Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000573-89.2009.4.03.6115

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: CARLOS ALBERTO OLIVIERI, TELMA LUZIA PEGORELLI OLIVIERI

Advogado do(a) APELANTE: JUDITH HELENA MARINI - SP209131-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA - SP189220-A, ITALO SCARAMUSSA LUZ - ES9173-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000573-89.2009.4.03.6115

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: CARLOS ALBERTO OLIVIERI, TELMA LUZIA PEGORELLI OLIVIERI

Advogado do(a) APELANTE: JUDITH HELENA MARINI - SP209131-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA - SP189220-A, ITALO SCARAMUSSA LUZ - ES9173-A

OUTROS PARTICIPANTES: 

 

R E L A T Ó R I O

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora):  

Trata-se de apelação interposta por CARLOS ALBERTO OLIVIERI e TELMA LUZIA PEGORELLI OLIVIERI em face da sentença a qual julgou improcedente os pedidos. Objetivava-se: a) a declaração de nulidade da cláusula que estabelece unilateralmente o valor do saldo residual e impõe ao devedor concordância com o cálculo da dívida, a cláusula gradiente, identificada como Cláusula Trigésima Nona do contrato, bem como a nulidade do saldo residual que será cobrado após o pagamento das 240 parcelas ajustadas;  subsidiariamente, a declaração da abusividade da mesma cláusula; declaração de nulidade da cláusula mandato; d) a emissão da quitação e consequente baixada hipoteca incidente sobre o imóvel; e) a declaração e aplicação do Código de Defesa do Consumidor à relação contratual mantida com a CEF. 

A sentença julgou improcedente o pedido, condenando os autores ao pagamento das custas e honorários advocatícios (ID 97903383, p. 64/79).  

Os autores interpuseram a presente apelação (ID 97903383, p. 82/94), alegando que, após anos de pagamento pontual das prestações mensais, a aplicação da cláusula gradiente gerou um saldo residual impagável, reconhecendo, contudo, que o contrato não se enquadra na hipótese de quitação pelo FCVS. Sustentam tratar-se de contrato de adesão, sujeitando-se à proteção do Código de Defesa do Consumidor, e pleiteiam a declaração de abusividade da cláusula gradiente, com a consequente nulidade do saldo residual. Argumentam, ainda, a abusividade da cláusula de mandato, sob a alegação de que os poderes nela conferidos foram exercidos em seu prejuízo. Suscita prequestionamento. Por fim, no mérito, pugna pela reforma da decisão e procedência do recurso de apelação.  

Com contrarrazões (ID 97903383, p. 97/107). 

Os autos foram remetidos para julgamento neste E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região em 06 de setembro de 2012 (ID 97903383, p. 109), tendo sido redistribuídos para este gabinete em 06 de março de 2023. 

É o relatório. 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0000573-89.2009.4.03.6115

RELATOR: Gab. 42 - DES. FED. RENATA LOTUFO

APELANTE: CARLOS ALBERTO OLIVIERI, TELMA LUZIA PEGORELLI OLIVIERI

Advogado do(a) APELANTE: JUDITH HELENA MARINI - SP209131-A

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELADO: ELIANDER GARCIA MENDES DA CUNHA - SP189220-A, ITALO SCARAMUSSA LUZ - ES9173-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL RENATA LOTUFO (Relatora): 

De início importante ressaltar que o plenário do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu, em sessão realizada em 09/03/2016, que o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado (AgRg no AREsp n. 849.405, 4ª Turma, j. 05/4/16). Nesse sentido, foi editado o Enunciado Administrativo de nº 02/STJ. A respeito:  

Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça 

Dessa forma, tendo em vista que a sentença recorrida foi proferida e publicada sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, verifica-se que ao caso em análise devem ser aplicadas as normas processuais descritas em tal código. Precedentes (Precedentes STJ: 1ªTurma, AgInt no REsp 1.590.781, Rel. Min. Sérgio Kukina, j. 19/5/2016; AgREsp 1.519.791, Rel. Min. Regina Helena Costa, j. 16/6/16; 6ª Turma, AgRg no AIREsp 1.557.667, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 03/5/16; 4ª Turma, AgREsp 696.333, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 19/4/16).   

Passo, pois, a proferir o voto em questão com fundamento no antigo Código de Processo Civil. 

No caso dos autos, a parte autora celebrou, com a CEF, “Contrato por Instrumento Particular de Mútuo com Obrigações e Hipoteca”, em 25/10/1988, no valor de Cz$ 11.865.740,00, a serem pagos em 240 prestações, atualizadas por meio do Plano de Equivalência Salarial/Tabela Price (PES/Price) (id 97903382, p. 52/62). 

Inicialmente, ressalto que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, nos termos da Súmula 297, do STJ.  

Entretanto, a jurisprudência do E. STJ direciona-se, de modo dominante, no sentido de que não incide referido diploma legal àqueles contratos celebrados anteriormente à sua vigência.  

Nesse sentido: 

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1903783 - MT (2021/0156808-2) EMENTA AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. SEGURO HABITACIONAL. VÍCIOS CONSTRUTIVOS . NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. CONTRATO CELEBRADO ANTES DE SUA ENTRADA EM VIGOR. ENTENDIMENTO DOMINANTE NESTA CORTE SUPERIOR. MANUTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DE MODO A ENALTECER A SUA ESTABILIDADE, INTEGRIDADE E COERÊNCIA . 1. Correto o afastamento, pela instância de origem, da incidência do CDC, tendo em vista a celebração do contrato de financiamento/seguro habitacional antes da entrada em vigor do microssistema consumerista. Precedentes.(...) (STJ - AREsp: 1903783 MT 2021/0156808-2, Relator.: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Publicação: DJ 08/02/2023)

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SFH. FCVS. CDC. INAPLICABILIDADE. REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR ANTES DA AMORTIZAÇÃO. LEGALIDADE. SÚMULA83/STJ. PROVA PERICIAL. NECESSIDADE. SÚMULA 7/STJ. COBERTURA PELO FCVS. QUITAÇÃO. CES. OMISSÃO INEXISTENTE.1. Pacífica a jurisprudência do STJ de não aplicação do CDC aos contratos do SFH em que haja a cobertura do FCVS, bem como àqueles contratos celebrados antes da entrada em vigor da Lei n. 8.078/90. Precedentes.2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que são devidos correção monetária e juros sobre o saldo devedor antes da amortização. Incidência da Súmula 83/STJ.3. O Tribunal de origem reconheceu a dispensabilidade da produção de prova. A modificação da conclusão da Corte de origem, de modo a acolher a tese da recorrente de imprescindibilidade de prova pericial, demandaria reexame do acervo fático dos autos, inviável em sede de recurso especial, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 4. Ademais, sendo o juiz o destinatário da prova, cabe a ele, com base em seu livre convencimento, avaliar a necessidade desta, determinando a sua produção, ou indeferindo aquelas que entender dispensáveis ao deslinde da controvérsia. 5. A quitação de todas as prestações firmadas no contrato habitacional é condição indispensável para o gozo dos benefícios previstos na Lei n. 10.150/00. Precedentes. 6. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a incidência do Coeficiente de Equiparação Salarial (CES) é devida tão somente se pactuado. 7. Inexistente a alegada violação do art . 535 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido. Recurso especial da Caixa Econômica Federal (CEF) não conhecido. Recurso especial de LÁRCIO PALIMERCIO BARBOZA DEBIZE e OUTRO conhecido em parte e provido. 

(STJ - REsp: 954588 RS 2007/0111013-3, Relator.: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 06/03/2012, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/03/2012)

Portanto, tendo o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) publicado em 12/09/1990, com vigência 180 dias após a publicação (art. 118), incabível sua aplicação para um contrato assinado em 1988.  

De se ressaltar que a utilização da Tabela Price, por si só, não provoca desequilíbrio econômico-financeiro, tampouco gera enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade. 

Tal sistema, que aplica juros compostos (não necessariamente capitalizados), encontra previsão contratual e legal, sendo amplamente aceito na jurisprudência pátria. Nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp 751.655/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 31/03/2020; TRF 3ª Região, Primeira Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL 5004098-24.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal HÉLIO NOGUEIRA, julgado em 14/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/10/2020; TRF 3ª Região, Segunda Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL 5000774-21.2018.4.03.6134, Rel. Des. Fed. PEIXOTO JUNIOR, julgado em 20/10/2020, e-DJF3 22/10/2020. 

O sistema de amortização em série gradiente consiste na redução das parcelas iniciais do financiamento imobiliário, sendo compensado posteriormente por acréscimos mensais, definidos por uma razão de progressão. Tal modelo foi instituído pela Lei 7.747/89, alterada pela Lei 7.764/89, e regulamentado pelo Decreto 97.840/89. 

No caso em exame, no que tange à suposta aplicação da cláusula gradiente, verifica-se que tal disposição não integra o contrato em questão, que, ao contrário, adota expressamente o Plano de Equivalência Salarial – Categoria Profissional (Item C-3, ID 97903382, p. 52). Assim, a aplicação do sistema de amortização em série gradiente não se sustenta, uma vez que não há previsão contratual que autorize sua incidência. 

Dessa forma, revela-se incabível qualquer alegação de abusividade da cláusula gradiente, pois, além de se tratar de um mecanismo legalmente previsto, sua aplicação sequer ocorreu no presente caso. Ademais, a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça tem reiteradamente reconhecido a legalidade desse modelo de amortização, reafirmando sua compatibilidade com o ordenamento jurídico vigente. 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROPOSITURA DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA TUTELANDO MUTUÁRIOS DO SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO EM "SÉRIE GRADIENTE". LEGALIDADE. PLANO DE EQUIVALÊNCIA SALARIAL. COMPATIBILIDADE RECONHECIDA. CRIAÇÃO DE CONTA APARTADA PARA DESTINAÇÃO DOS VALORES NÃO AMORTIZADOS A FIM DE EVITAR ANATOCISMO. EFICÁCIA ERGA OMNES DA SENTENÇA CIVIL. ART. 16 DA LEI N. 7.347/1985. NATUREZA DO DIREITO TUTELADO. INCIDÊNCIA NAS AÇÕES CUJO OBJETO SEJAM DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. EXAME MERITÓRIO PELO STJ EM SEDE RECURSAL. ALTERAÇÃO DOS LIMITES SUBJETIVOS DA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA.1. O Ministério Público tem legitimidade ad causam para propor ação civil pública com a finalidade de defender interesses coletivos e individuais homogêneos dos mutuários do Sistema Financeiro da Habitação. Precedentes. 2. O STJ já reconheceu a legalidade do sistema de amortização em "série gradiente" e sua compatibilidade com a cláusula contratual que estabelece o plano de equivalência salarial como fórmula de reajuste das operações. Precedentes. 3. A jurisprudência do STJ tem admitido que o valor devido a título de juros não amortizado pelo pagamento da prestação seja reservado em uma conta apartada, sobre a qual incida apenas correção monetária, com o objetivo de se evitar o anatocismo. 4. Estando em pleno vigor o art. 16 da LACP, que restringe o alcance subjetivo da sentença civil, e atuando o julgador nos limites do direito posto, cabe-lhe, mediante interpretação sistêmica, encontrar hipótese para sua incidência. 5. O caráter indivisível dos direitos difusos e coletivos stricto sensuconduz ao impedimento prático, e mesmo lógico, de qualquer interpretação voltada a cindir os efeitos da sentença civil em relação àqueles que estejam ligados por circunstâncias de fato ou que estejam ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base preexistente à lesão ou à ameaça de lesão. 6. O art. 16 da LACP encontra aplicação naquelas ações civis públicas que envolvam direitos individuais homogêneos, únicos a admitir, pelo seu caráter divisível, a possibilidade de decisões eventualmente distintas, ainda que não desejáveis, para os titulares dos direitos autônomos, embora homogêneos. 7. Dado o caráter de subsidiariedade das normas do CDC em relação às ações civis públicas, revelado pela redação do art. 21 da LACP, o legislador, ao editar a Lei n. 9.494/1997, não se preocupou em modificar o art. 103 do CDC. Documento: 40037440 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 23/10/2014 Página 1de 2 8. O efeito substitutivo do art. 512 do CPC, decorrente do exame meritório do recurso especial, não tem o condão de modificar os limites subjetivos da causa, sob pena de criação de novo interesse recursal. 9. Recurso especial parcialmente provido. 

(REsp 1.114.035/PR, Rel. Ministro Sidnei Beneti, julgado em 07/10/2014)

No que se refere à responsabilidade pelo saldo devedor residual, os elementos dos autos demonstram que o contrato foi firmado sob o Plano de Equivalência Salarial - Categoria Profissional, no qual as prestações são reajustadas de acordo com os índices salariais da categoria profissional.  

Conforme destacado pelo eminente Ministro Barros Monteiro no julgamento do REsp n. 382.875, em 21.5.2002, “é facilmente perceptível que, num sistema em que haja dois critérios distintos para atualização, um para o saldo devedor e outro para a definição dos encargos mensais, sobejará afinal uma quantia em aberto.” 

Ressalte-se que o apelante não impugnou a legalidade da aplicação dos índices da categoria profissional do comprador, não se configurando, assim, qualquer onerosidade excessiva nesse ponto. 

Dessa forma, inexistindo previsão contratual de cobertura do saldo devedor residual pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais, conforme estabelecido no art. 2º do Decreto-Lei n. 2.349/87, e reconhecido pelo apelante, a responsabilidade pela diferença final recai sobre o mutuário: 

Art. 2º Nos contratos sem cláusulas de cobertura pelo FCVS, os mutuários finais responderão pelos resíduos dos saldos devedores existentes, até sua final liquidação, na forma que for pactuada, observadas as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional. 

Nesse sentido, colaciona-se o seguinte precedente do E. STJ:  

"SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ESTABELECE PARÂMETRO DE ATUALIZAÇÃO DO SALDO DEVEDOR DISTINTO DAQUELE PREVISTO PARA O REAJUSTE DOS ENCARGOS MENSAIS. OBJETO IMPOSSÍVEL. INEXISTÊNCIA. CONTRATO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 8.692, DE 28.7.1993. - Previsto em lei, o critério de reajuste do saldo devedor (pelos mesmos índices de atualização dos depósitos em cadernetas de poupança) é válido, independentemente do parâmetro utilizado para o reajustamento dos encargos mensais (Plano de Equivalência Salarial por Comprometimento de Renda). Não estando preconizada a cobertura do eventual resíduo pelo FCVS (Fundo de Compensações de Variações Salariais), o que sobejar ao final do contrato é da responsabilidade do mutuário. Recurso especial não conhecido." (REsp 382.875/SC, rel. Ministro Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 21.5.2002, DJ 24.2.2003, p. 239)

A cláusula de mandato prevista no contrato em análise confere à CEF poderes para emitir cédula hipotecária assinada pelo devedor, possibilitando a execução extrajudicial do crédito, nos termos do Decreto-Lei nº 70/1966, caso o mutuário deixe de cumprir suas obrigações contratuais. 

Tal disposição não caracteriza abuso de direito, mas sim um mecanismo jurídico que visa conferir maior eficiência ao exercício regular do direito da credora hipotecária, garantindo a efetividade da garantia real pactuada. Trata-se de cláusula inerente à estrutura dos contratos de financiamento habitacional, disciplinados por normas específicas que regulamentam o crédito imobiliário e a execução das garantias. 

Dessa forma, a cláusula em questão não viola direitos do mutuário, mas apenas instrumentaliza a execução das obrigações contratuais, assegurando à credora o cumprimento dos termos pactuados sem contrariar a legislação aplicável. 

Nesse sentido, cito entendimento desta E. 2º Turma: 

APELAÇÃO. PROCESSUAL CIVIL. REVISÃO CONTRATUAL. SFH. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE COBERTURA PELO FCVS. SALDO RESIDUAL. TR. LIMITAÇÃO DOS JUROS. PRICE. ANATOCISMO. AMORTIZAÇÃO NEGATIVA. CONTA EM APARTADO. MULTA CONTRATUAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. CLÁUSULA MANDATO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. I - Muito embora o STJ venha admitindo a aplicabilidade da Lei Consumerista aos contratos regidos pelo SFH, sua utilização não é indiscriminada, ainda mais que não restou comprovada abusividade nas cláusulas adotadas no contrato de mútuo em tela, que viessem a contrariar a legislação de regência. (...) IX - A cláusula mandato prevista no presente contrato, outorga à CEF o direito de emitir cédula hipotecária assinada pelo devedor, para eventuais fins de execução extrajudicial, nos termos do Decreto-Lei 70/66, caso o mutuário deixe de honrar suas obrigações, o que não traduz em abuso de direito, mas mera facilitação do exercício regular de seu direito, na condição de credora hipotecária, nem tampouco se submete às regras do CDC. X - Recursos das requeridas e da parte autora desprovidos. 

(TRF-3 - Ap: 0018834-79.2011 .4.03.6100 Ap - APELAÇÃO CÍVEL -, Data de Julgamento: 23/01/2018, SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:01/02/2018)  

Quanto ao prequestionamento suscitado, assinalo não haver qualquer infringência à legislação federal ou a dispositivos constitucionais. 

Diante do exposto, não há embasamento jurídico para acolher o pedido formulado na presente ação, devendo ser mantida a sentença.  

Por fim, considerando a inércia da EMGEA – Empresa Gestora de Ativos em atender à solicitação formulada no despacho de ID 317781557, determino o desentranhamento dos documentos identificados sob os IDs 186250845 e 280794342, bem como de seus respectivos anexos, observadas as cautelas de estilo. 

 Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação.

É o voto.

 



Ementa: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC 1973. REVISÃO CONTRATUAL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE DO CDC. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO PELA TABELA PRICE. CLÁUSULA GRADIENTE. SALDO DEVEDOR RESIDUAL. CLÁUSULA DE MANDATO. RECURSO DESPROVIDO. 

I. CASO EM EXAME 

  1. Apelação interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de revisão contratual referente a contrato de mútuo habitacional firmado entre a parte autora e a Caixa Econômica Federal (CEF) em 1988, sob o Sistema Financeiro da Habitação (SFH), com cláusulas de reajuste pelo Plano de Equivalência Salarial (PES) e sistema de amortização pela Tabela Price. 

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 

  1. Há quatro questões em discussão: (i) definir se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é aplicável ao contrato firmado antes de sua vigência; (ii) estabelecer se a utilização da Tabela Price configura ilegalidade ou anatocismo; (iii) determinar a validade da cláusula gradiente e a responsabilidade pelo saldo devedor residual; e (iv) avaliar a legalidade da cláusula de mandato que permite a execução extrajudicial. 

III. RAZÕES DE DECIDIR 

  1. O CDC não se aplica a contratos celebrados antes de sua vigência, conforme entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

  1. A utilização da Tabela Price não configura, por si só, ilegalidade ou anatocismo, desde que pactuada entre as partes e aplicada de acordo com as normas vigentes. 

  1. A cláusula gradiente, embora reconhecida como válida pelo STJ, não consta do contrato em análise, sendo incabível sua declaração de abusividade. 

  1. O saldo devedor residual, nos contratos sem cobertura pelo Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS), é de responsabilidade do mutuário, nos termos do Decreto-Lei nº 2.349/87. 

  1. A cláusula de mandato, prevista no contrato, confere à CEF poderes para a execução extrajudicial do crédito, conforme o Decreto-Lei nº 70/1966, não configurando abuso de direito. 

IV. DISPOSITIVO E TESE 

  1. Recurso desprovido. 

Tese de julgamento: 1. O Código de Defesa do Consumidor não se aplica a contratos firmados antes de sua vigência. 2. A utilização da Tabela Price não implica ilegalidade ou anatocismo, desde que prevista contratualmente. 3. O saldo devedor residual nos contratos sem cobertura pelo FCVS é de responsabilidade do mutuário. 4. A cláusula de mandato que permite a execução extrajudicial do crédito pela CEF é válida e não configura abuso de direito. 

__________ 

Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.078/90 (CDC), art. 118; Decreto-Lei nº 2.349/87, art. 2º; Decreto-Lei nº 70/1966. 

Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no AREsp 849.405, 4ª Turma, j. 05/04/2016; STJ, AREsp 1903783/MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJ 08/02/2023; STJ, REsp 954588/RS, Rel. Min. Humberto Martins, j. 06/03/2012; STJ, AgInt no AREsp 751.655/SP, Rel. Min. Raul Araújo, j. 10/03/2020; STJ, REsp 382.875/SC, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 21/05/2002; TRF-3, ApCiv 0018834-79.2011.4.03.6100, 2ª Turma, j. 23/01/2018. 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RENATA LOTUFO
Desembargadora Federal