RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004698-22.2022.4.03.6321
RELATOR: 8º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: CARLOS EDUARDO DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: FELIPE ALEJANDRO VIEIRA DO NASCIMENTO - SP375060-A
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004698-22.2022.4.03.6321 RELATOR: 8º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: CARLOS EDUARDO DOS SANTOS Advogado do(a) RECORRENTE: FELIPE ALEJANDRO VIEIRA DO NASCIMENTO - SP375060-A RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado nos termos do artigo 38 da Lei 9.099/95. São Paulo, 28 de março de 2025.
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
VOTO VENCEDOR Inicialmente, faz-se necessário reafirmar a plena aplicabilidade das disposições do Código de Defesa do Consumidor às relações nas quais as instituições financeiras ocupem a posição de fornecedores. Nesse sentido dispõe a Súmula n. 297 do STJ, segundo a qual “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. Ademais, a matéria já não comporta discussão desde a decisão proferida na ADIN n. 2591, na qual o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 3º, § 2º do CDC, em especial a menção desse dispositivo legal às operações de “natureza bancária”. Nessa linha de raciocínio, as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados a seus clientes decorrentes de defeitos relativos à prestação de seus serviços. Neste sentido prevê, expressamente, o art. 14 do CDC, que tem a seguinte redação: Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1.º O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I – o modo de seu fornecimento; II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III – a época em que foi fornecido. § 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas. § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Além dessas colocações preliminares, anoto que o Superior Tribunal de Justiça, em ocasião em que se julgava especificamente a responsabilidade civil das instituições financeiras nas situações do denominado “golpe do motoboy” (REsp n. 1.995.458), entendeu que existe a referida responsabilidade em situações que, ainda que não esteja constatado o fortuito interno, a atipicidade das movimentações bancárias impugnadas é de tal monta que demandaria a adoção de procedimentos de segurança pelo prestador dos serviços bancários. Confira-se a ementa do julgado: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIBILIDADE DE DÉBITO. CONSUMIDOR. GOLPE DO MOTOBOY. RESPONSABILIDADE CIVIL. USO DE CARTÃO E SENHA. DEVER DE SEGURANÇA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. 1. Ação declaratória de inexigibilidade de débito. 2. Recurso especial interposto em 16/08/2021. Concluso ao gabinete em 25/04/2022. 3. O propósito recursal consiste em perquirir se existe falha na prestação do serviço bancário quando o correntista é vítima do golpe do motoboy. 4. Ainda que produtos e serviços possam oferecer riscos, estes não podem ser excessivos ou potencializados por falhas na atividade econômica desenvolvida pelo fornecedor. 5. Se as transações contestadas forem feitas com o cartão original e mediante uso de senha pessoal do correntista, passa a ser do consumidor a incumbência de comprovar que a instituição financeira agiu com negligência, imprudência ou imperícia ao efetivar a entrega de numerário a terceiros. Precedentes. 6. A jurisprudência deste STJ consigna que o fato de as compras terem sido realizadas no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta a responsabilidade da instituição financeira. Precedentes. 7. Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço (proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto. Precedentes. 8. A vulnerabilidade do sistema bancário, que admite operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores, viola o dever de segurança que cabe às instituições financeiras e, por conseguinte, incorre em falha da prestação de serviço. 9. Para a ocorrência do evento danoso, isto é, o êxito do estelionato, necessária concorrência de causas: (i) por parte do consumidor, ao fornecer o cartão magnético e a senha pessoal ao estelionatário, bem como (ii) por parte do banco, ao violar o seu dever de segurança por não criar mecanismos que obstem transações bancárias com aparência de ilegalidade por destoarem do perfil de compra do consumidor. 10. Na hipótese, contudo, verifica-se que o consumidor é pessoa idosa, razão pela qual a imputação de responsabilidade há de ser feita sob as luzes do Estatuto do Idoso e da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos, sempre considerando a sua peculiar situação de consumidor hipervulnerável. 11. Recurso especial provido. (REsp n. 1.995.458/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022). A leitura dos votos proferidos naquela oportunidade nos revela uma série de premissas interpretativas.A primeira delas é a virtual rejeição da primeira tese de responsabilidade acima referida, que diz respeito a eventual defeito dos serviços bancários na preservação dos dados pessoais de seus clientes.Em sua decisão, o STJ reconhece que essas informações poderiam ser obtidas em inúmeras fontes, nem sempre relacionadas à instituição financeira. Logo, para haver a responsabilidade das instituições, fundada nesse argumento, seria necessária a efetiva demonstração de que o vazamento das informações ocorreu dentro do sistema bancário. Contudo,o STJ admitiu que existe responsabilidade dos bancos em situações nas quais o golpe do motoboy culmina em realização de movimentações bancárias que permitem a identificação de um comportamento atípico do uso do cartão. Nesse sentido, na prática do golpe se identifica, em regra, a realização de operações bancárias que, dadas as suas características de tempo, repetição e valores, destoam completamente do uso típico do consumidor especificamente considerado. Dessa forma, seria exigido das instituições financeiras a adoção de mecanismos de controle que impedissem esse uso. A omissão na adoção de sistema de segurança eficiente implica na responsabilidade civil dos bancos. Essa é a conclusão do STJ, conforme passagem do voto condutor: O dever de adotar mecanismos que obstem operações totalmente atípicas em relação ao padrão de consumo dos consumidores enseja, portanto, a responsabilidade do prestador de serviços, que responderá pelo risco da atividade, pois a instituição financeira precisa se precaver a fim de evitar golpes desta natureza, cada vez mais frequentes no país. Conforme se observa na leitura da ementa, acima transcrita, a realização de movimentações atípicas demanda a conduta concorrente do consumidor, ao fornecer a terceiro seu cartão e senha, e do prestador de serviços bancários, em sua omissão em evitar a movimentação atípica. Ainda segundo o STJ, nesse caso se aplica o disposto no art. 945 do Código Civil, que prescreve: Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Contudo, tenho que a alegação de atipicidade na movimentação bancária deve ser expressamente efetuada pela parte interessada. Nesse sentido, observo a existência de linha jurisprudencial do próprio Superior Tribunal de Justiça que impede o conhecimento de ofício pelo juiz de questões fáticas não suscitadas pelo consumidor bancário. Nesse sentido, cito a Súmula n. 381 daquele Tribunal que prescreve que “nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas". Anoto que essa linha de interpretação foi reproduzida pela TNU que, ao analisar o Tema n. 331, adotou a seguinte tese: 1. O uso indevido de cartão de débito ou crédito por terceiro, mediante fraude, constitui, em regra, fortuito interno para os fins da Súmula 479/STJ, salvo se comprovada culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor). 2. Em princípio, a realização de operação com o uso de cartão e senha descaracteriza a responsabilidade do banco por configurar quebra do dever contratual de cuidado do cliente. 3. Todavia, não se configura a excludente de responsabilidade se, independentemente de prévia comunicação da ocorrência pelo titular do cartão, (i) as circunstâncias em que as operações foram realizadas e o perfil do consumidor revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco; ou (ii) não restar claramente demonstrado o descumprimento consciente, pelo consumidor, do dever contratual de cuidado no uso do cartão, seja em razão do grau de sofisticação dos meios de engenharia social empregados pelos fraudadores, seja pela condição de hipervulnerabilidade da vítima. Em relação às alegações de responsabilidade civil por danos morais, decorrentes de movimentação indevida de contas bancárias, observo a existência de sólida linha jurisprudencial que não admite a presunção de danos, devendo a parte interessada alegar e comprovar a ocorrência de situação grave que indique efetiva ofensa a direito de personalidade. Pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, confira-se o seguinte precedente: RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. SAQUE INDEVIDO DE NUMERÁRIO NA CONTA CORRENTE DO AUTOR. RESSARCIMENTO DOS VALORES PELA INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, DIANTE DAS PECULIARIDADES DO CASO, AFASTOU A OCORRÊNCIA DE DANO EXTRAPATRIMONIAL. MANUTENÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. RECURSO DESPROVIDO. 1. O saque indevido de numerário em conta corrente não configura dano moral in re ipsa (presumido), podendo, contudo, observadas as particularidades do caso, ficar caracterizado o respectivo dano se demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade do correntista. 2. Na hipótese, o Tribunal de origem consignou, diante do conjunto fático-probatório dos autos, que o autor não demonstrou qualquer excepcionalidade a justificar a compensação por danos morais, razão pela qual nada há a ser modificado no acórdão recorrido. 3. Recurso especial desprovido. (REsp n. 1.573.859/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 7/11/2017, DJe de 13/11/2017.) Por seu turno, essa linha de interpretação também vem sendo adotada pela Turma Regional de Uniformização da 3º Região, conforme demonstra o seguinte julgado, com adoção de tese: PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. FGTS. SAQUE INDEVIDO. AUSÊNCIA DE DANO MORAL IN RE IPSA. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE OUTROS FATOS ENSEJADORES DO DANO MORAL. 1. O saque indevido de valores depositados em conta vinculada ao FGTS não acarreta dano moral in re ipsa, ou pelo próprio fato, ao fundista. 2. Necessidade de demonstração da ocorrência de outros fatos ensejadores de lesão de ordem extrapatrimonial para a configuração do dano moral. 3. Aplicação por analogia do entendimento do STJ e da TNU quanto à ocorrência de dano moral na hipótese de saque indevido em conta bancária. 4. Jurisprudência predominante no âmbito das Turmas Recursais da 3ª Região que se encaminha por negar a configuração do dano moral in re ipsa na hipótese de saque indevido ou fraudulento de valores depositados junto ao FGTS. 5. Pedido de uniformização regional improvido, com a fixação da seguinte tese: “O saque indevido de valores depositados em conta vinculada ao FGTS não configura dano moral in re ipsa, devendo ser aferida, no caso concreto, a presença de outros fatos que importem em violação significativa a algum direito da personalidade do fundista”. (TRF 3ª Região, Turma Regional de Uniformização, PUILCiv - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI CÍVEL - 0000187-85.2021.4.03.6326, Rel. Juiz Federal ISADORA SEGALLA AFANASIEFF, julgado em 30/11/2023, DJEN DATA: 13/12/2023) Em conclusão, observadas as especificidades dos casos concretos, as ações que versem sobre saques indevidos de contas bancárias devem observar as seguintes premissas: - a alegação de falha de serviços decorrente de defeito na manutenção do sigilo de informações pessoais demanda prova inequívoca de que o vazamento ocorreu nas instituições financeiras; - há defeito na prestação dos serviços, motivador da responsabilidade civil, quando o golpe culmina em movimentação bancária divergente do comportamento típico do uso do cartão pelo consumidor; - a movimentação atípica deve ser alegada e comprovada pelo consumidor; - em caso de movimentação atípica, a indenização deve considerar a conduta concorrente do consumidor e do prestador dos serviços bancários, nos termos do art. 945 do Código Civil; - não se admite a presunção de ocorrência de danos morais, sendo necessária a demonstração de situação grave que indique ofensa a direito de personalidade. Passo à análise do caso concreto. Divirjo parcialmente do voto da E. Relatora sorteada. Inicialmente, acompanho integralmente o voto da E. Relatora no ponto em que reconhece a existência de responsabilidade civil da ré pelos danos materiais, com fundamento na ocorrência de movimentação atípica. Contudo, divirjo no valor da indenização nesse ponto. Se por um lado a instituição financeira falhou ao não identificar a operação atípica, por outro, não se pode ignorar que o autor contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento danoso ao fornecer seus dados pessoais e credenciais bancárias aos fraudadores. Conforme narrado na própria petição inicial, o autor, ao receber mensagem SMS supostamente enviada pela ré, entrou em contato com o número telefônico indicado na mensagem e, seguindo orientações de pessoa que se apresentou como funcionária da CEF, compareceu ao terminal de autoatendimento e realizou procedimentos que culminaram com a autorização da transação contestada. A conduta do autor revela inobservância do dever de cautela que deve pautar as relações bancárias, especialmente no ambiente digital. As instituições financeiras, de modo reiterado, alertam seus clientes sobre a importância de não compartilhar dados e senhas bancárias, bem como sobre a circunstância de que funcionários de bancos jamais solicitam tais informações por telefone ou mensagens. Está caracterizada, portanto, a culpa concorrente do autor para a ocorrência do evento danoso, na medida em que sua conduta imprudente, ao fornecer informações sigilosas a terceiros, possibilitou a efetivação da fraude. Esse o entendimento existente na jurisprudência, acima referido. Assim sendo, estipulo o valor da indenização por danos materiais para metade do valor indevidamente debitado, ou seja, R$ 9.200,00. Por fim, divirjo da E. Relatora no ponto em que manteve a condenação por danos morais, conforme fundamentação acima exposta. No que concerne aos danos morais, embora o autor sustente seu caráter presumido, tal entendimento não encontra respaldo na jurisprudência dominante para casos como o dos autos. O mero dissabor decorrente de prejuízo patrimonial, por si só, não configura dano moral indenizável. Para que se configure o dano moral é necessária a ocorrência de situação excepcional que ultrapasse o mero aborrecimento cotidiano, afetando direitos da personalidade do indivíduo. No caso em apreço, não restaram demonstrados elementos que evidenciem que o autor tenha sofrido abalo emocional ou psicológico capaz de caracterizar ofensa à sua dignidade. Face ao exposto, voto no sentido de dar parcial provimento ao recurso da parte autora para condenar a ré ao pagamento apenas de indenização por danos materiais no montante de R$ 9.200,00, com juros de mora e correção monetária calculados nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente ao tempo da execução. Sem condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais por não haver recorrente totalmente vencido. É o voto.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5004698-22.2022.4.03.6321
RELATOR: 8º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: CARLOS EDUARDO DOS SANTOS
Advogado do(a) RECORRENTE: FELIPE ALEJANDRO VIEIRA DO NASCIMENTO - SP375060-A
RECORRIDO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
PROCURADOR: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
VOTO - EMENTA
QUALIDADE DE PRODUTOS E SERVIÇOS, PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS - RESPONSABILIDADE CIVIL – SENTENÇA IMPROCEDENTE – RECURSO DA PARTE AUTORA – OPERAÇÕES REALIZADAS MEDIANTE FRAUDE – FATO DE TERCEIRO – APLICAÇÃO DO TEMA 331 DA TNU – CIRCUNSTÂNCIAS PARA AFASTAR AS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMONSTRADAS – REALIZAÇÃO DE OPERAÇÕES QUE FOGEM AO PERFIL DO CONSUMIDOR – FRAUDE PERPRETADA MEDIANTE MEIOS DE ENGENHARIA SOCIAL SOFISTICADOS E DESCONHECIDOS DO GRANDE PÚBLICO À ÉPOCA DOS FATOS – SENTENÇA REFORMADA – CARACTERIZADO DANO MATERIAL E MORAL - RECURSO PROVIDO EM PARTE
Trata-se de recurso interposto pela PARTE AUTORA em face de sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por danos materiais e/ou morais decorrentes de operações indevidas ocorridas em sua conta bancária da parte autora.
A prestação de serviços bancários estabelece entre os bancos e seus clientes uma relação de consumo, nos termos do art. 3º, §2º, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), sendo assim regulada pelo artigo 14 dessa lei, segundo o qual “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos”.
Portanto, a responsabilidade civil das instituições financeiras por danos causados a seus clientes é de natureza objetiva, prescindindo da existência de dolo ou culpa.
Nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, as instituições financeiras respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados em decorrência do exercício de sua atividade.
Trata-se da teoria do risco profissional, fundada no pressuposto de que o banco assume os riscos pelos danos que vier a causar a terceiros ao exercer atividade com fins lucrativos. Para essa teoria, basta o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano para que exista a obrigação de indenizar.
Assim, a questão de direito refere-se ao nexo causal existente entre a atuação da ré e o dano sofrido pela parte autora.
No caso em tela, a parte autora alega que não realizou as transações objeto de questionamento.
A sentença de primeiro grau julgou improcedente o pedido com base nos seguintes fundamentos:
“ Dispensado o relatório, nos termos da Lei nº 9.099/95.
DECIDO.
Não havendo preliminares a analisar, passo ao mérito.
Inicialmente, cumpre recordar que a responsabilidade civil das instituições financeiras por danos causados aos seus clientes é de natureza objetiva, prescindindo, portanto, da existência de dolo ou culpa.
Ademais, a prestação de serviços bancários estabelece entre os bancos e seus clientes relação de consumo, nos termos do art. 3º, § 2º, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).
Aplica-se à espécie o disposto no art. 14 dessa lei, segundo o qual “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua função e riscos”.
Também o Código Civil, no art. 927, parágrafo único, determina que as instituições financeiras respondem, independentemente de culpa, pelos danos causados em decorrência do exercício de sua atividade.
Trata-se da teoria do risco profissional, fundada no pressuposto de que o banco assume os riscos pelos danos que vier a causar a terceiros ao exercer atividade com fins lucrativos. Para essa teoria, basta o nexo causal entre a ação ou omissão e o dano para que exista a obrigação de indenizar.
No caso dos autos, a parte autora não se desincumbiu de seu ônus de demonstrar qualquer conduta ilícita da ré ou mesmo o nexo causal entre seus alegados prejuízos e o comportamento da requerida.
Da documentação acostada, depreende-se que a parte requerente foi vítima de um golpe. O fato de terceiros terem eventualmente usado o nome da CEF para realização de prática criminosa não permite que se conclua por conduta irregular e lesiva por parte da instituição.
Na hipótese, tem-se culpa exclusiva de terceiros, isto é, aqueles que tomaram posse ou de informações do cartão da autora e se utilizaram disso para realizar débitos/empréstimos em seu desfavor.
Nesse aspecto, a demandada não detinha qualquer ingerência sobre a atuação dos supostos fraudadores. Sua responsabilidade resta excluída, nos termos do art. 14, §3º, II, do Código de Defesa do Consumidor.
Nessa situação, não restam configurados os elementos ensejadores de indenização material.
Com relação ao dano moral, atualmente, com base nos princípios fundamentais constantes da Constituição da República (artigos 1º a 4º), tem-se que corresponde à violação ao dever de respeito à dignidade da pessoa humana. Constitui, portanto, agressão a um ou mais direitos da personalidade, previstos nos artigos 11 a 20, do Código Civil de 2002.
Em análise dos documentos acostados, não se verifica dano dessa ordem apto a ensejar reparação moral, que tenha sido perpetrado diretamente pela requerida.
Dessa forma, não há margem para a procedência dos pedidos.
Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na inicial, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Sem honorários advocatícios e custas nesta instância judicial.
Defiro a gratuidade de justiça, nos moldes dos arts. 98 e seguintes do CPC.
Oportunamente, certificado o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
Sentença registrada eletronicamente. Intimem-se.”
No caso, deve ser aplicado o Tema 331 da TNU: “1. O uso indevido de cartão de débito ou crédito por terceiro, mediante fraude, constitui, em regra, fortuito interno para os fins da Súmula 479/STJ, salvo se comprovada culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (art. 14, § 3º, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor). 2. Em princípio, a realização de operação com o uso de cartão e senha descaracteriza a responsabilidade do banco por configurar quebra do dever contratual de cuidado do cliente. 3. Todavia, não se configura a excludente de responsabilidade se, independentemente de prévia comunicação da ocorrência pelo titular do cartão, (i) as circunstâncias em que as operações foram realizadas e o perfil do consumidor revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco; ou (ii) não restar claramente demonstrado o descumprimento consciente, pelo consumidor, do dever contratual de cuidado no uso do cartão, seja em razão do grau de sofisticação dos meios de engenharia social empregados pelos fraudadores, seja pela condição de hipervulnerabilidade da vítima.”
Conforme os fatos descritos na petição inicial a parte autora foi vítima de golpe perpetrado por terceiros e fora da agência bancária, que conseguiram obter os dados necessários para a realização da fraude.
Contudo, se constata nos autos a presença de circunstâncias para afastar as excludentes de responsabilidade da instituição financeira.
A parte autora comprova que foram realizados, em curto espaço de tempo, várias operações que esvaziaram a conta bancária da parte autora, o que foge ao perfil do consumidor e revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco.
Além disso, apesar da parte autora ser pessoa jovem e instruída, não restou claramente demonstrado o descumprimento consciente, pelo consumidor, do dever contratual de cuidado no uso do cartão, em razão dos fatos declinados na petição inicial terem ocorrido em 10.11.2022, época em que, fraudes perpetradas mediante meios de engenharia social sofisticados empregados no caso dos autos não eram de conhecimento do grande público.
Portanto, demonstrado o nexo causal existente entre a atuação da ré e o dano sofrido pela parte autora, devendo ser ressarcido o dano material sofrido.
Com relação aos danos morais, curvo-me ao em entendimento de que “o dano moral, nos casos de saques indevidos, é presumido, desde que provada a ocorrência do fato danoso, somente podendo ser afastado de forma fundamentada, com base em provas em contrário, consideradas as circunstâncias e peculiaridades do caso concreto posto em julgamento”.(PEDILEF 200971590012972, Relator JUIZ FEDERAL HERCULANO MARTINS NACIF, DOU 22/03/2013).
A fixação do dano moral deve ser feita levando em conta o seu caráter ressarcitório bem como o sua função punitiva, levando em consideração as vicissitudes do caso concreto, a gravidade dos fatos, a conduta do réu e até mesmo se o dano decorre da responsabilidade objetiva ou de ato doloso ou culposo.
Segundo orientação jurisprudencial, o juiz deve fixar os danos morais de forma moderada, levando em consideração a situação econômica das partes, evitando-se o enriquecimento sem causa da vítima.
Levando em conta tais aspectos, fixo o valor da indenização em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Recurso da parte autora provido em parte para reformar a r. sentença recorrida e julgar parcialmente procedente o pedido formulado inicial e condenar a CEF ao pagamento dos danos materiais sofridos, no valor R$ 18.400,00 (dezoito mil e quatrocentos reais), o, bem como ao pagamento de compensação por dano moral no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Os valores devidos deverão ser apresentados na fase de execução. Juros de mora e correção monetária nos termos da Resolução nº 134/2010 do CJF com a alteração dada pela Resolução nº 267/2013 e demais alterações posteriores.
Sem condenação em honorários, tendo em vista o disposto no art. 55 da Lei nº 9.099/95.
É o voto.
E M E N T A
DIREITO DO CONSUMIDOR E BANCÁRIO. RECURSO INOMINADO. OPERAÇÕES BANCÁRIAS FRAUDULENTAS. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. MOVIMENTAÇÃO ATÍPICA. CULPA CONCORRENTE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se a instituição financeira deve ser responsabilizada por danos materiais e morais decorrentes de operações bancárias fraudulentas, decorrentes de fraude eletrônica, quando as movimentações apresentam caráter atípico em relação ao perfil do consumidor.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Aplica-se às instituições financeiras a responsabilidade objetiva pelos danos causados a seus clientes por defeitos na prestação dos serviços, nos termos do art. 14 do CDC e da Súmula 297 do STJ. 4. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, existe responsabilidade civil das instituições financeiras quando a atipicidade das movimentações bancárias impugnadas demanda a adoção de procedimentos de segurança pelo prestador dos serviços. 5. É aplicável a Tese firmada pela TNU no Tema 331, que estabelece que não se configura excludente de responsabilidade se as circunstâncias das operações revelarem fortes indícios de fraude detectáveis pelo banco. 6. No caso, caracteriza-se a culpa concorrente do consumidor, que contribuiu decisivamente para a ocorrência do evento danoso ao fornecer seus dados pessoais e credenciais bancárias aos fraudadores, justificando a redução pela metade da indenização por danos materiais, nos termos do art. 945 do Código Civil. 7. Afastada a condenação por danos morais, pois o mero prejuízo patrimonial, por si só, não configura dano moral indenizável, sendo necessária a demonstração de situação excepcional que ultrapasse o mero aborrecimento cotidiano.
IV. DISPOSITIVO E TESE
8. Recurso parcialmente provido para condenar a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 9.200,00, correspondente a 50% do valor indevidamente debitado, com juros de mora e correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Dispositivos relevantes citados: CDC, arts. 3º, § 2º, e 14; CC, arts. 927, parágrafo único, e 945. Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.995.458/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, j. 9/8/2022; STJ, REsp 1.573.859/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, j. 7/11/2017; TNU, Tema 331; Súmula 297/STJ.