APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012549-38.2018.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
APELADO: TRUCK BUS - INDUSTRIA E COMERCIO DE AUTO PECAS LTDA
Advogados do(a) APELADO: ANA CAROLINE DA SILVA - RJ217927-A, MARCOS KERESZTES GAGLIARDI - SP188129-A, NATALIA NOGUEIRA DOS SANTOS - SP346209-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012549-38.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL APELADO: TRUCK BUS - INDUSTRIA E COMERCIO DE AUTO PECAS LTDA Advogados do(a) APELADO: ANA CAROLINE DA SILVA - RJ217927-A, MARCOS KERESZTES GAGLIARDI - SP188129-A, NATALIA NOGUEIRA DOS SANTOS - SP346209-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto pelo INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – INPI em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicialmente formulado por TRUCK BUS INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE AUTO PEÇAS LTDA, reconhecendo a nulidade dos atos administrativos que indeferiram os pedidos de registro dos Desenhos Industriais nº BR 30 2014 004226-2 e nº BR 30 2014 004227-0 com fundamento no artigo 100 da lei 9.279/1996, e determinando que esses mesmos pedidos sejam submetidos a nova análise pelo INPI quanto aos demais requisitos para a sua concessão. Aduz, a parte apelante, inicialmente, que a determinação de reabertura do procedimento administrativo para realização de nova análise dos pedidos de registro não constou do pedido inicial, caracterizando assim o julgamento extra petita, contrariando assim o disposto nos artigos 114 e 492, do Código de Processo Civil. No mérito, sustenta que foram desconsideradas as conclusões do perito nomeado pelo juízo, bem como a “nota” elaborada pelo setor técnico do INPI, no sentido de que o objeto dos registros pleiteados pela parte autora, intitulados “Configurações Aplicadas em Coxim” e destinados à indústria automobilística, não atendem aos requisitos legais exigidos, notadamente (i) a impossibilidade de registro de objetos cujas formas são determinadas essencialmente pelas considerações técnicas ou funcionais, e (ii) a impossibilidade de revelação de qualquer ornamentalidade nas peças em questão por não serem visíveis em suas configurações externas quando montadas em um conjunto mecânico. Acrescenta que as ranhuras e nervuras das referidas peças, assim como os orifícios para a fixação dos parafusos, são determinadas por considerações técnicas ligadas à funcionalidade dos objetos, e não com o objetivo de ornar, ou de torná-los mais atraentes para o consumidor. Requer, ao final, o provimento do presente recurso para o fim de julgar improcedente a demanda, com a inversão do ônus sucumbencial. A parte autora apresentou contrarrazões. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5012549-38.2018.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL APELADO: TRUCK BUS - INDUSTRIA E COMERCIO DE AUTO PECAS LTDA Advogados do(a) APELADO: ANA CAROLINE DA SILVA - RJ217927-A, MARCOS KERESZTES GAGLIARDI - SP188129-A, NATALIA NOGUEIRA DOS SANTOS - SP346209-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Registro, inicialmente, que embora o acesso à prestação jurisdicional tenha conteúdo de garantia fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição), permitindo a judicialização de controvérsias envolvendo atos da administração pública, a separação de poderes e as legítimas competências conferidas às autoridades administrativas impõem limites à apreciação judicial. O Poder Judiciário deve analisar a validade jurídica de aspectos formais (notadamente as garantias do devido processo legal) de feitos administrativos, mas o mérito de decisões administrativas somente pode ser controlado se houver violação ao postulado da proporcionalidade (ou da razoabilidade), ou se o julgamento administrativo transgredir os parâmetros da legalidade de modo claro, objetivo ou manifesto. Se a decisão administrativa for compatível com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e congruente com as provas dos autos, o magistrado deve respeitar as interpretações e as avaliações feitas pela autoridade administrativa competente. No caso dos autos, o que se pretende é o reconhecimento de que o ato administrativo que indeferiu o pedido de registro de desenho industrial não encontra amparo nos dispositivos previstos na Lei de Propriedade Industrial (LPI) que regulam a matéria, mais precisamente nos artigos 95 a 100, da Lei nº 9.279/1996. Tratando-se, portanto, de controle dos parâmetros da legalidade do ato administrativo, não há que se falar em ofensa à dependência harmônica dos poderes. Sobre o tema, oportuna a transcrição dos julgados a seguir colacionados: "DIREITO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. SANÇÃO. SÚMULA 279/STF. VIOLAÇÃO AO ART. 2º DA CF/88. NÃO OCORRÊNCIA. 1. Não cabe em recurso extraordinário rever a conclusão do Tribunal de origem quando a decisão está amparada nas provas constantes dos autos. Incidência da Súmula 279/STF. 2. Esta Corte já assentou o entendimento de que o exame de legalidade e abusividade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não implica violação ao princípio da separação dos poderes, porquanto não se trata, nessas hipóteses, de análise das circunstâncias que circunscrevem ao mérito administrativo. Precedentes. 3. Agravo regimental que se nega provimento." (ARE 866620 AgR/RJ, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe-04/05/2016) APELAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO QUE INDEFERIU REGISTRO DE MARCA. INDEPENDÊNCIA HARMÔNICA ENTRE OS PODERES DA REPÚBLICA. INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO. COLIDÊNCIA DE MARCAS. CONJUNTO MARCÁRIO. GRAFIA E FONÉTICA. DISTINTIVIDADE SUFICIENTE. IMPOSSIBILIDADE DE CAUSAR CONFUSÃO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Não ofende à independência harmônica dos poderes da República a apreciação, pelo Poder Judiciário, da legalidade do ato administrativo que indeferiu registro de marca, com fundamento nas situações de irregistrabilidade previstas no art. 124 da Lei nº 9.279/96. (...) (ApCiv nº 5000477-19.2018.4.03.6100, Relator: Des. Federal Cotrim Guimarães, Segunda Turma, TRF, v.u., Data do julgamento: 27/09/2021, DJEN: 29/09/2021) " Deve ser afastada ainda a alegação de julgamento extra petita. Ainda que a parte autora não tenha formulado pedido expresso de reabertura do procedimento administrativo para realização de nova análise dos pedidos de registro pelo INPI, o entendimento lançado na sentença no sentido do não enquadramento do caso nas hipóteses previstas no art. 100, da LPI, fundamento que havia levado ao indeferimento do pedido administrativo, impõe a análise do preenchimento dos demais requisitos legais exigidos para o registro, entendendo o magistrado que essa atribuição deve recair sobre a própria autarquia. Tal determinação, por si só, não extrapola os limites da lide. Dito isso, cumpre assinalar que em vista do interesse social e do desenvolvimento tecnológico e econômico do país, a Constituição Federal em seu artigo 5º, XXIX, estabelece que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à proteção das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos”. A lei nº 9.279/1996, em consonância com a Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial (CUP), da qual o Brasil é signatário, regula o Sistema de Propriedade Industrial, garantindo proteção aos direitos relativos à propriedade industrial por meio de concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade, concessão de registro de desenho industrial, concessão de registro de marca, repressão às falsas indicações geográficas e repressão à concorrência desleal. No que concerne especificamente ao desenho industrial, o art. 95, da Lei nº 9.279/1996 considera como tal “a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial”. De acordo com o conceito legal, o desenho industrial corresponde à modificação de um objeto já existente, de modo a conferir-lhe um aspecto visual novo e original em razão da aplicação de uma forma plástica ornamental (características tridimensionais) ou de um conjunto também ornamental de linhas e cores (características bidimensionais), industrialmente replicáveis, diferenciando-o em relação à concorrência por elementos estéticos próprios, a fim de torná-lo mais atraente aos consumidores. O caráter ornamental a que se refere a lei evidencia que a proteção conferida pelo registro de desenho industrial está relacionada às características visuais decorativas e acessórias, definidoras de sua aparência. É preciso, portanto, que o produto se destaque e se diferencie dos demais por sua configuração externa (não há proteção para as características que se tornem visíveis apenas se o produto vier a ser desmontado), desvinculada de suas funções técnicas ou funcionais, mesmo porque, houvesse incremento ou melhoria na funcionalidade do objeto, estaríamos diante não de um desenho industrial, mas de um modelo de utilidade (art. 9º, da Lei nº 9.279/1996), sujeito às normas patentárias. A propósito, oportuna a transcrição do seguinte julgado: DIREITO EMPRESARIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PRETENSÃO AUTORAL DE DECLARAÇÃO DA NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO CONCESSÓRIO DA PATENTE DE MODELO DE UTILIDADE 8801225-5. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. TESE RECURSAL DE ERRO DE PREMISSA FÁTICA NA PERÍCIA QUE RESPALDA O JULGADO. NÃO ACOLHIMENTO. ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DE NOVIDADE NO MODELO DE UTILIDADE, EM RAZÃO DA PRÉ-EXISTÊNCIA DA PATENTE CHINESA CN300698731D. AFASTAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 96, §2º, DA LPI. 1. A patente de modelo de utilidade protege aspectos técnicos e funcionais de um objeto, enquanto o registro do desenho industrial protege somente os aspectos ornamentais e estéticos, de modo a ser possível que um mesmo objeto apresente características ornamentais e funcionais e, nesse passo, receba as duas proteções. (...) 8. Apelação da parte autora desprovida. Majoração, em 1%, dos honorários advocatícios fixados na sentença em seu desfavor. (Apelação Cível, 5000238-95.2019.4.02.5101, Rel. LUIZ NORTON BAPTISTA DE MATTOS , TRF2. 1a. TURMA ESPECIALIZADA, Rel. do Acórdão - LUIZ NORTON BAPTISTA DE MATTOS, julgado em 09/03/2023, DJe 11/03/2023) (destaquei) Os artigos 96 a 98 da Lei nº 9.279/1996, prescrevem critérios para que o desenho industrial seja considerado novo, original e registrável, in verbis: Art. 96. O desenho industrial é considerado novo quando não compreendido no estado da técnica. § 1º O estado da técnica é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido, no Brasil ou no exterior, por uso ou qualquer outro meio, ressalvado o disposto no § 3º deste artigo e no art. 99. § 2º Para aferição unicamente da novidade, o conteúdo completo de pedido de patente ou de registro depositado no Brasil, e ainda não publicado, será considerado como incluído no estado da técnica a partir da data de depósito, ou da prioridade reivindicada, desde que venha a ser publicado, mesmo que subseqüentemente. § 3º Não será considerado como incluído no estado da técnica o desenho industrial cuja divulgação tenha ocorrido durante os 180 (cento e oitenta) dias que precederem a data do depósito ou a da prioridade reivindicada, se promovida nas situações previstas nos incisos I a III do art. 12. Art. 97. O desenho industrial é considerado original quando dele resulte uma configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores. Parágrafo único. O resultado visual original poderá ser decorrente da combinação de elementos conhecidos. Art. 98. Não se considera desenho industrial qualquer obra de caráter puramente artístico. Depreende-se que a originalidade é a configuração visual distintiva do objeto em relação a outros que lhes sejam anteriores, ao passo em que a novidade, associada à não compreensão no estado da técnica, exige precedência no uso e exploração comercial do desenho industrial em data anterior ao depósito do registro, ou de sua prioridade (novidade absoluta, pois consideram-se anterioridades as existentes no Brasil e no exterior). Sendo novo e original, serão assegurados aos desenhos industriais as prioridades de pedidos de registro, conforme previsto no art. 16 (exceto o prazo previsto no seu § 3º, que será de 90 dias) e art. 99, ambos da Lei 9.279/1996. Além dos requisitos vistos acima, a exclusividade para a exploração econômica decorrente do registro de um desenho industrial exige, finalmente, que o objeto ou produto possa ser fabricado em escala industrial, o que afasta essa modalidade de proteção às criações puramente artísticas. O art. 100, da Lei nº 9.279/1996, por sua vez, elenca algumas hipóteses em que o desenho industrial não será passível de registro: Art. 100. Não é registrável como desenho industrial: I - o que for contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas, ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou idéia e sentimentos dignos de respeito e veneração; II - a forma necessária comum ou vulgar do objeto ou, ainda, aquela determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais. Portanto, não é qualquer configuração visual externa que será passível de registro como desenho industrial. Mesmo sendo nova e original, o resultado final não poderá atentar contra a liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia e sentimentos dignos de respeito e veneração, nem ofender a moral e os bons costumes, a honra ou a imagem de terceiros. Essas restrições se prestam a impedir a ofensa a direitos cuja proteção já se encontra positivada no sistema jurídico brasileiro. Não será conferida ainda proteção legal à forma que seja elementar ao objeto (necessária, comum ou vulgar, que não tenha exigido nenhum esforço criativo), ou cujo resultado decorra essencialmente da necessidade de adaptação técnica ou funcional (hipótese sujeita à proteção por outros dispositivos legais diversos daqueles estabelecidos para o desenho industrial). Nesse ponto, é comum aos desenhos industriais a simultaneidade de características funcionais e ornamentais. Porém, se as características externas de um produto resultarem preponderantemente de adaptações e conformações necessárias ao seu funcionamento, os detalhes ornamentais a ele agregados não poderão ser registrados como desenho industrial. Nesse sentido, dispõe o Manual de Desenhos Industriais elaborado pelo INPI para consolidar diretrizes e procedimentos de análise de desenhos industriais: “5.3.2.3 Forma essencialmente técnica ou funcional Todos os desenhos industriais apresentam, em maior ou menor grau, características funcionais e ornamentais. No entanto, por vezes, a configuração de um produto resulta essencialmente de imposições relacionadas a seu funcionamento, sem preocupações relacionadas à sua aparência ornamental. Nessas situações, ainda que haja algum aspecto ornamental na configuração externa, se essas características não preponderam sobre o que se observa como técnico ou funcional, tal configuração não pode ser registrada como desenho industrial. Assim, ainda que detalhes ornamentais sejam apostos à configuração ditada essencialmente por considerações técnico-funcionais, o desenho industrial não é registrável.” Ainda sobre o tema, trago à colação o seguinte julgado: DIREITO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO DE SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO DE INVALIDAÇÃO DO REGISTROS DE DESENHOS INDUSTRIAIS REFERENTES A "CONJUNTO DE IMPLANTE DENTÁRIO". CONFIGURAÇÃO ORNAMENTAL DETERMINADA EM RAZÃO DAS ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS OU FUNCIONAIS DO OBJETO. ALEGADA NULIDADE DA PERÍCIA PRODUZIDA NOS AUTOS E DA SENTENÇA RECORRIDA. I - Apelação de sentença que julgou procedente o pedido de invalidação de registros de desenho industrial titularizados pela corré JJGC INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MATERIAIS DENTÁRIOS S.A. (ora apelante), referentes a "configuração aplicada em conjunto de implante dentário" e a "configuração aplicada em mini-pilar cone morse". II - O perito é o especialista auxiliar do juízo cujo pronunciamento fica restrito à matéria técnica que envolve o objeto discutido na causa (inciso I do § 1º do artigo 464 do Código de Processo Civil, a contrario sensu). A interpretação quanto à aplicação das disposições e conceitos previstos na legislação aplicável ao caso incumbe ao magistrado e não ao perito, por se tratar de matéria eminentemente jurídica. Desse modo, diversamente do sustenta a apelante, a exegese a ser conferida quanto ao desenho industrial que é insuscetível de registro, definida nos incisos do artigo 100 da Lei nº 9.279-96, bem como quanto ao conceito de originalidade, prevista expressamente no caput do artigo 97 do mesmo diploma, são questões a serem dirimidas pelo julgador por ocasião da prolação da sentença, não se podendo olvidar ainda que o juiz é o perito dos peritos (peritus peritorum). II - Em sede preliminar, não acolhida a alegação de nulidade do laudo pericial e da sentença recorrida por se verificar que o mencionado documento técnico observou aos ditames legais que regram a produção da prova pericial, mormente o artigo 473, incisos III e IV, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil; bem como a decisão de primeiro grau não incorreu em qualquer cerceamento de defesa. De igual modo, indeferida a conversão do julgamento em diligência, pleiteada com fundamento no artigo 938, § 3º do Código de Processo Civil, pois se constata dos autos que foi dada ampla oportunidade para a recorrente produzir provas e requerer esclarecimentos ao expert do juízo, não se revelando consentâneo com os princípios da economia processual e com a razoável duração do processo que se renove a instrução do feito, suficientemente realizada pelo juízo de primeiro grau e já encerrada regularmente. III - A juíza de primeiro grau, conquanto tenha entendido que foi preenchido o requisito da novidade (§ 1.º do artigo 96 da Lei nº 9.279-96), já que "nenhum dos documentos apresentados nos autos como anterioridades impeditivas eram idênticos aos desenhos industriais DI 6402383-4 e DI 6700736-8"; verificou que os registros em exame incidem na proibição prevista da segunda parte do inciso II do artigo 100 da Lei nº 9.279-96 ("forma determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais"), além de não obedecer ao requisito da originalidade (artigo 97 da Lei nº 9.279-96). IV - Quanto ao requisito da originalidade, como bem destacado da decisão de primeiro grau, "além de novo, ou seja, não-idêntico aos documentos encontrados no estado da técnica, o registro válido de desenho industrial deve apresentar trabalho criativo que resulte em uma identidade visual singular". Nesse sentido, foram apresentados quadros comparativos no laudo pericial cotejando as anterioridades apontadas nos autos, que bem demonstram que as formas e proporções dos desenhos industriais DI 6402383-4 e DI 6700736-8 não diferem substancialmente daquelas indicadas nos outros documentos, de modo a propiciar distintividade e, por consequência, atender à originalidade que justifique a manutenção dos privilégios antes concedidos em favor da corré e ora apelante. V - Não se ignora que o preenchimento do requisito da originalidade relativa no desenho industrial pode se dar mediante a disposição de elementos conhecidos que imprimam uma configuração visual distintiva, nos termos da interpretação conjunta do caput e do parágrafo único do artigo 97 da Lei nº 9.279-96. No entanto, deve-se atentar que, conquanto seja de natureza relativa a originalidade exigida para a concessão do registro de desenho industrial, tal formatação visual deve guardar determinado grau de distinção para fins de preenchimento do mencionado requisito legal, o que não foi constatado no caso concreto. VI - Diante do âmbito muito restrito da possibilidade de variação das formas ornamentais a serem aplicadas nos desenhos industriais em questão, pois grande parte da sua configuração é determinada por suas características técnicas ou funcionais, verifica-se que incide no caso a vedação prevista no já mencionado inciso II do artigo 100 da Lei nº 9.279-96; além do que constata-se que os desenhos industriais titularizados pela recorrente não preenchem o requisito da originalidade, pois não ostentam configuração visual substancialmente distintiva em relação à anterioridades levantadas nos autos. VII - Diversamente do que ocorre com o requisito da novidade, para que se verifique a ausência de originalidade do desenho industrial, não se exige que a anterioridade impeditiva levantada seja idêntica ao desenho industrial registrado, bastando a constatação de que inexiste distintividade substancial daquela formatação plástica cuja exclusividade é pleiteada pelo titular. VIII - Também não confere razão à apelante o argumento de que a existência de originalidade dos desenhos industrial em apreço deveria tomar por parâmetro o "usuário ou consumidor informado", assim entendido, segundo o magistério do saudoso advogado Dênis Borges Barbosa, como aquele que é "dotado de vigilância particular, não somente de atenção média, seja em razão de experiência pessoal, seja do conhecimento extenso do setor em questão". Isso porque o "regime legal aplicável ao registro dos desenhos industriais não faz qualquer ressalva quanto ao seguimento mercadológico para qual é voltado o produto que irá utilizar a formatação ornamental registrada", razão por que deve se utilizar como parâmetro a ótica do consumidor médio (voto vencido proferido na Apelação Cível nº 0171504-12.2017.4.02.5101, julgamento concluído em 06.12.2021). IX - A invalidação dos registros em questão encontra fundamento adicional diante do fato noticiado pela recorrida WARIE INDUSTRIAL LTDA. EPP (autora da ação de origem) em suas contrarrazões de que o depósito do desenho industrial DI6402383-4 seria uma tentativa de obter a exclusividade sobre a disposição constante em modelo de utilidade também titularizado pela corré JJGC INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MATERIAIS DENTÁRIOS S.A., cuja patente foi anteriormente indeferida pelo INPI (MU8401655-8), justamente por ser idêntico ao objeto do mencionado desenho industrial DI6402383-4; incorrendo em mais uma prática abusiva das reiteradamente realizadas pela recorrente, que, segundo tais informações da apelada, foi objeto até de apuração pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE (procedimento de ato de concentração nº 08700.003582/2012-42). X - Desprovimento da apelação da corré JJGC INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MATERIAIS DENTÁRIOS S.A. DECISAO: Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 2ª. Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Sentença recorrida da lavra da MMª Juíza da 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Marcia Maria Nunes de Barros. (Apelação Cível, 0145076-90.2017.4.02.5101, Rel. ANDRE RICARDO CRUZ FONTES, Assessoria de Recursos, Rel. do Acórdão - ANDRÉ FONTES, julgado em 28/03/2023, DJe 24/04/2023) (destaquei) É possível que um mesmo objeto ou produto seja merecedor de várias modalidades de proteção, como patente, marca e desenho industrial, exigindo-se apenas o preenchimento dos requisitos estabelecidos para cada uma dessas modalidades. A propriedade em relação ao desenho deriva do registro validamente concedido (ressalvada a prerrogativa de continuidade de exploração, sem ônus, da pessoa que, de boa-fé, antes da data do depósito ou da prioridade do pedido de registro, explorava seu objeto no Brasil), vigorando pelo prazo de 10 anos contados da data do depósito, prorrogável por 3 períodos sucessivos de 5 anos cada, nos termos do art. 108 e seguintes da Lei 9.279/1996. É verdade que, em um primeiro momento, a análise do INPI não é aprofundada, de modo que o registro é simultâneo ao depósito do pedido, conforme art. 106 da Lei 9.279/1996, mas também é certo que, nos moldes do art. 111 dessa mesma Lei 9.729/1996, o titular do desenho industrial poderá requerer o exame mais detido do objeto do registro, quando então essa autarquia emitirá parecer de mérito (confirmando o registro ou instaurando processo de nulidade do mesmo): Art. 106. Depositado o pedido de registro de desenho industrial e observado o disposto nos arts. 100, 101 e 104, será automaticamente publicado e simultaneamente concedido o registro, expedindo-se o respectivo certificado. § 1º A requerimento do depositante, por ocasião do depósito, poderá ser mantido em sigilo o pedido, pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data do depósito, após o que será processado. § 2º Se o depositante se beneficiar do disposto no art. 99, aguardar-se-á a apresentação do documento de prioridade para o processamento do pedido. § 3º Não atendido o disposto nos arts. 101 e 104, será formulada exigência, que deverá ser respondida em 60 (sessenta) dias, sob pena de arquivamento definitivo. § 4º Não atendido o disposto no art. 100, o pedido de registro será indeferido. (...) Art. 111. O titular do desenho industrial poderá requerer o exame do objeto do registro, a qualquer tempo da vigência, quanto aos aspectos de novidade e de originalidade. Parágrafo único. O INPI emitirá parecer de mérito, que, se concluir pela ausência de pelo menos um dos requisitos definidos nos arts. 95 a 98, servirá de fundamento para instauração de ofício de processo de nulidade do registro. No caso dos autos, consta que em 28/08/2014 a empresa autora, atuante no ramo de autopeças para veículos pesados, depositou junto ao INPI os pedidos de registro dos desenhos industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0, sob título “Configuração Aplicada em Coxins”, que acabaram indeferidos ao fundamento de se tratar de “forma determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais” (art. 100, II, da Lei nº 9.279/1996), conforme publicação constante da RPI nº 2.360, de 29/03/2016. Em 30/05/2016 a requerente apresentou recursos em face dos quais o INPI se pronunciou pela manutenção dos indeferimentos, por despachos publicados na RPI nº 2450, de 19/12/2017. São essas as decisões que a parte autora pretende ver anulada por meio da presente ação, alegando que o indeferimento dos registros contraria atos anteriores do INPI, concedendo registros de desenho industrial em casos semelhantes. Aduz que os elementos ornamentais são agregados aos Desenhos Industriais com a finalidade de deixar os produtos mais atrativos aos seus consumidores e, qualquer alteração, por mínima que seja, é capaz de diferenciar um produto de outro, afastando-o do mero aspecto essencial e técnico de cada um, da mesma forma que também ocorre nos casos em análise. Determinada a realização de perícia técnica, concluiu o perito que nos pedidos de registro de desenhos industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0, predominam as características construtivas técnicas e funcionais, afastando assim a proteção pretendida. Instruído o feito, foi proferida sentença julgando parcialmente procedente o pedido para reconhecer a nulidade dos atos administrativos que indeferiram os pedidos de registro dos Desenhos Industriais com fundamento no art. 100, da Lei nº 9.279/1996, determinando a reanálise dos pedidos pelo INPI apenas quanto aos demais requisitos para sua concessão. Insurge-se a autarquia ré contra o fato de terem sido desconsideradas as conclusões do perito nomeado pelo juízo, assim como a Nota elaborada pelo setor técnico do INPI, no sentido de que o objeto dos registros pleiteados pela parte autora, intitulados “Configurações Aplicadas em Coxim” não merecem a proteção registral em razão de terem suas formas determinadas essencialmente pelas considerações técnicas ou funcionais, além de não revelarem qualquer ornamentalidade por não serem visíveis em suas configurações externas quando montadas em um conjunto mecânico. Pleiteia, ao final, o provimento do recurso para o fim de julgar improcedente a demanda, com a inversão dos ônus sucumbenciais. Restringe-se, a lide, à verificação da correção da sentença no que concerne à registrabilidade dos desenhos industriais depositados, em face do disposto no art. 100, da Lei nº 9.279/1996 e, mantida a decisão do juízo a quo, se já seria possível a análise do preenchimento dos demais requisitos legais para o deferimento do registro pretendido. Conforme destacado no laudo apresentado pelo perito nomeado, a empresa autora atua na fabricação e venda de coxins de motor, câmbio, cabine e radiador, peças essas que, na apresentação constante da página da parte autora, são projetadas individualmente para cada aplicação, e cuja finalidade é absorver as vibrações propagadas pelos veículos aos quais se destinam, proporcionando a redução de ruído, melhoria em termos de conforto, e aumento da segurança e da vida útil do veículo. Sobre esses componentes, o perito judicial assim se referiu (id 300359132): “Sua função é absorver e isolar vibrações geradas pelo funcionamento do motor, impedindo que referidas vibrações propagem para a cabine do veículo, evitam a incidência do que a engenharia mecânica denomina como “RESSONÂNCIA” que é vista quando um corpo recebe pulsos energéticos com frequência igual a uma de suas frequências naturais de vibração. Isso faz com que ele passe a ter amplitudes cada vez maiores, pois o sistema vai armazenando energia. Todos os sistemas físicos possuem uma ou mais frequências naturais de vibração. Se um sistema receber pulsos energéticos com frequência igual a uma de suas frequências naturais, ele passará a vibrar com frequências cada vez maiores. Imperioso destacar que o fenômeno de ressonância normalmente deve ser evitado no projeto de estruturas de um COXIM, uma vez que grandes amplitudes de vibração podem acelerar o processo de falha por fadiga, desconforto, ruído, dentre outros problemas.” Para que referidas peças mereçam a proteção conferida pela lei, é preciso que sua conformação não decorra essencialmente de exigências técnicas ou funcionais, admitindo, ademais, o acréscimo de elementos estéticos novos e originais (ornamentalidade) que exerçam influência preponderante sobre o consumidor no momento da escolha desse produto quando comparado a outros equivalentes disponíveis no mercado. Entendo que não é esse o caso dos autos. As peças em questão são desenvolvidas a partir de necessidades técnicas e funcionais extremamente rígidas e específicas. Isso porque a diversidade de projetos entre as marcas/modelos de veículos exige soluções singulares, que se adaptem às suas características individuais de cada projeto. Assim, a produção de um coxim de motor, por exemplo, para um determinado modelo de veículo, deverá se adequar às cargas e vibrações a serem suportadas em cada caso (geralmente com o desenvolvimento de componentes de metal e elastômero), respeitando os espaços minuciosamente definidos no projeto do veículo, assim como os pontos de apoio, furações, folgas e fixação no chassi, entre outros, igualmente predeterminados pelo fabricante do veículo. Portanto, a forma final da peça em questão estará estreitamente ligada às exigências técnicas e funcionais, incidindo na vedação à concessão do registro de desenho industrial prevista no art. 100, II, da lei nº 9.279/1996. Ainda que haja alguma margem para inserções de caráter ornamental, estas se mostrarão irrelevantes diante da indiscutível preponderância das características técnicas e funcionais exigidas. Nada impede que os responsáveis pela criação obtenham proteção para o produto, notadamente a exclusividade na exploração econômica, o que poderia ocorrer no campo das patentes, marcas, ou mesmo modelo de utilidade, mas não em termos do pretendido desenho industrial. Ainda sobre a necessidade da preponderância do aspecto ornamental sobre questões técnicas e funcionais para que o desenho industrial seja passível de registro, questiona-se o impacto que eventuais inovações estéticas teriam no momento da escolha do produto, pelo consumidor. No caso concreto, estamos falando de uma peça que integra o conjunto mecânico do veículo, não visível em sua configuração externa. Assim, alguém que se proponha a adquiri-la (usualmente profissionais especializados) priorizará aspectos técnicos, ponderando, quando muito, o custo benefício que cada marca proporcione. Ganha relevância, portanto, a confiabilidade da marca em razão da suposição da qualidade dos materiais empregados em sua fabricação, que assegurem propriedades físicas mínimas para um funcionamento seguro e eficaz. Não se concebe que a aquisição de um coxim ocorra a partir de critérios exclusivamente (ou mesmo preponderantemente) estéticos, como cor, textura, acabamento, frisos ou ranhuras, ou ainda que sua configuração visual seja determinante para a compra. Note-se, a propósito, a manifestação do perito nomeado quanto a esse ponto específico (id 300359132): “É bem verdade que todo produto ou objeto, possui uma funcionalidade e também uma forma plástica e ornamente, mas para que referido produto ou objeto, possa ser reconhecido como Registro de Desenho Industrial, é preciso que a ornamentabilidade do produto ou objeto, esteja em primeiro plano em relação às necessidades de funcionalidade, ou seja, é preciso que a aparência ou aspecto visual seja predominante em relação às características técnicas e funcionais. Desta maneira, em que pese todos produtos e objetos possuir ornamentabilidade, se referidas características não preponderam sobre o efeito técnico ou funcional, o objeto não preenche os requisitos para concessão do Registrado como desenho industrial, e assim, temos que nem todo produto que possuir forma ornamental, encontra-se inserido nos requisitos que autorizam a concessão Registro de Desenho industrial. O design, enquanto atividade projetual, é capaz de produzir alternativas com configurações visuais diversas para desempenhar uma mesma função, mas para preencher os requisitos que enseja a concessão do registro de Desenho industrial, imperioso que a forma plástica ornamental seja a mais relevante. Na perspectiva do Registro Desenho Industrial, os objetos se distinguem pelas suas configurações formais globais, preponderantes e claramente perceptíveis por diversos consumidores. Deste modo, a análise do registro de desenho industrial difere enormemente do exame de uma Patente, o qual se aprofunda em detalhes técnicos e minúcias sob o olhar de um técnico no assunto.” E prossegue o perito, especificamente em relação à influência dos aspectos estéticos eventualmente incorporados às peças sob análise, no momento da aquisição pelo consumidor, para fins de reposição (id 300359132): “Neste diapasão, a troca do coxim não se sujeita a escolha do consumidor por outro coxim disponível no mercado, isto porque o referido produto não é de prateleira onde o consumidor possa escolher aquele que mais lhe agrada. Certo é que, quando da aquisição de um coxim pelo consumidor o mesmo tem que informar a MARCA DO VEÍCULO, O MODELO E ANO DE FABRICAÇÃO, para receber o coxim adequado e desenvolvido exclusivamente para referido veículo, e cada veículo, possui um coxim dedicado, ligado muito mais, para não dizer exclusivamente, pelas características técnicas funcionais de engenharia frente às cargas que suportam, do que pela usa aparência externa.” Ao tratar da matéria, o perito aborda conceitos como o do “produto complexo”, que trata da possibilidade de se conceder o registro de desenho industrial para partes ou objetos que integrem produtos compostos por múltiplos componentes, e que possam ser substituídos ou repostos, perpassando pela questão do “must-match”, aplicável às peças de reposição do mercado automobilístico, cuja fabricação ocorre separadamente e, em geral, mediante licenciamento junto às montadoras. Nesses casos, mesmo que se admita a proteção legal, é preciso que a peça permaneça visível ao usuário, agregando um componente ornamental ao produto em sua totalidade, hipótese que, no entendimento do perito, restou afastada: “Neste sentido, é possível assegurar que o COXIM despenha função de ordem técnica funcional com previsão estrutural em seu projeto levando-se em conta as cargas que irá suportar. Suas formas plásticas predominantes, não busca a harmonização ou ornamentabilidade, mas sim a capacidade de desempenhar sua função precípua de evitar propagação das vibrações, não havendo o que se falar em forma plástica ornamental, como aquela exigida para concessão de Registro de Desenho industrial. Seguramente os “COXINS” objeto dos pedidos de Registros de Desenhos Industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0, quando agregados ao produto complexo no caso, carro, não são visíveis ao consumidor, ao contrário, são extremamente posicionados em locais que por vezes necessitam de conhecimento que foge ao homem médio saber exatamente onde se encontram. Como é natural a qualquer outro componente mecânico, essas peças também sofrem com o desgaste causado pelo uso. Com o tempo, os coxins podem ressecar e ganhar rachaduras, perdendo sua capacidade de manter o motor silencioso e “discreto”. O desgaste dos Coxins que enseja sua troca, não é percebido de forma visual direta no objeto ou componente, mas pelos ruído propagado pelas vibrações (...).” Finalmente, conclui o perito pela impossibilidade de tutela à pretensão do autor: “Após analisar o conjunto probatório técnicos dos autos incluindo o teor dos Pedidos de Registro de Desenhos Industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-, fornecidos pelo Autor conclui-se que: Os pedidos de Registro de Desenhos industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0, não possuem forma plástica ornamental proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa, para preencher os requisitos no Art. 95 da Lei 9.279/96, vez que predominam as características construtivas técnicas e funcionais, enquadrando os produtos em apreço no rol da forma necessária comum ou vulgar determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais, nos termos do Art. 100, II do Lei 9.279/96.” Tais conclusões alinham-se ao entendimento adotado pelo corpo técnico do INPI, cujo peso não deve ser desprezado, ainda que figure nos autos na condição de parte, por se tratar do órgão governamental com competência e expertise para o exame da matéria e que, quando instado a se pronunciar em juízo, não tem se furtado a reconhecer eventuais equívocos em sua atuação administrativa, conforme a prática forense permite observar. Nesse sentido, o parecer acostado aos autos sob id. 300358968, que ratificou os fundamentos que levaram ao indeferimento do recurso administrativo apresentado pela parte autora em face da negativa de registro dos desenhos industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0: “(...) a autora contesta ainda a alegação do INPI, de que “o coxim’ é uma peça que quando montada no conjunto mecânico não é visível em sua configuração externa e, além disso, informa que a escolha do ‘coxim’ é de acordo com o modelo do automóvel”. Ela afirma que “tal alegação dá a entender que pouco importa para o INPI o formato da peça quando esta não é visível ao público. Assim, a importância dada pelo INPI ao desenho industrial recai apenas àquelas peças que são visualizadas pelo público e escolhidas por estes apenas pela sua composição visual atraente”. Segundo definição de Burdek, “o design industrial geralmente é definido como atividade que determina características funcionais, estruturais e estético-formais de um produto, ou sistema de produtos destinados à produção em série”. O design desenvolve uma série de projetos, porém a LPI oferece escopos de proteção diferentes para cada um deles: como marca, como patente de invenção, como modelo de utilidade ou como desenho industrial. De acordo com a LPI, a forma plástica ornamental que proporciona resultado visual novo e original na configuração externa deve ser registrada como Desenho Industrial. Já o objeto de uso prático, que apresenta nova forma ou disposição e que resulta em melhoria funcional deve ser registrado como Modelo de Utilidade. Não é que o INPI não se importe se a peça é visível ou não para o público, mas o fato de não ser visualizada pelo público reforça a ideia de que não há preocupação em ornamentar a peça, pois não vai aparecer no objeto montado. A preocupação é com os encaixes mecânicos. Fato é que a autora deve requerer seus registros no escopo de proteção correto, e respondendo à pergunta da pág. 114 da presente ação (pág. 11 da Réplica): “Assim, se no entendimento contraditório do Instituto réu, estas criações da Requerente não são passíveis de proteção pela via do desenho industrial, que tipo de proteção o ilibado Instituto proporciona como alternativa, à Requerente?”. Esclarecemos que tais objetos deveriam ter sido depositados como Modelo de Utilidade. Assim, poderiam buscar obter proteção adequada à natureza do objeto, se cumprissem adequadamente os requisitos daquele exame.” Resta claro, portanto, que os coxins a que se referem os desenhos industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0 possuem forma determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais, hipótese para a qual é vedada a concessão de registro, conforme previsão contida no art. 100, II, da Lei nº 9.279/1996. Caracterizado, de antemão, fato impeditivo ao registro, resta dispensada a verificação do preenchimento dos demais requisitos exigidos para a concessão pretendida (novidade, originalidade e aplicação industrial). Sustenta ainda, a parte autora, que o indeferimento do registro contraria concessões anteriores relativas a objetos do mesmo campo de aplicação, apresentando uma relação de depósitos versando sobre desenho industrial de coxins, e que teriam sido deferidos pelo INPI. Nesse ponto, conforme já abordado anteriormente, cumpre reforçar que pelo regime instituído a partir da entrada em vigor da Lei nº 9.279/1996 (em substituição à regulação vigente sob a égide do antigo Código da Propriedade Industrial - Lei nº 5.772/1971), a concessão do registro do desenho industrial, diferentemente do que ocorre com as patentes, passa a ser automática, prescindindo do exame do preenchimento de todos os requisitos necessários. Admite-se, contudo, que o INPI instaure, de ofício, o processo administrativo de nulidade do registro, caso o exame de mérito, realizado posteriormente, aponte para o desatendimento dos requisitos da registrabilidade. Esse procedimento, por si só já justifica a concessão inicial do registro pelo INPI, sem prejuízo da posterior análise da adequação do pedido às exigências legais, com eventual anulação administrativa. De toda sorte, em relação à existência de registros anteriores, esclarece o INPI que após buscas em seu sistema interno foram localizados 8 (oito) processos envolvendo pedidos de registro de coxins automotivos além dos que estão sendo discutidos nesta ação, dos quais 1 (um) acabou sendo concedido como Patente de Modelo Industrial, antes ainda da entrada em vigor da lei nº 9.279/1996, 5 (cinco) remontam aos anos de 1996/1997, tendo sido concedidos sem a observância do que a autarquia considera hoje a melhor técnica, 1 (um) foi indeferido por incorrer nas vedações do art. 100, da LPI e, finalmente, 1 (um) acabou sendo concedido para a própria autora (BR 30 2014 005387-6), sendo que a equipe técnica do INPI já reconheceu o equívoco na concessão, devendo propor, de ofício, a anulação administrativa. Ainda nesse contexto, a questão levantada pela parte autora a respeito do disposto no art. 24, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que veda a revisão de atos plenamente constituídos à luz de orientação adotada pela Administração, e que posteriormente venha a ser alterada, envolve o desenho industrial BR 30 2014 005387-6, estranho ao presente feito, devendo ser dirimida no momento e nas vias próprias, quando então terá lugar a análise da possibilidade de prevalência do microssistema jurídico destinado à proteção da propriedade intelectual sobre regras gerais estabelecidas pela LINDB. Portanto, retomando as circunstâncias previstas no art. 100, II, da Lei nº. 9.279/1996, que obstam o registro do desenho industrial pretendido pela parte autora, entendo que deve ser reformada a sentença recorrida, para que que seja julgado improcedente o pedido deduzido inicialmente pela parte autora, com a consequente inversão do ônus sucumbencial, condenando-se a ora apelada ao pagamento de honorários advocatícios em favor da parte apelante, mantido o percentual fixado pelo juízo de origem a esse título. Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso para julgar improcedente o pedido inicial, com a consequente manutenção dos atos administrativos que indeferiram os pedidos de registro dos Desenhos Industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. DESENHO INDUSTRIAL (CONFIGURAÇÕES APLICADAS EM COXIM). INDEFERIMENTO ADMINISTRATIVO DE PEDIDO DE REGISTRO. AÇÃO ANULATÓRIA DO ATO ADMINISTRATIVO. CONFIGURAÇÃO DO OBJETO DECORRENTE DE EXIGÊNCIAS TÉCNICAS OU FUNCIONAIS. PEÇA QUE INTEGRA O CONJUNTO MECÂNICO DO VEÍCULO, NÃO VISÍVEL EM SUA CONFIGURAÇÃO EXTERNA. ORNAMENTALIDADE IRRELEVANTE. INADMISSIBILIDADE DO REGISTRO (ART. 100, II, DA LEI Nº 9.279/1996).
- Embora o acesso à prestação jurisdicional tenha conteúdo de garantia fundamental (art. 5º, XXXV, da Constituição), permitindo a judicialização de controvérsias envolvendo atos da administração pública, a separação de poderes e as legítimas competências conferidas às autoridades administrativas impõem limites à apreciação judicial. O Poder Judiciário deve analisar a validade jurídica de aspectos formais (notadamente as garantias do devido processo legal) de feitos administrativos, mas o mérito de decisões administrativas somente pode ser controlado se houver violação ao postulado da proporcionalidade (ou da razoabilidade), ou se o julgamento administrativo transgredir os parâmetros da legalidade de modo claro, objetivo ou manifesto. Se a decisão administrativa for compatível com o ordenamento jurídico constitucional e infraconstitucional, e congruente com as provas dos autos, o magistrado deve respeitar as interpretações e as avaliações feitas pela autoridade administrativa competente.
- A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXIX, estabelece que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à proteção das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos”. A lei nº 9.279/1996, em consonância com a Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial (CUP), da qual o Brasil é signatário, regula o Sistema de Propriedade Industrial, garantindo proteção aos direitos relativos à propriedade industrial por meio de concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade, concessão de registro de desenho industrial, concessão de registro de marca, repressão às falsas indicações geográficas e repressão à concorrência desleal.
- O art. 95, da Lei nº 9.279/1996 conceitua o desenho industrial como “a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial”. O desenho industrial corresponde à modificação de um objeto já existente, de modo a conferir-lhe um aspecto visual novo e original em razão da aplicação de uma forma plástica ornamental (características tridimensionais) ou de um conjunto também ornamental de linhas e cores (características bidimensionais), industrialmente replicáveis, diferenciando-o em relação à concorrência por elementos estéticos próprios, a fim de torná-lo mais atraente aos consumidores.
- O caráter ornamental a que se refere a lei evidencia que a proteção conferida pelo registro de desenho industrial está relacionada às características visuais decorativas e acessórias, definidoras de sua aparência. É preciso, portanto, que o produto se destaque e se diferencie dos demais por sua configuração externa (não há proteção para as características que se tornem visíveis apenas se o produto vier a ser desmontado), desvinculada de suas funções técnicas ou funcionais, mesmo porque, houvesse incremento ou melhoria na funcionalidade do objeto, estaríamos diante não de um desenho industrial, mas de um modelo de utilidade (art. 9º, da Lei nº 9.279/1996), sujeito às normas patentárias.
- Consoante o disposto no art. 100, II, da lei nº 9.279/1996, não será conferida proteção legal à forma que seja elementar ao objeto (necessária, comum ou vulgar, que não tenha exigido nenhum esforço criativo), ou cujo resultado decorra essencialmente da necessidade de adaptação técnica ou funcional (hipótese sujeita à proteção por outros dispositivos legais diversos daqueles estabelecidos para o desenho industrial). Nesse ponto, é comum aos desenhos industriais a simultaneidade de características funcionais e ornamentais. Porém, se as características externas de um produto resultarem preponderantemente de adaptações e conformações necessárias ao seu funcionamento, os detalhes ornamentais a ele agregados não poderão ser registrados como desenho industrial.
- No caso dos autos, a parte autora pretende a anulação de decisão administrativa do INPI que indeferiu o pedido de registro de desenhos industriais denominados “Configuração Aplicada em Coxins”, ao fundamento de que o Instituto já havia concedido registro em casos semelhantes, e de que os elementos ornamentais que tornem os produtos mais atrativos merecem a proteção registral. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para reconhecer a nulidade dos atos administrativos que indeferiram os de registro dos desenhos industriais com fundamento no art. 100, da lei 9.279/1996, determinando que esses mesmos pedidos fossem submetidos a nova análise pelo INPI quanto aos demais requisitos para a sua concessão, decisão em face da qual insurge-se a autarquia por meio do presente recurso.
- As peças objeto dos desenhos industriais cujo registro se pretende (coxins para aplicação na indústria automotiva) são desenvolvidas a partir de necessidades técnicas e funcionais extremamente rígidas e específicas. Isso porque a diversidade de projetos entre as marcas/modelos de veículos exige soluções singulares, que se adaptem às suas características individuais de cada projeto. Assim, a produção de um coxim de motor, por exemplo, para um determinado modelo de veículo, deverá se adequar às cargas e vibrações a serem suportadas em cada caso, respeitando os espaços minuciosamente definidos no projeto do veículo, assim como os pontos de apoio, furações, folgas e fixação no chassi, entre outros, igualmente predeterminados pelo fabricante do veículo, fazendo com que sua forma final esteja estreitamente ligada às exigências técnicas e funcionais, incidindo na vedação à concessão do registro de desenho industrial prevista no art. 100, II, da lei nº 9.279/1996. Ainda que haja alguma margem para inserções de caráter ornamental, estas se mostrarão irrelevantes diante da indiscutível preponderância das características técnicas e funcionais exigidas. Nesse mesmo sentido as conclusões do perito nomeado pelo juízo, bem como da equipe técnica do INPI.
- Pelo regime instituído a partir da entrada em vigor da Lei nº 9.279/1996 (em substituição à regulação vigente sob a égide do antigo Código da Propriedade Industrial - Lei nº 5.772/1971), a concessão do registro do desenho industrial, diferentemente do que ocorre com as patentes, passa a ser automática, prescindindo do exame do preenchimento de todos os requisitos necessários. Admite-se, contudo, que o INPI instaure, de ofício, o processo administrativo de nulidade do registro, caso o exame de mérito, realizado posteriormente, aponte para o desatendimento dos requisitos da registrabilidade. Esse procedimento, por si só já justifica a concessão inicial do registro pelo INPI para casos análogos, sem prejuízo da posterior análise da adequação do pedido às exigências legais, com eventual anulação administrativa.
- Os coxins a que se referem os desenhos industriais BR 30 2014 004226-2 e BR 30 2014 004227-0 possuem forma determinada essencialmente por considerações técnicas ou funcionais, hipótese para a qual é vedada a concessão de registro, conforme previsão contida no art. 100, II, da Lei nº 9.279/1996. Caracterizado, de antemão, fato impeditivo ao registro, resta dispensada a verificação do preenchimento dos demais requisitos exigidos para a concessão pretendida (novidade, originalidade e aplicação industrial).
- Recurso provido.