RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5019808-53.2024.4.03.6301
RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL
RECORRIDO: WESLY ALVES DOS SANTOS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5019808-53.2024.4.03.6301 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL RECORRIDO: WESLY ALVES DOS SANTOS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Relatório dispensado na forma do artigo 38, "caput", da Lei n. 9.099/95.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5019808-53.2024.4.03.6301 RELATOR: 33º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: UNIÃO FEDERAL RECORRIDO: WESLY ALVES DOS SANTOS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Voto-ementa conforme autorizado pelo artigo 46, primeira parte, da Lei n. 9.099/95.
E M E N T A
VOTO-EMENTA
CÍVEL. BOLSA FAMÍLIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA UNIÃO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
1. Pedido de concessão de bolsa família.
2. Conforme consignado na sentença:
“Relatório dispensado na forma da lei.
Afasto a alegação de ilegitimidade passiva da União, tendo em vista que o Programa Bolsa Família é um programa do Governo Federal de políticas públicas, instituído em substituição ao Programa Auxílio Brasil, conforme dispõe o art.1º da Lei 14.601/2023, de modo que suas diretrizes são operadas pela União, bem como o pagamento do benefício advém do orçamento federal.
Ademais, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) é responsável pela coordenação e gerenciamento dos benefícios do programa e a liberação dos benefícios do PBF é feita pela Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (SENARC), do MDS, conforme disposição dos arts. 16 e 17 da Portaria MC n° 897.
Vale asseverar que o impedimento ao pagamento do benefício ao autor decorreu de norma editada por órgão da União, inexistindo ingerência dos demais entes da federação e necessidade de integrá-los ao polo passivo.
Passo à análise do mérito.
O Governo Federal implementou o programa social denominado Auxílio Brasil por meio da Medida Provisória nº 1.061, de 9 de agosto de 2021, convertida na Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021, em substituição ao Programa Bolsa Família, de que trata a Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004 e ao Programa de Aquisição de Alimentos, de que trata o art. 19 da Lei nº 10.696, de 2 de julho de 2003.
O Programa Auxílio Brasil prevê benefícios financeiros de transferência de renda, com condicionalidades, destinados às famílias em situação de pobreza, com renda familiar mensal per capita entre R$105,01 e R$210,00 e que possuam em sua composição gestantes, nutrizes ou pessoas com idade até 21 (vinte e um) anos incompletos ou de extrema pobreza, com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a R$105,00.
Nos termos do regulamento do Programa Auxílio Brasil – art. 18 do Decreto nº 10.852/2021, a habilitação e a seleção das famílias são feitas por meio dos registros de seus integrantes no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico.
Todavia, em 19 de junho de 2023, o Governo Federal instituiu novamente o Programa Bolsa Família em substituição ao Programa Auxílio Brasil por meio da Lei n. 14.601, que revoga a Lei n. 14.284, entrando em vigor em na data de sua publicação, o que ocorreu no DOU em 20 de junho de 2023.
Os critérios de elegibilidade das famílias ao Programa Bolsa Família são: a inscrição no CadÚnico e a renda familiar per capita mensal igual ou inferior a R$218,00. Na hipótese de renda per capita mensal superior a esse valor, as famílias beneficiárias serão mantidas no Programa pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses e, se superar o valor de maio salário mínimo, excluído do cálculo o valor de benefícios financeiros, a família será desligada do Programa.
Ademais, registre-se que o artigo 45 da Lei nº 14.284/2021 introduziu na Lei nº 8.742/93, que dispõe sobre a organização da Assistência Social, o artigo 6º-F, § 2º, que assim dispõe: “A inscrição no CadÚnico é obrigatória para acesso a programas sociais do Governo Federal”.
No caso dos autos, a parte autora pretende a concessão do benefício assistencial atualmente denominado Bolsa Família, desde o cadastro efetuado perante o CadÚnico, ocorrido em 22/09/2023 (código familiar nº 7781773438).
Na contestação, a União informou que (id. 335361518):
“1. Faço referência ao Ofício n. 01616/2024/CONJUR-MDS/CGU/AGU, que solicita informações para subsidiar a defesa da União em ação proposta por WES LY ALVES DOS SANTOS, na qual o autor requer a inclusão no atendimento do Programa Bolsa Família, bem como proceder ao pagamento do(s) benefício(s) previsto(s) no art. 7º, da Lei nº 14.601/2023 desde a data da última atualização cadastral.
2. A propósito, informo que a família se encontrava impedida de préhabilitação ao PBF, por força da ação de Averiguação Cadastral Unipessoal, disciplinada pela Instrução Normativa Conjunta SAGICAD/S ENARC/S NAS/MDS Nº 03, de 11 de abril de 2023, e pela Instrução Normativa Conjunta SAGICAD/S ENARC/S NAS/MDS Nº 04, de 14 de junho de 2023, conforme telas anexas (SEI - 15781680).
3. A ação é direcionada à apuração de inconsistências relacionadas à composição das famílias unipessoais, que tiveram um crescimento desproporcional em relação aos demais tipos de famílias nos últimos anos.
4. Para que a família fosse pré-habilitada ao PBF, era necessário apresentar novos documentos à coordenação municipal do programa para inclusão no Sistema do Cadastro Único (documento de identificação com foto e termo de responsabilidade assinado). Porém foi identificado que trata-se de família em Grupos Populacionais Tradicionais e Específicos (GPTE).
5. Ocorre que, o impedimento não se aplica às famílias com integrantes nesses grupos. Portanto, foi realizado o tratamento da pendência, o benefício do autor foi liberado em maio de 2024 e a família permanece recebendo o benefício regularmente.”
Como se vê, a União reconheceu que houve erro administrativo no tratamento da demanda e, assim, concedeu o benefício em maio de 2024, de modo que permanece controverso apenas o direito da parte autora ao pagamento das parcelas anteriores a esse período, o que passo a analisar.
A União justificou a concessão do benefício apenas a partir de maio de 2024 com os seguintes fundamentos:
“10. Além disso, desde a edição da Portaria MDS nº 911, de 24 de agosto de 2023, que alterou o art. 6º da Portaria nº 897, de 7 de julho de 2023, o ingresso de novas família unipessoais no PBF depende de a taxa de famílias unipessoais em relação ao total de famílias beneficiárias no município ser inferior a 16%, situação que não se verifica atualmente no domicílio do autor.
11. De acordo com a norma, enquanto a referida taxa se mantiver igual ou superior a 16%, ficarão impedidas de ingressar no PBF novas famílias unipessoais domiciliadas no município.
12. Dessa forma, até abril/2024, a família estava impedida de ingressar no programa, situação que se alterou a partir de maio/2024 em razão da identificação do autor como pessoa em situação de rua no Cadastro Único. Com isso, a famíia obteve a concessão do benefício do PBF, administrativamente, em maio de 2024.”
Analisando os documentos juntados aos autos, verifica-se que a parte autora atualizou seu CadÚnico em 22/09/2023 (código familiar nº 7781773438).
Destaco que se trata de pessoa em situação de rua, em acolhimento temporário (id. Num. 326178788 - Pág. 3) e a União, como dito, reconheceu o evidente erro administrativo.
Consta do referido cadastro que a renda familiar per capita é de R$0,00.
Comprovado o cumprimento dos requisitos legais, com enquadramento do núcleo familiar da parte autora em situação de extrema pobreza, não há como afastar o direito ao recebimento do benefício desde a data do preenchimento dos requisitos respectivos e da provocação do órgão assistencial pertinente.
O Decreto n. 7.053 de 23 de dezembro de 2009, estabelece que:
“Art. 7º São objetivos da Política Nacional para a População em Situação de Rua:
(...)
IX - proporcionar o acesso das pessoas em situação de rua aos benefícios previdenciários e assistenciais e aos programas de transferência de renda, na forma da legislação específica;”
Dessa forma, tratando-se de família unipessoal em situação de extrema pobreza e, pior, em situação de rua, não há como limitar seu ingresso, em razão da necessidade de salvaguarda dos seus direitos fundamentais.
Recentemente, a PORTARIA MDS Nº 1.003, DE 16 DE JULHO DE 2024 alterou o art. 6º da Portaria MDS nº 897, de 7 de julho de 2023:
“Art. 1º A Portaria MDS nº 897, de 7 de julho de 2023, do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, publicada no Diário Oficial da União nº 129, de 10 de julho de 2023, Seção 1, páginas de 19 a 24, passa a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 6º ...................................................................................................................
.................................................................................................................................
§ 3º Na hipótese de o limite municipal previsto no § 2º ser alcançado, e enquanto se mantiver igual ou superior a esse valor, não poderão ingressar no PBF novas famílias unipessoais domiciliadas no respectivo município, exceto as, conforme informações constantes do Cadastro Único:
I - famílias com integrantes em situação de trabalho infantil;
II - famílias com integrantes libertos de situação análoga à de trabalho escravo;
III - famílias quilombolas;
IV - famílias indígenas;
V - famílias com catadores de material reciclável;
VI - famílias com pessoas em situação de rua;
VII - famílias em risco de insegurança alimentar;
VIII - famílias em situação de violação de direitos; ou
IX - famílias que realizaram ou venham a realizar a sua atualização ou inscrição cadastral mediante entrevista em domicílio, a partir de 31 de julho de 2023.
........................................................................................................................" (NR)”
Portanto, a parte autora não deveria ter seus direitos fundamentais restringidos pela Portaria MDS nº 911, de 24 de agosto de 2023, que alterou o art. 6º da Portaria nº 897, de 7 de julho de 2023.
Entendimento diverso, no sentido de que a prestação sempre terá efeitos prospectivos, oportunizaria a procrastinação da apreciação e da concessão do benefício pelos órgãos administrativos pertinentes, furtando-se o Estado de seu dever assistencial previsto constitucionalmente.
Desse modo, é de rigor a procedência do pedido de pagamento das parcelas do benefício desde 22/09/2023.
Dispositivo
Diante do exposto, Reconheço a ausência de interesse de agir no que toca à concessão do benefício a partir de maio de 2024.
Afasto a alegação de ilegitimidade passiva da União e resolvo o mérito da controvérsia na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil e JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para determinar que a União conceda à parte autora as parcelas não pagas do Programa Bolsa Família desde 22/09/2023.
Os valores serão pagos mediante requisição judicial, após o trânsito em julgado.
A correção monetária das parcelas vencidas e os juros de mora incidirão nos termos da legislação previdenciária, bem como do Manual de Orientação de Procedimentos para os cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal.
Sem condenação em custas, tampouco em honorários advocatícios.
Defiro os benefícios da justiça gratuita.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.”
3. Recurso da UNIÃO: aduz que a atuação deste Ministério deu-se em estrita observância à legislação aplicável à matéria, em especial a Lei nº 14.284, de 29 de dezembro de 2021, Decreto nº 10.852, de 8 de novembro de 2021, Lei nº 14.601, de 19 de junho de 2023, Decreto nº 12.064, de 17 de junho de 2024, INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA SAGICAD/SENARC/SNAS/MDS Nº 03, de 11 de abril de 2023, INSTRUÇÃO NORMATIVA CONJUNTA SAGICAD/SENARC/SNAS/MDS Nº 04, de 14 de junho de 2023, e Portaria nº 897, de 7 de julho de 2023 (alterada pela Portaria MDS nº 911, de 24 de agosto de 2023), cabendo enfatizar que a concessão do benefício não é automática e não constitui direito subjetivo das famílias, estando sujeita aos procedimentos impessoais de habilitação, seleção e concessão, sendo que tais procedimentos são realizados de forma impessoal, e o Poder Executivo compatibiliza a quantidade de beneficiários e de benefícios com as dotações orçamentárias existentes, valendo também ressaltar que a ordem de entrada no programa está relacionada a critérios de priorização de determinados grupos, definidos conforme graus de vulnerabilidade estabelecidos em normativos da política. Nesse sentido, constam as razões pelas quais se defende a legalidade e a constitucionalidade da Portaria MDS nº 897/23, onde se há a definição tanto para o limite máximo, quanto para o impedimento de retorno de famílias unipessoais quando atingida a taxa limite de 16% (dezesseis por cento) do total de famílias beneficiárias atendidas pelo Programa no município. Portanto, vê-se que o poder público em nenhum momento agiu de modo irregular. Pelo contrário, pautou sua atuação em conformidade com o que estabelece a legislação. A decisão administrativa foi legítima e pautada no consagrado princípio da legalidade. Sabido é que administração está obrigada a cumprir a lei, em consonância com o princípio da legalidade insculpido no art. 37 da CF/88. Requer, assim, a reforma da r. sentença para julgar improcedente o pedido.
4. Outrossim, a despeito das alegações recursais, reputo que a sentença analisou corretamente todas as questões trazidas no recurso inominado, de forma fundamentada, não tendo a recorrente apresentado, em sede recursal, elementos que justifiquem sua modificação.
5. Não obstante a relevância das razões apresentadas pela recorrente, o fato é que todas as questões suscitadas foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Origem, razão pela qual a r. sentença deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. RECURSO DA UNIÃO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
6. Recorrente condenada ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.