Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004107-71.2023.4.03.6112

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

APELADO: JOAO MARCELO DE OLIVEIRA CEZAR

Advogado do(a) APELADO: JANAINA DA SILVA LIMA - SP380301-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004107-71.2023.4.03.6112

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

APELADO: JOAO MARCELO DE OLIVEIRA CEZAR

Advogado do(a) APELADO: JANAINA DA SILVA LIMA - SP380301-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

R E L A T Ó R I O

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator):Trata-se de recurso de apelação interposto por CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em face de sentença (ID 310439091) que julgou procedente a ação de obrigação de fazer cumulada com danos materiais e morais, condenando a instituição financeira à restituição dobrada do valor indevidamente debitado da conta corrente da parte autora e ao pagamento de R$10.000,00 a título de danos morais, além de pagamento de custas e honorários, estes fixados em 15%. 

Em suas razões (ID 310439092), a apelante sustenta, em síntese, que não houve má-fé da instituição financeira, não havendo que se falar em repetição dobrada e, também, que os fatos não passam de mero aborrecimento.

Com as contrarrazões (ID 310439096), vieram os autos a esta Corte. 

É o breve relatório. Passo a decidir. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5004107-71.2023.4.03.6112

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

 

APELADO: JOAO MARCELO DE OLIVEIRA CEZAR

Advogado do(a) APELADO: JANAINA DA SILVA LIMA - SP380301-N

OUTROS PARTICIPANTES:

 

V O T O

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator):Sem preliminares, passo ao exame do mérito. 

Discutindo a necessidade de ajuizamento de ação autônoma ou de oferecimento de reconvenção para que o réu faça jus à devolução em dobro por cobrança de dívida paga (art.1.531 do CC/1916, atual art.940 do CC/2002), o e.STJ firmou a seguinte tese no Tema 622: "A aplicação da sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (cominação encartada no artigo 1.531 do Código Civil de 1916, reproduzida no artigo 940 do Código Civil de 2002) pode ser postulada pelo réu na própria defesa, independendo da propositura de ação autônoma ou do manejo de reconvenção, sendo imprescindível a demonstração de má-fé do credor.".O e.STF, já em 13/12/1963, trouxe a Súmula 159: “Cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá lugar às sanções do art. 1.531 do Código Civil”,razão pela qual, como regra geral, a devolução em dobro depende da comprovação da má-fé daqueleque faz a exigência indevida. 

Todavia, em se tratando de relação de consumo, oart. 42, parágrafo único, da Lei nº 8.078/1990, prevê queo consumidor, cobrado em quantia indevida, tem direito à repetição do indébitopor valor igual ao dobro do que pagou em excesso (com acréscimos de correção monetária e juros legais), salvo hipótese de engano justificável. Até 2020, a jurisprudência do e.STJ também exigia a demonstração de má-fé do fornecedor para impor a devolução em dobro do indébito (p. ex., REsp 1.626.275/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 4/12/2018, DJe de 7/12/2018;REsp nº 1.032.952/SP. Rel.: Min. NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma; DJe 26/3/2009; AgInt no REsp 1.449.237/PR, Rel. Min. Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 25/4/2017, DJe de 4/5/2017;e AgRg no REsp 1.498.617/MT, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 18/8/2016, DJe de 29/8/2016). 

Porém, a c.Corte Especial do e.STJ modificou esse entendimento para avaliar a questão a partir da boa-fé objetiva, de modo a impor a devolução em dobro da quantia exigida indevidamente pelo fornecedor que atuar com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou má-fé, excetuado oengano justificável (analisado à luz do caso concreto). Transcrevo a ementa doEAREsp 676.608/RS: 

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. TELEFONIA FIXA. COBRANÇA INDEVIDA. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO DE TARIFAS. 1) RESTITUIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO (PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC). DESINFLUÊNCIA DA NATUREZA DO ELEMENTO VOLITIVO DO FORNECEDOR QUE REALIZOU A COBRANÇA INDEVIDA. DOBRA CABÍVEL QUANDO A REFERIDA COBRANÇA CONSUBSTANCIAR CONDUTA CONTRÁRIA À BOA-FÉ OBJETIVA. 2) APLICAÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL DECENAL DO CÓDIGO CIVIL (ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL). APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 412/STJ. 3) MODULAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA DECISÃO. CONHECIMENTO E PROVIMENTO INTEGRAL DO RECURSO. 1. Trata-se de embargos de divergência interpostos contra acórdão em que se discute o lapso prescricional cabível aos casos de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia. Discute-se, ainda, acerca da necessidade de comprovação da má-fé pelo consumidor para aplicação do art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Na configuração da divergência do presente caso, temos, de um lado, o acórdão embargado da Terceira Turma concluindo que a norma do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor pressupõe a demonstração de que a cobrança indevida decorreu de má-fé do credor fornecedor do serviço, enquanto os acórdãos-paradigmas da Primeira Seção afirmam que a repetição em dobro prescinde de má-fé, bastando a culpa. Ilustrando o posicionamento da Primeira Seção: EREsp 1.155.827/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, DJe 30/6/2011. Para exemplificar o posicionamento da Segunda Seção, vide: EREsp 1.127.721/RS, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Rel. p/ Acórdão Min. Marco Buzzi, Segunda Seção, DJe 13/3/2013. 3. Quanto ao citado parágrafo único do art. 42 do CDC, abstrai-se que a cobrança indevida será devolvida em dobro, ‘salvo hipótese de engano justificável’. Em outras palavras, se não houver justificativa para a cobrança indevida, a repetição do indébito será em dobro. A divergência aqui constatada diz respeito ao caráter volitivo, a saber: se a ação que acarretou cobrança indevida deve ser voluntária (dolo/má-fé) e/ou involuntária (por culpa). 4. O próprio dispositivo legal caracteriza a conduta como engano e somente exclui a devolução em dobro se ele for justificável. Ou seja, a conduta base para a repetição de indébito é a ocorrência de engano, e a lei, rígida na imposição da boa-fé objetiva do fornecedor do produto ou do serviço, somente exclui a devolução dobrada se a conduta (engano) for justificável (não decorrente de culpa ou dolo do fornecedor). 5. Exigir a má-fé do fornecedor de produto ou de serviço equivale a impor a ocorrência de ação dolosa de prejudicar o consumidor como requisito da devolução em dobro, o que não se coaduna com o preceito legal. Nesse ponto, a construção realizada pela Segunda Seção em seus precedentes, ao invocar a má-fé do fornecedor como fundamento para a afastar a duplicação da repetição do indébito, não me convence, pois atribui requisito não previsto em lei. 6. A tese da exclusividade do dolo inviabiliza, por exemplo, a devolução em dobro de pacotes de serviços, no caso de telefonia, jamais solicitados pelo consumidor e sobre o qual o fornecedor do serviço invoque qualquer ‘justificativa do seu engano’. Isso porque o requisito subjetivo da má-fé é prova substancialmente difícil de produzir. Exigir que o consumidor prove dolo ou má-fé do fornecedor é imputar-lhe prova diabólica, padrão probatório que vai de encontro às próprias filosofia e ‘ratio’ do CDC. 7. Não vislumbro distinção para os casos em que o indébito provém de contratos que não envolvam fornecimento de serviços públicos, de forma que também deve prevalecer para todas as hipóteses a tese, que defendi acima, de que tanto a conduta dolosa quanto culposa do fornecedor de serviços dá azo à devolução em dobro do indébito, de acordo com o art. 42 do CDC. Nessas modalidades contratuais, também deve prevalecer o critério dúplice do dolo/culpa. Assim, tanto a conduta dolosa quanto a culposa do fornecedor de serviços dão substrato à devolução em dobro do indébito, à luz do art. 42 do CDC. (...) 13. Fixação das seguintes teses. Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. Segunda tese: A ação de repetição de indébito por cobrança de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do prazo prescricional decenal, consoante previsto no artigo 205 do Código Civil, a exemplo do que decidido e sumulado no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de tarifas de água e esgoto (Súmula 412/STJ). Modulação dos efeitos: Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão” (STJ, EAREsp 676.608/RS, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 21/10/2020, DJe de 30/3/2021). 

Embora esse EAREsp 676.608/RS não tenha sido julgado pelo sistema de precedentes obrigatórios, o e.STJ firmou as seguintes teses: "Primeira tese: A restituição em dobro do indébito (parágrafo único do artigo 42 do CDC) independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor que realizou a cobrança indevida, revelando-se cabível quando a referida cobrança consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva. Segunda tese: A ação de repetição de indébito por cobrança de valores referentes a serviços não contratados promovida por empresa de telefonia deve seguir a norma geral do prazo prescricional decenal, consoante previsto no artigo 205 do Código Civil, a exemplo do que decidido e sumulado no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de tarifas de água e esgoto (Súmula 412/STJ)".O e.STJ modulou os efeitos temporais da nova interpretação dada nesseEAREsp 676.608/RS: "Modulam-se os efeitos da presente decisão - somente com relação à primeira tese - para que o entendimento aqui fixado quanto à restituição em dobro do indébito seja aplicado apenas a partir da publicação do presente acórdão. A modulação incide unicamente em relação às cobranças indevidas em contratos de consumo que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias, as quais apenas serão atingidas pelo novo entendimento quando pagas após a data da publicação do acórdão”. 

A decisão persuasiva desseAREsp 676.608/RS deve ser observada em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, sendo relevante observar que a mesma controvérsia foi encaminhada pelo sistema de precedentes obrigatórios noTema 929/STJ, enfatizando a distinção em relação ao Tema 622/STJ e à Súmula 153/STF. A modulação de efeitos indica que o entendimento somente poderá ser aplicado aos débitos cobrados após a data de publicação do acórdão paradigma, o que ocorreu em 30/03/2021. 

No caso dos autos, em ação ajuizada em 28/12/2023 (data que não se exige a demonstração da má-fé), a parte autora narra que contratou empréstimo consignado junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em 18/12/2023, no valor total de R$157.728,00, a ser quitado em 98 parcelas, sendo-lhe creditado, na mesma data, o valor de R$71.306,42 (ID 310438959). Ocorre que, em 21/12/2023, ainda sob a narrativa da parte autora, o gerente da empresa requerida lhe contatou para informar que o valor deveria ser devolvido, pois o empréstimo lhe fora liberado por erro interno da instituição financeira, que não se atentou ao fato de que a parte autora é funcionário público temporário – considerou-o, equivocadamente, como servidor público. Ainda, afirmou o gerente que o valor creditado em sua conta deveria ser utilizado para pagamento do empréstimo.

Ademais, narra que, na mesma data (21/12/2023), determinado gerente da CEF bloqueou arbitrariamente o acesso ao aplicativo bancário, não mais respondeu aos contatos por mensagens e lançou limite de crédito especial rotativo na conta para cobertura de saldo devedor sem sua autorização. Consequentemente, ficou impossibilitado de movimentar sua conta, inclusive porque não recebeu o cartão para utilização de caixas eletrônicos. Comparecendo pessoalmente, foi vítima de “artimanhas psicológicas” por parte de dois gerentes, no sentido de que a manutenção do contrato implicaria em demissão do concessor.

Assim, sustenta que houve a indevida retenção, pela CEF, do valor que lhe havia sido creditado (R$71.306,42) a título de contratação do empréstimo consignado firmado entre as partes. Com isso, pleiteia pela repetição dobrada.

Sobre o tema – repetição em dobro -, o juízo a quo assim decidiu: 

(...)

Como relatado, a contestação apresentada pela CEF está dissociada do caso concreto, não tratando efetivamente da causa de pedir, relacionada à possibilidade de arrependimento de contratação e de estorno de valores na conta corrente do cliente.

Dessa forma, não restam afastados os fundamentos expostos por este Juízo na análise da medida antecipatória, que reitero:

“(...) uma vez firmado o contrato, vige a máxima da sua força vinculante, de modo que apenas por cometimento de ilícito contratual pela parte contrária é cabível seu desfazimento, não se albergando o mero arrependimento, por mais que esteja baseado em fundamentos relevantes, além, obviamente, das hipóteses legais de nulidade ou anulação dos atos jurídicos.

O caso é que a CEF aparentemente não apresenta nenhuma hipótese legal nem mesmo de rescisão, muito menos de nulidade, embora tenha tratado o negócio como se nulo fosse, havendo inclusive notícia relatada em audiência de que já houve o estorno total da operação, inclusive com o débito do valor creditado na conta do Autor. O que se tem, segundo o depoimento do preposto, é previsão normativa interna de concessão apenas ao servidor público concursado, regido pelo regime estatutário; não haveria impedimento legal à concessão, tanto que já houve a aceitação pelo órgão empregador.

Ora, se essa regra interna foi descumprida pelo preposto concessor, fato é que o negócio foi formalizado e inclusive liberado o valor respectivo na conta.

Sob esse aspecto, aliás, plausível também a tese da exordial no sentido de que, uma vez feito o crédito, sai o valor da disponibilidade da instituição financeira, passando a ser de propriedade de seu cliente. Automaticamente o banco assume outra posição na relação, de concessor do empréstimo para um mero depositário do valor (relação depositária/correntista, não mais mutuante/mutuário), de modo que não pode mais se auto satisfazer de qualquer obrigação fora de hipóteses contratuais ou legais, entre elas a de fraude ou qualquer outro ilícito cometido pelo cliente – do que expressamente declinou o preposto ouvido.

...

4. Quanto ao requisito secundário, o Autor levantou a necessidade do empréstimo e prejuízos que poderá ter pelo desfazimento do negócio. Pouco ou nada resolverá a confirmação do empréstimo depois do trânsito em julgado de eventual sentença de procedência.

De outro lado, havendo de ser sempre considerado eventual risco inverso, é fato que, segundo o preposto, a CEF ofereceu outras linhas de crédito ao Autor em substituição ao empréstimo consignado ora tratado, os quais seriam garantidos por simples aval, ou seja, com garantia até mais fraca do que o débito em folha de salários pelo Estado de São Paulo; por outras, se aceita a solução então oferecida, a instituição teria menos garantia do que tem com a manutenção da avença.”

Assim, não refutados e sequer abordados os fundamentos jurídicos da decisão liminar, ou mesmo da exordial, cabe desde logo por esses mesmos fundamentos declarar como procedente o pedido.

Cabe também a condenação da Ré à restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC. Com efeito, tendo rescindido o contrato de forma unilateral e injustificada, sem base legal ou contratual, houve cobrança antecipada indevida – e pior, por auto composição – do valor do próprio empréstimo.

Considerando que com a determinação de reativação do contrato já houve restituição ao Autor do valor, é devido ainda o pagamento da dobra, ou seja, valor equivalente ao próprio valor debitado de forma irregular.

(...)

 

Em acertada a decisão, o juízo a quo condenou a instituição financeira ao pagamento em dobro, entendendo ser devido o pagamento da dobra, correspondente ao valor indevidamente debitado da conta do autor pela CEF.

E mais: ainda que não haja necessidade de averiguar má-fé por parte da instituição financeira (vez que os fatos e ação são posteriores ao marco estabelecido pelo STJ), destaco que o banco se utilizou de mecanismos arbitrários para tentar cancelar a operação, realizando o bloqueio da conta sem qualquer pedido da parte autora e sem qualquer respaldo judicial. Além disso, seus gerentes se utilizaram de argumentos repugnantes para tentar coagir o autor a aceitar o cancelamento contratual – mesmo depois formalizado e parcialmente creditado em sua conta.

Desse modo, a decisão recorrida não merece ser reparada. 

Seguindo adiante, a indenização financeira por dano moral deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou grau da culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas ao consumidor, devendo ser ponderada para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado, mas também para não ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado. 

No caso dos autos, o juízo a quo assim decidiu sobre o pleito indenizatório: 

(...) 

Passo à análise do dano moral.

Para a configuração da responsabilidade civil, ainda que contratual, objetiva ou subjetiva, são imprescindíveis: uma conduta comissiva ou omissiva ilícita, a ocorrência de um dano e a relação de causalidade entre a conduta e o dano. Na subjetiva, também se exige a demonstração de culpa do causador do dano, o que é dispensado na objetiva.

A responsabilidade contratual das instituições financeiras é objetiva, nos termos do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, porquanto se trata, em regra, de contrato de consumo e a atividade bancária está incluída no conceito de serviço (art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90). De sua parte, a responsabilidade da autarquia previdenciária também é objetiva, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição.

Portanto, para incidir responsabilidade civil à hipótese, devem apenas concorrer três pressupostos: o defeito do serviço contratado (conduta do fornecedor), evento danoso e a relação de causalidade entre os dois. Vale dizer, não é necessária prova de dolo ou culpa.

Tenho declarado que o que pode gerar dever de indenização é procedimento dotado de particularidades, em aspecto jurídico ou fático, capazes de especialmente lesar o cliente/administrado, como prática de erro grosseiro e grave, revelando prestação de serviço de tal modo deficiente e onerosa, que descaracterize o exercício normal do contrato e da função administrativa.

Acontece que o presente caso se caracteriza como tal, sendo de se registrar que a Ré não contesta os graves fatos narrados na exordial, que se presumem verdadeiros, quanto a ter o gerente bloqueado arbitrariamente o acesso ao aplicativo bancário, não mais respondido aos contatos por mensagens e lançado limite de crédito especial rotativo na conta para cobertura de saldo devedor sem autorização do Autor, que, consequentemente, ficou impossibilitado de movimentar sua conta, inclusive porque não recebeu o cartão para utilização de caixas eletrônicos, teve bloqueado os próprios rendimentos, porquanto havia transferido a conta salário para a CEF e perdeu negócio. Ainda, comparecendo pessoalmente, foi vítima de “artimanhas psicológicas” por parte de dois gerentes, no sentido de que a manutenção do contrato implicaria em demissão do concessor.

Os atos cometidos pela Ré são de tal modo desarrazoados e contrários aos pactos firmados e à boa-fé objetiva, tão absurdos, que deles resulta diretamente o dever de indenizar independentemente de demonstração de efetivo prejuízo.

É desnecessário aqui fazer digressões sobre a evolução da doutrina e jurisprudência a respeito da existência e especialmente da reparabilidade do dano moral, por muito tempo vacilante quanto ao assunto, inobstante as disposições claras já do antigo Código Civil (v.g., artigos 76, 159, 1.539, 1.547 a 1.549) e outras leis esparsas (v.g., Lei nº 5.250/67). Fato é que, felizmente, evoluiu bastante a ponto de ninguém hoje negar a possibilidade de existência de um prejuízo à pessoa que não essencialmente material, e mais, que tendo sido fruto de ato ilícito deve ser objeto de devida indenização – ou antes, de compensação. Mas, como não há propriamente como indenizar (tornar indene), restituindo o status quo ante, não se vê outra solução mais adequada senão a compensação monetária.

Por isso que já está há muito ultrapassada a jurisprudência que inadmitia a responsabilização do causador do dano puramente moral, por que incomensurável o pretium doloris. Com essa posição, a contrário senso, admitia-se que alguém ferisse um bem que não tem preço, mas contraditoriamente negava-se sua responsabilização exatamente porque não tinha preço! Ora, se não há cifra que repare um bem que tal por ser incomensurável, com maior razão deve-se impor a responsabilização, não a negar, exatamente porque o ferimento a bens sublimes afigura-se até mais grave que o ferimento a bens materiais.

Não se trata de amesquinhamento de valores morais. Fato é que a existência do dano é reconhecida, assim como sua reparabilidade. Postos lado a lado não há diferença entre pretender indenização o ofendido por um dano moral quanto o ofendido por um dano material, pois só cabe a quem se vê prejudicado avaliar do interesse em obtê-la. Não estará com menor razão em pedir a responsabilização do culpado este ou aquele somente em vista da diversa natureza do dano sofrido.

Demonstrados a prática do ato ilícito imputável à Ré e o dano moral dele decorrente, é necessário fixar a extensão do dano sofrido, cuja avaliação deve ser feita de acordo com a perspicácia comum ministrada em situações análogas e conforme os parâmetros razoáveis e equitativos traçados nos artigos 4º e 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, 140 e 375 do Código de Processo Civil, e 953 do Código Civil (antes pelo art. 1.553 do Código Civil de 1916), e as diretrizes estabelecidas pelos incisos V e X, do art. 5º, da Constituição Federal.

Busca-se, assim, um valor de caráter retributivo-compensatório que possa contrapesar dor e abalo suportados, como também servir de fator de repressão e censura da conduta ilícita a fim de desestimular novas práticas congêneres, devendo ser pautada pela moderação, afastando-se a indenização como forma de espoliação por enriquecimento injustificado.

Nesta linha, vê-se que não há elementos nos autos a indicar alguma especialidade no tratamento do caso, como alterações de comportamento, forte abalo emocional, influência em relacionamentos pessoais ou no trabalho etc., de modo que não é possível averiguar pelos elementos trazidos o quanto a pendência influenciou na vida do Autor ou que tenha provocado prejuízo específico, de especial gravidade.

Nestes termos, deve ser fixada a indenização no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), adequado para compensar o Autor pelo dano moral experimentado, bem como para desestimular nova prática do mesmo ilícito, sem dar azo a enriquecimento sem causa.

As questões relativas ao seguro prestamista surgidas no curso do processo não têm relação com o mérito da presente ação, nem influem em seu julgamento, porquanto se referem à execução do contrato restabelecido.

Em havendo controvérsia entre as partes, deve ser buscada a via adequada para solução, inclusive, se o caso, ajuizamento de nova ação.

(...)

 

Também deve ser mantida a sentença nesse ponto.

No caso dos autos, entendo devidamente configurada a ofensa aos direitos de personalidade da parte-autora que teve sua conta arbitrariamente bloqueada pela parte ré e o valor que lhe fora concedido de empréstimo foi indevidamente retido pela instituição financeira. Ademais, os gerentes da CEF se utilizaram de argumentos apelativos (no sentido de que causaria a demissão do funcionário que concedeu o empréstimo).

Por certo, o constrangimento executório e a constrição patrimonial têm o condão de configurar abalo psíquico e emocional que supera o mero aborrecimento e, nessa medida, merece ser reparado por meio da indenização ora em apreciação. 

Especificamente no tocante ao valor daindenização financeira por dano moral, imperioso indicar que a importância deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou do grau de culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas ao consumidor, devendo ser objeto de ponderação para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado ao mesmo tempo em que também não pode ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado. 

Assim, considerando as circunstâncias do caso concreto, entendo que o valor fixado em sentença (de R$10.000,00) mostra-se suficiente para a situação concreta.

Diante do exposto, conheço e nego provimento à apelação da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. 

Considerando o insucesso do recurso interposto, com a manutenção da decisão recorrida, aplica-se a regra da sucumbência recursal estabelecida no art. 85, § 11, do CPC, pelo que majoro em 5% os honorários advocatícios fixados na sentença em 15%.

É como voto. 

 



E M E N T A

SANÇÃO CIVIL. DEVOLUÇÃO EM DOBRO. RELAÇÃO DE CONSUMO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC. TEMA 622/STJ. DISTINÇÃO. AREsp 676.608/RS. CRITÉRIO. BOA-FÉ OBJETIVA. COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. DESNECESSIDADE. MODULAÇÃO TEMPORAL DOS EFEITOS. DANOS MORAIS. CARACTERIZADO.  

- Para caracterizar a responsabilidade civil extracontratual e objetiva, devem ser comprovados, cumulativamente: a) evento danoso a bem ou direito (material ou moral) do interessado, por ato ou por fato ou por seus desdobramentos; b) ação ou omissão da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF (ou de terceiro que lhe auxilia na execução de serviço); c) nexo causal entre o evento danoso e a ação ou a omissão imputada à instituição financeira. Inexistindo lesão (ainda que configure desconforto), ou em caso de ato ou de fato decorrente de exclusiva responsabilidade do consumidor ou de terceiro (por óbvio, desvinculado da CEF), inexistirá a responsabilidade civil objetiva. 

- No Tema 622/STJ, consta que a sanção civil do pagamento em dobro por cobrança judicial de dívida já adimplida (art. 1.531 do CC/1916 e art. 940 do CC/2002) pode ser requerida na própria defesa do réu, em reconvenção ou em ação autônoma, e depende da demonstração de má-fé do credor. Já em 13/12/1963, a Súmula 159/STF afirmou que a cobrança excessiva, mas de boa-fé, não dá permite essa sanção, razão pela qual, como regra geral, a devolução em dobro depende da comprovação da má-fé daquela que faz a exigência indevida. 

- Tratando de relação de consumo, oe.STJ também exigia a comprovação de má-fé à luz do contido no art. 42, parágrafo único, da Lei nº 8.078/1990, mas sua c.Corte Especial modificou esse entendimento para avaliar a questão a partir da boa-fé objetiva, de modo a impor a devolução em dobro da quantia exigida indevidamente pelo fornecedor que atuar com culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou má-fé, excetuado oengano justificável (analisado à luz do caso concreto). Houve modulação temporal dos efeitos para que onovocritério seja aplicado apenas a partir da publicação do acórdão (feita no DJe de 30/03/2021), unicamente em relação às cobranças que não envolvam prestação de serviços públicos pelo Estado ou por concessionárias. A decisão persuasiva desseAREsp 676.608/RS deve ser observada em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, sendo relevante anotar que a mesma controvérsia foi encaminhada pelo sistema de precedentes obrigatórios do e.STJ noTema 929. 

- No caso dos autos, em ação ajuizada em 28/12/2023 (data que não se exige a demonstração da má-fé), a parte autora narra que contratou empréstimo consignado junto à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL em 18/12/2023, no valor total de R$157.728,00, a ser quitado em 98 parcelas, sendo-lhe creditado, na mesma data, o valor de R$71.306,42 (ID 310438959). Ocorre que, em 21/12/2023, ainda sob a narrativa da parte autora, o gerente da empresa requerida lhe contatou para informar que o valor deveria ser devolvido, pois o empréstimo lhe fora liberado por erro interno da instituição financeira, que não se atentou ao fato de que a parte autora é funcionário público temporário – considerou-o, equivocadamente, como servidor público. Ainda, afirmou o gerente que o valor creditado em sua conta deveria ser utilizado para pagamento do empréstimo.

- Está demonstrado o dano moral pelo bloqueio da conta e pela apropriação de valor arbitrários realizados pela CEF, sem pedido e sem decisão judicial. O valor fixado em sentença (R$10.000,00) mostra-se adequado.

- Apelação conhecida e desprovida. 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
Desembargador Federal