APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000906-67.2020.4.03.6115
RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: DENILSON BONADIA RIPA
Advogado do(a) APELADO: ELIANE VENTURINI ZUANETTI - SP188080-N
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000906-67.2020.4.03.6115 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DENILSON BONADIA RIPA Advogado do(a) APELADO: ELIANE VENTURINI ZUANETTI - SP188080-N OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pelo INSS em face da r. sentença que julgou o pedido inicial nos seguintes termos: “Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido para determinar ao INSS: Considerar como tempo de serviço especial aquele prestado pelo autor nos períodos de 01/10/1990 a 29/04/1991, 11/07/1991 a 01/10/2001, 01/04/1987 a 31/03/1989, 01/04/1989 a 06/06/1990, de 01/01/2002 a 10/06/2003 e de 01/07/2003 a 13/10/2005 e de 26/10/2009 a 19/11/2017; Implantar em favor do autor aposentadoria especial desde a DER em 30/11/2018 O cálculo do benefício deve ser feito de acordo com o art. 29, II, da Lei 8.213/91, com redação dada pela Lei 9.876/99 (média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o período contributivo, sem incidência do fator previdenciário, e multiplicado pelo coeficiente de 100%). Condeno ainda o INSS no pagamento das parcelas devidas e não pagas entre DIB e a data imediatamente anterior à DIP, sendo que sobre os valores da condenação deverão incidir juros de acordo com os índices estabelecidos no MCJF e correção monetária pelo IPCA-E até o início da vigência da EC 113/2021, quando a SELIC passa a ser o índice oficial de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública. Deve ser respeitada a prescrição quinquenal. Ante o pedido expresso e presentes os pressupostos para a concessão da antecipação de tutela, quais sejam, a prova inequívoca da verossimilhança da alegação, que se traduz no próprio reconhecimento do pedido, do fundado receio do dano irreparável ou de difícil reparação, ante o caráter alimentar do benefício, concedo a antecipação de tutela e determino que seja oficiada a autarquia previdenciária para que implante o benefício em favor da autora, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, com DIP em 01/02/2024. Fica a parte autora ciente de que, caso a tutela antecipada seja revogada, em vista do precedente Tema 692 do E. STJ (“A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda a 30% da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago”), haverá a necessidade de se proceder a devolução das parcelas recebidas. Sem custas porque o INSS é isento. Condeno a parte ré ao reembolso de eventuais despesas e ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo no percentual mínimo do § 3º do art. 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação/proveito econômico obtido pela parte autora, de modo a possibilitar sua eventual majoração, nos termos do § 11 do mesmo dispositivo, e observado, ainda, seu § 5º, por ocasião da apuração do montante a ser pago. O valor da condenação fica limitado ao valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula nº 111 do STJ). Ainda que esta sentença não tenha como condenação valor certo e líquido, é certo que, por estimativa, o valor do proveito econômico a ser obtido não ultrapassará o parâmetro de 1.000 (mil) salários mínimos estabelecido pelo art. 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil, razão pela qual, ante este contexto fático processual, não há que se falar em remessa necessária dos autos à instância superior. Com o trânsito em julgado, oficie-se ao INSS para cumprimento.” No seu recurso de apelação o INSS pugna pela reforma da sentença para que seja excluída a especialidade dos períodos de 01/04/1987 a 31/03/1989, 01/04/1989 a 06/06/1990, 11/07/1991 a 01/10/2001, 01/01/2002 a 10/06/2003, 01/07/2003 a 13/10/2005 e de 26/10/2009 a 19/11/2017, pois o autor não comprova que laborou exposto ao agente ruído superior ao limite de tolerância de maneira habitual e permanente, pois os PPP’s indicam exposição a ruído variável e a prova pericial é incompleta, uma vez que o laudo não apresenta os períodos de medição com as inerentes curvas/doses e variações de exposição e não obedeceu a legislação previdenciária aplicável para aferição do ruído. No que diz respeito ao período de 26/10/2009 a 19/11/2017 foi acolhido como especial por exposição a poeira de sílica, mesmo constando o uso de EPI eficaz e não se ultrapassando os limites de tolerância. Por fim, pleiteia que seja julgado improcedente o pedido de concessão de aposentadoria especial, com a revogação da tutela antecipada, determinando-se à parte que devolva os valores recebidos na forma do Tema 692/STJ. Se mantida a sentença, requer que o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício seja fixado na data da juntada do laudo pericial em juízo. Prequestiona a matéria para fins recursais. O INSS comprovou o cumprimento da decisão e implantação do benefício (id 291068527). Com as contrarrazões recursais os autos foram remetidos a esta e. Corte. Houve a realização de prova pericial (laudo e esclarecimentos em id 291068492 e id 291068502). É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000906-67.2020.4.03.6115 RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: DENILSON BONADIA RIPA Advogado do(a) APELADO: ELIANE VENTURINI ZUANETTI - SP188080-N OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual. DO ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES ESPECIAIS O artigo 201, §1°, da CF/88, prevê um tratamento diferenciado aos segurados que exerçam atividades com exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes. O trabalho em condições especiais é objeto, ainda, dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 e dos artigos 64 a 70 do Decreto nº 3.048/99 (RPS – Regulamento da Previdência Social). A especialidade fica caracterizada quando constatada a exposição do segurado a agentes nocivos acima dos limites de tolerância (critério quantitativo), podendo tal avaliação ser também qualitativa. O Anexo IV do RPS traz um rol dos agentes nocivos, bem assim o respectivo tempo de exposição (15, 20 ou 25 anos) após o qual os segurados passam a fazer jus à aposentadoria especial. Desde 29/04/1995, data da publicação da Lei nº 9.032/95, exige-se a efetiva exposição do segurado a agentes nocivos. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente nocivo. Nos termos da legislação de regência, a exposição do segurado a agentes nocivos há de ser permanente, não ocasional nem intermitente, o que, entretanto, não significa que o segurado tenha que se expor durante toda a sua jornada à nocividade, mas sim que a exposição aos agentes seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço (Decreto nº 8.213/2013). Constando do PPP que o segurado ficava exposto a agente nocivo, deve-se concluir que tal exposição era suficiente à configuração da especialidade, nos termos do artigo 65 do RPS, não se exigindo menção expressa, no formulário, nesse sentido, já que no modelo de PPP concebido pelo INSS não existe campo específico para tanto. Logo, não prospera a alegação de impossibilidade de se reconhecer a especialidade do labor pelo fato de o PPP não consignar expressamente que a exposição era habitual, consoante jurisprudência desta C. Turma: APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1773938 - 0008160-27.2011.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 12/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2018. As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, tornou-se exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído e calor, que sempre exigiu laudo técnico. A partir de 01/01/2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidenciando os riscos do respectivo ambiente de trabalho. Infere-se do artigo 58 da Lei nº 8.213/91 que (i) a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita por meio do PPP; (ii) o PPP deve ser emitido pela empresa, na forma estabelecida pelo INSS, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho; (iii) o empregador deve manter atualizado o PPP abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a cópia desse documento; (iv) a empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista em lei. Considerando que a empresa empregadora deve garantir a veracidade das declarações prestadas nos formulários de informações e laudos periciais (artigo 133 da Lei nº 8.213/91 e artigo 299 do Código Penal) e que cabe ao Poder Público fiscalizar o empregador no que tange à elaboração, manutenção e atualização do PPP, presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário, seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas. O Egrégio STJ fixou tese repetitiva no sentido acima expendido no julgamento da Petição nº 10.262/RS, de 08/02/2017. A apresentação do PPP dispensa a apresentação do laudo que o subsidia. E o fato de esse laudo não ser contemporâneo ao labor não invalida as informações constantes do PPP a respeito do tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços. (Precedentes desta Corte: AC 0012334- 39.2011.4.03.6183, 8ª Turma, Desembargador Federal Luiz Stefanini, DE 19/03/2018; AC/ReO 0027585-63.2013.4.03.6301, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento e AC/ReO 0012008- 74.2014.4.03.6183, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Fausto de Sanctis, DE 17/10/2017) e Súmula nº 68, da Turma de Uniformização de Jurisprudência. O E. STF, no julgamento do ARE 664335, assentou o entendimento de que o fornecimento de EPI ao trabalhador afasta a especialidade do labor desde que tal equipamento se mostre efetivamente capaz de neutralizar ou eliminar a nocividade do ambiente laborativo. Assim, o simples fato de o PPP atestar a eficácia do EPI não é suficiente para afastar a especialidade do labor, pois, conforme se infere do Anexo XV, da Instrução Normativa 11/2006, do INSS - o campo 15.7 do PPP deve ser preenchido com “S - Sim; N - Não, considerando se houve ou não a atenuação, com base no informado nos itens 15.2 a 15.5, observado o disposto na NR-06 do MET, observada a observância: [...]”, a eficácia atestada no PPP diz respeito à aptidão do EPI para atenuar - e não neutralizar – a nocividade do agente. Logo, não se pode, com base nisso, afastar a especialidade do labor, até porque, nos termos do artigo 264, § 5º, do RPS; “sempre que julgar necessário, o INSS poderá solicitar documentos para confirmar ou complementar as informações contidas no PPP, de acordo com § 7º do artigo 68 e inciso III do artigo 225, ambos do RPS” (Precedente: TRF 3ª Região, NONA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2228745 - 0001993-28.2015.4.03.6113, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018) Não nos escapa a análise, em complemento às observações aqui lançadas, que a experiência vivida mundialmente a partir de 2020, com a pandemia por COVID-19, com a adoção de medidas preventivas, sanitárias e pessoais, corrobora e lança luzes sobre a natureza meramente atenuadora dos EPI’s na prevenção de doenças, inclusive as ocupacionais. Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a legislação de regência os reputava como tal. Já quanto à conversão do tempo de trabalho, a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR). O artigo 57, §5°, da Lei nº 8.213/91, admitia a conversão de tempo de atividade especial para comum, nos termos da tabela do artigo 70 do Decreto nº 3.048/99. Todavia, a conversão do tempo especial em comum só é possível até 13/11/2019, pois a EC 103/2019 (artigos 10, §3° e 25, §2°) vedou a conversão para períodos posteriores a tal data. Comprovada a exposição do segurado a agentes nocivos, há que se reconhecer a respectiva especialidade, ainda que não tenham sido recolhidas as contribuições previdenciárias devidas em decorrência de tal fato gerador, não havendo que se falar, nesse caso, em ausência de prévia fonte de custeio (artigo 195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei nº 8.213/91) nem em ausência de registro do código da GFIP no formulário, até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. No Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, assentou-se que a ausência de prévia fonte de custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o artigo 195, § 5º, da Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios previdenciários sem a correspondente fonte de custeio), contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria constituição, como é o caso da aposentadoria especial. DO AGENTE NOCIVO RUÍDO A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações. Até a edição do Decreto nº 2.171/1997 (06/03/1997), considerava-se especial a atividade exercida com exposição a ruído superior a 80 decibéis. A partir de então, passou-se a considerar como especial o trabalho realizado em ambiente em que o nível de ruído fosse superior a 90 decibéis. Por fim, com a entrada em vigor do Decreto nº 4.882, em 18/11/2003, o limite de tolerância a esse agente físico foi reduzido para 85 decibéis. Considerando tal evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -, reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997); superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003. O C. STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto nº 4.882/2003: "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694). O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria". A Corte Suprema assim decidiu, pois o EPI não elimina o agente nocivo, mas apenas reduz os seus efeitos, de sorte que o trabalhador permanece sujeito à nocividade, existindo estudos científicos que demonstram inexistir meios de se afastar completamente a pressão sonora exercida sobre o trabalhador, mesmo nos casos em que haja utilização de protetores auriculares. Logo, no caso de ruído, ainda que haja registro no PPP de que o segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os níveis de ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (artigo 195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei nº 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuída ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. NO CASO CONCRETO Cuida-se de apelação interposta pelo INSS visando a reforma da r. sentença para excluir a especialidade dos períodos de 01/04/1987 a 31/03/1989, 01/04/1989 a 06/06/1990, 11/07/1991 a 01/10/2001, 01/01/2002 a 10/06/2003, 01/07/2003 a 13/10/2005 e de 26/10/2009 a 19/11/2017 e a improcedência do pedido de aposentadoria especial. Passamos à análise dos períodos controversos à luz das provas dos autos. - Períodos de 01/04/1987 a 31/03/1989 e de 01/04/1989 a 06/06/1990 – cargo de auxiliar desenvolvimento pesquisa e auxiliar técnico desenvolvimento no setor laboratório junto à Cerâmica Porto Ferreira S/A Para comprovar as condições de trabalho nos mencionados intervalos o autor apresentou no procedimento administrativo e nestes autos os seguintes documentos: – PPP’s em id 291068200 (págs. 21/22) e id 291068441 (págs. 01/02), devidamente assinados e com indicação dos responsáveis técnicos pelas medições. O primeiro PPP informa exposição a ruído de 64 a 98 dB(A) e o segundo documento declara que o autor laborou exposto a ruído de 98 dB(A). - Laudo Pericial e esclarecimentos (id 291068492 e id 291068502) – o senhor perito apurou exposição a ruído de 86,4 dB(A) - Período de 11/07/1991 a 01/10/2001 – cargo de chefe desenvolvimento, técnico de laboratório, chefe controle de qualidade, chefe, auditor controle qualidade e chefe laboratório no setor laboratório e linha esmalte/laboratório junto à Cerâmica Porto Ferreira S/A Para comprovar as condições de trabalho no citado período o autor apresentou no procedimento administrativo e nestes autos os seguintes documentos: – PPP’s em id 291068200 (págs. 23/25) e id 291068441 (págs. 03/05), devidamente assinados e com indicação dos responsáveis técnicos pelas medições. O primeiro PPP informa exposição a ruído de 64 a 98 dB(A) de 11/07/1991 a 31/12/1996; 70 dB(A) de 01/01/1997 a 31/01/2000 e de 65 a 96 dB(A) de 01/02/2000 a 01/10/2001, enquanto o segundo documento declara que o autor laborou exposto a ruído de 98 dB(A) de 11/07/1991 a 31/12/1996, 70 dB(A) de 01/01/1997 a 31/01/2000 e de 96 dB(A) de 01/02/2000 a 01/10/2001. - Laudo Pericial e esclarecimentos (id 291068492 e id 291068502) – o senhor perito apurou exposição a ruído de 85,7 dB(A) - Período de 01/01/2002 a 10/06/2003 – cargo de chefe de controle de qualidade e desenvolvimento para a Cerâmica Porto Ferreira S/A Para comprovar as condições de trabalho no mencionado intervalo o autor apresentou no procedimento administrativo e nestes autos os seguintes documentos: – PPP’s em id 291068200 (págs. 26/27) e id 291068441 (págs. 07/08), devidamente assinados e com indicação dos responsáveis técnicos pelas medições. O primeiro PPP informa exposição a ruído de 64 a 96 dB(A) e o segundo documento declara que o autor laborou exposto a ruído de 96 dB(A). - Laudo Pericial e esclarecimentos (id 291068492 e id 291068502) – o senhor perito apurou exposição a ruído de 85,4 dB(A) - Período de 01/07/2003 a 13/10/2005 – função de gerente técnico e gerente assistências técnico no setor administrativo junto à empresa Cerâmica Sumaré Ltda Em relação a este intervalo o autor apresentou no procedimento administrativo e nestes autos o PPP em id 291068200 (págs. 18/20), devidamente assinado e com indicação do responsável pelos registros ambientais, no qual consta que o autor laborou exposto a ruído de 88 a 96 dB(A). - Laudo Pericial e esclarecimentos (id 291068492 e id 291068502) – o senhor perito apurou exposição a ruído de 85,6 dB(A) ANÁLISE DAS PROVAS Pois bem, é certo que há nos autos PPP’s e laudo pericial com informações diferentes acerca do nível de ruído. O C. Superior Tribunal de Justiça, nos Recursos Especiais nº 1.886.795/RS e nº 1.890.010/RS, em sede de recurso representativo de controvérsia repetitiva, com a definição do Tema nº 1.083, assentou o entendimento de que, constatados diferentes níveis de efeitos sonoros, deve ser aferido por meio do Nível de Exposição Normalizado (NEN) a partir da vigência do Decreto nº 4.882/03. Ausente essa informação, deverá ser adotado como critério o nível máximo de ruído (pico de ruído), desde que comprovado por perícia técnica judicial. In casu, considerando que os critérios fixados pelo Tema 1.083/STJ não se aplicam às atividades exercidas antes da vigência do referido Decreto nº 4.882/03 (19/11/2003), uma vez que não havia exigência de demonstrar a metodologia e o procedimento de avaliação aplicados na medição do ruído em função do tempo, bem como os limites legais estabelecidos pela legislação vigente (exposição a 80 dB até 05/03/1997, 90 dB de 06/03/1997 a 18/11/2003 e 85 dB a partir de 19/11/2003), extrai-se que o autor estava exposto a ruído acima dos limites de tolerância nos intervalos de 01/04/1987 a 31/03/1989, 01/04/1989 a 06/06/1990, 11/07/1991 a 31/12/1996, 01/01/1997 a 05/03/1997, 01/02/2000 a 01/10/2001, 01/01/2002 a 10/06/2003 e de 01/07/2003 a 18/11/2003. Em relação ao intervalo de 06/03/1997 a 31/01/2000 tanto os PPP’s como o laudo pericial indicam exposição a ruído inferior ao limite de tolerância exigido pela legislação vigente (70 e 85,7 dB), de modo que não é possível reconhecê-lo como especial. Quanto ao interstício de 19/11/2003 a 13/10/2005, o laudo pericial, ratificado pelos esclarecimentos (id 291068492 e id 291068502), constata a exposição a ruído de 85,6 dB(A), expresso em NEN, portanto, superior ao limite de tolerância exigido de 85 dB(A). - Período de 26/10/2009 a 19/11/2017 – cargo de chefe de laboratório, gerente técnico e gerente industrial no setor laboratório junto à Cerâmica Porto Ferreira S/A Para comprovar as condições de trabalho no referido período o autor apresentou no procedimento administrativo e nestes autos os PPP’s em id 291068200 (págs. 28/29) e id 291068441 (págs. 09/10), devidamente assinados e com indicação dos responsáveis pelos registros ambientais, os quais declaram que no desempenho de suas atribuições o segurado esteve exposto entre 26/10/2009 e 26/09/2017 a ruído de 83,84; 83,10 e 82,9 dB(A) e poeira contendo sílica. Considerando os limites legais estabelecidos pela legislação vigente (exposição a 80 dB até 05/03/1997, 90 dB de 06/03/1997 a 18/11/2003 e 85 dB a partir de 19/11/2003), extrai-se que o autor estava exposto a ruído inferior aos limites de tolerância. Outrossim, comprovam os PPP’s a exposição a poeira contendo sílica, o que permite o reconhecimento da especialidade das atividades de 26/10/2009 a 26/09/2017, independente de avaliação quantitativa, uma vez que o agente químico está previsto no item 1.2.10 do Anexo do Decreto nº 53.831/64 (“poeiras minerais nocivas”), item 1.2.12 do Anexo I do Decreto nº 83.080/79 (atividades nocivas sujeitas a sílica, silicatos, carvão, cimentos e amianto) e no item 1.0.18 dos Anexos IV dos Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99, atualmente em vigor (“sílica livre”). No que diz respeito ao intervalo de 27/09/2017 a 19/11/2017, como não há prova das condições em que o trabalho foi realizado, não é possível presumir a continuidade da exposição aos agentes nocivos, motivo pelo qual deve ser computado como tempo comum. HABITUALIDADE E EPI INEFICAZ Verifica-se dos elementos dos autos que a exposição da parte autora a agentes nocivos era inerente à atividade que ela desenvolvia, donde se conclui que tal exposição deve ser considerada permanente, nos termos do artigo 65 do RPS, o qual, consoante já destacado, reputa trabalho permanente "aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço". Não se exige, portanto, que o trabalhador se exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo, o que interdita o acolhimento da alegação autárquica em sentido contrário. No caso do agente ruído, como descrito anteriormente, a utilização de EPI, mesmo que eficaz, não desnatura a qualidade especial do tempo, consoante restou pacificado pelo E STF. Quanto aos agentes químicos, sabe-se que, mesmo havendo informação nesse sentido, a utilização de EPI não tem o condão de neutralizar o efeito dos agentes nocivos, embora possam minimizá-los. Dessa forma, por não haver prova nos autos da real neutralização ou atenuação do agente nocivo, não há que se falar em descaracterização da insalubridade. (TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5223978-87.2020.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, julgado em 09/03/2022, Intimação via sistema DATA: 11/03/2022) Frisa-se que, mesmo nas hipóteses em que demonstrado o EPI eficaz, há situações em que, em caráter excepcional, não se considera neutralizada a insalubridade. Situações como essa ocorrem quando a substância identificada estiver relacionada no Grupo I da LINACH (Lista Nacional de Agentes Cancerígenos para Humanos/Agentes confirmados como carcinogênicos para humanos - prevista na PORTARIA INTERMINISTERIAL MTE/MS/MPS Nº 9, DE 07 DE OUTUBRO DE 2014 - DOU 08/10/2014), como é o caso da poeira de sílica. A insalubridade deste agente nocivo, independentemente da avaliação de eficácia do equipamento de proteção, é admitida pelo próprio INSS, no Memorando-Circular no 2/DIRSAT/2015: “Após a alteração do Decreto 3.048/99 pelo Decreto 8.123/13, em seu artigo 68, § 4º e a publicação da Portaria Interministerial nº 09, de 07/10/2014, a Diretoria de Saúde do Trabalhador orienta: a) serão considerados agentes reconhecidamente cancerígenos aqueles do Grupo 1 da lista da LINACH que possuam o Chemical Abstracts Service - CAS.; b) dentre os agentes listados no Grupo 1, serão considerados os que constem no Anexo IV do Decreto 3048/99; c) a presença no ambiente de trabalho com possibilidade de exposição aos agentes comprovadamente cancerígenos será suficiente para comprovação da efetiva exposição do trabalhador; d) a avaliação da exposição aos agentes nocivos comprovadamente cancerígenos será apurada na forma qualitativa; e) a utilização de EPC e/ou EPI não elide a exposição aos agentes comprovadamente cancerígenos, ainda que considerados eficazes.” Dessa forma, não tendo o segurado cumprido com todos os requisitos para a concessão da pretendida aposentadoria especial, tem direito à averbação dos períodos reconhecidos como tempo especial nesta demanda. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Diante do parcial provimento do recurso do INSS, com a exclusão da especialidade de uma parte do período pretendido na inicial e a improcedência do pedido de concessão de aposentadoria especial, a hipótese dos autos é de sucumbência recíproca, motivo pelo qual as despesas processuais devem ser proporcionalmente distribuídas entre as partes, na forma do artigo 86 do CPC/15, não havendo como se compensar as verbas honorárias, por se tratar de verbas de titularidade dos advogados e não da parte (artigo 85, § 14, do CPC/15). Por tais razões, com base no artigo 85, §§ 2° e 3°, do CPC/15, condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios aos patronos do INSS, que fixo em 10% do valor atualizado da causa. Por outro lado, vencido o INSS no que tange ao reconhecimento como especial de parte dos períodos pleiteados na inicial, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios no particular, fixados, da mesma forma, em 10% do valor atualizado da causa. HONORÁRIOS RECURSAIS Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, § 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei. Assim, provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente, descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA Segundo o artigo 300 do CPC/2015, "A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo". A legislação de regência exige, para a concessão da tutela de urgência (tutela antecipada ou cautelar), que a parte demonstre o periculum in mora e o fumus boni iuris, entendendo-se este como a probabilidade da existência do direito alegado e aquele como o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Considerando a improcedência do pedido de aposentadoria especial, ausente a probabilidade do direito, devendo ser revogada a tutela concedida em Primeiro Grau. DEVOLUÇÃO DOS VALORES No que diz respeito a devolução dos valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela, o e. STJ no julgamento do Tema 692, que ocorreu em 11/05/2002, cujo acórdão foi publicado em 24/05/2022, firmou a seguinte tese: “A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.” Assim, em face da revogação da tutela antecipada, determino a devolução dos valores recebidos a este título, nos termos delineados pelo E. STJ. PREQUESTIONAMENTO Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais, tendo sido o recurso apreciado em todos os seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos. CONCLUSÃO Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à Apelação do INSS para excluir a especialidade das atividades nos períodos de 06/03/1997 a 31/01/2000 e de 27/09/2017 a 19/11/2017 e julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria especial, revogando a tutela antecipada, nos termos expendidos no voto. Revogada a antecipação dos efeitos da tutela, COMUNIQUE-SE o INSS para que cesse imediatamente o cumprimento da ordem concedida em Primeiro Grau, interrompendo o pagamento do benefício de aposentadoria especial (NB 46/209.278.031-47). É como voto. APOSENTADORIA ESPECIAL
Segundo o conjunto probatório carreado aos autos, o reconhecimento da especialidade das atividades nos períodos de 01/04/1987 a 31/03/1989, 01/04/1989 a 06/06/1990, 11/07/1991 a 31/12/1996, 01/01/1997 a 05/03/1997, 01/02/2000 a 01/10/2001, 01/01/2002 a 10/06/2003, 01/07/2003 a 13/10/2005 e de 26/10/2009 a 26/09/2017 é de rigor.
Diante desse cenário, conforme demonstrativo abaixo, em 30/11/2018 (DER), o segurado não tem direito ao benefício de aposentadoria especial, porque não cumpre o tempo mínimo de 25 anos sujeito a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física.
E M E N T A
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO PARCIAL DA ESPECIALIDADE DO TEMPO DE SERVIÇO. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. RUÍDO E POEIRA CONTENDO SÍLICA. EXCLUSÃO DE PERÍODOS NÃO COMPROVADOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE APOSENTADORIA ESPECIAL. REVOGAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA. DEVOLUÇÃO DE VALORES.
I. CASO EM EXAME
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
III. RAZÕES DE DECIDIR
IV. DISPOSITIVO E TESE
Tese de julgamento:
Dispositivos relevantes citados: Decreto nº 53.831/64, item 1.2.10; Decreto nº 83.080/79, item 1.2.12; Decretos nº 2.172/97 e nº 3.048/99, item 1.0.18; Decreto nº 4.882/03; CPC/2015, arts. 85, §§ 2º, 3º, 11 e 14, e 86; RPS, art. 65; Portaria Interministerial MTE/MS/MPS nº 9/2014.
Jurisprudência relevante citada: STJ, Tema 1.083, REsp nº 1.886.795/RS e REsp nº 1.890.010/RS; STJ, Tema 692; STF, entendimento consolidado sobre EPI e agente ruído.