Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0022079-22.2021.4.03.6303

RELATOR: 8º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: JOSE NUNES RESENDE FILHO

Advogado do(a) RECORRENTE: MARY HELEN MATTIUZZO - SP249385-A

RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) RECORRIDO: DIEGO ROBERTO PINHEIRO FERREIRA - RJ197835-A, ERIKA CHIARATTI MUNHOZ MOYA - SP132648-A, RAIRA VLAXIO AZEVEDO - RO7994-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0022079-22.2021.4.03.6303 

RELATOR: 8º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: JOSE NUNES RESENDE FILHO

Advogado do(a) RECORRENTE: MARY HELEN MATTIUZZO - SP249385-A

RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) RECORRIDO: DIEGO ROBERTO PINHEIRO FERREIRA - RJ197835-A, ERIKA CHIARATTI MUNHOZ MOYA - SP132648-A, RAIRA VLAXIO AZEVEDO - RO7994-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

 

 

 

R E L A T Ó R I O  

 

Relatório dispensado nos termos do artigo 38 da Lei 9.099/95.

  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

São Paulo, 28 de março de 2025.

 

 


 

VOTO VENCEDOR

 

Inicialmente, faz-se necessário reafirmar a plena aplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações nas quais as instituições financeiras ocupem a posição de fornecedores. 

Nesse sentido dispõe a Súmula n. 297 do STJ, segundo a qual “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. 

Ademais, a matéria já não comporta discussão desde a decisão proferida na ADIN n. 2591, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 3º, § 2º do CDC, em especial a menção desse dispositivo legal às operações de “natureza bancária”. 

Nessa linha de raciocínio, as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados a seus clientes decorrentes de defeitos relativos à prestação de seus serviços. Neste sentido prevê, expressamente, o art. 14 do CDC, que tem a seguinte redação: 

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. 

§ 1.º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: 

I – o modo de seu fornecimento; 

II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; 

III – a época em que foi fornecido. 

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. 

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: 

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; 

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. 

 

Cabe, pois, analisar a atividade bancária sob o prisma do dispositivo legal ora citado. 

 

Do denominado “golpe do motoboy” 

Entre as inúmeras discussões jurídicas sobre a responsabilidade civil das instituições financeiras, uma situação que tem se tornado recorrente é o denominado “golpe do motoboy”. 

Com pequenas variações, o golpe pode ser assim descrito: um consumidor de serviços bancários, na maioria das vezes pessoa idosa, recebe uma ligação de pessoa se dizendo funcionário da instituição financeira, e comunicando alguma tentativa de uso indevido da sua conta bancária. O estelionatário possui as informações básicas de identificação do consumidor e de sua conta bancária, e com isso aufere a confiança do cliente bancário. Estabelecida essa confiança, o estelionatário orienta a vítima à prática de uma série de atos através do telefone, com isso obtendo as senhas para acesso à conta bancária. Por fim, a vítima é orientada a entregar seu cartão bancário a um motoboy enviado a sua residência especialmente com essa finalidade. De posse do cartão e senha, os estelionatários passam a efetuar uma série de débitos na conta bancária da vítima, em regra até a exaustão do saldo.Somente então a vítima se dá conta da fraude. 

As ações formuladas para reconhecimento da responsabilidade civil das instituições bancárias buscam identificar a existência de fortuito interno na prática dogolpe do motoboy.O fortuito interno existiria em decorrência da prestação defeituosa dos serviços bancários, ao (i)não garantirem o sigilo das informações pessoais utilizadas no golpe. Em diversas ações, as partes também suscitam o defeito dos serviços pela (ii)falha das instituições financeiras em identificar e evitar operações inconsistentes com a movimentação normal da conta bancária. 

Dessa forma, estaria caracterizado o fortuito interno, que implica na responsabilidade da instituição financeira, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça na análise do tema repetitivo n. 466, que culminou na edição de sua Súmula 479, assim redigida:“As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”

O tema foi objeto de análise do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial n. 1.995.458, que recebeu a seguinte ementa: 

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. CONSUMIDOR. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. 

1. Ação declaratória de inexigibilidade de débito. 

2. Recurso especial interposto em 16/08/2021. Concluso ao gabinete em 25/04/2022. 

3. O propósito recursal consiste em perquirir se existe falha na prestação do serviço bancário quando o correntista é vítima do golpe do motoboy. 

4. Ainda que produtos e serviços possam oferecer riscos, estes não podem ser excessivos ou potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor. 

5. Se as transações contestadas forem feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes. 

6. A jurisprudência deste STJ consigna que o fato de as compras terem sido realizadas no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta a responsabilidade da instituição financeira. Precedentes. 

7. Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto. 

Precedentes. 

8. A vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, incorre em falha da prestação de serviço. 

9. Para a ocorrência do evento danoso, isto é, o êxito do estelionato, necessária concorrência de causas: (i) por parte do consumidor, ao fornecer o cartão magnético e a senha pessoal ao estelionatário, bem como (ii) por parte do banco, ao violar o seu dever de segurança por não criar mecanismos que obstem transações bancárias com aparência de ilegalidade por destoarem do perfil de compra do consumidor. 

10. Na hipótese, contudo, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa, razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável. 

11. Recurso especial provido. 

(REsp n. 1.995.458/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022). 

 

A leitura dos votos proferidos naquela oportunidade nos revela uma série de premissas interpretativas.A primeira delas é a virtual rejeição da primeira tese de responsabilidade acima referida, que diz respeito a eventual defeito dos serviços bancários na preservação dos dados pessoais de seus clientes.Em sua decisão, o STJ reconhece que essas informações poderiam ser obtidas em inúmeras fontes, nem sempre relacionadas à instituição financeira. Logo, para haver a responsabilidade das instituições, fundada nesse argumento, seria necessária a efetiva demonstração de que o vazamento das informações ocorreu dentro do sistema bancário. 

Contudo,o STJ admitiu que existe responsabilidade dos bancos em situações nas quais o golpe do motoboy culmina em realização de movimentações bancárias que permitem a identificação de um comportamento atípico do uso do cartão

Nesse sentido, na prática do golpe se identifica, em regra, a realização de operações bancárias que, dadas as suas características de tempo, repetição e valores, destoam completamente do uso típico do consumidor especificamente considerado. Dessa forma, seria exigido das instituições financeiras a adoção de mecanismos de controle que impedissem esse uso. A omissão na adoção de sistema de segurança eficiente implica na responsabilidade civil dos bancos. Essa é a conclusão do STJ, conforme passagem do voto condutor: 

O dever de adotar mecanismos que obstem operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores enseja, portanto, a responsabilidade do prestador de serviços, que responderá pelo risco da atividade, pois a instituição financeira precisa se precaver a fim de evitar golpes desta natureza, cada vez mais frequentes no país. 

Conforme se observa na leitura da ementa, acima transcrita, a realização de movimentações atípicas demanda a conduta concorrente do consumidor, ao fornecer a terceiro seu cartão e senha, e do prestador de serviços bancários, em sua omissão em evitar a movimentação atípica. Ainda segundo o STJ, nesse caso se aplica o disposto no art. 945 do Código Civil, que prescreve: 

Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 

Contudo, tenho que a alegação de atipicidade na movimentação bancária deve ser expressamente efetuada pela parte interessada. Nesse sentido, observo a existência de linha jurisprudencial do próprio Superior Tribunal de Justiça que impede o conhecimento de ofício pelo juiz de questões fáticas não suscitadas pelo consumidor bancário. Nesse sentido, cito a Súmula n. 381 daquele Tribunal que prescreve que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". 

Anoto que essa linha de interpretação foi reproduzida pela TNU que, ao analisar o Tema n. 331, adotou a seguinte tese: 

1. O uso indevido de cartão de débito ou crédito por terceiro, mediante fraude, constitui, em regra, fortuito interno para os fins da Súmula 479/STJ, salvo se comprovada culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor).  

2. Em princípio, a realização de operação com o uso de cartão e senha descaracteriza a responsabilidade do banco por configurar quebra do dever contratual de cuidado do cliente.  

3. Todavia, não se configura a excludente de responsabilidade se, independentemente de prévia comunicação da ocorrência pelo titular do cartão, (i) as circunstâncias em que as operações foram realizadas e o perfil do consumidor revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco; ou (ii) não restar claramente demonstrado o descumprimento consciente, pelo consumidor, do dever contratual de cuidado no uso do cartão, seja em razão do grau de sofisticação dos meios de engenharia social empregados pelos fraudadores, seja pela condição de hipervulnerabilidade da vítima. 

 

Em relação às alegações de responsabilidade civil por danos morais, decorrentes de movimentação indevida de contas bancárias, observo a existência de sólida linha jurisprudencial que não admite a presunção de danos, devendo a parte interessada alegar e comprovar a ocorrência de situação grave que indique efetiva ofensa a direito de personalidade. Pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, confira-se o seguinte precedente: 

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SAQUE INDEVIDO DE NUMERÁRIO NA CONTA CORRENTE DO AUTOR. RESSARCIMENTO DOS VALORES PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO, AFASTOU A OCORRÊNCIA DE DANO EXTRAPATRIMONIAL. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO DESPROVIDO. 

1. O saque indevido de numerário em conta corrente não configura dano moral in re ipsa (presumido), podendo, contudo, observadas as particularidades do caso, ficar caracterizado o respectivo dano se demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade do correntista. 

2. Na hipótese, o Tribunal de origem consignou, diante do conjunto fático-probatório dos autos, que o autor não demonstrou qualquer excepcionalidade a justificar a compensação por danos morais, razão pela qual nada há a ser modificado no acórdão recorrido. 

3. Recurso especial desprovido. 

(REsp n. 1.573.859/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 13/11/2017.) 

 

Por seu turno, essa linha de interpretação também vem sendo adotada pela Turma Regional de Uniformização da 3º Região, conforme demonstra o seguinte julgado, com adoção de tese: 

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. FGTS. SAQUE INDEVIDO. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE OUTROS FATOS ENSEJADORES DO DANO MORAL. 1. O saque indevido de valores depositados em conta vinculada ao FGTS não acarreta dano moral in re ipsa, ou pelo próprio fato, ao fundista. 2. Necessidade de demonstração da ocorrência de outros fatos ensejadores de lesão de ordem extrapatrimonial para a configuração do dano moral. 3. Aplicação por analogia do entendimento do STJ e da TNU quanto à ocorrência de dano moral na hipótese de saque indevido em conta bancária. 4. Jurisprudência predominante no âmbito das Turmas Recursais da 3ª Região que se encaminha por negar a configuração do dano moral in re ipsa na hipótese de saque indevido ou fraudulento de valores depositados junto ao FGTS. 5. Pedido de uniformização regional improvido, com a fixação da seguinte tese:O saque indevido de valores depositados em conta vinculada ao FGTS não configura dano moral in re ipsa, devendo ser aferida, no caso concreto, a presença de outros fatos que importem em violação significativa a algum direito da personalidade do fundista”.                                     

(TRF 3ª Região, Turma Regional de Uniformização, PUILCiv - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL - 0000187-85.2021.4.03.6326, Rel. Juiz Federal ISADORA SEGALLA AFANASIEFF, julgado em 30/11/2023, DJEN DATA: 13/12/2023) 

 

Em conclusão, observadas as especificidades dos casos concretos, as ações que versem sobre o denominadogolpe do motoboydevem observar as seguintes premissas: 

- a alegação de falha de serviços decorrente de defeito na manutenção do sigilo de informações pessoais demanda prova inequívoca de que o vazamento ocorreu nas instituições financeiras; 

- há defeito na prestação dos serviços, motivador da responsabilidade civil, quando o golpe culmina em movimentação bancária divergente do comportamento típico do uso do cartão pelo consumidor; 

- a movimentação atípica deve ser alegada e comprovada pelo consumidor; 

- em caso de movimentação atípica, a indenização deve considerar a conduta concorrente do consumidor e do prestador dos serviços bancários, nos termos do art. 945 do Código Civil; 

- não se admite a presunção de ocorrência de danos morais, sendo necessária a demonstração de situação grave que indique ofensa a direito de personalidade. 

 

Passo à análise do caso concreto

Restou incontroverso nos autos que no dia 03/08/2021, a parte autora foi vítima do golpe acima descrito,  que culminou em um débito total de R$ 32.199,88 da conta bancária da parte autora. 

Outrossim, inexiste qualquer indício de que tenha havido vazamento de informações pessoais de dentro da própria instituição financeira. 

Por seu turno, há alegação de movimentação atípica na petição inicial. O autor argumenta explicitamente que as operações realizadas no dia 03/08/2021 representavam uma clara anormalidade em relação ao seu padrão habitual de movimentação financeira.

Na petição inicial (id 307195988, pág. 3), o autor destaca:

"Logo, é absolutamente incoerente que um cliente com o perfil do autor efetue 6 saques consecutivos no prazo de poucas horas e que totaliza R$32.199,88, circunstância que evidencia claramente a anormalidade das operações, demonstrativo de que não é costume seu sacar tamanha quantia em um único dia [...]"

Para comprovar essa alegação, o autor apresentou extratos bancários demonstrando que no período de fevereiro a julho de 2021, ele sacou de sua conta poupança apenas o total de R$902,83, com média mensal de R$150,47. Também explicou que só realizou saques de maior valor em outubro e novembro de 2020 devido a uma emergência médica de sua filha.

Em sua contestação, a CEF não enfrentou diretamente a alegação de movimentação atípica. A instituição financeira concentrou sua defesa principalmente na argumentação de que as transações foram realizadas com o cartão original (com chip) e mediante uso da senha pessoal do autor, transferindo a responsabilidade para o mesmo por ter fornecido esses meios de acesso a terceiros.

A contestação (id 307196018) não aborda o padrão histórico de movimentações do autor nem analisa se as transações do dia 03/08/2021 destoavam desse padrão. A CEF limitou-se a argumentar que seu sistema antifraude "está perfeitamente ajustado para identificar transações financeiras com indícios de fraude eletrônica" (pág. 15), mas não discutiu especificamente por que as transações em questão não foram identificadas como suspeitas, apesar do valor elevado e incomum para o perfil do cliente.

Dessa forma, restou demonstrado que as movimentações impugnadas eram atípicas, o que caracteriza o fortuito interno da ré ao não conseguir detectar essa circunstância.

Dessa forma, nos termos do entendimento jurisprudencial acima referido, é possível constatar a conduta defeituosa da instituição financeira, em face à sua omissão em detectar a movimentação atípica das contas bancárias da parte autora. 

Por seu turno, está também caracterizada a conduta concorrente da parte autora. A idade da parte autora, de forma isolada, não pode ser considerada como motivo para atribuição de responsabilidade exclusiva da instituição financeira. Para tanto, se exige que, além de ser pessoa idosa, a parte autora demonstre uma especial vulnerabilidade que justifique isentá-la totalmente das consequências existentes no caso concreto. Neste feito não se observa qualquer circunstância nesse sentido. 

Assim sendo, a ré deve arcar com indenização por danos materiais, consistente em metade dos valores ilegalmente subtraídos das contas, qual seja R$ 16.099,94. 

Contudo, mesma sorte não socorre a parte autora em relação ao pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais. 

Nesse sentido, na sua petição inicial o autor fundamenta seu pedido de danos morais com base no evidente desconforto psicológico resultante das operações desconhecidas realizadas em sua conta poupança e nos transtornos que extrapolaram a esfera patrimonial.

Ora, a parte autora fundamenta esse ponto do pedido na evidência do dano moral decorrente da situação fática analisada, ou seja, na presunção de ocorrência de ofensa à direitos da personalidade. Essa linha de argumentação não pode ser acolhida, conforme fundamentação acima exposta. A ausência de alegação e comprovação de situação de evidente e grave ofensa à direitos de personalidade impedem o reconhecimento da responsabilidade da ré neste ponto.

 

Face ao exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso da parte autora, para condenar a ré apenas ao pagamento de indenização por danos materiais, no montante de R$ 16.099,94, com correção monetária e juros de mora calculados nos termos do Manual de Cálculos vigente ao tempo da execução.

Sem condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais por não haver recorrente totalmente vencido.   

É o voto.  

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 0022079-22.2021.4.03.6303

RELATOR: 8º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: JOSE NUNES RESENDE FILHO

Advogado do(a) RECORRENTE: MARY HELEN MATTIUZZO - SP249385-A

RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) RECORRIDO: DIEGO ROBERTO PINHEIRO FERREIRA - RJ197835-A, ERIKA CHIARATTI MUNHOZ MOYA - SP132648-A, RAIRA VLAXIO AZEVEDO - RO7994-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

VOTO - EMENTA

QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS - RESPONSABILIDADE CIVIL – SENTENÇA IMPROCEDENTE – RECURSO DA PARTE AUTORA –  OPERAÇÕES REALIZADAS MEDIANTE FRAUDE – FATO DE TERCEIRO – APLICAÇÃO DO TEMA 331 DA TNU – CIRCUNSTÂNCIAS PARA AFASTAR AS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMONSTRADAS – REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES QUE FOGEM AO PERFIL DO CONSUMIDOR – PARTE AUTORA PESSOA IDOSA E VULNERÁVEL- SENTENÇA REFORMADA – CARACTERIZADO DANO MATERIAL E MORAL - RECURSO PROVIDO EM PARTE

Trata-se de recurso interposto pela PARTE AUTORA em face de sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e/ou morais decorrentes de operações indevidas ocorridas em sua conta bancária da parte autora.

A prestação de serviços bancários estabelece entre os bancos e seus clientes uma relação de consumo, nos termos do art. 3º, §2º, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), sendo assim regulada pelo artigo 14 dessa lei, segundo o qual “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos”.

Portanto, a responsabilidade civil das instituições financeiras por danos causados a seus clientes é de natureza objetiva, prescindindo da existência de dolo ou culpa.

Nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, as instituições financeiras respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados em decorrência do exercício de sua atividade.

Trata-se da teoria do risco profissional, fundada no pressuposto de que o banco assume os riscos pelos danos que vier a causar a terceiros ao exercer atividade com fins lucrativos. Para essa teoria, basta o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano para que exista a obrigação de indenizar.

Assim, a questão de direito refere-se ao nexo causal existente entre a atuação da ré e o dano sofrido pela parte autora.

No caso em tela, a parte autora alega que não realizou as transações objeto de questionamento.

A sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos seguintes fundamentos:

 “ Trata-se de ação de indenização por dano material. 

Dispensado o relatório (Lei 9.099/1995, artigo 38). 

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação. 

Não havendo necessidade de dilação probatória, passo ao exame do mérito (CPC, 355, I). 

Em se tratando de ação em que a parte autora busca reparação por danos materiais e/ou danos morais, é aplicável o instituto da Responsabilidade Civil.

Seus fundamentos podem ser extraídos, em sede constitucional, do art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal de 1988.

Art. 5º, V, CF - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

Art. 5, X, CF - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Em nível infraconstitucional, a responsabilidade civil é tratada pelo Código Civil de forma específica em seu Título IX - Da Responsabilidade Civil (art. 927 a 954):

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

(...)

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nos termos dos dispositivos legais acima, observa-se que os requisitos básicos da responsabilidade civil são a ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo causal e dano. Assim, a prova, nas ações fundadas em responsabilidade civil, deve alcançar estes quatro elementos.

Cabe consignar, ainda, que, nos casos em que discute a responsabilização de instituições bancárias por serviço por elas prestados, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor, nos termos do que dispõe o seu art. 3º, §2º:

 Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

(...)

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

A relação entre a parte autora e a CEF é de consumo. Transcreve-se o Enunciado de Súmula do STJ:

Súmula 297 – o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

Segundo o Código de Defesa do Consumidor (CDC), o fornecedor responde objetivamente por fato do produto ou do serviço.

A responsabilidade civil dos fornecedores de serviços, como no caso daqueles de natureza bancária, apresenta-se como objetiva, nos termos do que dispõe o caput e §1º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - o modo de seu fornecimento;

II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi fornecido.

A responsabilidade objetiva se aplica a teoria do risco empresarial, segundo a qual todo aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens ou serviços tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. Em outras palavras, provado o dano e o nexo de causalidade entre a atividade empresarial e o dano, há o dever de indenizar.

Porém, existe o rompimento desse nexo de causalidade, nas relações consumeristas, quando ficar demonstrada a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, consoante consta no §3º do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...)

§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Cabe consignar, ainda, o Enunciado da Súmula n.º 479 do STJ:

Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.

Passa-se ao caso concreto.

Consoante consta na peça inicial, a parte autora, alega ter sofrido o “golpe do motoboy”.

Vê-se que a atuação do terceiro para obter cartões e senha da parte autora se deu fora das dependências do banco e da atividade bancária. Logo, trata-se de fortuito externo.

A parte autora sustenta que houve falha na prestação do serviço, pois a Instituição financeira assume por conta e risco, guardar e proteger os valores depositados em conta poupança, bem como deveria ter alertado sobre movimentação atípica em sua conta.

Ocorre, contudo, que, consoante a parte autora narra na inicial, fica demonstrado que foi vítima de fraude perpetrada por terceiros, popularmente denominada “golpe do motoboy”, em que a correntista, acreditando seguir orientações idôneas da instituição financeira, acaba por entregar seu cartão bancário a golpistas, na ilusão de que se trata de procedimento de segurança bancário, que foi posteriormente utilizado mediante uso de sua senha pessoal.

Dessa forma, no caso concreto, não ficou demonstrado o defeito do serviço, mas sim a excludente de responsabilidade relativa ao fortuito externo à atividade empresarial. A jurisprudência tem sinalizado para a falta de responsabilidade do banco:

DIREITO DO CONSUMIDOR E PROCESSUAL CIVIL. “GOLPE DO MOTOBOY”. FATO DE TERCEIRO. CULPA DO AUTOR AO ENTREGAR CARTÃO BANCÁRIO A SUPOSTO MENSAGEIRO DO BANCO. TRANSAÇÕES EM VALORES SUPERIORES AOS LIMITES DIÁRIOS E INCOMPATÍVEIS COM O COMPORTAMENTO FINANCEIRO DO AUTOR. DEFEITO NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO BANCÁRIO. CULPA CONCORRENTE DO BANCO RÉU.

1. Pretende a parte autora a condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais e morais que entende ter sofrido em razão de fraude bancária.

2. A narrativa trazida aos autos elucida a dinâmica daquilo que vem sido conhecido como "golpe do motoboy": alguém liga para as possíveis vítimas se passando por funcionário do banco e, ao final do engodo, convence-a a entregar um cartão para um suposto emissário desse banco; de posse do cartão e de informações pessoais da vítima, os criminosos fazem diversas transações em seu nome.

3. Se o próprio cliente entrega seu cartão e dados pessoais a terceiro – e isso se revela suficiente para que o golpe aconteça -, não há que se falar em responsabilidade civil do banco, porquanto se está diante de hipótese de culpa exclusiva de terceiros, sem que sequer seja possível ao banco evitar a fraude, na forma do artigo 14, § 3º do Código de Defesa do Consumidor. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

4. Nada obstante, constatado que eventual defeito na prestação do serviço bancário contribuiu para possibilitar a concretização do golpe, há de se reconhecer a culpa concorrente entre o consumidor e a casa bancária. Precedentes desta Corte e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

5. É de se esperar da pessoa média que mora em grandes centros urbanos, como é o caso dos autores, que desconfie de pessoas que dizem que um emissário irá retirar o seu cartão bancário em sua residência. É fato notório que os bancos não retiram cartão na casa do cliente.

6. Houve culpa de terceiro e dos autores ao fornecerem cartão bancário para pessoa que se passou por funcionário da requerida, configurando-se fortuito externo ao serviço bancário, já que os fatos se passaram fora da órbita de atuação da requerida.

7. Demonstrado que as transações nas contas dos autores foram superiores aos limites diários e que a compra efetuada com o cartão de crédito de um deles foi significativamente incompatível com o uso que o autor vinha regularmente fazendo, configurada está a culpa concorrente do banco réu, uma vez que o serviço bancário não apresentou a segurança que dele razoavelmente se espera (art. 14, § 1°, II, do CDC).

8. Ante o similar grau de culpa dos autores e da instituição financeira, fica esta condenada ao ressarcimento de metade dos valores aqui discutidos. Art. 945 do Código Civil.

9. Em que pese os valores subtraídos dos autores serem elevados, não houve prova de que isso tenha importado em desdobramentos relevantes o suficiente para configurar um dano moral, especialmente porque suas contas bancárias continuaram com bom saldo positivo, sem que lhes tenham sido impostas dificuldades financeiras. Pedido de indenização por dano moral rejeitado.

10. Apelação parcialmente provida para condenar a ré a indenizar o autor em R$ 50.990,50 (cinquenta mil, novecentos e noventa reais e cinquenta centavos), bem como ao pagamento de metade das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação.

(TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5034241-88.2021.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, julgado em 03/02/2023, DJEN DATA: 08/02/2023 – grifou-se)

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PROCESSUAL CIVIL. CONSUMIDOR. SAQUES. EMPRÉSTIMOS. TRANSFERÊNCIA DE VALORES. NEGLIGÊNCIA DO TITULAR DA CONTA NA UTILIZAÇÃO DO CARTÃO MAGNÉTICO E PROTEÇÃO DA SENHA DE USO PESSOAL. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. INOCORRÊNCIA DE DANO MATERIAL OU MORAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA INDEVIDA. - As transações impugnadas decorreram de culpa exclusiva da autora, que não teve o devido cuidado na guarda do cartão magnético e na proteção da senha de uso pessoa, sendo que cabe ao correntista guardar em segredo sua senha e zelar pela utilização devida do cartão magnético.Houve movimentação das contas bancárias através do cartão magnético que a própria autora entregou para um motoboy, ainda que de boa-fé, sendo que o acesso à senha do cartão se deu por comportamento culposo da vítima, ou, ao menos, de modo que não pode ser imputado à CEF.- Não há evidência de que o serviço prestado pelo banco tenha sido defeituoso, de alguma forma. Não restou demonstrada nos autos a conduta ilícita da ré a ser indenizada. - Honorários advocatícios fixados, em desfavor da autora, em 10% sobre o valor dado à causa, restando suspensa a sua cobrança nos termos do artigo 98 do CPC. -Sentença reformada. Apelo provido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5029776-41.2018.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/03/2020 – grifou-se)

Portanto, não se verifica configurada, no caso concreto, falha na prestação de serviço por parte da instituição financeira Ré.

Com efeito, as provas produzidas no feito são suficientes para indicar que a parte autora foi vítima do denominado “golpe do motoboy”, ausentes elementos que caracterizem a falha na prestação de serviços pela Ré Caixa Econômica Federal, nos termos da fundamentação.

Portanto, por todo o acima analisado, não há que se falar, no caso em tela, de falha na segurança do sistema bancário, e por conseguinte, falha na prestação de serviço, sendo a improcedência dos pedidos iniciais a medida que se impõe.

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido da parte autora, resolvendo o mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. 

Defiro à parte autora os benefícios da gratuidade da Justiça. 

Sem custas ou honorários nesta instância (Lei 9.099/1995, artigo 55). 

Havendo recurso tempestivo, intime-se a parte recorrida para contra-arrazoar no prazo de 10 (dez) dias. Transcorrido o prazo, remetam-se os autos virtuais à Turma Recursal. 

Com o trânsito em julgado da sentença, nada mais sendo requerido, proceda-se à baixa e arquivamento destes autos. 

Registro eletrônico. Publique-se. Intimem-se. 

Campinas, SP, na data atribuída pela assinatura eletrônica.”

 

No caso, deve ser aplicado o Tema 331 da TNU: “1. O uso indevido de cartão de débito ou crédito por terceiro, mediante fraude, constitui, em regra, fortuito interno para os fins da Súmula 479/STJ, salvo se comprovada culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor). 2. Em princípio, a realização de operação com o uso de cartão e senha descaracteriza a responsabilidade do banco por configurar quebra do dever contratual de cuidado do cliente. 3. Todavia, não se configura a excludente de responsabilidade se, independentemente de prévia comunicação da ocorrência pelo titular do cartão, (i) as circunstâncias em que as operações foram realizadas e o perfil do consumidor revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco; ou (ii) não restar claramente demonstrado o descumprimento consciente, pelo consumidor, do dever contratual de cuidado no uso do cartão, seja em razão do grau de sofisticação dos meios de engenharia social empregados pelos fraudadores, seja pela condição de hipervulnerabilidade da vítima.”

Conforme os fatos descritos na petição inicial a parte autora foi vítima de golpe perpetrado por terceiros e fora da agência bancária, que conseguiram obter os dados necessários para a realização da fraude.

Contudo, se constata nos autos a presença de circunstâncias para afastar as excludentes de responsabilidade da instituição financeira.

A parte autora comprova que foram realizados, em curto espaço de tempo, várias operações que esvaziaram a conta bancária da parte autora, o que foge ao perfil do consumidor e revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco.

Além disso, a parte autora é pessoa idosa e de origem simples, o que indica a hipervulnerabilidade da vítima.

Portanto, demonstrado o nexo causal existente entre a atuação da ré e o dano sofrido pela parte autora, devendo ser ressarcido o dano material sofrido.

Com relação aos danos morais, curvo-me ao em entendimento de que “o dano moral, nos casos de saques indevidos, é presumido, desde que provada a ocorrência do fato danoso, somente podendo ser afastado de forma fundamentada, com base em provas em contrário, consideradas as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto posto em julgamento”.(PEDILEF 200971590012972, Relator JUIZ FEDERAL HERCULANO MARTINS NACIF, DOU 22/03/2013).

A fixação do dano moral deve ser feita levando em conta o seu caráter ressarcitório bem como o sua função punitiva, levando em consideração as vicissitudes do caso concreto, a gravidade dos fatos, a conduta do réu e até mesmo se o dano decorre da responsabilidade objetiva ou de ato doloso ou culposo.

Segundo orientação jurisprudencial, o juiz deve fixar os danos morais de forma moderada, levando em consideração a situação econômica das partes, evitando-se o enriquecimento sem causa da vítima.

Levando em conta tais aspectos, fixo o valor da indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

 

Recurso da parte autora provido em parte para reformar a r. sentença recorrida e julgar parcialmente procedente o pedido formulado inicial e condenar a CEF ao pagamento dos danos materiais sofridos, no valor de  R$ 32.199,88 (trinta e dois mil, cento e noventa e nove reais e oitenta e oito centavos), bem como ao pagamento de compensação por dano moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os valores devidos deverão ser apresentados na fase de execução. Juros de mora e correção monetária nos termos da Resolução nº 134/2010 do CJF com a alteração dada pela Resolução nº 267/2013 e demais alterações posteriores.

Sem condenação em honorários, tendo em vista o disposto no art. 55 da Lei nº 9.099/95.

Sem condenação em honorários, tendo em vista o disposto no art. 55 da Lei nº 9.099/95.

 

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

Direito Civil e Consumidor. Recurso Inominado. Responsabilidade Civil Bancária. "Golpe do Motoboy". Fortuito Interno. Movimentação Atípica. Recurso Parcialmente Provido.

I. Caso em exame

  1. Recurso inominado contra sentença que julgou improcedente pedido de indenização por danos materiais e morais em razão de fraude perpetrada por terceiros através do "golpe do motoboy", que resultou na subtração de R$ 32.199,88 da conta bancária do autor.

II. Questão em discussão

2. A questão em discussão consiste em saber se a instituição financeira deve responder por danos materiais e morais decorrentes do "golpe do motoboy", especialmente quando as operações realizadas são atípicas em relação ao perfil do consumidor.

III. Razões de decidir

3. As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes praticadas por terceiros no âmbito de operações bancárias, nos termos da Súmula 479 do STJ e do Tema 331 da TNU. 4. A movimentação atípica das contas bancárias foi devidamente alegada e comprovada pelo autor, que demonstrou que os saques realizados no dia da fraude totalizaram R$ 32.199,88, valor incompatível com seu histórico de movimentação bancária. 5. A instituição financeira falhou em seu dever de segurança ao não detectar e impedir operações visivelmente atípicas em relação ao padrão de uso do cliente. 6. A conduta concorrente do autor, ao fornecer cartão e senha a terceiros, enseja a redução do valor da indenização por danos materiais pela metade, nos termos do art. 945 do Código Civil. 7. O pedido de danos morais não merece acolhida, pois não houve alegação e comprovação de situação grave que indique ofensa a direito de personalidade, sendo insuficiente a mera invocação de presunção de dano.

IV. Dispositivo e tese

8. Recurso parcialmente provido para condenar a CEF ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 16.099,94, correspondente a metade do valor total subtraído.

Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 3º, §2º, e 14; CC, art. 945; Lei nº 9.099/95, arts. 38 e 55.

Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.995.458/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 9/8/2022; STJ, Súmula 297; STJ, Súmula 479; TNU, Tema 331; TRF 3ª Região, PUILCiv 0000187-85.2021.4.03.6326, Rel. Juíza Federal Isadora Segalla Afanasieff, j. 30/11/2023.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Terceira Turma, por maioria, vencida a Relatora originária, Dra. Nilce Cristina Petris de Paiva, que dava parcial provimento ao recurso, e o Juiz Federal, Dr. David Rocha Lima de Magalhães e Silva, que negava provimento ao recurso, deu parcial provimento ao recurso da Parte Autora em menor extensão, nos termos do voto médio do Relator designado, Dr. Leonardo José Corrêa Guarda., nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEONARDO JOSE CORREA GUARDA
Juiz Federal