RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5031743-90.2024.4.03.6301
RELATOR: 44º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: FLAVIO DA SILVA BARROS
Advogados do(a) RECORRENTE: DANILO HENRIQUE ALMEIDA MACHADO - GO56253-A, MARIANA COSTA - GO50426-A
RECORRIDO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, UNIÃO FEDERAL, BANCO DO BRASIL SA
Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5031743-90.2024.4.03.6301 RELATOR: 44º Juiz Federal da 15ª TR SP RECORRENTE: FLAVIO DA SILVA BARROS Advogados do(a) RECORRENTE: DANILO HENRIQUE ALMEIDA MACHADO - GO56253-A, MARIANA COSTA - GO50426-A RECORRIDO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, UNIÃO FEDERAL, BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso inominado interposto pela parte autora de sentença que julgou improcedente o pedido de desconto de até 77% sobre o valor global da dívida de seu contrato de financiamento estudantil. A parte autora sustenta que a Lei 14.375/2022 lhe faculta a quitação do contrato de financiamento estudantil mediante desconto de até 77% sobre o valor global da dívida, razão pela qual requer a reforma do julgado. Foram apresentadas contrarrazões pelas partes. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5031743-90.2024.4.03.6301 RELATOR: 44º Juiz Federal da 15ª TR SP RECORRENTE: FLAVIO DA SILVA BARROS Advogados do(a) RECORRENTE: DANILO HENRIQUE ALMEIDA MACHADO - GO56253-A, MARIANA COSTA - GO50426-A RECORRIDO: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, UNIÃO FEDERAL, BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) RECORRIDO: NEI CALDERON - SP114904-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Do exame dos autos, constata-se que, não obstante a relevância das razões apresentadas pelas recorrentes, todas as questões discutidas no recurso foram corretamente apreciadas pelo Juízo de Primeiro Grau, nos seguintes termos: “No presente caso, a parte autora pretende obter a aplicação integral do desconto de 77% do seu saldo devedor, nos termos da lei 14.375/2022, considerando enquadrar-se no requisito inadimplência e estar enfrentando severas dificuldades financeiras. Relata ter formalizado contrato de adesão ao FIES em 28.05.2013, tendo iniciado o seu financiamento a partir do 1º período do curso de Ciências Contábeis, no entanto não chegou a concluir a graduação. Alega ter preenchidos os requisitos para o programa “Desenrola” do FIES, contudo ficou impossibilitado de seguir com a adesão. Acrescenta, ainda, que foi prevista condição de pagamento em 15 vezes, porém tal possibilidade não o favorece. Destaca que, mesmo amparados pela Lei 14.375 de 2022, diversos estudantes não conseguiram ter a aplicação do desconto ao seu saldo devedor. Assevera que possui direito legal ao referido desconto, porém após diversas tentativas de renegociação com o banco não conseguiu dedução satisfatória de valores. Destaca que embora não se enquadre no CadÚnico e não tenha recebido auxílio emergencial a partir de 2021, por bom senso e obediência à previsão legal debatida na inicial há possibilidade de aplicação do desconto de 77% (R$ 21.220,70) aos inadimplentes, nos termos da Lei 14.375/2022. Pois bem. A renegociação dos valores dos contratos avençados no âmbito do FIES que estivessem com débitos vencidos e não pagos na da data da entrada em vigor da MP nº 1.090/2021 foi implementada com o objetivo de reduzir a inadimplência decorrente dos efeitos econômicos da pandemia de COVID-19. A Resolução nº 49/2022 do Comitê Gestor do FIES estipulou condições para renegociação, das seguintes formas: - para débitos vencidos há mais de 90 dias na data da publicação da Medida Provisória nº 1.090, de 2021, mediante pagamento à vista com desconto de todos os encargos, juros e multa e 12% no valor principal ou parcelamento em 150 meses, com desconto em todos os encargos, mantidas as demais condições do contrato; - para débitos vencidos há mais de 360 dias na data de publicação da Medida Provisória nº 1.090 - 30/12/2021: a)para beneficiários do CADÚnico ou de auxílio emergencial – pagamento à vista, com desconto de 92% do valor consolidado da dívida, b) para os demais estudantes, pagamento à vista, com desconto de 86% do valor da dívida (encargos e principal) – inciso III do artigo 1º da Res CG 49/2022. A adesão à negociação acima deveria ser feita perante o agente financeiro entre 07/03 e 31/08 de 2022, nos termos do artigo 1º da Res. CG-FIES 49/2022. A MP nº 1.090/2021 foi convertida na Lei 14.375, de 21 de junho de 2022, que estipulou o percentual de desconto de até 77% do valor consolidado, exceto para os casos de beneficiários do CADÚnico, ou do Auxílio Emergencial ou outros programas do Governo, hipótese em que o desconto poderia chegar a 99%. A Resolução CG-FIES nº 51/2022 estabeleceu a seguinte possibilidade de renegociação: - para débitos vencidos há mais de 90 dias e até 360 dias em 30/12/2021: a) para pagamento à vista - desconto de todos os encargos, juros e multa e 12% no valor principal; b) parcelamento em 150 meses, com desconto de todos os encargos (cem por cento de juros e multas), mantidas as demais condições do contrato; - para débitos vencidos há mais de 360 dias em 30/12/2021: a) para beneficiários do CADÚnico ou do Auxílio Emergencial 2021: 1 - desconto de noventa e dois por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor (será permitida a quitação do Saldo Devedor em até quinze prestações mensais e sucessivas, incidindo sobre o saldo devedor os encargos financeiros correspondentes à 100% (cem por cento) da taxa média do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – conforme §1º do artigo 1º); 2 - estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de trezentos e sessenta dias, na data de 30 de dezembro de 2021, que estejam cadastrados no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, cuja data da última prestação prevista em contrato esteja em atraso superior há cinco anos, desconto de noventa e nove por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor (será permitida a quitação do Saldo Devedor em até quinze prestações mensais e sucessivas, incidindo sobre o saldo devedor os encargos financeiros correspondentes à 100% (cem por cento) da taxa média do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – conforme §1º do artigo 1º); b) para os demais estudantes: 1 - desconto de 77% do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor (será permitida a quitação do Saldo Devedor em até quinze prestações mensais e sucessivas, incidindo sobre o saldo devedor os encargos financeiros correspondentes à 100% (cem por cento) da taxa média do Sistema Especial de Liquidação e Custódia – conforme §1º do artigo 1º) 2 - desconto de 12% do valor consolidado da dívida, inclusive principal, para pagamento à vista para os estudantes com "0" (Zero) dia de atraso com o FIES. A renegociação acima deveria ser efetuada entre 01/09/2022 e 31/12/2022, consoante disposto no artigo 1º da Resolução CG-FIES 51/2022. No caso, foram estabelecidos prazos para a renegociação e o autor não comprovou as alegações expendidas quanto à impossibilidade sistêmica em promover a adesão. Também não comprovou que tenha cumprido os respectivos prazos. A Lei 10.260/01 tratou das condições de renegociação dos contratos inerentes ao FIES, nos seguintes termos: Art. 5º-A Serão mantidas as condições de amortização fixadas para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Fies até o segundo semestre de 2017. (Redação dada pela Lei nº 13.530, de 2017) (...) § 4º Sem prejuízo do disposto no § 1º deste artigo, o estudante beneficiário que tenha débitos vencidos e não pagos em 30 de junho de 2023 poderá liquidá-los por meio da adesão à transação com fundamento nesta Lei, nos seguintes termos: (Redação dada pela Lei nº14.719, de 2023) I - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) II - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) IV - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) V - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 90 (noventa) dias em 30 de junho de 2023: (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) a) com desconto da totalidade dos encargos e de até 12% (doze por cento) do valor principal, para pagamento à vista; ou (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) b) mediante parcelamento em até 150 (cento e cinquenta) parcelas mensais e sucessivas, com redução de 100% (cem por cento) de juros e multas; (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) VI - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de junho de 2023 que estejam inscritos no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, com desconto de até 99% (noventa e nove por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; e (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) VII - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos havia mais de 360 (trezentos e sessenta) dias em 30 de junho de 2023 que não se enquadrem na hipótese prevista no inciso VI deste parágrafo, com desconto de até 77% (setenta e sete por cento) do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor. (Redação dada pela Lei nº 14.719, de 2023) § 4º-A. A transação de que trata o § 4º deste artigo não se aplica às operações de crédito de mutuários que tenham cometido inaplicação, desvio de finalidade ou fraude em operações de crédito contratadas com recursos do Fies. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) § 5º Para fins do disposto na alínea “a” do inciso V e nos incisos VI e VII do § 4º deste artigo, será permitida a quitação do saldo devedor em até 15 (quinze) prestações mensais e sucessivas, corrigidas pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic). (Redação dada pela Lei nº 14.375, de 2022) § 5º-A. Para os parcelamentos de que tratam a alínea “b” do inciso V do § 4º e o § 5º deste artigo, o valor da parcela de entrada mínima será definido por meio de regulamento editado pelo CG-Fies. (Incluído pela Lei nº 14.375, de 2022) A Resolução CG-FIES Nº 55/2023 estabeleceu o seguinte: Art. 1º O estudante beneficiário, cujo contrato de financiamento, celebrado até o ano de 2017, encontrava-se em fase de amortização na data de 30 de junho de 2023, poderá liquidá-lo por meio da adesão à renegociação, até 31 de dezembro de 2024, por meio de solicitação do financiado perante o agente financeiro do contrato do Fundo de Financiamento Estudantil - Fies, a contar da data da publicação desta resolução, nos seguintes termos: (Redação data pela Resolução CG-FIES nº 60/2024) I - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de noventa dias, em 30 de junho de 2023: a) com desconto da totalidade dos encargos e de doze por cento do valor principal, para pagamento à vista; ou b) mediante parcelamento em até cento e cinquenta parcelas mensais e sucessivas, com redução de cem por cento de juros e multas, mantidas as demais condições do contrato; II - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de trezentos e sessenta dias, na data de 30 de junho de 2023, que estejam cadastrados no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, com desconto de noventa e dois por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; III - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de trezentos e sessenta dias, na data de 30 de junho de 2023, que estejam cadastrados no CadÚnico ou que tenham sido beneficiários do Auxílio Emergencial 2021, cuja data da última prestação prevista em contrato esteja em atraso superior há cinco anos, com desconto de noventa e nove por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; IV - para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de trezentos e sessenta dias, na data de 30 de junho de 2023, que não se enquadrem na hipótese prevista no inciso II e III, com desconto de setenta e sete por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, por meio da liquidação integral do saldo devedor; e V - para os estudantes com zero dia de atraso com o Fies desconto de doze por cento do valor consolidado da dívida, inclusive principal, para pagamento à vista. § 1º Para fins do disposto nos incisos II, III e IV, será permitida a quitação do Saldo Devedor em até quinze prestações mensais e sucessivas, incidindo sobre o saldo devedor os encargos financeiros correspondentes à cem por cento da taxa média do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - TMS.” A planilha apresentada pelo Banco do Brasil indica renegociação com cancelamento por inadimplência em 11/09/2023 (ID Num. 340708220 - Pág. 2). A parte autora requereu a aplicação do percentual de 77% de desconto para o contrato FIES. Na manifestação sobre as contestações apresentadas pelos réus, requereu a aplicação analógica e interpretação extensiva do desconto de 77% aos adimplentes, bem como aplicação do desconto de 12% ou a aplicação do desconto de 30%. Todavia, o documento ID Num. 335007974 - Pág. 1 denota que a parte autora não se enquadra na hipótese de renegociação, porquanto há indicação de valores em atraso nas prestações de 20/09/2023 e 23/02/2024. Ressalto que o sistema de financiamento estudantil para universitários com recursos provenientes do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES), por sua vez, é gerido por legislação própria, qual seja a Lei 10.260/2001. Trata-se de programa governamental, de nítido cunho social, que visa a facilitar o financiamento, por meio de condições privilegiadas, a alunos universitários que, em princípio, não teriam condições de arcar com o pagamento das mensalidades dos cursos de Instituições de Ensino Superior – IES. Cuida-se, portanto, de contrato específico. O estabelecimento de condições para a concessão de renegociação para o contrato FIES insere-se no âmbito da conveniência e oportunidade da Administração, e, portanto, não podem ser modificados ou afastados pelo Judiciário, sendo reservado a este Poder apenas o exame da legalidade do ato administrativo. Por essas razões, não há ilegalidade na não concessão de renegociação por ausência de enquadramento nos requisitos estabelecidos ou por perda do prazo de renegociação.”. Diante disso, devem ser adotados, neste Acórdão, os fundamentos já expostos na sentença monocrática, a qual deve ser mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos, nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95. O Supremo Tribunal Federal, em sucessivos julgados (cf. ARE 736.290 AgR/SP, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJE 15/08/2013; AI 749.969 AgR/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 08/10/2008; AI 749.963 AgR/RJ, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJE 24/09/2009), afirmou que a regra veiculada pelo artigo 46 da Lei n. 9.099/95 não infringe o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e o dever de fundamentação das decisões judiciais (arts. 5º, LIV, LV, 93, IX, da Constituição da República de 1988), se “a jurisdição foi prestada mediante decisão suficientemente motivada” (AI 651.364 AgR/RJ, Primeira Turma, Rel. Min. Menezes Direito, DJE 25/09/2008). Com efeito, nos termos da legislação de regência explicitada na sentença, a obtenção do desconto de 77% sobre o saldo devedor demanda o preenchimento dos seguintes requisitos: a) contrato de financiamento celebrado até o ano de 2017; b) contrato em fase de amortização em 30/06/2023; c) débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias, em 30/06/2023; d) liquidação integral do saldo devedor em até 15 prestações mensais e sucessivas, corrigidas pela taxa Selic. A autora não preenche o requisito indicado no item ‘c’, pois o débito vencido e não pago corresponde apenas às parcelas vencidas em 09/2023 e 02/2024 (Id 316632919). Diante do exposto, nego provimento ao recurso da parte autora. Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, devidos pela parte recorrente vencida. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98, do novo CPC – Lei nº 13.105/15. É o voto.
E M E N T A
FINANCIAMENTO ESTUDANTIL. CONTRATO EM FASE DE AMORTIZAÇÃO. INADIMPLEMENTO. DESCONTO DE 77% PARA QUITAÇÃO. DÍVIDA RELATIVA A PERÍODO NÃO PREVISTO NO ART. 5º-A, §4º, DA LEI 10.260/2001. RECURSO DESPROVIDO.