APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005528-10.2024.4.03.6000
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
APELANTE: JUAN DIAZ TICONA, VICENTA CHOQUE GUERRERO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
Advogado do(a) APELANTE: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, JUAN DIAZ TICONA, VICENTA CHOQUE GUERRERO
Advogado do(a) APELADO: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005528-10.2024.4.03.6000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: JUAN DIAZ TICONA, VICENTA CHOQUE GUERRERO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL Advogado do(a) APELANTE: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, JUAN DIAZ TICONA, VICENTA CHOQUE GUERRERO Advogado do(a) APELADO: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por JUAN DIAZ TICONA e VICENTA CHOQUE GUERRERO em face da sentença proferida pela 3ª Vara Federal de Campo Grande (MS) que condenou os réus pela prática do crime previsto no art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006, às seguintes penas: i) JUAN DIAZ TICONA - 9 (nove) anos, 3 (três) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 930 (novecentos e trinta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal; ii) VICENTA CHOQUE GUERRERO - 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, no regime inicial aberto, e 350 (trezentos e cinquenta) dias-multa, no valor unitário mínimo legal. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 1 (um) salário mínimo. A inabilitação para dirigir veículo, como efeito da condenação (CP, art. 92, III) foi aplicada ao corréu JUAN DIAZ TICONA pelo tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade e foi decretado o perdimento do veículo MASTER MBUS L3H, FVG1I08/SP, Ano/modelo 2014/2015. O MPF deixou de propor acordo de não persecução penal (ANPP) porque o crime pelo qual os réus foram denunciados “possui pena mínima de 5 anos, circunstância que veda o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal, nos termos do artigo 28-A, caput, do Código de Processo Penal” (ID 309369803, p. 6) não tendo havido manifestação da defesa sobre isso (ID 309369807 e 309369849). A denúncia (ID 309369803), recebida em 05.8.2024 (ID 309369815), narra: No dia 05.07.2024, por volta das 21h15, no Km 602 da BR 262, Município de Miranda/MS, JUAN DIAZ TICONA e VICENTA CHOQUE GUERRERO, de modo consciente e voluntário e com unidade de desígnios, transportaram, após importar, 93.7 Kg de cocaína e 5.7 Kg de maconha sem a devida autorização. Na data, hora e local citados, durante fiscalização de rotina, Policiais Rodoviários Federais abordaram o veículo MASTER MBUS L3H, cor cinza, placas FVG 1I08, conduzido pelo denunciado JUAN DIAZ TICONA, o qual transportava 15 passageiros bolivianos. Entre os passageiros, estava VICENTA CHOQUE GUERRERO, que viajava no banco dianteiro do veículo e identificou-se como proprietária do veículo e esposa de JUAN DIAZ TICONA (ID 331064967 - Pág. 12). A sentença (ID 309369934) foi publicada em 02.10.2024, tendo sido revogada a prisão preventiva da corré VICENTA, sendo determinada a expedição de alvará de soltura. Em seu recurso (ID 309369961), o MPF pede: i) majoração da pena-base; ii) aplicação da causa de aumento do art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 no patamar máximo de 2/3 (dois terços); iii) afastar a aplicação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 para a corré VICENTA. A defesa, em suas razões de apelação (ID 309369955), pede, preliminarmente, a rejeição da denúncia por intempestividade e preclusão ou a sua rejeição por ser inepta e faltar justa causa para o exercício da ação penal. Subsidiariamente, pede a reforma da sentença para redução da pena com o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea e a exclusão da causa de aumento relativa à transnacionalidade. Foram apresentadas contrarrazões ao recurso da acusação (ID 309369964) e ao recurso da defesa (ID 309369965). A Procuradoria Regional da República opinou pelo parcial provimento do recurso da acusação, para que a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006 seja reduzida para 1/6 (um sexto), e pelo não provimento do recurso da defesa. (ID 312611090). É o relatório. À revisão.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5005528-10.2024.4.03.6000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO APELANTE: JUAN DIAZ TICONA, VICENTA CHOQUE GUERRERO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL Advogado do(a) APELANTE: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL, JUAN DIAZ TICONA, VICENTA CHOQUE GUERRERO Advogado do(a) APELADO: WILSON AMORIM DA SILVA - SP105395-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por JUAN DIAZ TICONA e VICENTA CHOQUE GUERRERO em face da sentença que condenou os réus pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas. 1. Questões preliminares 1.1. Tempestividade da denúncia A defesa alega que a denúncia é intempestiva e, por isso, não há justa causa para a ação penal. Sem razão. Com efeito, a legalidade do recebimento da denúncia e sua tempestividade foi objeto do Habeas Corpus nº 5021980-53.2024.4.03.0000 (ID 309369960), julgado na sessão de 10.10.2024, tendo a ordem sido denegada pela Décima Primeira Turma. O acórdão tem a seguinte ementa: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica no sentido de que o trancamento de ação penal ou inquérito pela via do habeas corpus, dada a sua excepcionalidade, só tem cabimento em situações de manifesta atipicidade da conduta, presença de causa extintiva da punibilidade ou ausência mínima de materialidade e autoria delitivas. 2. Não há falar em intempestividade da denúncia. Na Justiça Federal, o prazo para o término do inquérito é 15 (quinze) dias, prorrogável por igual período (art. 66 da Lei nº 5010/66). Além disso, o STF, ao julgar as ADIs 6.298,6299, 6.300 e 6.305, dentre outros, decidiu "atribuir interpretação conforme ao § 2º do art. 3º-B do CPP, incluído pela Lei nº 13.964/2019, para assentar que: a) o juiz pode decidir de forma fundamentada, reconhecendo a necessidade de novas prorrogações do inquérito, diante de elementos concretos e da complexidade da investigação; e b) a inobservância do prazo previsto em lei não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a avaliar os motivos que a ensejaram, nos termos da ADI nº 6.581". Ademais, em se tratando de tráfico ilícito de drogas, o prazo de que dispõe o Ministério Público Federal para o oferecimento da denúncia, contado obviamente do recebimento dos autos do inquérito, é de 10 (dez) dias (art. 54, III, da Lei nº 11. 343/2003). 3. Superada essa questão, recentemente a autoridade impetrada sentenciou a ação penal de origem condenando os pacientes pela prática do crime imputado na denúncia. Assim, não fosse a intempestividade arguida pelo impetrante, seria o caso de aplicar a Súmula nº 648 do Superior Tribunal de Justiça, na qual se lê que "[a] superveniência da sentença condenatória prejudica o pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa feito em habeas corpus". Desse modo, fica prejudicada a alegação de ausência de justa causa para a denúncia, ao menos na via sumária deste habeas corpus. 4. Ordem denegada. O prazo para oferecimento de denúncia, tratando-se do crime de tráfico de drogas, é de 10 (dez) dias (art. 54, III, da Lei nº 11.343/2003), contados da data do recebimento dos autos de inquérito policial pelo Ministério Público. No caso, o inquérito policial foi concluído em 11.7.2024, com a juntada do laudo pericial (ID 309369796), tendo o MPF oferecido denúncia em 18.7.2024, dentro do prazo legal. Portanto, rejeito a alegação de intempestividade da denúncia. 1.2. Inépcia da denúncia A defesa alega que a denúncia é inepta porque não individualiza a conduta de cada réu, pois, “para cada réu denunciado, a peça incoativa deve descrever de forma cristalina qual foi a atividade desenvolvida no fato delituoso, possibilitando plena defesa, de acordo com o regramento constitucional (art. 5º, LV, da CF/88)”. Sem razão. Uma vez proferida sentença condenatória, a discussão sobre a inépcia da denúncia fica superada (AgRg no AREsp 1.003.966/SP, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, j. 01.3.2018, DJe 12.3.2018), ficando superados os argumentos relativos à ausência de justa causa (HC 732.319/SP, Rel. Ministro Jesuíno Rissato - Desembargador Convocado do TJDFT -, Quinta Turma, j. 02.8.2022, DJe 09.8.2022). Além disso, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é no sentido de que eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa (APN 841, Corte Especial, Rel. Ministro Herman Benjamin, j. 15.3.2017, DJe 28.3.2017), o que não se verifica no caso em exame. A despeito disso, a denúncia descreve satisfatoriamente os fatos criminosos e a atuação de cada imputado, havendo correspondência entre esses fatos e a capitulação jurídica, tendo sido viabilizado o pleno exercício do direito de defesa. Assim, suficientemente descrita a conduta atribuída aos acusados, não se pode falar em inépcia da denúncia. Além disso, a primeira fase da persecutio criminis não exige que a autoria do delito esteja definitivamente esclarecida, pois a verificação da justa causa para a ação penal pauta-se em juízo de probabilidade (materialidade e indícios suficientes de autoria), e não de certeza. A certeza para o juízo condenatório advém do conjunto probatório formado durante a instrução processual, o que, no caso, ocorreu com a prolação da sentença condenatória. Por isso, rejeito essa questão preliminar. 2. Mérito da imputação Embora a materialidade, a autoria e o dolo não sejam objeto do recurso, registro que estão devidamente comprovados pelo termo de apreensão (ID 309369736, pp. 10/11), pelos Laudos Preliminares de Constatação nºs 926/2024 e 927/2024 (idem, pp. 35/44) e pelos Laudos Definitivos nºs 936/2024 e 942/2024 (ID 309369796), que atestam ser cocaína e maconha as substâncias apreendidas. Além disso, há a certeza visual do crime proporcionada pela prisão em flagrante dos acusados, corroborada pela confissão do corréu JUAN e pela prova oral produzida em contraditório judicial. Em relação à corré VICENTA, apesar de ter negado a sua participação no transporte de drogas, não é crível a sua versão de que fora à Bolívia para ficar com sua mãe que estava doente, na medida em que os policiais responsáveis pelo flagrante declararam que, naquele momento, ela não levava nenhuma bagagem. Além disso, em seu depoimento em juízo (ID 309369875), o policial Daniel Formiga Abrantes declarou que VICENTA, “no ato de sua abordagem, informou ao policial responsável pela sua prisão que estava junto a JUAN quando deixou a van em Corumbá para ser carregada, assim também quando a retiraram já pronta, sabendo que em seu interior havia coisa errada”. Por isso, comprovadas a materialidade, a autoria e o dolo em relação a ambos os réus, mantenho as condenações de JUAN DIAZ TICONA e VICENTA CHOQUE GUERRERO pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas (art. 33, caput, c.c. o art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006), nos termos da denúncia. Dosimetria das penas Passo ao reexame da dosimetria das penas. JUAN DIAZ TICONA Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 683 (seiscentos e oitenta e três) dias-multa, acima do mínimo legal, considerando a natureza e a quantidade de droga apreendida (5,7 kg de maconha e 93,6 kg de cocaína), bem com as circunstâncias do crime, “em razão do complexo modus operandi empregado, com acondicionamento da droga em três compartimentos ocultos e adredemente preparados do veículo. Além disso, a van em questão contava com 15 (quinze) pessoas, com o claro objetivo de simular um transporte profissional de passageiros e dissimular o real intento da viagem, qual seja, o tráfico de drogas”. O MPF pede exasperação maior da pena-base em razão da elevada quantidade de droga transportada. Com razão. As circunstâncias do crime relacionadas à quantidade e à natureza da droga apreendida autorizam a fixação da pena-base acima do mínimo legal e em montante maior do que o fixado na sentença, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006 e da jurisprudência da Turma em casos análogos. Por isso, provejo o recurso da acusação e elevo a pena-base para 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 916 (novecentos e dezesseis) dias-multa. Na segunda fase, o juízo reconheceu a circunstância agravante prevista no art. 61, II, “f” do Código Penal, “tendo em vista que JUAN DIAZ TICONA prevaleceu-se da relação conjugal/parental que mantinha com VICENTA CHOQUE GUERRERO para cooptá-la à prática delitiva, sendo, inclusive, relatado pelas testemunhas que esta afirmou ter sido obrigada a fazer a viagem”. O juízo também reconheceu a circunstância atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, "d") e procedeu a compensação entre ambas, o que confirmo. A defesa pediu o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, “d”), mas esse pedido está prejudicado porque o juízo já a havia reconhecido na sentença. O juízo também reconheceu a circunstância agravante do art. 62, IV, do Código Penal porque o acusado, em juízo, declarou que receberia a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo transporte das drogas, não tendo havido insurgência da defesa quanto a isso. Todavia, é entendimento da Turma e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que essa circunstância agravante não é compatível com o crime de tráfico de drogas, pois o intuito de lucro já se encontra em múltiplas condutas do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006. Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA REJEITADA. DOSIMETRIA DA PENA. [...] 4. Afastada a agravante tipificada no art. 61, II, "c" do Código Penal, pois a dissimulação, consistente na ocultação da droga em compartimento secreto, é normal para o tipo penal em espécie. 5. Não se aplica a agravante prevista no art. 62, IV, do Código Penal, pois embora a vantagem financeira não seja circunstância elementar do crime de tráfico, o tráfico também pode ser praticado mediante paga ou recompensa. [...] 10. Apelações das defesas parcialmente providas e desprovidas. (ApCrim nº 0003465-09.2015.4.03.6002, Décima Primeira Turma, Rel. Desembargador Federal Nino Toldo, j. 04.4.2017, e-DJF3 Judicial 17.4.2017) AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSO PENAL. TRÁFICO. NATUREZA E QUANTIDADE DE DROGA. CONSIDERAÇÃO EM MAIS DE UMA ETAPA DA DOSIMETRIA. BIS IN IDEM. CRIME MEDIANTE PAGA OU RECOMPENSA. AGRAVANTE GENÉRICA. INAPLICABILIDADE. [...] 2. Esta Corte de Justiça tem jurisprudência uniforme no sentido de que a agravante do inciso IV do artigo 62 do Código Penal não tem incidência no crime de tráfico de drogas que, tratando-se de tipo misto alternativo, pode decorrer de conduta onerosa ou gratuita, qualquer delas inerente e bastante à configuração do delito. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp nº 1.360.277/PR, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 26.8.2014, DJe 05.9.2014) No mesmo sentido: STJ, HC nº 506.963/SP, Quinta Turma, Relator Ministro Felix Fischer, j. 21.5.2019, DJe 27.5.2019; HC nº 168.992/CE, Sexta Turma, Relator Ministro Celso Limongi (Desembargador Convocado do TJ/SP), j. 30.6.2010, DJe 02.8.2010. Por isso, de ofício, afasto a circunstância agravante do art. 62, IV, do Código Penal, ficando a pena intermediária inalterada em relação à pena-base, ou seja, em 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 916 (novecentos e dezesseis) dias-multa. Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento de pena prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 (transnacionalidade), na fração mínima de 1/6 (um sexto) o que confirmo. A defesa pede a exclusão dessa causa de aumento, argumentando que não existe prova de que as drogas foram produzidas na Colômbia. O MPF, por sua vez, pede a exasperação pela fração máxima de 2/3 (dois terços), “uma vez que não há NENHUMA dúvida de que estamos lidando com crime cometido por uma organização criminosa”. Nenhuma das partes tem razão. No caso, a apreensão das drogas ocorreu no município de Miranda (MS), próximo à fronteira do Brasil com o Paraguai e a Bolívia, região conhecida de tráfico terrestre de drogas oriundas daqueles países. Em seu interrogatório em juízo, o acusado declarou que inicialmente tinha sido contratado para levar passageiros da Bolívia até Campo Grande e que, no decorrer da viagem, foi cientificado de que, na verdade, o objetivo maior da viagem era o transporte de alguma substância ilícita e que, por isso, receberia R$ 10.000,00 (dez mil reais). Nesse contexto, é incontroverso que a droga apreendida vinha da Bolívia e que houve efetiva contribuição dos réus para a sua internalização e circulação no Brasil. Portanto, está provada a transnacionalidade do tráfico de drogas de que se trata nesta ação penal. Ademais, na linha da tranquila jurisprudência do STJ, “é irrelevante que haja a efetiva transposição das fronteiras nacionais, sendo suficiente, para a configuração da transnacionalidade do delito, que haja a comprovação de que a substância tinha como destino/origem localidade em outro País” (REsp nº 1.302.515/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, j. 02.8.2016, DJe 17.5.2016). Nesse sentido: STJ, AgRg no REsp 1.839.326/MS, Quinta Turma, Relator Ministro Ribeiro Dantas, j. 19.5.2020, DJe 27.5.2020; TRF3, RSE nº 0003287-61.2014.4.03.6110, Quinta Turma, Rel. Desembargador Federal André Nekatschalow, j. 23.02.2015, DJF 3 Judicial 1 03.03.2015. Quanto à fração de aumento, o MPF pede a sua elevação para o máximo de 2/3 (dois terços), em razão do envolvimento do réu em organização criminosa. Sem razão. O aumento aplicado é condizente com a jurisprudência da Turma e, além disso, conforme ressaltado pela Procuradoria Regional da República em seu parecer, essa circunstância já foi utilizada para justificar a não aplicação da causa de diminuição de pena relativa ao chamado tráfico privilegiado e, por isso, não poderia ser novamente utilizada, pois poderia caracterizar bis in idem (ID 312611090): Ocorre que a apontada circunstância - envolvimento mais estável e duradouro do acusado com atividades ilícitas/envolvimento de organização criminosa na prática do crime - foi expressamente reconhecida na sentença para justificar a não aplicação da minorante do tráfico privilegiado ao acusado JUAN, em que pese este apresente primariedade e bons antecedentes. Logo, a modulação da causa de aumento da transnacionalidade pretendida pela acusação, sob argumento já utilizado na terceira fase da dosimetria para afastar a aplicação do artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, poderia caracterizar bis in idem, razão pela qual não merece guarida o apelo ministerial. Assim, mantenho a aplicação dessa causa de aumento na fração de 1/6 (um sexto) e a pena passa para 10 (dez) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 1.068 (mil e sessenta e oito) dias-multa. O juízo não aplicou a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 pelos seguintes fundamentos: 52.4. Quanto à minorante do tráfico privilegiado, verifico que o acusado não faz jus à aplicação da redução de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006. 52.4.1. Como se sabe, a minorante do art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006 foi prevista para que não se apenasse o pequeno traficante, varejista, do mesmo modo que o grande traficante, de atacado, em especial pelas projeções sociais de cada crime, e ainda para que, no caso do crime de atacado, não se equiparassem as penas de uma "mula" eventual e abordada casualmente por se encontrar em situação de vulnerabilidade com a do criminoso imerso no esquema, que detém contato próximo e duradouro com a organização criminosa. Afinal, é “inviável o reconhecimento da causa de diminuição objeto do § 4º do artigo 33 (...), que só se aplica ao tráfico de menor expressão que envolve quantidades módicas de drogas, no varejo, praticados por mulas, sem qualquer ligação com organização criminosa” (TRF3, ACR nº 0001942-55.2012.403.6005, Relator Desembargador Federal Nino Toldo, 11ª Turma, e-DJF3 16/06/2016). 52.4.2. Conquanto ostente primariedade, a minorante não pode ser aplicada a casos como o de que tratam os presentes autos, em que estavam sendo transportados mais de 50 kg de cocaína, não pela quantidade em si apenas, mas em especial quando se cotejam as circunstâncias e elementos indiciários que apontam para um envolvimento mais estável e duradouro do acusado com a atividade criminosa. Nesse cenário, é de rigor considerar, também, todo o esforço de preparação do delito, com presença de pessoas a simular o transporte de passageiros, bem como o fato de que os tabletes de cocaína apreendida restam identificados com o emblema de “golfinho”, apontando, seguramente, o envolvimento de organização criminosa (v. Laudos de Constatação de Droga 926 – ID 331064970 - pág. 35/39). Ademais, conforme supramencionado, os compartimentos adredes descobertos no veículo já tinham sido confeccionados em data anterior, no que sugere que o transporte de ilícitos já vinha sendo operacionalizado. A versão de que se trata de um transportador eventual (“mula” do tráfico) não se sustenta, à luz do que se conhece do modus operandi adotado pelos grupos criminosos dedicados à narcotraficância, em especial na escala do caso de que tratam os presentes autos. 52.4.3. Frise-se que não se está aqui a considerar duplamente a natureza e a quantidade da droga para fins de dosimetria, o que configuraria inaceitável bis in idem. Nada que o valha. Tampouco se está a presumir, com a necessária certeza, que o réu se dedique constantemente a atividades criminosas em razão da mera quantidade de droga, como se um fator isolado. Mas o fato é que a análise conglobada dos fatos, conforme item 52.4.2, indicam que o acusado transportava uma carga valiosíssima, devidamente identificada, que muito dificilmente seria entregue a um estranho desavisado, sem cuidadosa preparação prévia, o que demonstra, se já não um vínculo de pertença, ao menos um claro vínculo de fidúcia com grupos criminosos organizados. 52.4.4. Diante de tais circunstâncias, é impositiva a conclusão de que JUAN DIAZ TICONA integre organização criminosa voltada para narcotraficância ou, ao menos, tem envolvimento mais profundo e duradouro com o esquema criminoso organizadamente, pelo que não faz jus ao tratamento dispensado no art. 33, § 4º da Lei de Drogas.. Não houve recurso da defesa quanto a esse ponto da sentença e confirmo a não aplicação dessa causa de diminuição de pena. Embora o apelante seja primário e não registre antecedentes a conduta dele na prática do crime não foi de mera mula do tráfico, mas de alguém que detinha a confiança dos donos da droga, na medida em que a carga que transportava (independentemente da quantidade, que não pode ser considerada nesta fase, pois já foi considerada na primeira fase) tem valor econômico bastante elevado no mercado de drogas ilícitas e tal valor não é entregue a alguém que não tenha a efetiva confiança do efetivo proprietário e/ou negociante da droga. Além disso, o modus operandi com a presença de pessoas para simular o transporte de passageiros, bem como o fato de a droga estar escondida em compartimentos ocultos no veículo e que, segundo os policiais que participaram do flagrante, “aparentemente já estava lá há um bom tempo, não tendo sido confeccionado de um dia para outro” (ID 309369934), reforça a conclusão de envolvimento do réu com atividade criminosa. Por isso, dadas as circunstâncias específicas do caso concreto, realmente não é aplicável a causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, de modo que a pena definitiva fica estabelecida em 10 (dez) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 1.068 (mil e sessenta e oito) dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal. VICENTA CHOQUE GUERRERO Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão e 683 (seiscentos e oitenta e três) dias-multa, acima do mínimo legal, considerando a natureza e a quantidade de droga apreendida (5,7 kg de maconha e 93,6 kg de cocaína). O MPF pede exasperação maior da pena-base em razão da elevada quantidade de droga transportada. Com razão. Como dito acima, as circunstâncias do crime relacionadas à quantidade e à natureza da droga apreendida autorizam não só a fixação da pena-base acima do mínimo legal, como também em montante maior do que o fixado na sentença, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006 e da jurisprudência da Turma em casos análogos. Por isso, provejo o recurso da acusação e elevo a pena-base para 9 (nove) anos e 2 (dois) meses de reclusão e 916 (novecentos e dezesseis) dias-multa. Na segunda fase, o juízo não reconheceu circunstâncias agravantes nem atenuantes, porém a defesa pede o reconhecimento da circunstância atenuante da confissão espontânea (CP, art. 65, III, “d”). Sem razão, no entanto. Em nenhum momento do seu interrogatório ou ao longo do processo, a corré confessou os fatos narrados na denúncia, de modo que não houve confissão. Portanto, a pena intermediária não se altera em relação à pena-base. Na terceira fase, o juízo aplicou a causa de aumento prevista no art. 40, I, da Lei nº 11.343/2006 (transnacionalidade), na fração mínima de 1/6 (um sexto), o que confirmo, pelos mesmos fundamentos acima expostos, passando a pena para 10 (dez) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 1.068 (mil e sessenta e oito) dias-multa. O juízo aplicou a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na fração de 1/2 (metade), pelos seguintes fundamentos: 60.3. Quanto à minorante do tráfico privilegiado, verifico que a acusada faz jus à aplicação da redução de pena prevista no artigo 33, §4º, da Lei nº 11.343/2006. Como se observa, em que pese a situação fática delitiva dos autos, pode-se observar que a acusada, diferentemente do seu ex-companheiro, não demonstra indícios de envolvimento com o crime organizado, não demonstrando ciência dos contratantes da empreita, tendo ela cometido o delito, em princípio, tão-somente por influência de seu ex-marido, pai de suas filhas, o qual, inclusive, pelos depoimentos prestados, era o responsável por registrar veículo na titularidade de VICENTA. Dessa forma, a ré preenche os requisitos para a aplicação da causa de diminuição em comento. 60.3.1. Com relação ao patamar de redução, avalio o grau de intensidade do auxílio prestado pela ré ao transporte de droga, além do seu grau de vulnerabilidade, já que a acusada, aparentemente, é pessoa simples, de nacionalidade estrangeira, com árdua rotina de trabalho. 60.3.2. De outro tanto, considerando as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal favoráveis para fins de aferição do quantum de que trata o art. 33, § 4º da Lei nº 11.343/2006, a minoração das consequências do delito com a apreensão da droga e a ausência de maus antecedentes, comprovando se tratar de um tráfico eventual, reduzo a sanção em 1/2 (metade), resultando em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 350 (trezentos e cinquenta) dias-multa. O MPF, no entanto, pede a exclusão dessa minorante em razão da atuação da acusada em organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas. Pois bem. De acordo com o art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, as penas do tráfico de drogas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços) desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa, devendo esses quatro requisitos concorrer cumulativamente para que a minorante seja aplicada. No caso, VICENTA é primária, não tem antecedentes criminais e não há prova de que se dedique a atividades criminosas ou de que integre organização criminosa, caracterizando-se como "mula" do tráfico. Contudo, ao aceitar participar ativamente do transporte da droga, tinha consciência de que estava cooperando (ainda que de modo circunstancial) com organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas, na medida em que, para burlar a fiscalização, a transportou em compartimentos ocultos no veículo, o que demonstra que houve auxílio especializado para o transporte da droga. Esta Turma tem decidido que, tratando-se de "mula" e em tráfico organizado, a fração mínima é a mais adequada e proporcional para a justa dosimetria da pena. Além disso, segundo a jurisprudência do STJ, a gravidade concreta do delito e suas circunstâncias autorizam a aplicação dessa minorante em patamar diverso do máximo (AgRg no HC nº 326.510/PR, Quinta Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, j. 19.5.2016, DJe 08.6.2016). A minorante deveria ser aplicada no mínimo legal. No entanto, como o MPF apenas pediu o seu afastamento, sem qualquer ressalva quanto à fração aplicada, tenho que não seja possível reduzir a fração, sob pena de ofensa ao princípio da non reformatio in pejus. Por isso, mantenho a fração de 1/2 (metade) para essa causa de diminuição de pena. Nesse sentido já decidiu esta Turma, em feito da minha relatoria: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE. AUTORIA. DOLO. DOSIMETRIA DA PENA. [...] 3. O acusado é primário, não tem antecedentes criminais e não há prova de que se dedique a atividades criminosas. Por outro lado, ao aceitar transportar a droga do exterior para o Brasil, tinha plena consciência que cooperava com a atividade de organização criminosa voltada ao tráfico transnacional de drogas, o que restou corroborado por outros elementos que demonstraram que ele possuía significativa confiança por quem o contratou, razão pela qual a minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 deveria ser fixada no mínimo legal. No entanto, como a acusação apenas requereu o afastamento da causa de diminuição, em atenção ao princípio do non reformatio in pejus, fica mantida a redução feita pelo juízo. [...] 5. Apelações da acusação e da defesa parcialmente providas. (ApCrim nº 5001243-94.2022.4.03.6112, Rel. Desembargador Federal Nino Toldo, j. 23.6.2023, DJEN 29.6.2023) Assim a pena definitiva fica estabelecida em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão e 534 (quinhentos e trinta e quatro) dias-multa, mantido o valor unitário do dia-multa no mínimo legal. Regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade Mantenho o regime fechado para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "a") fixado para o corréu JUAN DIAZ TICONA, dado o montante da pena fixada, não sendo cabível a substituição dessa pena por penas restritivas de direitos (CP, art. 44, I). Registro que o desconto do tempo de prisão provisória (CPP, art. 387, § 2º) não lhe daria direito a início do cumprimento da pena em regime menos gravoso, tendo em vista que ele foi preso em flagrante no dia 05.7.2024 e a sentença condenatória foi publicada no dia 02.10.2024 (ID 309369934). Em relação à corré VICENTA CHOQUE GUERRERO, o juízo havia fixado o regime aberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade em razão da pena aplicada, substituindo-a por penas restritivas de direitos. Contudo, por força da revisão da pena ora feita, esse regime não é compatível e, por isso, fixo o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade (CP, art. 33, § 2º, "b"), que não pode ser substituída por penas restritivas de direitos, por falta de requisito objetivo (CP, art. 44, I), sendo que o desconto do tempo de prisão provisória (CPP, art. 387, § 2º) não daria à acusada direito a início do cumprimento da pena em regime menos gravoso, tendo em vista que ela foi presa em flagrante no dia 05.7.2024 e a sentença condenatória foi publicada no dia 02.10.2024 (ID 309369934), quando lhe foi concedida liberdade provisória e o direito de recorrer em liberdade, o qual confirmo porque não há notícia de que, após ter sido posta em liberdade, tenha descumprido qualquer das condições fixadas na sentença. Prisão preventiva Mantenho a prisão preventiva de JUAN DIAZ TICONA porque ainda persistem os motivos que levaram à sua decretação, dadas as especificidades do caso concreto. Ele respondeu preso ao processo por crime que, embora não tenha sido praticado com violência ou grave ameaça a pessoa, é de gravidade concreta. Nesse sentido: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE DROGAS NEGATIVA DO DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. RÉU PRESO EM FLAGRANTE E QUE ASSIM PERMANECEU DURANTE A INSTRUÇÃO. EXCESSO DE PRAZO SUSCITADO APÓS A CONDENAÇÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. TESE DESCABIDA. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. GRAVIDADE CONCRETA. QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA (16KG DE MACONHA). FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INSUFICIÊNCIA, NO CASO. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA. PEDIDO DE REPRESENTAÇÃO POR DEMORA NO OFERECIMENTO DE PARECER PELA SUBPROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA INDEFERIDO. 1. O Recorrente, preso em flagrante no dia 02/03/2018, foi condenado como incurso no art. 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, em regime fechado, negado o direito de recorrer em liberdade, por manter em depósito 16kg (dezesseis quilos) de maconha. 2. O suposto excesso de prazo na formação da culpa é matéria que sequer foi tratada pelo acórdão impugnado, razão pela qual a análise diretamente por este Superior Tribunal de Justiça configuraria vedada supressão de instância. Ainda que assim não fosse, é descabido falar em excesso de prazo na formação da culpa após a prolação de sentença de mérito. 3. A manutenção da custódia cautelar no momento da sentença condenatória, nos casos em que o Acusado permaneceu preso durante toda a instrução criminal, não requer fundamentação exaustiva, sendo suficiente ao entendimento de que permanecem inalterados os motivos que levaram à decretação da medida extrema em um primeiro momento, desde que estejam, de fato, preenchidos os requisitos legais do art. 312 do Código de Processo Penal. Precedentes. 4. A manutenção da custódia cautelar encontra-se suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, pois a prisão preventiva está pautada na gravidade concreta da conduta, demonstrada pela quantidade de droga apreendida, que retrata a periculosidade do Agente e a possibilidade de reiteração delitiva. [...] 6. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 558.882/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 19.05.2020, DJe 02.06.2020) Observo que, como houve expedição de guia de recolhimento, a execução provisória já se iniciou e o réu (apenado) poderá pleitear ao juízo da execução penal eventuais direitos decorrentes da Lei de Execução Penal. Conclusão Posto isso, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da acusação, para aumentar a pena-base de ambos os réus; NEGO PROVIMENTO à apelação da defesa e, DE OFÍCIO, afasto a circunstância agravante do art. 62, IV, do Código Penal, ficando as penas definitivas fixadas em 10 (dez) anos, 8 (oito) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime inicial fechado, e 1.068 (mil e sessenta e oito) dias-multa, para JUAN DIAZ TICONA, e em 5 (cinco) anos, 4 (quatro) meses e 5 (cinco) dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, e 534 (quinhentos e trinta e quatro) dias-multa, para VICENTA CHOQUE GUERRERO, nos termos da fundamentação supra. Comunique-se imediatamente o teor deste julgamento ao juízo responsável pela fiscalização da prisão do corréu JUAN DIAZ TICONA, para as providências cabíveis. É o voto.
Autos: | APELAÇÃO CRIMINAL - 5005528-10.2024.4.03.6000 |
Requerente: | JUAN DIAZ TICONA e outros |
Requerido: | MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL e outros |
Ementa: Direito penal. Apelação criminal. Tráfico transnacional de drogas. Inépcia da denúncia. Dosimetria da pena. Prisão preventiva. Apelação da acusação parcialmente provida. Apelação da defesa não provida.
I. Caso em exame
1. Trata-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal (MPF) e por Juan Diaz Ticona e Vicenta Choque Guerrero em face da sentença que condenou os réus pela prática do crime de tráfico transnacional de drogas, mantendo a prisão preventiva do corréu.
II. Questão em discussão
2. As questões em discussão consistem em saber se a denúncia é tempestiva e apta, se a dosimetria das penas foi adequada, qual o regime inicial de cumprimento da pena e se há justificativa para a manutenção da prisão preventiva.
III. Razões de decidir
3. Tempestividade da denúncia. A legalidade do recebimento da denúncia e sua tempestividade foram confirmadas no Habeas Corpus nº 5021980-53.2024.4.03.0000, julgado pela Décima Primeira Turma. O prazo para oferecimento de denúncia, tratando-se do crime de tráfico de drogas, é de 10 dias (art. 54, III, da Lei nº 11.343/2003), contados da data do recebimento dos autos de inquérito policial pelo Ministério Público. No caso, o MPF ofereceu denúncia dentro do prazo legal.
4. Inépcia da denúncia. A denúncia descreve satisfatoriamente os fatos criminosos e a atuação de cada imputado, havendo correspondência entre esses fatos e a capitulação jurídica, viabilizando o pleno exercício do direito de defesa. A discussão sobre a inépcia da denúncia fica superada com a prolação da sentença condenatória.
5. Materialidade, autoria e dolo comprovados por diversos laudos periciais e documentos de apreensão, bem como pela prisão em flagrante dos acusados, confissão do corréu e prova oral produzida em contraditório judicial.
6. Dosimetria das penas. A natureza e a quantidade da droga apreendida (5,7 kg de maconha e 93,6 kg de cocaína) justificam a exasperação da pena-base em montante maior do que o fixado na sentença, nos termos do art. 42 da Lei nº 11.343/2006 e segundo a jurisprudência da Turma para casos análogos.
7. O intuito de lucro já se encontra em múltiplas condutas do art. 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, não sendo o caso de se reconhecer a agravante do inciso IV do art. 62 do Código Penal. Precedentes.
8. Correta a aplicação da causa de aumento prevista no inciso I do art. 40 da Lei nº 11.343/2006, na fração mínima de 1/6 (um sexto), pois está comprovado que a droga era proveniente do exterior e a fração aplicada é condizente com a jurisprudência da Turma.
9. A conduta do corréu na prática do crime não foi de simples "mula" do tráfico, mas de quem detinha a confiança dos donos da droga, na medida em que a carga que transportava tem valor econômico bastante elevado no mercado de drogas ilícitas e tal valor não é entregue a quem que não tenha a mínima confiança do proprietário ou negociante da droga. Além disso, o modus operandi com a presença de pessoas para simular o transporte de passageiros, bem como o fato de a droga ter sido escondida em compartimentos ocultos no veículo, reforça a conclusão do envolvimento do réu com atividade criminosa. Inaplicabilidade da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006.
10. Em relação à corré, é cabível a referida causa de diminuição. No entanto, deveria ser aplicada no mínimo legal, mas o MPF, em seu recurso, apenas pediu o seu afastamento, sem qualquer ressalva quanto à fração aplicada, de modo que não é possível reduzir a fração, sob pena de ofensa ao princípio da non reformatio in pejus.
11. Mantida a prisão preventiva do corréu porque ainda persistem os motivos que levaram à sua decretação, dadas as especificidades do caso concreto.
IV. Dispositivo e tese
12. Apelação da acusação parcialmente provida. Apelação da defesa não provida.
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Dispositivos relevantes citados:
Jurisprudência relevante citada: