, vedada a sua aplicação cumulativa, que acarretaria bis in idem (STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, RE com Agravo nº 666.334/AM, j. 03/04/2014). A questão constitucional discutida no aludido recurso extraordinário dizia respeito à possibilidade de se considerar a quantidade e a qualidade da droga apreendida tanto na primeira fase de fixação da pena, como circunstância judicial desfavorável, quanto na terceira, para modular a aplicação da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, ou seja, aplicar fração diferente da máxima de 2/3 (dois terços), podendo chegar à redução mínima de 1/6 (um sexto). Logo, a natureza e a quantidade de droga não podem ser duplamente valoradas, em desfavor do réu, na primeira e também na terceira fase da dosimetria, sob pena de "bis in idem". Ressalte-se, ainda, que o magistrado não está obrigado a aplicar o máximo da redução prevista quando presentes os requisitos para a concessão desse benefício, porquanto tem discricionariedade para fixar, de forma fundamentada e de acordo com o princípio do livre convencimento motivado, a redução no patamar que entenda necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime no caso concreto. Neste contexto, deve ser sopesado o grau de auxílio prestado pelo réu ao tráfico internacional de drogas e a consciência de que estava a serviço de um grupo de tal natureza. No caso em tela, observa-se que a ré é primária, de bons antecedentes, com ensino médio incompleto. A quantidade de droga que transportava - 3.250g (três mil duzentos e cinquenta gramas) de cocaína -não se mostra expressiva o suficiente a ponto de ensejar a não incidência da minorante ou sua aplicação no patamar mínimo. A acusada também não possui viagens internacionais anteriores. Conforme observado pelo MM. Juiz sentenciante, efetivamente, não existem outros elementos desabonadores da ré, não havendo, por isso, causa que justifique a não incidência da causa de diminuição relativa ao "tráfico privilegiado". Assim, faz "jus" à causa de redução de pena prevista no § 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/2006. Dessa forma, as especificidades do caso concreto autorizam a conclusão de que a conduta do apelante se enquadra no que se convencionou denominar no jargão do tráfico internacional de droga de "mula", isto é, mão-de-obra avulsa, esporádica, de pessoa que é cooptada para o transporte de drogas, pois não se subordina de modo permanente à organização criminosa nem integra seus quadros. Ademais, nota-se que há elementos que comprovam a vulnerabilidade da ré que permitem a manutenção da causa de diminuição ao seu patamar máximo de 2/3(dois terços). A ré esclareceu em seu interrogatório que morava em Suriname e está morando com seu pai em Belém do Pará; é solteira; tem uma filha de 8 anos; atualmente não está com trabalho fixo, seu pai que ajuda, faz alguns trabalhos de esteticista; não tem uma renda fixa mensal; voltou a estudar o ensino médio; nunca foi presa e não respondeu a processo criminal; confirma que estava viajando e sabia que estava levando cocaína; morava no Suriname e ficou desempregada e estava passando por uma situação bem difícil, chegou a se prostituir para sustentar sua filha; e conheceu uma pessoa que ofereceu para fazer a viagem; relutou para não fazer isso; mas tinha dias que não tinha nem o que dar para sua filha; e acabou aceitando, a pessoa disse que teria que vir para São Paulo, mas não sabia como levaria, só sabia que era cocaína; no dia da viagem a pessoa entregou a mala e a colocou no Uber para ir ao aeroporto; antes disso ficou um mês e uns dias em São Paulo; quando chegou em São Paulo ficou sem poder sair do hotel onde estava; tentou novamente não realizar a viagem, falou que não queria, mas não tinha opção de desistir; foi para o Suriname em 2012, veio para o Brasil em 2020; viajou de barco de Belém para Suriname na época da pandemia; sua filha está em Belém com a ré; foi para o Suriname com sua mãe, quando tinha 12 anos; porque no local onde mora é muito difícil; teve sua filha e precisava trabalhar; se formou em estética e se mantinha com isso; não tem outras viagens internacionais. A comprovação de que a ré possui filha menor está na certidão de nascimento no ID 293561144. O documento juntado em ID 293561145 também comprova sua residência em Belém/PA e sua vulnerabilidade financeira, uma vez que a conta de energia está classificada como de "baixa renda". Tais documentos permitem verificar a verossimilhança do quanto afirmado pela ré em seu interrogatório, que demonstra sua vulnerabilidade social e econômica. No mais, caberia à acusação demonstrar outros elementos concretos aptos a justificar uma diminuição menor da pena aplicada à ré, uma vez que tal operação implica num aumento quantitativo da pena a lhe ser imposta. Para tanto, não bastam presunções ou ilações. No processo penal, o ônus da prova é da acusação e, no caso concreto, a acusação não se desincumbiu de demonstrar, apontando dados concretos constantes nos autos, elementos que justificassem uma exasperação maior da pena ou uma menor redução de pena à apelada. A alegação de que "que a sentenciada, de maneira deliberada e consciente, se inseriu em claro contexto de patrocínio por organização criminosa", bem como o iter criminis percorrido, não são hábeis a justificar uma menor redução da pena, uma vez que tais circunstâncias são ínsitas à consumação do tipo penal no qual a ré já foi incursa e condenada. De outra parte, a sentença está bem fundamentada, não se justificando a sua reforma nesse aspecto. O d. magistrado sentenciante, em contato direto com a causa, observou que a apelada estava em situação de vulnerabilidade, situação que não exclui o crime nem isenta a ré de pena, porém, autoriza a aplicação da redução de pena prevista pelo legislador exatamente para casos como este. Ademais, como bem salientado na sentença, efetivamente, não existem outros elementos desabonadores da ré, não havendo, por isso, causa que justifique fração de diminuição diversa do máximo permitido legalmente. Por essas razões e em respeito ao princípio da individualização da pena, mantenho a fração da causa de diminuição do art. 33, §4º da Lei nº 11.340/2006 de 2/3 (dois terços), conforme aplicada na sentença, pois suficiente levando-se em conta as particularidades do caso concreto. Reduzida a pena nesta terceira fase em razão do reconhecimento do tráfico privilegiado (art. 33, §4º, da Lei 11.343/2006), mantenho a pena definitiva privativa de liberdade, aplicada na sentença, em 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, e, de ofício, corrijo/reduzo a pena de multa para 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, para torná-la proporcional à pena corporal, conforme entendimento desta Turma Turma. Mantenho o valor de cada dia-multa no seu mínimo legal, tendo em vista a capacidade econômica da ré (art. art. 49, § 1º, do CP). Do regime inicial O MM. Juiz a quo fixou o regime inicial aberto, em razão da quantidade da pena privativa de liberdade fixado. Dessa forma, o regime inicial da pena corporal fixado (aberto) deverá ser mantido, tendo em vista o "quantum" da pena de reclusão ora fixada, abaixo de quatro anos, por não se tratar de réu reincidente, bem como em razão de todas as circunstâncias judicias serem favoráveis (CP, art. 33, § 2º, 'c', e § 3º) Diante do regime inicial ABERTO determinado à ré (o mais brando da legislação), resta prejudicada a análise prevista no art. 387, §2º, CPP. Da substituição da pena privativa de liberdade Nos termos do artigo 44 do Código Penal, uma vez preenchidos todos os requisitos legais, também deve ser mantida a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos nos termos da sentença (PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE OU A ENTIDADES PÚBLICAS, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, a razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e pelo pagamento de PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA no valor equivalente a 03 (três) salários mínimos, em favor da União e cujo pagamento poderá ser convencionado em audiência admonitória). Mantenho, no mais, a sentença de primeiro grau. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal e, de ofício, reduzo a pena-base para fixá-la no mínimo legal e reduzo a pena de multa para torná-la proporcional à pena corporal, do que resultam para ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS as penas definitivas de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicialmente aberto, e pagamento de 194 (cento e noventa e quatro) dias-multa, no valor unitário no mínimo legal, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, nos termos em que fixadas na sentença. É o voto.
Autos: | APELAÇÃO CRIMINAL - 5008066-29.2023.4.03.6119 |
Requerente: | MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP |
Requerido: | ANA ELIDA COSTA DOS SANTOS |
Ementa: Direito penal. Apelação criminal. Crimes de Tráfico Ilícito e Uso Indevido de Drogas. Conclusão.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença que condenou a ré A.E.C.D.S. como incursa nas penas do artigo 33, caput, c.c. art. 40, I, ambos da Lei nº 11.343/2006, às penas de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 10 (dez) dias de reclusão, e 195 (cento e noventa e cinco) dias-multa (valor unitário no mínimo legal), em regime inicialmente aberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, a ser especificada pelo Juízo de Execuções Penais, a razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, e pelo pagamento de prestação pecuniária no valor equivalente a 03 (três) salários mínimos, em favor da União e cujo pagamento poderá ser convencionado em audiência admonitória.
II. Questão em discussão
2. Há duas questões em discussão: (i) saber se a quantidade e a natureza da droga justificam a exasperação da pena-base no caso concreto; (ii) se a ré, “mulas do tráfico”, fazem jus à causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 em seu patamar máximo e, em consequência, a depender da pena definitivamente fixada, se fará jus ao regime aberto e à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
III. Razões de decidir
3. Materialidade, autoria e o dolo, que não foram contestados pelas partes, exsurgem das circunstâncias fáticas (prisão em flagrante delito), pelas provas documentais e pelo testemunho prestado em Juízo. Mantida a condenação pelo delito de tráfico transnacional de drogas.
4. Dosimetria. Pena-base reduzida. No caso vertente, está-se tratando de uma quantidade não tão expressiva de 3.264g (três mil, duzentos e sessenta e quatro gramas) de cocaína, massa bruta., transportada pela ré. Assim, na primeira fase da dosimetria, à luz dos parâmetros utilizados por esta Turma Julgadora, reduzida, de ofício, a pena-base para o mínimo legal de 5 (cinco) anos de reclusão, e 500 (quinhentos) dias-multa.
5. Na segunda fase foi reconhecida a atenuante da confissão espontânea (art. 65, III, “d”, CP) e mantida a pena no mínimo legal 5 (cinco) anos de reclusão, e 500 (quinhentos)dias-multa, a teor da Súmula 231 do STJ.
6. Na terceira, mantido o aumento pela transnacionalidade do delito na fração mínima de 1/6 (um sexto) fixado na sentença.
7. No caso concreto, considerando as circunstâncias nas quais o delito foi perpetrado pela acusada a redução da pena permanece fixada na fração de 2/3 pelo chamado tráfico privilegiado. Ademais, efetivamente, não existem outros elementos desabonadores da ré, não havendo, por isso, causa que justifique fração de diminuição diversa do máximo permitido legalmente.
8. Mantido o regime inicial fixado como aberto, bem como a substituição da pena privativa de liberdade imposta por duas penas restritivas de direitos, em razão da quantidade da pena aplicada e presença dos demais requisitos legais.
IV. Dispositivo e tese
9. Apelação ministerial desprovida.
Tese de julgamento: “1. Não se pode valorar duplamente, na dosimetria da pena, a natureza e a quantidade da droga, sob pena de ‘bis in idem’. 2. Preenchidos os requisitos legais, aplicável a redução de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas no patamar de 2/3, consideradas as particularidades do caso concreto.”
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Dispositivos relevantes citados: CP, arts. art. 33, § 2º, 'c', e § 3º, 44, 49, § 1º, 59, 65, III, "d", e Lei nº 11.343/2006, arts. 33, “caput” e § 4º, 40, I, e 42.
Jurisprudência relevante citada: STF, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, RE com Agravo nº 666.334/AM, j. 03/04/2014; STJ, REsp 628.971/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 12/04/2010 e HC n. 368.973/SP, Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe de 26/2/2018.