APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5018844-87.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: V. H. D. A. C.
REPRESENTANTE: ANNA PAULA DE ALCANTARA ROCHA
Advogados do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA - SP270141-N,
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5018844-87.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: V. H. D. A. C. Advogados do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA - SP270141-N, OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido inicial da parte autora para determinar que a Autarquia Previdenciária lhe conceda o benefício assistencial ao deficiente, nos seguintes termos: Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL, com fundamento no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para condenar o requerido a conceder ao autor o benefício assistencial de prestação continuada (BPC LOAS), no valor equivalente a um salário mínimo, desde a data do requerimento administrativo, bem como a lhe pagar os valores atrasados de uma só vez, observada a prescrição quinquenal, a serem corrigidos monetariamente a partir do vencimento de cada parcela de acordo com o IPCA-E e acrescidos de juros moratórios computados a partir da citação e nos termos do artigo 1º-F da Lei 9494/97 (conforme julgamento do Supremo Tribunal Federal no RE. 870.947/SE) até 08 de dezembro de 2021, enquanto os valores devidos a partir de 09 de dezembro de 2021 deverão ser atualizados somente pela taxa SELIC (art. 3º da EC nº 113/2021), cujo índice acumulado mensalmente deverá incidir, uma única vez, até o efetivo pagamento. Em suas razões recursais, o INSS requer, inicialmente, a concessão de efeito suspensivo. No mérito, sustenta que a parte autora não pode ser considerada hipossuficiente dada a ausência de miserabilidade do núcleo familiar. Aduz que, apesar do conceito restritivo de família, nos termos do artigo 20, §1º, da LOAS, as fotos acostadas no estudo social evidenciam não se tratar de residência de uma família propriamente vulnerável. Acrescenta também que o laudo social demonstra um perfil de gastos incompatível com o estado de miserabilidade e vulnerabilidade social. Requer, assim, o provimento do recurso para que a demanda seja julgada improcedente com a inversão dos ônus de sucumbência. Eventualmente, requer: a) seja revista a correção monetária e os juros fixados, bem como a data de início da condenação, pugnando que os efeitos retroajam à data do laudo; b) o prequestionamento da matéria impugnada, pleiteando expressa manifestação quanto à violação dos dispositivos mencionados; c) na hipótese de acolhimento do pleito contido na inicial, o reconhecimento da prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação; d) a fixação de honorários no limite de 10%, incidindo apenas sobre as parcelas vencidas até a data da sentença, nos termos da Súmula 111 do STJ; e, por fim, e) o afastamento da previsão de incidência de multa diária ou, ainda, que seja arbitrada em 1/30 do valor do benefício, a incidir caso decorrido o prazo de 25 (vinte e cinco) dias úteis contados da remessa dos autos (em diligência) ao setor administrativo do INSS, e seja limitada a 30 dias-multa, a fim de evitar-se enriquecimento sem causa. Com contrarrazões da parte autora, subiram os autos a esta E. Corte. Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do apelo. É o relatório.
REPRESENTANTE: ANNA PAULA DE ALCANTARA ROCHA
Em razão da sucumbência, isento de custas, condeno o requerido ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do somatório das parcelas vencidas até esta data, atualizadas.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5018844-87.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: V. H. D. A. C. Advogados do(a) APELADO: CARLOS ALBERTO DE ARRUDA SILVEIRA - SP270141-N, OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A questão controversa refere-se à análise do requisito socioeconômico para a concessão do benefício assistencial a pessoa deficiente. A Constituição da República, no artigo 203, inciso V, prevê o benefício de amparo social no valor de um salário mínimo, nos seguintes termos: Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. A Lei 8.742/1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), conferiu eficácia às normas constitucionais, instituindo o benefício de prestação continuada (BPC), também denominado benefício assistencial, na forma de seu artigo 20: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei 12.435/2011) A LOAS está regulamentada pelo Decreto 6.214/2007. O artigo 20 da LOAS e o artigo 1º de seu decreto regulamentar estabelecem que são requisitos à concessão do amparo assistencial, a comprovação: (1) alternativamente, ser idoso com idade igual ou superior a 65 anos ou ser pessoa com deficiência; e (2) estar em situação de hipossuficiência econômica (miserabilidade), que se caracteriza pela ausência de condições para prover a própria subsistência ou tê-la provida pela família. Dos beneficiários O benefício assistencial é devido a "brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais", conforme foi pacificado pelo Colendo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 587.970, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, com repercussão geral (Tribunal Pleno, j. 20/04/2017, publ. 22-09-2017). Anote-se, ainda, que a concessão, a manutenção e a revisão do benefício assistencial depende da regularidade das inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), consoante previsto em regulamento (§ 12 do art. 20 da LOAS, incluído pela Lei 13.846/2019). Pessoa idosa é considerada aquela com idade mínima de 65 anos, conforme o artigo 34 da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). Pessoa com deficiência, segundo o artigo 20, § 2º, da LOAS, é aquela que tem ?impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas?, conforme a redação dada pela Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Ressalte-se que o impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo período mínimo de dois anos, na forma do artigo 20, § 10º, da LOAS, incluído pela Lei 12.470/2011. Também, "para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista para a sua cessação" - esse é o teor da Súmula 48 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU). (Redação alterada na sessão de 25/04/2019). Esse tema foi enfrentado por esta Egrégia Décima Turma conforme a ementa a seguir transcrita: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIÊNCIA. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. REQUISITOS PREENCHIDOS. TERMO INICIAL MANTIDO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DE MULTA DIÁRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA EM CASO DE ATRASO NO CUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. PRAZO EXÍGUO PARA IMPLANTAÇÃO DE BENEFÍCIO. AMPLIAÇÃO. 1. O benefício assistencial de prestação continuada ou amparo social encontra assento no art. 203, V, da Constituição Federal, tendo por objetivo primordial a garantia de renda à pessoa deficiente e ao idoso com idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco anos) em estado de carência dos recursos indispensáveis à satisfação de suas necessidades elementares, bem assim de condições de tê-las providas pela família. 2. Segundo a Lei 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência) "para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas". De acordo com a referida lei, entende-se por longo prazo o impedimento cujos efeitos perduram pelo prazo mínimo de 02 (dois) anos. 3. Consoante perícia médica produzida é possível concluir que o estado clínico da parte autora implica a existência de impedimento de longo prazo, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, poderia obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, devendo, assim, ser considerada pessoa com deficiência para os efeitos legais. (...) (TRF 3ª Região, 10ª Turma, APELAÇÃO CÍVEL - 0010184-23.2011.4.03.6139, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 30/11/2021, Intimação via sistema DATA: 03/12/2021) Da situação de hipossuficiência econômica O conceito de família para fins de obtenção do BPC está contido no artigo 20, § 1º, da LOAS: Art. 20 (...) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei 12.435/2011) Cabe anotar que a evolução do conceito de família, para fins de se avaliar a hipossuficiência econômica, passou pela unidade mononuclear sob o mesmo teto (redação original da LOAS); depois alcançou o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei 8.213/1991, desde que vivessem sob o mesmo teto (MP 1.473-34, de 11/08/1997, convertida na Lei 9.720/1998). A respeito, destaca o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça: PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI 8.742/1993. CONCEITO DE FAMÍLIA PARA AFERIÇÃO DA RENDA PER CAPITA. EXCLUSÃO DA RENDA DO FILHO CASADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 20, § 1o. DA LEI 12.435/2011 (LOAS). AGRAVO INTERNO DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A Constituição Federal prevê, em seu art. 203, caput e inciso V, a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. A Lei 12.435/2011 alterou o § 1o. do art. 20 da LOAS, determinando que § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. 3. O critério da família reside no estado civil, vez que as pessoas que possuírem vínculo matrimonial ou de união estável fazem parte de outro grupo familiar, e seus rendimentos são direcionados a este, mesmo que resida sobre o mesmo teto, para efeito de aferição da renda mensal per capita nos termos da Lei. 4. Agravo Interno do INSS a que se nega provimento. (STJ, AgInt REsp 1.718.668/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, DJe de 26/03/2019) PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.RENDA MENSAL PER CAPITA.CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal. II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade. III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: '[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto'. IV - Portanto, entende-se que 'são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica'. (REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017) No julgamento do REsp 1.355.052, sob o rito dos recursos repetitivos, o STJ firmou o Tema 640: "Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93", (j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, transitado em 16/12/2015). Na mesma linha, a Lei 13.982/2020 incluiu o § 14 ao artigo 20 da LOAS, prevendo expressamente a exclusão de benefício assistencial ou previdenciário de um salário mínimo na composição da renda para fins de concessão de BPC: Art. 20 (...) § 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. Dessa forma, deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor proveniente de benefício assistencial ou previdenciário no valor de até um salário mínimo, recebido por idoso ou pessoa com deficiência, pertencente ao núcleo familiar. Da condição de miserabilidade A definição legal de hipossuficiência, para fins de concessão do BPC, foi também marcada por discussões que conduziram à evolução legislativa e jurisprudencial. Diversas alterações legais foram verificadas quanto à fixação da renda mensal per capita máxima, inicialmente, na dicção originária do § 3º do artigo 20 da LOAS, era exigida a renda inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo. Na esfera judicial, esse parâmetro foi confrontado por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 1.232-1/DF, a qual foi julgada improcedente pelo Colendo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993 (ADI 1232, Relator p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, j. 27/08/1998). Entretanto, diversas leis editadas posteriormente fixaram parâmetros mais favoráveis, conduzindo à conclusão lógica de que o Poder Legislativo havia suplantado o limite de um quarto do salário mínimo, permeando, assim, a análise judicial dos pedidos pela interpretação sistemática, para fins de observar a ordem jurídica como um todo coeso. O STJ pacificou o entendimento quanto à possibilidade de admitir distintos parâmetros para aferição da condição de miserabilidade, assentando o Tema 185: "A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo". (REsp 1.112.557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Terceira Seção, j. 28/10/2009, transitado em julgado em 21/03/2014). A persistência dos debates conduziu o STF a declarar a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da LOAS, no julgamento do RE 567.985, sob o regime da repercussão geral, nestes termos: 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 567.985, Relator p/ Acórdão Ministro GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, j. 18/04/2013, publ. 03/10/2013) O precedente ensejou a tese do Tema 27/STF: "É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da Constituição". A Lei 13.146/2015 incluiu o § 11 ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, possibilitando a utilização de outros parâmetros aptos à avaliação da renda per capita familiar e, consequentemente, da miserabilidade, neste teor: Art. 20 (...) § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. Em complemento à definição dos critérios de concessão do benefício assistencial, a Lei 14.176/2021 acrescentou o § 11-A ao artigo 20 da Lei 8.742/1993, concedendo expressamente licença normativa ao regulamento para fins de ampliar o limite da renda per capita até ½ (meio) salário mínimo, in verbis: Art. 20 (...) § 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. Nesse contexto, superada está a questão relacionada à limitação do critério de avaliação socioeconômica, cuja ampliação ao limite de ½ (meio) salário mínimo encontra supedâneo legal. Dos elementos probatórios O artigo 20-B da LOAS, incluído pela Lei 14.176/2021, estabeleceu que para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita, prevista no § 11 do mesmo artigo, devem ser avaliados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade. São eles: I - o grau da deficiência; II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; III - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. O exame da condição da pessoa com deficiência e do grau de impedimento está a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), por meio de perícia médica e social, observando-se, inclusive, a avaliação biopsicossocial, nos termos do artigo 2º, §§ 1º e 2º, da Lei 13.146/2015, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, bem assim do artigo 20, § 6º, e 20-B, § 3º, e 40-B da LOAS. Da data do início do benefício (DIB) A respeito da data de início do benefício (DIB), é cediço que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que a implantação do benefício tem como termo inicial a data do requerimento administrativo. Nesse sentido: PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO DEFICIENTE. TERMO INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. ENTENDIMENTO PACÍFICO DO STJ. 1. Cuida-se de inconformismo com acórdão do Tribunal de origem que entendeu devida a concessão do benefício assistencial ao deficiente, considerando como termo inicial o requerimento administrativo. 2. É assente o entendimento do STJ no sentido de que, na existência de requerimento administrativo, este deve ser o marco inicial para o pagamento do benefício discutido, sendo irrelevante que tenha a comprovação da implementação dos requisitos se verificado apenas em âmbito judicial. 3. A propósito: "Nos termos da jurisprudência do STJ, o benefício previdenciário de cunho acidental ou o decorrente de invalidez deve ser concedido a partir do requerimento administrativo e, na sua ausência, a partir da citação. A fixação do termo a quo a partir da juntada do laudo em juízo estimula o enriquecimento ilícito do INSS, visto que o benefício é devido justamente em razão de incapacidade anterior à própria ação judicial." (REsp 1.411.921/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 15/10/2013, DJe 25/10/2013). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.611.325/RN, Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 24/03/2017; AgInt no REsp 1.601.268/SP, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 30/6/2016; AgInt no REsp 1.790.912/PR, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 17/10/2019. REsp 1.731.956/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 29/5/2018. 4. Recurso Especial não provido. (REsp 1851145/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2020, DJe 13/05/2020) PREVIDENCIÁRIO. APLICABILIDADE DO ART. 557 DO CPC. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVISTO NO ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. I - O presente feito decorre de ação de concessão de benefício de prestação continuada objetivando a concessão do benefício previsto no art. 203, V, da Constituição Federal de 1988, sob o fundamento de ser pessoa portadora de deficiência e não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Na sentença, julgou-se improcedente o pedido. No Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a sentença foi reformada. II - Esta Corte consolidou o entendimento de que havendo requerimento administrativo, como no caso, este é o marco inicial dos efeitos financeiros do benefício assistencial. Nesse sentido: REsp n. 1610554/SP, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, julgado em 18/4/2017, DJe 2/5/2017; REsp n. 1615494/SP, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 1/9/2016, DJe 6/10/2016 e Pet n. 9.582/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 16/9/2015. III - Correta, portanto, a decisão que deu provimento ao recurso especial do Ministério Público Federal. IV - Agravo interno improvido. (AgInt no REsp 1662313/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 27/03/2019) Do Caso Concreto Trata-se de pedido de concessão de benefício assistencial ao deficiente. O requisito da deficiência não é objeto de controvérsia. De todo modo, vale anotar que a perícia médico-judicial (ID 312693231), realizada em 09/09/2024, comprova que a parte autora, menor impúbere (nascido em 01/09/2020), foi diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista, apresentando deficiência intelectual e mental de longo prazo, com necessidade de acompanhamento multidisciplinar para integração social. Dessa forma, verifica-se que a parte autora é deficiente para fins assistenciais. No que concerne à incapacidade financeira, o estudo social (ID 312693232), realizado em 24/09/2024, demonstrou que o autor reside unicamente com sua genitora (Anna Paula). Consta que a mãe de Anna Paula, embora não resida no mesmo imóvel, ajuda a cuidar do autor, mantendo as despesas atualmente. A residência em que habitam é alugada, constituída de "sete cômodos, sendo três quartos, banheiro, sala, copa e cozinha conjugada, área de serviço e garagem. A moradia é equipada, com duas camas de casal, cômodas, guarda roupas, armários, mesa, cadeiras, fogão, geladeira, micro-ondas, cafeteira, duas TVs, sofá e demais utensílios domésticos. Trata-se de moradia bem mobiliada e equipada, em ótimas condições de organização e higiene." As fotos acostadas em anexo, de fato, evidenciam uma moradia confortável. O laudo também apontou elementos nestes termos: Senhora Anna Paula informa ter 3º grau completo, formada em Estética e Cosmética, em Faculdade de Araras-SP. Trabalhou na Empresa Nani Viagense Turismo LTDA, no cargo de recepcionista, admitida aos 01/08/12 e demitida aos 26/01/13, conforme consta em Carteira de Trabalho nº 0087408 série 0025-SP. Relata ter tido uma MEI, Alcântara Estética, onde atendeu de 2016 a 2022, neste período contribuiu com INSS. Quando fechou a empresa fez bicos na Empresa Flor de Babosa, como massoterapeuta holística autônoma, não contribuinte com o INSS. Senhora Anna Paula informa não ter renda no momento, Victor recebe pensão alimentícia do genitor no valor de R$ 759,70. Ela relata ter despesa mensal de: aluguel R$ 1.500,00, energia elétrica fatura mensal de aproximadamente R$ 373,00, informa pagar acordo de faturas atrasadas da Eletro no valor de R$ 179,99, abastecimento de água R$ 120,80, internet R$ 102,56, mercado aproximadamente R$ 800,00, não tem despesas com medicamento. Victor frequenta a escola particular Pingo de Gente R$ 500,00, das 13:00 às 18:00 h, transporte de Van R$ 240,00. Segundo a genitora estas despesas são pagas com pensão alimentícia que o filho recebe. Segundo senhora Anna quem mantém as despesas de sua casa é sua genitora, a qual é pensionista do Exército Brasileiro, não reside em sua companhia, mas a ajuda em tudo o que pode. Cabe ressaltar que senhora Anna no período matutino de terça a sexta-feira, leva o filho para atendimentos nas clinicas conveniadas, o que a impossibilita de ter um trabalho fixo, uma vez que não pode contar diariamente com a genitora, a qual a ajuda além do que pode. [...] Victor tem convenio medico UNIMED, dependente do genitor, é atendido nas Clinicas São Miguel e Evoluir, terças-feiras, tem atendimento com a fonoaudióloga, das 9 às 10h, quartas-feiras avaliação sensorial, das 9 às 10:30h, quintas-feiras psicóloga, das 9 às 10h, e sexta-feira terapeuta ocupacional das 9 às 10hs. Em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada no caso concreto. Acrescente-se, ainda, que o requisito da renda familiar não é o único a ser analisado a fim de verificar a situação de vulnerabilidade da requerente, sendo indispensável a análise do contexto em que está inserida. Como se pode ver, no caso, embora os rendimentos auferidos pelo núcleo familiar não sejam, em princípio, suficientes para manter as despesas declaradas, certo é que, de uma forma ou de outra, a situação evidenciada pelo laudo social não condiz com o conceito de miserabilidade. Isso porque a residência em que habita o autor é bem confortável e equipada, além de constar que ele frequenta escola particular e possui plano de saúde. Não se pode realmente confundir a finalidade do benefício assistencial, que visa assegurar uma vida digna àqueles que estão em situação vulnerável e de miséria, com eventual situação de crise ou desemprego, por que todos estão sujeitos a passar. Veja-se que, apesar do desemprego da Sra. Anna, o autor está sendo mantido de forma digna pela sua família, sobretudo sua avó materna, que é pensionista do Exército. Ainda, não há nos autos elementos no sentido de que o autor necessita de cuidados extras de saúde, não toma nenhuma medicação, consegue se locomover sozinho, não possui episódios agressivos, frequentando a escola de maneira tranquila, inclusive em relação aos amigos, de modo que não se faz necessária a atenção constante de sua genitora, havendo, assim, possibilidade de colocação profissional. É de se anotar que, nos termos do estudo social, a genitora do autor possui formação superior no ramo da Estética e Cosmética, sempre laborou e já teve empresa por aproximadamente 6 anos. Nesse contexto, verifica-se que a família do autor vive de forma modesta, porém sem que esteja caracterizada a situação de miserabilidade. Esta Corte já decidiu dessa forma em casos semelhante: CONSTITUCIONAL – ASSISTÊNCIA SOCIAL – BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA - REQUISITOS LEGAIS. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5266557-50.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal VANESSA VIEIRA DE MELLO, julgado em 07/02/2022, Intimação via sistema DATA: 11/02/2022) grifei Por conseguinte, diante do conteúdo probatório dos autos, não foram preenchidos os requisitos legais à concessão do benefício assistencial, merecendo reforma a r. sentença. Nada impede que novo pleito seja formulado caso haja alteração da situação fática, e, por consequência, venha acarretar a hipossuficiência econômica da parte requerente, com a impossibilidade de sua subsistência Por fim, quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação federal ou a dispositivos constitucionais. Sucumbência Em razão da alteração do julgado, proceda-se à inversão do ônus de sucumbência, condenando-se a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, devendo-se observar a suspensão em razão da gratuidade judiciária. Dispositivo Ante o exposto, dou provimento à apelação do INSS, invertendo o ônus de sucumbência, na forma da fundamentação acima. É o voto.
REPRESENTANTE: ANNA PAULA DE ALCANTARA ROCHA
1. O benefício de prestação continuada, de caráter não contributivo, foi regulamentado pela Lei Federal nº 8.742/93, que traz os requisitos necessários à implantação.
2. Tanto no caso do idoso (maior de 65 anos) quanto no da pessoa com deficiência exige-se prova da impossibilidade de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família. O dever de assistência do Estado é, portanto, subsidiário, e não afasta a obrigação de amparo mútuo familiar. Nesse sentido, a jurisprudência específica da Sétima Turma desta E. Corte (ApCiv 0003058-98.2019.4.03.9999, j. 22/10/2020, Dje 03/11/2020, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES).
3. Por conseguinte, conclui-se que a referência quantitativa expressa no § 3º, do artigo 20, da LOAS, pode ser considerada como um dos critérios para a aferição de miserabilidade, sem a exclusão de outros.
4. Não deve ser considerado, no cálculo da renda familiar, o benefício no valor de um salário mínimo recebido por deficiente (artigo 34, parágrafo único, da Lei Federal nº. 10.741/03) ou idoso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamentos repetitivos (1ª Seção, REsp nº 1.355.052/SP, j. 25/02/2015, DJe 05/11/2015, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES).
5. Todavia, é necessário consignar que a aludida exclusão do rendimento de deficiente ou idoso não importa na automática concessão do benefício, devendo serem considerados os demais aspectos socioeconômicos e familiares do requerente.
6. No caso concreto, o requisito socioeconômico não foi preenchido. O benefício assistencial não se presta à complementação da renda familiar, mas, sim, ao socorro daqueles que não possuem condições de manter ou ver mantidos pelo grupo familiar os padrões mínimos necessários à subsistência.
7. Apelação provida.
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO INCONTROVERSO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA NÃO DEMONSTRADA. RENDA PER CAPITA FAMILIAR SUPERIOR A MEIO SALÁRIO MÍNIMO. VALOR ACIMA DO PARÂMETRO JURISPRUDENCIAL DE MISERABILIDADE. RENDIMENTOS SUFICIENTES PARA OS GASTOS DOS INTEGRANTES DA FAMÍLIA. CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE SATISFATÓRIAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO, COM MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - Pleiteia a autora a concessão de benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família.
8 - O impedimento de longo prazo restou incontroverso nos autos, mediante o seu reconhecimento na perícia e subsequente admissão na r. sentença.
9 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa da demandante em 01 de maio de 2018 (ID 70204101, p. 1/6), informou que o núcleo familiar é formado por esta, sua genitora e o seu irmão.
10 - Residem em casa cedida, de propriedade dos avós da requerente. A moradia é constituída por “02 (dois) quartos, 01 (uma) sala pequena, 01 (uma) cozinha e 01 (um) banheiro.” Observou-se, na ocasião, que a residência “está em reforma desde janeiro”.
11 - A renda da família, segundo o informado à assistente, decorria dos rendimentos recebidos pela mãe da requerente, MARIA ANTÔNIA DE PAULA, no valor de R$ 1.800,00, pelo exercício da função de ajudante geral, como funcionária pública do Município. O irmão da requerente recebia pensão alimentícia de seu pai, no valor de R$ 720,00. À época, o salário mínimo era de R$ 954,00.
12 - As despesas relatadas, envolvendo gastos com alimentação, água, gás, telefone, internet e outros dispêndios semanais, cingiam a aproximadamente R$ 723,00. Foi mencionado pela genitora a realização de empréstimo em seu nome, “no entanto, não foi apresentado comprovante disto”.
13 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era superior ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, de metade de um salário mínimo, além de ser suficiente para fazer frente aos gastos dos seus integrantes.
14 - Apurou-se que a autora faz o seu tratamento na APAE e, apesar do núcleo familiar não ter plano de saúde, “todo o acompanhamento é realizado via Sistema Único de Saúde (SUS).”
15 - Alie-se, como elemento de convicção, sequer ter sido mencionado qualquer fator concreto determinante a comprometer mais significativamente os rendimentos familiares a ponto de prejudicar as despesas do dia-a-dia. Cabe atentar, inclusive, que o irmão da requerente estuda no colégio Objetivo, escola particular.
16 - Por fim, repisa-se que as condições de habitabilidade são satisfatórias, sendo que inclusive a moradia estava sendo reformada.
17 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que o núcleo familiar não se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, não fazendo, portanto, a autora, jus ao benefício assistencial.
18 - O benefício assistencial de prestação continuada é auxílio que deve ser prestado pelo Estado, portanto, por toda a sociedade, in extremis, ou seja, nas específicas situações que preencham os requisitos legais estritos, bem como se e quando a situação de quem o pleiteia efetivamente o recomende, no que se refere ao pouco deixado pelo legislador para a livre interpretação do Poder Judiciário.
19 - Ainda que o magistrado sensibilize-se com a situação apresentada pela parte autora e compadeça-se com a horripilante realidade a que são submetidos os trabalhadores em geral, não pode determinar à Seguridade a obrigação de pagamento de benefício, que independe de contribuição, ou seja, cujo custeio sairá da receita do órgão pagador - contribuições previdenciárias e sociais - e cujos requisitos mínimos não foram preenchidos, sob pena de criar perigoso precedente que poderia causar de vez a falência do já cambaleado Instituto Securitário.
20 - O legislador não criou programa de renda mínima. Até porque a realidade econômico-orçamentária nacional não suportaria o ônus financeiro disto. Frisa-se que o dever de prestar a assistência social, por meio do pagamento pelo Estado de benefício no valor de um salário mínimo, encontra-se circunspecto àqueles que se encontram em situação de miserabilidade, ou seja, de absoluta carência, situação essa que evidencia que a sobrevivência de quem o requer, mesmo com o auxílio de outros programas sociais, como fornecimento gratuito de medicamentos e tratamentos de saúde pela rede pública, não são suficientes a garantir o mínimo existencial.
21 - O benefício em questão, que independe de custeio, não se destina à complementação da renda familiar baixa e a sua concessão exige do julgador exerça a ingrata tarefa de distinguir faticamente entre as situações de pobreza e de miserabilidade, eis que tem por finalidade precípua prover a subsistência daquele que o requer.
22 - Majoração dos honorários advocatícios nos termos do artigo 85, §11, CPC, respeitados os limites dos §§2º e 3º do mesmo artigo.
23 - Sentença de improcedência mantida. Recurso desprovido, com majoração da verba honorária.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5751336-04.2019.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 30/07/2021, DJEN DATA: 10/11/2022)
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. ASSISTENCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. MISERABILIDADE NÃO CONFIGURADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. O benefício de prestação continuada, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição da República, consiste na "garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família" (artigo 20, caput, da Lei n. 8.742/1993).
2. Do conjunto probatório dos autos, não se evidenciam preenchidos todos os requisitos legais necessários à concessão do benefício assistencial.
3. Em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada no caso concreto. Acrescente-se, ainda, que o requisito da renda familiar não é o único a ser analisado a fim de verificar a situação de vulnerabilidade da requerente, sendo indispensável a análise do contexto em que está inserida.
4. No caso, a situação evidenciada pelo laudo social não condiz com o conceito de miserabilidade. Isso porque a residência em que habita o autor é bem confortável e equipada, além de constar que ele frequenta escola particular e possui plano de saúde.
5. Não se pode realmente confundir a finalidade do benefício assistencial, que visa assegurar uma vida digna àqueles que estão em situação vulnerável e de miséria, com eventual situação de crise ou desemprego, por que todos estão sujeitos a passar. Veja-se que, apesar do desemprego da Sra. Anna, o autor está sendo mantido de forma digna pela sua família, sobretudo sua avó materna, que é pensionista do Exército.
6. Ausentes os requisitos estabelecidos no artigo 20 da Lei n. 8.742/1993, é indevido o benefício assistencial.
7. Em razão da alteração do julgado, proceda-se à inversão do ônus de sucumbência, condenando-se a parte autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios fixados em 10% do valor da causa, devendo-se observar a suspensão em razão da gratuidade judiciária.
8. Apelação do INSS provida. Inversão do ônus de sucumbência.