APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000917-30.2023.4.03.6006
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: ANGELA APARECIDA DE ARAUJO ANDRADE
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000917-30.2023.4.03.6006 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: ANGELA APARECIDA DE ARAUJO ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação ordinária ajuizada por Ângela Aparecida de Araújo Andrade em face da Caixa Econômica Federal (CEF), objetivando indenização por danos materiais e morais, em razão do atraso na entrega da obra. A r. sentença julgou improcedente o pedido, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, ao argumento de que o atraso ocorreu devido a circunstâncias extraordinárias durante a construção. Inconformada, a parte autora apresentou recurso inominado, alegando que as questões que motivaram o atraso da obra são previsíveis e inerentes à natureza da atividade em questão, não se configurando como caso fortuito ou de força maior, de modo que a CEF não pode se eximir da responsabilidade. Requer a reforma da sentença, com o acolhimento dos pedidos inicias. Com contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório. Passo a decidir.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000917-30.2023.4.03.6006 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: ANGELA APARECIDA DE ARAUJO ANDRADE Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE LUIS JUDACHESKI - RS66424-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, à luz do primado da instrumentalidade das formas, recebo o recurso inominado como apelação. Prosseguindo, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Ainda, é necessário situar o problema posto nos autos no contexto de responsabilidade civil por danos, para o que se faz necessário lembrar que os bens e direitos de pessoas físicas ou jurídicas (Súmula 227 do E.STJ), assim como de universalidades e entes despersonalizados, abrangem itens de diversas naturezas e conteúdos, os quais, em linhas gerais, podem ser divididos em materiais e morais. Nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal, a proteção a esses bens e direitos tem atributos de garantia fundamental, de tal modo que o titular da prerrogativa indevidamente violada tem a faculdade de exigir o dever fundamental de reparação apropriada em face do responsável, sendo certa a possibilidade de cumulação da reparação da lesão material com o dano moral. O objeto do dano material correspondente à lesão sofrida em bens tangíveis, intangíveis, móveis, imóveis, fungíveis e infungíveis, de modo que o ressarcimento é mensurado, em moeda, pela extensão do prejuízo (normalmente aferido pelo preço de mercado dos bens e direitos afetados), com o objetivo de recompor a perda sofrida. Já o objeto do dano moral (ou extrapatrimonial) diz respeito à lesão no âmbito da integridade psíquica, da intimidade, da privacidade, da imagem ou da personalidade (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, boa reputação e crenças religiosas), causada por um ato ou fato ou por seus desdobramentos, de modo que sua extensão é a proporção do injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento; embora a lesão moral possa ser reparada por diversos meios (p. ex., nos moldes do art. 5º, V, da Constituição), a indenização financeira tem sido utilizada com o objetivo dúplice de repor o dano sofrido e de submeter (ordinária e sistematicamente) o responsável aos deveres fundamentais do Estado de Direito. Ao mesmo tempo em que os sujeitos de direito são dotados de liberdade de escolha, todos devem responder por seus atos ou omissões quando violarem limites determinados pelo ordenamento jurídico, gerando responsabilidades de diversas espécies (dentre elas as criminais). Para o que importa a este feito, a atribuição da responsabilidade civil pode ser imputada a todo aquele que causar lesão, por fato ou ato praticado (in committendo), por omissão (in ommittendo), por pessoa que o representante (in vigilando), por empregado, funcionário ou mandatário (in eligendo) e por coisa inanimada ou por animal (in custodiendo). É pela correta delimitação jurídica da responsabilidade civil que se torna possível estabelecer os parâmetros para avaliação do caso sub judice, motivo pelo qual é necessário também consignar que, quanto ao fato gerador, há a responsabilidade contratual (relacionada a negócio jurídico não cumprido, no todo ou em parte, nos termos do art. 389 e seguintes do Código Civil) e responsabilidade extracontratual ou aquiliana (casos de violação à lei e a primados de Direito, independentemente de negócio jurídico, conforme art. 186 e seguintes, também do Código Civil); acerca do fundamento, há a responsabilidade subjetiva (baseada em culpa) e a responsabilidade objetiva (baseada no risco, não exigindo culpa); e, considerando o agente, há a responsabilidade direta ou simples (se oriunda de ato da própria pessoa imputada) e responsabilidade indireta ou complexa (resultante de ato ou fato de terceiro, animal ou coisa inanimada vinculada ao imputado). Friso que a culpa ou o dolo podem aparecer como causa da lesão, mas não são imprescindíveis para atribuição de responsabilidade civil (embora tenham utilidade no caso de fixação de reparação). Nessa linha, não se deve confundir a teoria objetiva da culpa (formulada em contraposição à teoria da culpa subjetiva), com a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou da culpa presumida). Para a teoria da culpa objetiva, a culpa é apreciada in abstracto, nos moldes das pessoas comuns, sem considerar as condições subjetivas do agente ou seu estado de consciência (vale dizer, afastando elementos pessoais ou íntimos do agente causador do ato danoso), o que, por consequência, permite responsabilizar incapazes e dementes; já a teoria da culpa subjetiva se serve de abstrações, porém, em menor grau, pois verifica a intenção íntima e pessoal do agente para conferir a responsabilidade civil e o dever de reparar o injusto dano causado a outrem, vale dizer, culpa in concreto. Por sua vez, a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou culpa presumida) vê o dever de reparar independentemente de dolo ou culpa do causador da lesão (excluída apenas se o prejuízo for exclusivamente gerado por ato ou omissão do lesado), opondo-se à responsabilidade subjetiva (baseada no elemento subjetivo de culpabilidade do causador do dano, observando também o nexo causal entre a conduta do agente e o dano a ser ressarcido). A responsabilidade objetiva gera o dever de indenizar por parte daquele que interagiu (direta ou indiretamente) com o lesado, ou com o meio no qual está inserido, e se baseia na injustiça do dano por circunstância que não pode ser imputada ao titular do bem ou direito prejudicado; por não depender de dolo ou culpa, a responsabilidade civil decorre do risco gerado por determinada atividade, bastando o ato ou fato, o dano e a relação de causalidade ente ambos. Cumpre, outrossim, tecer algumas considerações sobre o Programa Minha Casa Minha Vida. Escorado pelo art. 3º e pelo art. 6º, ambos da Constituição Federal, o PMCMV foi instituído pela Lei nº 11.977/2009 (conversão da MP nº 459/2009), posteriormente reestruturado pela Lei nº 12.424/2011, chegando a uma nova face com a Lei nº 14.620/2023 (resultante da MP nº 1.162/2023). Em sua essência, o PMCMV é política pública de incentivo para produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais para famílias com baixa renda, bem como para promover o direito à cidade o desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural, sustentabilidade, redução de vulnerabilidades e prevenção de riscos de desastres, geração de trabalho e de renda e elevação dos padrões de habitabilidade, de segurança socioambiental e de qualidade de vida da população. O PMCMV compreende os seguintes subprogramas: Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal poderão fixar outros critérios de seleção de beneficiários do PMCMV, previamente aprovados pelos respectivos conselhos locais de habitação, quando existentes, e em conformidade com as respectivas políticas habitacionais e as regras estabelecidas pelo Poder Executivo federal. De acordo com o art. 5º, da Lei nº 14.620/2023, o PMCMV é escalonado por níveis de renda familiar: residentes em áreas urbanas podem ter renda bruta familiar mensal até R$ 8.000,00; e residentes em áreas rurais com renda bruta familiar anual de até R$ 96.000,00. O nível de renda familiar urbana é subdivido em: a) Faixa Urbano 1 - renda bruta familiar mensal até R$ 2.640,00; b) Faixa Urbano 2 - renda bruta familiar mensal de R$ 2.640,01 até R$ 4.400,00; c) Faixa Urbano 3 - renda bruta familiar mensal de R$ 4.400,01 até R$ 8.000,00. Já o nível de nível de renda rural tem: a) Faixa Rural 1 - renda bruta familiar anual até R$ 31.680,00; b) Faixa Rural 2 - renda bruta familiar anual de R$ 31.680,01 até R$ 52.800,00; c) Faixa Rural 3 - renda bruta familiar anual de R$ 52.800,01 até R$ 96.000,00. Os parâmetros das faixas urbanas e rurais são equivalentes, embora computados por padrões de tempo distintos. A fim de integrar o PMCMV, o empreendimento também deverá obedecer a critérios legais (art. 5º-A da Lei nº 11.977/2009), especialmente localização do terreno, adequação ambiental do projeto, infraestrutura básica e equipamentos relacionados a educação, saúde, lazer e transporte público. O art. 6º, da Lei nº 14.620/2023, prevê que o PMCMV será constituído pelos seguintes recursos financeiros: dotações orçamentárias da União; Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS); Fundo de Arrendamento Residencial (FAR); Fundo de Desenvolvimento Social (FDS); Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab); emendas parlamentares; operações de crédito de iniciativa da União firmadas com organismos multilaterais de crédito e destinadas à implementação do Programa; contrapartidas financeiras, físicas ou de serviços de origem pública ou privada; doações públicas ou privadas destinadas aos fundos; outros recursos destinados à implementação do Programa oriundos de fontes nacionais e internacionais; doações ou alienação gratuita ou onerosa de bens imóveis da União, observada legislação pertinente; recursos do Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap). Com relação à responsabilidade da CEF no que tange a eventuais vícios de construção ou atraso na entrega da obra relacionados a imóveis financiados segundo as regras do Sistema Financeiro de Habitação, há que se distinguir entre duas situações: 1ª) nas hipóteses em opera como gestora de recursos e executora de políticas públicas federais para a promoção de moradia a pessoas de baixa renda (como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida), atuando na elaboração do projeto ou na fiscalização das obras, a CEF é parte legítima e pode responder por danos (materiais e/ou morais); 2ª) nos casos em que atua apenas como agente financeiro (financiando a aquisição de imóvel), essa instituição financeira não pode ser responsabilizada por vícios de construção e é parte ilegítima para compor lides a esse respeito. Esse é o entendimento consolidado no e.STJ (p. ex., AgInt no REsp 1609473/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2019, DJe 13/02/2019; AgInt no REsp 1700199/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2020, DJe 03/03/2020; AgInt no AREsp 1555150/SE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 20/05/2020), e também neste e.TRF (p. ex., 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000712-29.2017.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 18/03/2024, DJEN DATA: 20/03/2024; 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5009428-90.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/09/2023, DJEN DATA: 14/09/2023; 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000572-80.2019.4.03.6143, Rel. Desembargador Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR, julgado em 14/03/2024, DJEN DATA: 20/03/2024). No âmbito do PMCMV, quando o contrato está relacionado à Faixa 1, a CEF atua como verdadeira gestora de políticas públicas, subsidiando a aquisição de moradias para a população de baixa renda, por meio de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nas demais faixas de renda do PMCMV, também se configura a responsabilidade da CEF (e, consequentemente, sua legitimidade processual), pois a atuação da instituição financeira vai além da análise de risco de crédito, efetivamente fiscalizando e gerenciando a obra, além de verificar se o imóvel e o devedor cumprem os requisitos legais para enquadramento no Programa. Ao examinar as cláusulas padrões desses contratos de adesão, observa-se que é permitido à CEF, p. ex., autorizar a prorrogação do prazo para conclusão da obra, substituir a construtora em casos de modificação do projeto, não conclusão da obra dentro do prazo contratual, retardamento ou paralisação da obra, dentre outras hipóteses. Ademais, como mencionado acima, o PMCMV é política pública habitacional (urbana e rural) destinada a garantir à população de baixa renda (Faixas 1, 2 e 3) o direito fundamental à moradia, que conta com subvenção econômica estatal e privada (p. ex., FNHIS, FAR, FGTS, FGHab e Funcap), cuja gestão operacional é realizada pela CEF, mediante pagamento de remuneração específica, conforme disposição expressa do art. 9º e parágrafo único, da Lei nº 11.977/2009, bem como do art. 6º, §20, da Lei nº 14.620/2023. Daí decorre a legitimidade processual da CEF em se tratando de PMCMV. No caso dos autos, a parte autora celebrou contrato de doação de terreno e mútuo para obras – Alienação fiduciária – Programa Minha Casa Minha Vida – Entidades – Recursos FDS, em 10/09/2013, tendo por objeto a futura unidade determinada pelo lote nº 11, quadra nº 2, a ser construída no Loteamento Jardim Alvorada, situado em Jateí/MS, conforme registro na matrícula nº 17.860, do Registro de Imóveis de Fátima do Sul/MS (id 310213554). Figuram no referido contrato: como doador do terreno, o Município de Jateí; como donatária e devedora, a parte autora; como entidade organizadora, a Associação de Apoio à Habitação Popular e Reforma Urbana do Estado de Mato Grosso do Sul (AAHPRUMS); como credor, o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), representado pela CEF. De acordo com o item B do quadro resumo, o empreendimento é composto por 50 unidades habitacionais, sendo que o valor do financiamento do imóvel objeto da presente demanda é de R$ 41.300,33, dos quais R$ 38.080,00 foram concedidos pelo FDS, na forma de subvenção econômica/subsídio, nos termos do art. 2º, I, da Lei nº 11.977/2009. O valor do encargo mensal é de R$ 342,33, sendo R$ 317,33 subsidiados pelo FDS, ficando a cargo da parte autora/beneficiária o pagamento de R$ 25,00 mensais (item C do quadro resumo). O prazo de construção previsto no item C6.1 do quadro resumo é de 12 meses. Ainda, conforme cláusula sexta, o prazo para o término da construção não poderá ultrapassar o prazo previsto nos atos normativos do Conselho Curador do FDS, do SFH e da CEF. O prazo de amortização é de 120 meses (C6.2 do quadro resumo), não há incidência de juros (C8 do quadro resumo) e o vencimento do primeiro encargo mensal se dá apenas após o término da fase de construção, conforme item C9 do quadro resumo e cláusula oitava do instrumento contratual. Como se vê, o imóvel objeto da presente demanda faz parte de empreendimento integrante do Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, modalidade que atendia, inicialmente, a famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), organizadas em cooperativas habitacionais ou mistas, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos, visando à produção, aquisição e requalificação de imóveis urbanos. Posteriormente, o limite de renda familiar passou a R$ 1.800,00, nos termos da Portaria Interministerial nº 96/2016, sendo mantido pela Instrução Normativa nº 12/2018 do Ministério das Cidades, admitindo-se, em ambas as normas, que a renda mensal bruta seja de até R$ 2.350,00 para até 10% das famílias atendidas em cada empreendimento. O Programa foi aprovado pelas Resoluções nº 194/2012 e nº 214/2016 do Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social e regulamentado pela Instrução Normativa nº 14/2017 do Ministério das Cidades, que acabou sendo revogada e substituída pela Instrução Normativa nº 12/2018, também do Ministério das Cidades. Após a implantação do novo Programa Minha Casa, Minha Vida, por meio da Lei nº 14.620/2023, a modalidade Entidades passou a ter como público-alvo famílias com renda mensal de até R$ 2.640,00, organizadas sob a forma associativa, podendo se admitir, para no máximo 10% das famílias de cada empreendimento, que a renda mensal seja superior, de até R$ 4.400,00. Houve nova regulamentação da modalidade, com a edição da Instrução Normativa nº 28, de 4 de julho de 2023, do Ministério das Cidades. No sítio eletrônico do Ministério das Cidades, é possível encontrar as seguintes informações sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades: O Programa Minha Casa, Minha Vida - Entidades (MCMV-Entidades) é uma linha de atendimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, instituído pela Lei nº 14.620, de 13 de julho de 2023. O MCMV-Entidades tem por finalidade a concessão de financiamento subsidiado a famílias organizadas por meio de entidades privadas sem fins lucrativos para produção de unidades habitacionais urbanas, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS). O Programa apoia a produção social da moradia e a participação da população como protagonista na solução de seus problemas habitacionais, estimulando a organização popular e a produção habitacional por autogestão. Nessa modalidade, a construção do empreendimento é contratada junto a entidades privadas sem fins lucrativos, que representam as famílias associadas; usualmente, é possível observar que tais entidades estão vinculadas a movimentos sociais de moradia. A Entidade Organizadora (cooperativa, associação ou outra entidade da sociedade civil sem fins lucrativos) deverá estar habilitada junto ao Ministério das Cidades, além de indicar um responsável técnico para os projetos técnicos de arquitetura, engenharia, trabalho social e suas execuções. Dessa forma, a Entidade Organizadora apresenta a proposta de intervenção habitacional junto ao Agente Financeiro (no caso, a CEF) e, após análise e aprovação, é celebrado um contrato entre a CEF e a Entidade Organizadora, o qual prevê expressamente as obrigações e responsabilidades de cada uma das partes na construção e entrega do empreendimento. De acordo com a Instrução Normativa nº 28, de 04/07/2023, do Ministério das Cidades, que regulamenta a modalidade, a CEF participa do programa na qualidade de Agente Operador do FDS e, no caso concreto, também como Agente Financeiro do FDS. Referida Instrução Normativa estabelece, em seus itens 5.3 e 5.4, o seguinte: 5.3. Compete ao Agente Operador (AO): a) alocar o orçamento ao agente financeiro de acordo com a distribuição orçamentária por região geográfica, definida por ato do Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social (CCFDS); b) expedir e dar publicidade a atos normativos que orientem o agente financeiro e a entidade organizadora quanto aos procedimentos operacionais a serem observados na execução do MCMVEntidades, com vistas a uniformizar a operacionalização do Programa em território nacional; c) enviar propostas de empreendimento habitacional, consideradas enquadradas pelo agente financeiro para fins de seleção ao Órgão Gestor; d) remunerar o agente financeiro pelas atividades exercidas no âmbito das operações, observados os valores fixados em normativo específico; e) exercer controle sobre recursos repassados ao AF; f) manter atualizadas as informações sobre a compatibilidade entre evolução física e financeira das operações, com o objetivo de subsidiar o processo decisório do Órgão Gestor, com base nas informações disponibilizadas pelo agente financeiro; g) encaminhar mensalmente ao Órgão Gestor as informações dispostas nesta Instrução Normativa necessárias ao monitoramento do Programa, a partir de dados disponibilizados pelo agente financeiro; h) encaminhar ao Órgão Gestor as solicitações de aporte ou suplementação de recursos aprovadas pelo agente financeiro; i) encaminhar ao Órgão Gestor relatório sobre os casos de distrato total ou parcial da operação; j) disponibilizar canal de consulta e acompanhamento das operações por parte das entidades organizadoras e da sociedade; k) informar o Órgão Gestor sobre a suspensão de habilitação de entidade organizadora no Sistema de Habilitação de Entidades (SISAD); l) acompanhar e monitorar as operações contratadas pelo agente financeiro; m) firmar instrumentos com os agentes financeiros para atuação no Programa; e n) representar o FDS, ativa ou passivamente, judicial ou extrajudicialmente. 5.4. Compete ao Agente Financeiro (AF): a) executar procedimentos de habilitação das entidades organizadoras para atuação no MCMV Entidades; b) recepcionar e analisar documentação para enquadramento de propostas e posterior seleção pelo Órgão Gestor, de acordo com normativo específico; c) analisar as propostas de empreendimento habitacional selecionadas pelo Órgão Gestor e atestar a viabilidade técnica, orçamentária, financeira, jurídica e de engenharia das propostas de empreendimento habitacional em etapa de contratação; d) contratar as propostas que demonstrem viabilidade técnico-econômica; e) receber e verificar Anotação de Responsabilidade Técnica de Obras e Serviços (ART) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT); f) celebrar, nos limites de suas atribuições, contrato com a família beneficiária, nos termos de ato normativo específico; g) monitorar a execução dos contratos incluindo as atividades de trabalho social; h) efetuar a liberação de recursos; i) efetuar chamamento público como forma de seleção de entidade organizadora, quando necessário; j) acompanhar atividades relativas à entrega dos empreendimentos; k) encaminhar providências para tratamento de empreendimentos frustrados, conforme normatizado pelo AO; l) executar atividades de manutenção contratual pós-entrega incluindo a cobrança das prestações junto aos beneficiários e repasse ao FDS; m) identificar a ocorrência de desvios de finalidade das unidades habitacionais entregues e adotar providências, quando cabível, e prestar as informações solicitadas pelo AO; e n) adotar providências administrativas e, quando cabíveis, extrajudiciais ou judiciais, conforme regramento e prazos estipulados em atos normativos da linha de atendimento, relativas a descumprimento contratual de pessoa física e jurídica. 5.5. Compete à Entidade Organizadora (EO): a) organizar as famílias que atendam aos critérios de enquadramento e prioridade de acordo com as regras do MCMV-Entidades, com vistas à sua seleção; b) prestar as orientações necessárias às famílias organizadas com vistas à compreensão das condições e regras do MCMV-Entidades, especialmente no tocante aos seus direitos e obrigações; c) realizar cadastro da entidade no Sistema de Habilitação de Entidades (SISAD); d) responsabilizar-se pela guarda de seu perfil de acesso ao SISAD; e) apresentar documentação comprobatória relativa à regularidade institucional e qualificação técnica da entidade ao AF para fins de habilitação; f) apresentar projetos técnicos relativos à proposta de empreendimento habitacional ao AF com vistas à contratação conforme documentação solicitada da respectiva modalidade; g) acompanhar o desenvolvimento de cada uma das etapas dos projetos de arquitetura, engenharia, de trabalho social relativas aos empreendimentos contratados; h) informar ao gestor local sobre propostas selecionadas em seu município e identificar, ao menos, suas localizações e o número de beneficiários de cada uma delas; i) solicitar ao gestor local do CadÚnico o cadastramento ou a atualização cadastral dos beneficiários selecionados pelo MCMV-Entidades, em atendimento às exigências para a contratação; j) acompanhar o cadastramento ou a atualização cadastral dos beneficiários no CadÚnico; k) informar ao conselho gestor de fundo municipal, distrital ou estadual de habitação de interesse social sobre os projetos contratados, quando houver; l) convocar assembleia de beneficiários para constituição da CRE e da CAO; m) promover a capacitação dos membros da CRE e da CAO com vistas a qualificá-las no desempenho de suas funções; n) assegurar, na sua integralidade, a qualidade técnica dos projetos das obras e serviços do trabalho social e da assistência técnica pactuados, em conformidade com as normas brasileiras e os normativos do MCMV-Entidades; o) executar, direta ou indiretamente, gerenciar e fiscalizar as obras, a assistência técnica, o trabalho social e os demais serviços necessários à consecução do objeto contratado, responsabilizando-se por sua correta execução e conclusão, com o adequado emprego das técnicas construtivas e de acordo com as especificações dos projetos e determinando a correção de vícios que possam comprometer a fruição do benefício pelos beneficiários; p) informar ao AF sobre intercorrência que afete o ritmo e o andamento de operação contratada e por apresentar plano para regularizar sua execução; q) prestar contas aos beneficiários sobre a utilização dos recursos financeiros repassados, juntamente com a CRE; r) manter cadastro atualizado junto ao AF do qual conste as informações necessárias para permitir fácil e tempestivo contato com os responsáveis pela EO e responsáveis técnicos; s) atender com tempestividade à demanda de informação por parte do Órgão Gestor e do AF; t) promover ações de sensibilização com vistas a estimular a participação das famílias beneficiárias no estabelecimento de diretrizes e definições de projeto, no acompanhamento das obras, a fim de identificar eventuais problemas de execução, bem como na manutenção do patrimônio gerado; u) aprovar, junto às famílias, plano de gestão da construção do empreendimento com participantes, instâncias e atribuições; v) gerir os recursos financeiros, juntamente com a CRE, tendo como base a programação de desembolso, o cronograma de obras e serviços pactuados e parâmetros técnicos de execução condizentes com os valores liberados e as definições para aquisição de materiais; x) acompanhar a etapa de pós-ocupação do empreendimento, conforme normativo específico; e z) informar ao AF situações que representem descumprimento contratual por parte da família beneficiária. Portanto, a atuação da CEF no caso concreto não se restringe à de agente financeiro, vez que financia a construção de um empreendimento de habitação social, com poderes para verificar os requisitos legais concernentes ao imóvel, à Entidade Organizadora, à construtora e ao adquirente/beneficiário, além de analisar a viabilidade técnica, orçamentária, financeira, jurídica e de engenharia das propostas, monitorar a execução dos contratos, inclusive o trabalho social, fiscalizar o andamento e entrega da obra, encaminhar providências em caso de empreendimentos frustrados, identificar desvios de finalidade, atuando como representante do FDS e como verdadeira executora de políticas públicas. Logo, a CEF é parte legítima e pode ser responsabilizada pelo atraso na entrega da obra e pelas indenizações dele decorrentes. Prosseguindo, o C. STJ, em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema 996), firmou as seguintes teses, para casos de atraso na entrega da obra relacionados a imóveis adquiridos no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida: RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes: 1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. 1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. 1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. 1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor. 2. Recursos especiais desprovidos. (REsp n. 1.729.593/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/9/2019, DJe 27/9/2019). A jurisprudência deste E.TRF da 3ª Região tem acompanhado os entendimentos do C. STJ, como se pode observar das seguintes decisões: ApCiv 0001991-98.2014.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho, Primeira Turma, julgado em 09/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/06/2020; ApCiv 5001882-91.2017.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 13/05/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/05/2020; , ApCiv 5006089-75.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal Helio Egydio de Matos Nogueira, Primeira Turma, julgado em 14/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/02/2020; AI 5016162-62.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 15/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/10/2020; AI 5015754-08.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Valdeci dos Santos, Primeira Turma, julgado em 10/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/09/2020. De acordo com a matrícula imobiliária, o Habite-se foi expedido em 23/04/2015 (id 310213555); a CEF juntou aos autos planilha de evolução do financiamento (id 310213565). O juízo a quo, apesar de reconhecer a legitimidade da CEF para responder pelo atraso na entrega da obra, julgou improcedentes os pedidos, ao argumento de que a parte ré fez prova da ocorrência de força maior ou caso fortuito contratual ou legalmente previsto que autorizasse a prorrogação unilateral do contrato. São mencionados, na r. sentença, documentos que comprovam que a entidade organizadora solicitou à CEF prorrogação de prazo para a entrega da obra, em razão de dificuldades em relação ao empreiteiro, à mão-de-obra, aos materiais de construção, bem como ao atraso na ligação de energia elétrica no canteiro de obras e à ocorrência de chuvas. O pedido foi analisado e aprovado pela gestão habitacional da instituição financeira, de modo que o novo prazo para término das obras foi fixado em 20/05/2015. Observa-se que as razões que levaram às prorrogações de prazo (problemas com empreiteiro e mão-de-obra, questões burocráticas e chuvas) são corriqueiras à atividade de construção, não se caracterizando como caso fortuito ou força maior. Ou seja, atraso em obra de construção civil é fato notório e, exatamente por isso, a contratação deve estimar aceitável prazo que compreenda essas intercorrências e seja configurada a responsabilidade pela demora. O atraso na entrega da obra é inconteste, havendo descumprimento do prazo estipulado no contrato para que o imóvel fosse entregue à parte autora. Os pedidos formulados pela parte autora são: a condenação da ré ao pagamento de lucros cessantes, bem como à devolução em dobro dos juros e encargos pagos referentes ao período do atraso na entrega da obra, além de indenização por danos morais. No tocante ao pedido de lucros cessantes, nos termos da mesma tese fixada no Tema 996 do C. STJ, em caso de atraso na entrega da obra, o prejuízo da parte autora é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data de expedição do Habite-se (23/04/2015). Assim, condeno a ré a pagar, à parte autora, a título de indenização por lucros cessantes, o correspondente a 0,5% do valor do imóvel, devidamente atualizado nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, por mês de atraso, a incidir desde a data prevista para a conclusão do empreendimento (10/09/2014) até a data de expedição do Habite-se (23/04/2015). Tais valores serão liquidados em fase de cumprimento de sentença. Com relação ao pedido de devolução em dobro dos juros e encargos pagos durante o período do atraso na entrega da obra, não assiste razão à parte autora, uma vez que o contrato celebrado não prevê a incidência de juros e tampouco pagamento durante a fase de construção. Quanto aos danos morais, a narrativa acima demonstra que a falha na prestação do serviço, pela ré, ultrapassou o mero dissabor, impondo-se reparação em razão do atraso na entrega da obra, que perdurou por mais de ano, causando apreensão e angústia à parte autora, especialmente quanto à incerteza de vir a residir no imóvel em discussão. Ressalte-se que a parte autora é beneficiária de programa de habitação social, destinado a garantir moradia à população vulnerabilizada e de baixa renda, o que só evidencia o sofrimento causado pelo atraso ocorrido. Assim, é devida a indenização por dano moral. Por fim, a indenização financeira por dano moral deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou grau da culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas ao consumidor, devendo ser ponderada para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado, mas também para não ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado. Assim, considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, fixo o quantum indenizatório em R$ 8.000,00 (oito mil reais). Esse montante deverá ser acrescido nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, com juros moratórios contados do evento danoso por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula 54, do E.STJ). Pelas razões expostas, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação, para condenar a CEF ao pagamento de indenização por lucros cessantes, correspondente a 0,5% do valor do imóvel, devidamente atualizado nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, por mês de atraso, a incidir desde a data prevista para a conclusão do empreendimento (10/09/2014) até a data de expedição do Habite-se (23/04/2015), além de indenização por danos morais, fixados em R$ 8.000,00. Nos termos do art. 85, §2º, do CPC, condeno a parte ré ao pagamento da verba honorária, fixada mediante aplicação do percentual 10% sobre o montante que for apurado na fase de cumprimento de sentença (correspondente ao proveito econômico tratado nos autos). Custas e demais ônus processuais têm os mesmos parâmetros. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. PMCMV ENTIDADES. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. LUCROS CESSANTES. DANOS MORAIS.
- O imóvel objeto da demanda faz parte de empreendimento integrante do Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, modalidade que tem por finalidade a concessão de financiamento subsidiado a famílias organizadas por meio de entidades privadas sem fins lucrativos para produção de unidades habitacionais urbanas, com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social (FDS).
- De acordo com a Instrução Normativa nº 28, de 04/07/2023, do Ministério das Cidades, que regulamenta a modalidade, a CEF participa do programa na qualidade de Agente Operador do FDS e, no caso concreto, também participa como Agente Financeiro do FDS.
- A atuação da CEF no caso concreto não se restringe à de agente financeiro, vez que financia a construção de um empreendimento de habitação social, com poderes para verificar os requisitos legais concernentes ao imóvel, à Entidade Organizadora, à construtora e ao adquirente/beneficiário, além de analisar a viabilidade técnica, orçamentária, financeira, jurídica e de engenharia das propostas, monitorar a execução dos contratos, inclusive o trabalho social, fiscalizar o andamento e entrega da obra, encaminhar providências em caso de empreendimentos frustrados, identificar desvios de finalidade, atuando como representante do FDS e como verdadeira executora de políticas públicas.
- A CEF é parte legítima e pode ser responsabilizada pelo atraso na entrega da obra e pelas indenizações dele decorrentes.
- As razões que levaram às prorrogações de prazo (atraso nas liberações de parcelas, chuvas e contingenciamento de recursos) são corriqueiras à atividade de construção, não se caracterizando como caso fortuito ou força maior.
- O atraso na entrega da obra é inconteste, havendo descumprimento do prazo estipulado no contrato para que o imóvel fosse entregue à parte autora.
- “No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma” (Tema 996 do C. STJ).
- Condenação da ré a pagar, à parte autora, a título de indenização por lucros cessantes, o correspondente a 0,5% do valor do imóvel, devidamente atualizado nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, por mês de atraso, a incidir desde a data prevista para a conclusão do empreendimento (10/09/2014) até a data de expedição do Habite-se (23/04/2015).
- A narrativa acima demonstra que a falha na prestação do serviço, pela ré, ultrapassou o mero dissabor, impondo-se reparação, notadamente em razão do atraso na entrega da obra, que perdurou por mais de ano, causando apreensão e angústia à parte autora, especialmente quanto à incerteza de vir a residir no imóvel em discussão. Ressalte-se que a parte autora é beneficiária de programa de habitação social, destinado a garantir moradia à população vulnerabilizada e de baixa renda, o que só evidencia o sofrimento causado pelo atraso ocorrido. Assim, é devida a indenização por dano moral.
- Considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, fixo o quantum indenizatório em R$ 8.000,00 (oito mil reais).
- Apelação parcialmente provida.