RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5108598-47.2023.4.03.6301
RELATOR: 5º Juiz Federal da 2ª TR SP
RECORRENTE: RICARDO PRADO WOLOWSKI
Advogado do(a) RECORRENTE: JOAO GUILHERME DMYTRACZENKO FRANCO - SP364636-A
RECORRIDO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5108598-47.2023.4.03.6301 RELATOR: 5º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: RICARDO PRADO WOLOWSKI Advogado do(a) RECORRENTE: JOAO GUILHERME DMYTRACZENKO FRANCO - SP364636-A RECORRIDO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Dispensado o relatório nos termos do art. 46 da Lei 9.099/1995.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5108598-47.2023.4.03.6301 RELATOR: 5º Juiz Federal da 2ª TR SP RECORRENTE: RICARDO PRADO WOLOWSKI Advogado do(a) RECORRENTE: JOAO GUILHERME DMYTRACZENKO FRANCO - SP364636-A RECORRIDO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Com acréscimos, a sentença deve ser mantida pelos próprios fundamentos, que se consideram transcritos e partes integrantes deste voto a bem da fundamentação sucinta, celeridade e informalidade, critérios legais esses extraídos do texto da Lei 9.099/1995, artigos 2º e 46, que norteiam o julgamento dos processos nos Juizados Especiais Federais. Conforme tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 451, “não afronta a exigência constitucional de motivação dos atos decisórios a decisão de Turma Recursal de Juizados Especiais que, em consonância com a Lei 9.099/1995, adota como razões de decidir os fundamentos contidos na sentença recorrida”. Destaco os motivos já expostos na ementa deste voto, em fundamentação sucinta autorizada pelo artigo 46 da Lei 9.099/1995, aos quais me reporto e que se consideram transcritos e integrantes desta fundamentação. DISPOSITIVO Mantenho a sentença nos termos do artigo 46 da Lei nº. 9.099/1995, por seus próprios fundamentos, com acréscimos, e nego provimento ao recurso. Com fundamento no artigo 55 da Lei 9.099/1995, condeno a parte recorrente, integralmente vencida, a pagar os honorários advocatícios, arbitrados no percentual de 10% sobre o valor da causa, com correção monetária desde a data do ajuizamento, na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal em vigor quando do cumprimento da sentença. O regime jurídico dos honorários advocatícios é regido exclusivamente pela Lei 9.099/1995, lei especial, que neste aspecto regulou inteiramente a matéria, o que afasta o regime do Código de Processo Civil. Os honorários advocatícios são devidos, sendo a parte representada por profissional da advocacia, apresentadas ou não as contrarrazões, uma vez que o profissional permanece a executar o trabalho, tendo que acompanhar o andamento do recurso (STF, Pleno, AO 2063 AgR/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Luiz Fux, j. 18.05.2017; AgInt no REsp 1429962/RS, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 02/08/2017).
E M E N T A
Tributário. Recurso da autora em face da sentença, que julgou improcedente o pedido de não incidência do imposto de renda da pessoa física sobre ganho de capital. Imóvel. Transmissão por herança. Exigência pela Receita Federal do Brasil do imposto de renda à alíquota de 15% sobre o ganho de capital representado pela diferença entre o valor constante da declaração do autor da herança e o valor da transmissão. Questão da constitucionalidade da norma extraível do texto do § 1º do artigo 23 da Lei 9.532/1997, segundo a qual, se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento. O imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial decorrente da valorização do imóvel e de sua atualização a valor de mercado, promovida por vontade do herdeiro, quando o bem já integrava seu patrimônio, pelo princípio da “saisine”. Improcedência das razões recursais.
A sentença resolveu o seguinte: “A petição inicial foi instruída com os seguintes elementos de prova: - ID 306331930 - certidão de óbito de Ricardo Prado Wolowski, em 06.06.2022; - ID 306331942 - certidão da matrícula n. 44.090, do 17º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, demonstrando a titularidade do imóvel objeto da incidência tributária em análise; - ID 306331939 - escritura de inventário e partilha do espólio de Ricardo Prado Wolowski. O fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda e proventos de qualquer natureza, conforme dispõe o art. 43 do CTN: (...) Nesse sentido, a Lei n.º 7.713/88 prevê que a apuração de ganho de capital, por meio de operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos, é fato imponível deste tributo, o que se revela compatível com a norma do código. Por outro lado, a Lei n.º 7.713/88 dispunha, em seu art. 6º, inciso XVI, que o valor dos bens adquiridos por herança estão isentos do imposto de renda. Contudo, houve a revogação dos incisos XVI, art. 6º, e III, art. 22, da Lei 7.713/88 pelo art. 23 da Lei 9.532/97, afastando-se a norma de isenção quanto ao ganho de capital eventualmente auferido a partir da transferência causa mortis ou por doação. O artigo 23 da Lei n.º 9.532/97 passou a prever a incidência da alíquota de 15% sobre a diferença entre o valor avaliado quando da transferência do direito de propriedade e o valor declarado de bens e direitos do de cujus, identificando-se o espólio como sujeito passivo da obrigação: (...) Neste sentido, não é inconstitucional o § 1º do art. 23 da Lei 9.532, de 1997, sendo descabida a alegação de bitributação, pois o imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial (art. 43, II, do CTN), enquanto no caso do ITCM (CF, art. 155, I, e CTN, art. 35, I), o fato gerador é a transmissão do bem, além de serem distintas as respectivas bases de cálculo (no caso do IR, é apenas a valorização imobiliária; no caso do ITCM, o valor total do bem). Uma vez identificada diferença entre o valor de mercado e o valor constante na declaração de bens, incide o imposto de renda sobre o ganho de capital apurado na transmissão “causa mortis”. Observo ainda a faculdade conferida ao inventariante, de optar pela transferência do imóvel pelo valor de mercado, ou pelo valor histórico do bem indicado na última declaração de imposto de renda do falecido. No caso de optar pelo valor de mercado, incidirá imposto de renda sobre o ganho de capital indicado, e no caso de ser utilizado o valor histórico, somente incidirá imposto de renda em futura alienação. No caso em exame, a autora alega que foi obrigada a atribuir ao bem imóvel o valor de mercado, pois a Lei estadual nº 10.705/00 estabelece que a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) terá como valor mínimo o valor venal previsto na legislação municipal para o lançamento do IPTU. Tal fato não retira a hipótese de incidência tributária, uma vez apurado o ganho de capital na sucessão “causa mortis”. Além disso, com a atualização do valor do imóvel no momento da sucessão, em futura alienação do imóvel, poderá não haver novo ganho de capital, ou o valor devido será muito menor, em razão da atualização anterior realizada na sucessão”.
O recurso não pode ser provido. A sentença deve ser mantida pelos próprios fundamentos, com acréscimos. Na forma da cabeça do artigo 23 da Lei 9.532/1997, na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do autor da herança ou do doador.
A autora optou por avaliar o bem a valor de mercado. O afastamento da incidência do imposto de renda sobre ganho de capital, tendo a transferência do direito de propriedade do imóvel por sucessão, na aceitação da herança, sido avaliada a valor de mercado, quando a autora poderia ter optado, como lhe facultava a cabeça do referido artigo 23 da Lei 9.532/1997, pelo valor constante da declaração de bens do autor da herança, permitiria o afastamento definitivo do fato gerador do imposto de renda, apenas por vontade do contribuinte. Recebido o imóvel na herança pelo contribuinte que optou por sua avaliação a valor de mercado, o imóvel poderia ser alienado no mesmo ato ou logo em seguida, também por valor de mercado, sem a tributação do imposto de renda sobre o ganho de capital entre o valor original da aquisição do bem, constante da declaração do autor da herença, e o valor de mercado.
Conforme exposto pela União na excelente contestação que apresentou, ratificada nas contrarrazões, “Da Exposição de Motivos nº 644/MF, que acompanha o projeto de edição da Medida Provisória nº 1.602, de 14 de novembro de 1997, posteriormente convertida na Lei 9.532/97, extrai-se a seguinte explicação acerca do dispositivo legal em questão: O art. 24 cuida de regular a transferência de direitos de propriedade por sucessão, nos casos de herança e doações em adiantamento da legítima. Pela proposta, os bens e direitos, nas referidas hipóteses, poderão ser transferidos a valor de mercado ou pelo valor constante da última declaração de bens do de cujus ou do doador. Se a opção for a transferência a valor de mercado, a diferença entre este e o valor constante da declaração de bens referida será tributada à alíquota de quinze por cento, devendo o imposto ser pago pelo inventariante, no caso de espólio, ou pelo doador, no caso de doação. Se a opção for a transferência pelo valor da declaração de bens do de cujus ou do doador, não haverá cobrança de imposto no ato da transferência, mas o herdeiro ou donatário deverá incluir os bens ou direitos, em sua declaração de bens, pelo valor da transferência, o qual constituirá custo para efeito de apuração de ganho de capital numa eventual futura alienação. Estas normas, pela proposta, serão aplicadas, também, nas hipóteses de transferência de bens e direitos em decorrência de dissolução da sociedade conjugal. A medida, como se vê, tem caráter meramente de controle, como forma de prevenir a evasão de imposto de renda, hoje comumente verificada nesses casos de sucessão, sem, todavia, obrigar herdeiros ou doadores a dispor de bens para fazer face ao pagamento do imposto no ato da transferência".
O fato gerador do imposto de renda ocorre: houve acréscimo patrimonial entre o valor constante da declaração de bens do de cujus e o valor de mercado do bem assim avaliado e atualizado na herança.
Não procede a alegação da autora de que a valorização do imóvel ocorreu quando o bem ainda integrava o patrimônio do autor da herança. Juridicamente, não houve tal valorização quando o bem ainda integrava o patrimônio do autor da herança. O bem imóvel permaneceu durante a vida do autor da herança, em seu patrimônio, desde a aquisição, sendo declarado pelo valor da aquisição. A valorização do bem ocorreu quando o bem já integrava o patrimônio da autora. Pelo princípio da “saisine”, regra do direito sucessório brasileiro, ocorre a transmissão automática dos bens aos herdeiros legais após o falecimento de uma pessoa (Código Civil, artigo 1.784). A transmissão dos bens ocorre no momento da morte, quando ocorre a abertura automática da sucessão. O bem imóvel foi recebido pela autora, na data da abertura da sucessão, no valor previsto na declaração do autor da herança, e não a valor de mercado. Quem optou por atualizar o bem a valor de mercado foi a autora, quando já aberta a sucessão e transmitida a herança. Bastaria incluir cláusula na escritura pública de que para efeito de imposto de renda e ganho de capital exercia a opção de manter o valor constante da declaração de bens do autor da herança.
A valorização do bem imóvel ocorreu quando bem já integrava o patrimônio da autora. Não pode a autora valer-se desta escolha para afastar a tributação pelo imposto de renda do ganho de capital incidente sobre a diferença entre o valor do imóvel constante da declaração do autor da herança e a atualização do bem a valor de mercado. Caso contrário bastaria ao contribuinte, recebido o imóvel em herança, vender o imóvel logo em seguida a valor de mercado e não pagar nenhum imposto de renda sobre o ganho de capital, como bem exposto na contestação da União, sob o argumento de que a valorização ocorreu quando o bem ainda integrava o patrimônio do autor da herança.
Se o contribuinte optou pela atualização do bem quando este já integrava seu patrimônio, o ganho de capital não ocorreu, sob o ponto de vista jurídico, quando o bem integrava o patrimônio do autor da herança. Embora muito bem construída a fundamentação exposta pela autora, não há como admitir que a valorização do bem tenha ocorrido quando ele ainda integrava o patrimônio do autor da herança, sob o ponto de vista jurídico. Embora a valorização, do ponto de vista fático, tenho ocorrido ao longo dos anos, desde a aquisição do bem pelo autor da herança, o fato gerador do imposto de renda somente ocorreu quando a autora optou pela atualização do bem a valor de mercado, quando este já integrava seu patrimônio, em escolha legítima, pelo princípio da saisine.
É certo que a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal já resolveu, em caso de doação, que “na antecipação de legítima, não há, pelo doador, acréscimo patrimonial disponível (...) O constituinte repartiu o poder de tributar entre os entes federados, introduzindo regras constitucionais, que, sobretudo no que toca aos impostos, predeterminam as materialidades tributárias. Esse modelo visa a impedir que uma mesma materialidade venha a concentrar mais de uma incidência de impostos de um mesmo ente (vedação ao bis in idem) ou de entes diversos (vedação à bitributação). Princípio da capacidade contributiva. (...) Admitir a incidência do imposto sobre a renda acabaria por acarretar indevida bitributação em relação ao imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD). (...) (ARE 1387761 AgR, Relator ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 22-02-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28-02-2023 PUBLIC 01-03-2023).
Contudo, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal resolveu, em caso semelhante ao destes autos, que há ganho de capital, pois, conforme consta do voto do Exmo. Ministro Gilmar Mendes, “o § 1º do art. 23 da Lei 9.532/1997 apenas registrou o momento em que se firma o acréscimo no patrimônio, não configurando, portanto, um fato novo que geraria imposto de renda”. A ementa desse julgado: “Direito Tributário. 2. Agravo Regimental em Recurso Extraordinário Com Agravo. 3. Imposto Sobre a Renda. Ganho de Capital. Existência de Acréscimo Patrimonial. Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação. 4. Alegação de bitributação. Não ocorrência. 5. Agravo Regimental a que se nega provimento” (RE 1425609 AgR-segundo, Relator GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 20-05-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 24-05-2024 PUBLIC 27-05-2024).
No mesmo sentido a decisão monocrática proferida em 10/11/2022, pela Exma. Ministra CÁRMEN LÚCIA, no RE 1392666/DF: “No § 1º do art. 23 da Lei n. 9.532/1997, não se inovou sobre o fato gerador do imposto de renda, apenas se explicitou o momento de apuração do acréscimo patrimonial. Não se trata, portanto, de tributação da herança ou doação, mas de definição do momento da tributação do ganho de capital recebido. (...)” Ao contrário do decidido pelo Tribunal de origem, a tributação do ganho de capital nas transferências de bens do de cujus ou do doador configura acréscimo patrimonial sujeito à incidência do imposto de renda, não se havendo cogitar de bitributação ou de invasão de competência tributária (...).
Finalmente, como bem resolvido na sentença, não ocorre bitributação com a exigência do imposto de renda e do imposto sobre transmissão “causa mortis”. Os fatos geradores e as bases de cálculo desses impostos são diferentes O imposto de renda tem como fato gerador o acréscimo patrimonial decorrente da valorização do imóvel e de sua atualização a valor de mercado, promovida por vontade do herdeiro, quando o bem já integrava seu patrimônio, pelo princípio da “saisine”; o imposto sobre transmissão de bens imóveis, no Estado de São Paulo, tem como fato gerador a transmissão do bem imóvel, incidente sobre o valor do imóvel, no valor que servir de base ao lançamento dos impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana (artigo 15 da Lei 9.591/1996, do Estado de São Paulo).
Portanto, o § 1º do art. 23 da Lei 9.532/1997 é compatível com o artigo 43, inciso I, do Código Tributário Nacional, e com o artigo 153, inciso III, da Constituição do Brasil, ao exigir o imposto de renda sobre ganho de capital de bem imóvel cujo fato gerador (atualização a valor de mercado) ocorreu quando o bem integrava o patrimônio do herdeiro.
Sentença mantida pelos próprios fundamentos, com acréscimos. Recurso inominado interposto pela autora desprovido.