Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008030-50.2024.4.03.6119

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: AGEH MAVINE ASHU

Advogados do(a) APELANTE: CAIO DE SOUZA GALVAO - DF41020-A, DANIEL ANGELO LUIZ DA SILVA - DF54608-A

APELADO: DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL DO AEROPORTO DE GUARULHOS - SP, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008030-50.2024.4.03.6119

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: AGEH MAVINE ASHU

Advogados do(a) APELANTE: CAIO DE SOUZA GALVAO - DF41020-A, DANIEL ANGELO LUIZ DA SILVA - DF54608-A

APELADO: DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL DO AEROPORTO DE GUARULHOS - SP, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Desembargadora Federal Giselle França:

Trata-se de habeas corpus cível impetrado em favor de AGEH MAVINE ASHU com o objetivo de viabilizar a permanência de estrangeiros em território nacional independentemente de visto, uma vez que os impetrantes requereram refúgio perante os órgãos competentes.

Por decisão inicial (ID 312668402), foi deferida parcialmente a liminar para impedir a repatriação de AGEH MAVINE ASHU até determinação ulterior, devendo ser mantidos em território nacional até a conclusão do pedido de refúgio.

Informações da autoridade impetrada, na qual refere que o paciente se encontra em trânsito internacional, tendo como destino final a Bolívia.  Anexou cópia do Controle de Estrangeiros Inadmitidos e da NOTA TÉCNICA Nº 18/2024/Gab-DEMIG/DEMIG/SENAJUS/MJ.

A r. sentença (ID 319124007) revogou a liminar e denegou a ordem. Sem custas nem honorários.

Apelação do impetrante (ID 319124015), sustentando que a r. sentença viola os princípios legais e internacionais aplicáveis à proteção dos refugiados, ignorando normas expressas como o art. 8º da Lei n.º 9.474/97 e tratados internacionais que garantem o direito de solicitar refúgio independentemente da forma de ingresso no país

Contrarrazões (ID 319124022).

O feito foi remetido a esta Corte Regional.

A Procuradoria Regional da República apresentou parecer pelo desprovimento do recurso interposto (ID 320382399).

Autos conclusos em 08/11/2024, apresentados em mesa na sessão de 24/04/2025 conforme artigo 80, inciso I, do RITRF3.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5008030-50.2024.4.03.6119

RELATOR: Gab. 18 - DES. FED. GISELLE FRANÇA

APELANTE: AGEH MAVINE ASHU

Advogados do(a) APELANTE: CAIO DE SOUZA GALVAO - DF41020-A, DANIEL ANGELO LUIZ DA SILVA - DF54608-A

APELADO: DELEGADO DE POLÍCIA FEDERAL DO AEROPORTO DE GUARULHOS - SP, UNIÃO FEDERAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

A Desembargadora Federal Giselle França:

A ação constitucional do “habeas corpus” é cabível “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição). Para tanto, a lesão ou ameaça de lesão deve estar documentalmente demonstrada, no momento da impetração. Não é viável a dilação probatória, dada a celeridade e urgência ínsitas ao “writ”.

Já no que diz respeito à Lei Federal nº. 13.455/17 (Lei de Migração), dispõe sobre os direitos e deveres do migrante e do visitante, regulando sua entrada e estada no Brasil (artigo 1º).

Nesse mister, para além de estabelecer princípios e garantias ao estrangeiro, a lei estabelece restrições à entrada no território nacional.

Importante consignar que tais restrições foram estabelecidas pelo legislador nacional, após extenso debate, representando a vontade democrática dos representantes da população.

Cumpre ao Judiciário dar cumprimento à lei, sendo vedada a sua atuação como legislador positivo, ainda que a partir de fundamento de relevante valor jurídico. Veja-se:

EMENTA: AGRAVO INTERNO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA. DEDUÇÕES COM EDUCAÇÃO. ADI 4.927. DESNECESSÁRIO AGUARDAR JULGAMENTO. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO COMO LEGISLADOR POSITIVO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. MANDADO DE SEGURANÇA. INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 85, § 11, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. MANIFESTO INTUITO PROTELATÓRIO. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO, COM IMPOSIÇÃO DE MULTA DE 5% (CINCO POR CENTO) DO VALOR ATUALIZADO DA CAUSA, NOS TERMOS DO ARTIGO 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, CASO SEJA UNÂNIME A VOTAÇÃO.

(STF, 1ª Turma, ARE 1471406 AgR, julgado em 15-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 26-04-2024  PUBLIC 29-04-2024, Rel. Min. LUIZ FUX).

EMENTA: SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. TRABALHISTA. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE DETERMINA A APLICAÇÃO DE MÚLTIPLOS DE SALÁRIO MÍNIMO COMO BASE DE SALÁRIO PROFISSIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE O PODER JUDICIÁRIO ATUAR COMO LEGISLADOR POSITIVO. CONTRARIEDADE À SÚMULA VINCULANTE N. 4 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(STF, 2ª Turma, AI 494225 AgR-segundo, julgado em 11-03-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-055  DIVULG 19-03-2014  PUBLIC 20-03-2014, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA).

Nesse contexto, anota-se que o artigo 45, inciso VII, da Lei Federal nº. 13.455/17 determina que “Poderá ser impedida de ingressar no País, após entrevista individual e mediante ato fundamentado, a pessoa: (...) VII - cuja razão da viagem não seja condizente com o visto ou com o motivo alegado para a isenção de visto;”.

É a hipótese dos autos, na medida que o paciente ingressou no país com isenção de visto aplicada a passageiros em trânsito, conforme explicitado nas informações da autoridade coatora.

Assim, regra geral, é regular a negativa de ingresso no país nos casos em que o estrangeiro tenha se valido da isenção de visto por estar em trânsito internacional.

O caso concreto possui peculiaridade, na medida que foi formulado pedido de refúgio na forma da Lei Federal nº. 9.474/97, verbis:

Art. 1º. Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

(...)

Art. 7.º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.

§ 1º. Em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.

§ 2º. O benefício previsto neste artigo não poderá ser invocado por refugiado considerado perigoso para a segurança do Brasil.

Art. 8º. O ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes.

Art. 9º. A autoridade a quem for apresentada a solicitação deverá ouvir o interessado e preparar termo de declaração, que deverá conter as circunstâncias relativas à entrada no Brasil e às razões que o fizeram deixar o país de origem.

Art. 10. A solicitação, apresentada nas condições previstas nos artigos anteriores, suspenderá qualquer procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular, instaurado contra o peticionário e pessoas de seu grupo familiar que o acompanhem.

§ 1º. Se a condição de refugiado for reconhecida, o procedimento será arquivado, desde que demonstrado que a infração correspondente foi determinada pelos mesmos fatos que justificaram o dito reconhecimento.

§ 2º. Para efeito do disposto no parágrafo anterior, a solicitação de refúgio e a decisão sobre a mesma deverão ser comunicadas à Polícia Federal, que as transmitirá ao órgão onde tramitar o procedimento administrativo ou criminal.

De fato, a irregularidade na entrada não é impedimento à solicitação de refúgio (artigo 8º da Lei Federal nº. 9.474/97). Todavia, o refúgio diz com a situação de pessoa que não quer retornar ao seu país de origem ou de sua residência habitual, conforme referido no artigo 1º da Lei Federal nº. 9.474/97.

A interpretação da legislação em seu contexto afasta a possibilidade do requerimento de refúgio quando a pessoa esteja em trânsito para um 3º país, para o qual possui visto regular de entrada. É nesse sentido a orientação da 6ª Turma desta Corte Regional:

CONSTITUCIONAL - HABEAS CORPUS DE NATUREZA CÍVEL - ESTRANGEIROS EM TRÂNSITO NO AEROPORTO DE GUARULHOS - PRETENSÃO DE REFÚGIO NO BRASIL - REGULARIDADE NO PROCESSAMENTO ADMINISTRATIVO.

I. CASO EM EXAME: Habeas corpus com o objetivo de assegurar o direito de solicitação de refúgio ou regularizar a situação migratória de estrangeiros em trânsito para outros países.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Regularidade do indeferimento de visto na forma do artigo 45, inciso VII, da Lei Federal nº. 13.455/17. Interpretação dos artigos 1º e 8º da Lei Federal nº. 9.474/97 em seu contexto, para verificar a possibilidade de requerimento de refúgio por estrangeiro com destino a um terceiro país.

III. RAZÕES DE DECIDIR: 1. Cumpre ao Judiciário dar cumprimento à lei, sendo vedada a sua atuação como legislador positivo, ainda que a partir de fundamento de relevante valor jurídico. Assim, regra geral, é regular a negativa de ingresso no país nos casos em que o estrangeiro tenha se valido da isenção de visto por estar em trânsito em internacional. 2. a irregularidade na entrada não é impedimento à solicitação de refúgio (artigo 8º da Lei Federal nº. 9.474/97). Todavia, o refúgio diz com a situação de pessoa que não quer retornar ao seu país de origem ou de sua residência habitual, conforme referido no artigo 1º da Lei Federal nº. 9.474/97. A interpretação da legislação em seu contexto afasta a possibilidade do requerimento de refúgio quando a pessoa esteja em trânsito para um 3º país, para o qual possui visto regular de entrada.

IV. DISPOSITIVO E TESE. Extinção sem mérito com relação aos pacientes SHAMBARE THOMAS, BUDHAMAGAR BIKRAM (ou BIKASH) e AFFOE CHRISTOPHER. Preliminares da LATAM rejeitadas. Habeas corpus improcedente. É regular a negativa de processamento de refúgio ao estrangeiro em trânsito para um terceiro país. Determinação de expedição de ofícios para apuração de fatos.

Dispositivos relevantes citados: Lei nº. 13.455/17, art. 45, VII; Lei nº. 9.474/97, art. 1º e 8º.

Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 1471406 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, julgado em 15-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 26-04-2024  PUBLIC 29-04-2024; STF, AI 494225 AgR-segundo, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 2ª Turma, julgado em 11-03-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-055  DIVULG 19-03-2014  PUBLIC 20-03-2014.                                   

(TRF-3, 6ª Turma, HCCiv 5025838-92.2024.4.03.0000, j. 17/12/2024, Intimação via sistema DATA:19/12/2024, Rel. Des. Fed. GISELLE DE AMARO E FRANCA).

Assim, considerada a prova documental apresentada, não há irregularidade no processamento.

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.



E M E N T A

 

 

CONSTITUCIONAL - HABEAS CORPUS DE NATUREZA CÍVEL - ESTRANGEIRO EM TRÂNSITO NO AEROPORTO DE GUARULHOS - PRETENSÃO DE REFÚGIO NO BRASIL - REGULARIDADE NO PROCESSAMENTO ADMINISTRATIVO.

I. CASO EM EXAME: Habeas corpus com o objetivo de assegurar o direito de solicitação de refúgio ou regularizar a situação migratória de estrangeiro em trânsito para outros país.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: Regularidade do indeferimento de visto na forma do artigo 45, inciso VII, da Lei Federal nº. 13.455/17. Interpretação dos artigos 1º e 8º da Lei Federal nº. 9.474/97 em seu contexto, para verificar a possibilidade de requerimento de refúgio por estrangeiro com destino a um terceiro país.

III. RAZÕES DE DECIDIR: 1. Cumpre ao Judiciário dar cumprimento à lei, sendo vedada a sua atuação como legislador positivo, ainda que a partir de fundamento de relevante valor jurídico. Assim, regra geral, é regular a negativa de ingresso no país nos casos em que o estrangeiro tenha se valido da isenção de visto por estar em trânsito em internacional. 2. A irregularidade na entrada não é impedimento à solicitação de refúgio (artigo 8º da Lei Federal nº. 9.474/97). Todavia, o refúgio diz com a situação de pessoa que não quer retornar ao seu país de origem ou de sua residência habitual, conforme referido no artigo 1º da Lei Federal nº. 9.474/97. A interpretação da legislação em seu contexto afasta a possibilidade do requerimento de refúgio quando a pessoa esteja em trânsito para um 3º país, para o qual possui visto regular de entrada.

IV. DISPOSITIVO E TESE. 3. Apelação desprovida. Tese: 4. É regular a negativa de processamento de refúgio ao estrangeiro em trânsito para um terceiro país.

Dispositivos relevantes citados: Lei nº. 13.455/17, art. 45, VII; Lei nº. 9.474/97, art. 1º e 8º.

Jurisprudência relevante citada: STF, ARE 1471406 AgR, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, julgado em 15-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n  DIVULG 26-04-2024  PUBLIC 29-04-2024; STF, AI 494225 AgR-segundo, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, 2ª Turma, julgado em 11-03-2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-055  DIVULG 19-03-2014  PUBLIC 20-03-2014. TRF-3, 6ª Turma, HCCiv 5025838-92.2024.4.03.0000, j. 17/12/2024, Intimação via sistema DATA:19/12/2024, Rel. Des. Fed. GISELLE DE AMARO E FRANCA.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GISELLE FRANÇA
Desembargadora Federal