APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016449-24.2021.4.03.6100
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
APELANTE: KEILA FABIANA FARIA
Advogado do(a) APELANTE: SIMONE VALERIA PATROCINIO - SP351323-A
APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016449-24.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: KEILA FABIANA FARIA Advogado do(a) APELANTE: SIMONE VALERIA PATROCINIO - SP351323-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por KEILA FABIANA FARIA (ID 313201736) em face da r. sentença (ID 313201735) que julgou improcedente o pedido, na forma do art. 487, I, do Código de Processo Civil, condenando a parte-autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, observados os benefícios de justiça gratuita. Em síntese, a parte-autora, para além de pugnar pela incidência do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto (inclusive para fins de inversão do ônus da prova), argumenta no sentido da necessidade de revisão de seu contrato habitacional com o objetivo de que seja afastada a capitalização dos juros e assentada sua abusividade, sem prejuízo de pugnar pela declaração de ilegalidade do índice de reajuste do contrato (IPCA), deferindo-se, ainda, a repetição do indébito pelo dobro. Subsidiariamente, postula pela realização de nova prova pericial contábil (para que seja realizada uma análise detalhada dos encargos financeiros aplicados, a fim de verificar a onerosidade excessiva e a ilegalidade dos índices de reajuste contratual). Com contrarrazões (ID 313201739), subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5016449-24.2021.4.03.6100 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO APELANTE: KEILA FABIANA FARIA Advogado do(a) APELANTE: SIMONE VALERIA PATROCINIO - SP351323-A APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Exmo. Sr. Desembargador Federal Carlos Francisco (Relator): Inicialmente, lembro que contrato é negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, de modificar ou de extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida. Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é a autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é a obrigatoriedade, pois, uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado. Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa – Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Ressalte-se que o C. STJ já decidiu quanto à aplicabilidade do CDC nos contratos firmados no âmbito do SFH, desde que estes tenham sido celebrados posteriormente à sua entrada em vigor e não estejam vinculados ao FCVS, verbis: PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. FCVS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 458 E 535 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. INAPLICABILIDADE DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR CONTRÁRIAS À LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. CONTROVÉRSIA DECIDIDA PELA PRIMEIRA SEÇÃO, NO JULGAMENTO DO RESP 489.701/SP. ADIANTAMENTO DAS DESPESAS DECORRENTES DA PERÍCIA. OBRIGAÇÃO DA PARTE AUTORA. 1. Não viola os arts. 458 e 535 do CPC, tampouco nega a prestação jurisdicional, o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota, entretanto, fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia. 2. A Primeira Seção desta Corte, no julgamento do REsp 489.701/SP, de relatoria da Ministra Eliana Calmon (DJ de 16.4.2007), decidiu que: (a) "o CDC é aplicável aos contratos do Sistema Financeiro da Habitação, incidindo sobre contratos de mútuo"; (b) "entretanto, nos contratos de financiamento do SFH vinculados ao Fundo de Compensação de Variação Salarial - FCVS, pela presença da garantia do Governo em relação ao saldo devedor, aplica-se a legislação própria e protetiva do mutuário hipossuficiente e do próprio Sistema, afastando-se o CDC, se colidentes as regras jurídicas". 3. A inversão do ônus da prova não implica a transferência, ao demandado, da obrigação pelo pagamento ou adiantamento das despesas do processo. 4. "A questão do ônus da prova diz respeito ao julgamento da causa quando os fatos alegados não restaram provados. Todavia, independentemente de quem tenha o ônus de provar este ou aquele fato, cabe a cada parte prover as despesas dos atos que realiza ou requer no processo, antecipando-lhes o pagamento (CPC, art. 19), sendo que compete ao autor adiantar as despesas relativas a atos cuja realização o juiz determinar de ofício ou a requerimento do Ministério Público (CPC, art. 19, § 2º)" (REsp 538.807/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 7.11.2006). 5. Recurso especial parcialmente provido (REsp 797.079/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2008, DJe 24/04/2008). Entretanto, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente para socorrer alegações genéricas de que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula abusiva no contrato. Adentrando ao caso concreto, nota-se que a parte-autora celebrou, com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, contrato por instrumento particular de venda e compra de imóvel, mútuo e alienação fiduciária em garantia, no âmbito do “Sistema Financeiro da Habitação – SFH”, no valor de R$ 144.500,00, a ser pago em 360 meses, com taxa de juros balcão nominal de 4,8411% ao ano, taxa de juros balcão efetiva de 4,9500 % ao ano, taxa de juros reduzida nominal de 4,3617% ao ano e taxa de juros reduzida efetiva de 4,4500% ao ano, atualizado pelo Sistema de Amortização SAC (ID 313201709). Analisando os termos do contrato em litígio, observa-se que o imóvel objeto do financiamento imobiliário foi alienado à CEF em caráter fiduciário, nos termos do art. 22 e seguintes da Lei nº 9.514/1997. Ademais, especificamente em relação aos juros, a Lei nº 8.692/1993, em seu art. 25, estabeleceu, para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o limite de 12% (doze por cento) ao ano, sendo que a avença em tela prevê, conforme já adiantado, taxa de juros dentro dos parâmetros legais, não exorbitante da média aplicada pelo mercado (aspecto expressamente salientado pelo perito judicial que se debruçou sobre a avença – especificamente ID 313201718 – pág. 13). Indo adiante, o C. STJ, no julgamento representativo de controvérsia do REsp 1070297/PR, pacificou entendimento segundo o qual, nos contratos celebrados no âmbito do SFH, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade, verbis: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS VEDADA EM QUALQUER PERIODICIDADE. TABELA PRICE. ANATOCISMO. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS 5 E 7. ART. 6º, ALÍNEA "E", DA LEI Nº 4.380/64. JUROS REMUNERATÓRIOS. AUSÊNCIA DE LIMITAÇÃO. 1. Para efeito do art. 543-C: 1.1. Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. Não cabe ao STJ, todavia, aferir se há capitalização de juros com a utilização da Tabela Price, por força das Súmulas 5 e 7. 1.2. O art. 6º, alínea "e", da Lei nº 4.380/64, não estabelece limitação dos juros remuneratórios. 2. Aplicação ao caso concreto: 2.1. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido, para afastar a limitação imposta pelo acórdão recorrido no tocante aos juros remuneratórios (REsp 1070297/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/09/2009, DJe 18/09/2009). Contudo, é pacífica a possibilidade de utilização da Tabela Price, bem como dos Sistemas SAC ou SACRE, nos contratos de mútuo habitacional, visto que referidos métodos de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro, tampouco geram enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade. Tais sistemas, que aplicam juros compostos (não necessariamente capitalizados), encontram previsão contratual e legal, sendo amplamente aceitos na jurisprudência pátria. Anote-se, por oportuno, que o contrato ora em apreciação prevê a utilização do Sistema de Amortização Constante – SAC, o qual faz com que as prestações sejam gradualmente reduzidas com o passar do tempo. Tal sistema consiste em um método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados. Nesse sentido: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. SFH. MÚTUO COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. REVISÃO CONTRATUAL. SISTEMA DE AMORTIZAÇÃO CONSTANTE – SAC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS: INOCORRÊNCIA. 1. O sistema de prévia correção do saldo devedor no procedimento de amortização é operação que se ajusta ao princípio da correção monetária do valor financiado e não fere a comutatividade das obrigações pactuadas, uma vez que o capital emprestado deve ser remunerado pelo exato prazo em que ficou à disposição do mutuário. 2. Ressalte-se que não há norma constitucional vedando a capitalização de juros, de tal sorte que poderia ser instituída pela lei ordinária. Inexiste, igualmente, dispositivo na Constituição Federal limitando ou discriminando os acréscimos em razão da mora. Assim, estipular correção monetária e juros ou qualquer outro encargo, inclusive os que guardem semelhança com os do sistema financeiro, é matéria entregue à discricionariedade legislativa. 3. O Superior Tribunal de Justiça, contudo, no julgamento representativo de controvérsia do REsp 1070297/PR, submetido à sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil, pacificou entendimento segundo o qual, nos contratos celebrados no âmbito do SFH, é vedada a capitalização de juros em qualquer periodicidade. 4. Por sua vez, os contratos de mútuo habitacional encontram limites próprios, em normas específicas, tais como as Leis n. 8.100/1990 e 8.692/1993. Diversamente do que acontece genericamente nos contratos de mútuo, os mútuos inerentes ao SFH encontram previsão legal de amortização mensal da dívida (artigo 6°, "c", da Lei nº 4.380/1964). 5. Dessa disposição decorre, para as instituições operadoras dos recursos do SFH, a possibilidade de utilização da Tabela Price – bem como da SACRE e da SAC (atualmente os três sistemas mais praticados pelos bancos) – para o cálculo das parcelas a serem pagas. Por esses sistemas de amortização, as prestações são compostas de um valor referente aos juros e de outro valor, referente à própria amortização. 6. Os três sistemas importam juros compostos (mas não necessariamente capitalizados), que encontram previsão contratual e legal, sem qualquer violação à norma constitucional. Utilizando-se o sistema SAC, as prestações e os acessórios são reajustados pelo mesmo índice que corrige o saldo devedor, permitindo a quitação do contrato no prazo estipulado. Assim, quando as prestações são calculadas de acordo com o SAC, os juros serão progressivamente reduzidos, de modo que sua utilização, tomada isoladamente, não traz nenhum prejuízo ao devedor. Precedentes. 7. No caso dos autos, verifica-se que o encargo diminui com o passar do tempo, o que infirma qualquer alegação de que a ré vem descumprindo as cláusulas contratuais, ou cometendo abusos. 8. Ademais, é assente na jurisprudência que nos contratos firmados pelo Sistema de Amortização Constante – SAC não se configura o anatocismo. 9. Cumpre consignar que o pacto em análise não se amolda ao conceito de contrato de adesão, não podendo ser analisado sob o enfoque social, considerando que a entidade financeira não atua com manifestação de vontade, já que não tem autonomia para impor as regras na tomada do mútuo que viessem a lhe favorecer, devendo seguir as regras impostas pela legislação específica do Sistema Financeiro Imobiliário, criado pela Lei n. 4.380/64. 10. Não se discute a aplicação das medidas protetivas ao consumidor, previstas no Código de Defesa do Consumidor, aos contratos de mútuo habitacional vinculados ao SFH que não sejam vinculados ao FCVS e que tenham sido assinados posteriormente à entrada em vigor da Lei nº 8.078/1990, conforme já pacificado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 11. Essa proteção, porém, não é absoluta e deve ser invocada de forma concreta, comprovando o mutuário efetivamente a existência de abusividade das cláusulas contratuais ou de excessiva onerosidade da obrigação pactuada. Assim, não tendo a parte apelante comprovado a existência de eventual abuso no contrato firmado, fica vedada a revisão do contrato mediante mera alegação genérica nesse sentido. 12. Apelação desprovida (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5005418-31.2017.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal HELIO EGYDIO DE MATOS NOGUEIRA, julgado em 03/04/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 14/04/2020). Sem prejuízo do que se acaba de expor, a parte autora requer a revisão do contrato para que incida juros em sua forma simples. Todavia, não se justifica a revisão pretendida, pois o contrato livremente celebrado entre as partes prevê expressamente a utilização do Sistema SAC. A propósito, confiram-se os seguintes julgados desta E. Corte: PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO EM AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS BANCÁRIOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. CDC. CAPITALIZAÇÃO DE JUROS. ANATOCISMO. SISTEMAS DE AMORTIZAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. (...) VII – Não existe vedação legal à utilização da Tabela Price (SFA), do SAC ou do Sacre, estes sistemas de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro no contrato, enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade, cada um deles possui uma configuração própria de vantagens e desvantagens. Na ausência de nulidade na cláusula contratual que preveja a utilização de qualquer um destes sistemas, na ausência de óbices à prática de juros compostos, não se justifica a revisão do contrato para a adoção do Método Gauss. VIII – No caso em tela, a parte autora limitou-se a questionar a validade das cláusulas contratadas, as quais são regulares. Ademais, não logrou demonstrar que a CEF deixou de aplicá-las ou que sua aplicação provocou grande desequilíbrio em virtude das alterações das condições fáticas em que foram contratadas, apresentando fundamentação insuficiente para a produção de prova pericial. Em suma, na ausência de comprovação de abuso ou desequilíbrio contratual, não havendo qualquer ilegalidade nas cláusulas contratadas, não há que se falar em compensação dos valores pagos a maior, repetição do indébito, enriquecimento sem causa ou devolução em dobro, não assistindo razão à embargante. IX – Apelação improvida (TRF 3ª Região, Primeira Turma, ApCiv/SP 5001765-91.2017.4.03.6114, Relator Desembargador Federal Valdeci dos Santos, e – DJF3 14/08/2019). AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL - TUTELA DE URGÊNCIA - ART. 300 NCPC - AUSÊNCIA DOS REQUISITOS ENSEJADORES - PREVISÃO DO SISTEMA SAC - PAGAMENTO DAS PRESTAÇÕES - VALOR MUITO INFERIOR AO ENCARGO INICIAL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - LEI 9.514/97 - CONSOLIDAÇÃO DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL EM FAVOR DA CREDORA - RECURSO DESPROVIDO. I - A concessão da tutela de urgência é medida de exceção, sendo imprescindível a verificação de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (NCPC, art. 300). II - Não prospera a pretensão do agravante em alterar, unilateralmente, o Sistema de Amortização adotado para Gauss, uma vez que vige em nosso sistema em matéria contratual, o princípio da autonomia da vontade atrelado ao do "pacta sunt servanda". III - O Sistema de Amortização Constante (SAC), não implica em capitalização de juros e consiste num método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados. IV - O procedimento de execução do mútuo com alienação fiduciária em garantia, não ofende a ordem constitucional vigente, sendo passível de apreciação pelo Poder Judiciário, caso o devedor assim considerar necessário. V - Como bem pontuou o Magistrado de primeiro grau, o depósito judicial das prestações vencidas, somente se realizado no montante integral e atualizado tem o condão de suspender a exigibilidade do débito, impedindo a consolidação da propriedade. VI - No que concerne à eventual inscrição do nome do mutuário junto ao Serviço de Proteção ao Crédito (CADIN, SPC, etc.), cumpre consignar que o risco de inclusão em tais cadastros é consectário lógico da inadimplência, sendo que a existência de ação ordinária, por si só, não torna incabível a inscrição do nome do devedor em instituições dessa natureza. Precedentes desta E. Corte. VII - Agravo de instrumento desprovido (TRF 3ª Região, 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5010334-22.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, julgado em 29/08/2019, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 02/09/2019). Na realidade, somente caberia a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, com a adoção da Teoria da Imprevisão, que autoriza a revisão das obrigações previstas em contrato, se demonstrado que as condições econômicas do momento da celebração se alteraram de tal maneira, em razão de algum acontecimento inevitável, que passaram a gerar para o mutuário extrema onerosidade e para o credor, por outro lado, excessiva vantagem, o que não é o caso dos autos – nesse sentido, vide o seguinte julgado do C. STJ: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO HABITACIONAL. SFH. REVISÃO DAS PARCELAS. REDUÇÃO DA RENDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Ação de revisão de contrato de financiamento imobiliário firmado pelo SFH, visando a renegociação do valor das prestações mensais e o alongamento do prazo de liquidação, com fundamento no Código de Defesa do Consumidor. 2. O Tribunal de origem, examinando as condições contratuais, concluiu que o recálculo da parcela estabelecida contratualmente não está vinculado ao comprometimento de renda do mutuário, mas sim à readequação da parcela ao valor do saldo devedor atualizado. Nesse contexto, entendeu que, para justificar a revisão contratual, seria necessário fato imprevisível ou extraordinário, que tornasse excessivamente oneroso o contrato, não se configurando como tal eventual desemprego ou redução da renda do contratante. 3. Efetivamente, a caracterização da onerosidade excessiva pressupõe a existência de vantagem extrema da outra parte e acontecimento extraordinário e imprevisível. Esta Corte já decidiu que tanto a teoria da base objetiva quanto a teoria da imprevisão "demandam fato novo superveniente que seja extraordinário e afete diretamente a base objetiva do contrato" (AgInt no REsp 1.514.093/CE, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe de 7/11/2016), não sendo este o caso dos autos. 4. Agravo interno não provido (AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 1340589 2018.01.97146-0, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:27/05/2019). Ademais, justamente porque expressamente previsto no contrato assinado pela parte-autora (ID 313201709 – págs. 01/03), impossível reconhecer qualquer ilegalidade ou abusividade em relação ao índice de reajuste escolhido pelas partes contratantes (qual seja, o IPCA), devendo incidir na espécie o primado “pacta sunt servanda”. Da mesma forma, o pedido subsidiário formulado pela parte-autora em seu apelo (realização de nova prova pericial contábil com o fito de que seja executada uma análise detalhada dos encargos financeiros aplicados, a fim de verificar supostas onerosidade excessiva e ilegalidade dos índices de reajuste contratual) também não merece guarida, seja porque a prova pericial levada a efeito foi exaustiva (inclusive para asseverar, sem sombra de dúvida, a ausência de qualquer ilegalidade ou abusividade no contrato habitacional celebrado – vide, a respeito, o documento ID 313201718), seja porque foi possibilitada à parte-autora apresentar quesitos complementares (o que foi enfrentado pelo expert – ID 313201728), culminando em petição em que a parte-autora informa estar ciente das informações prestadas (ID 313201730). Exauridas as teses suscitadas no apelo e não estando comprovadas irregularidades no que inicialmente restou pactuado, não se mostra possível o acolhimento da pretensão da parte-autora, devendo ser mantido o contrato em questão, livremente entabulado pelas partes. Prejudicado o pedido de repetição de indébito pelo dobro. Pelas razões expostas, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação interposto por KEILA FABIANA FARIA. Tendo em vista o trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, § 11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017). Observe-se o art. 98, § 3º, do CPC, em vista de a parte ser beneficiária de gratuidade. É o voto.
E M E N T A
APELAÇÃO CÍVEL. FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. REVISÃO CONTRATUAL. APLICAÇÃO DO CDC. SISTEMA SAC.
- Dificuldades financeiras não são motivos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntária e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando inadimplência por esse motivo, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado entre as partes.
- O C. STJ já decidiu quanto à aplicabilidade do CDC nos contratos firmados no âmbito do SFH, desde que estes tenham sido celebrados posteriormente à sua entrada em vigor e não estejam vinculados ao FCVS. Entretanto, o CDC não pode ser aplicado indiscriminadamente para socorrer alegações genéricas de que houve violação ao princípio da boa-fé, onerosidade excessiva ou existência de cláusula abusiva no contrato.
- A Lei nº 8.692/1993, em seu art. 25, estabeleceu, para os contratos de financiamento celebrados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o limite de 12% (doze por cento) ao ano. O contrato celebrado entre as partes prevê taxa de juros dentro dos parâmetros legais, não exorbitante da média aplicada pelo mercado.
- É pacífica a possibilidade de utilização da Tabela Price, bem como dos Sistemas SAC ou SACRE, nos contratos de mútuo habitacional, visto que referidos métodos de amortização não provocam desequilíbrio econômico-financeiro, tampouco geram enriquecimento ilícito ou qualquer outra ilegalidade. Tais sistemas, que aplicam juros compostos (não necessariamente capitalizados), encontram previsão contratual e legal, sendo amplamente aceitos na jurisprudência pátria.
- O contrato prevê a utilização do Sistema de Amortização Constante – SAC, o qual faz com que as prestações sejam gradualmente reduzidas com o passar do tempo. Tal sistema não implica em capitalização de juros e consiste em um método em que as parcelas tendem a reduzir ou, no mínimo, a se manter estáveis, o que não causa prejuízo ao mutuário, havendo, inclusive, a redução do saldo devedor com o decréscimo de juros, os quais não são capitalizados.
- Só caberia a mitigação do princípio do pacta sunt servanda, com adoção da Teoria da Imprevisão, que autoriza a revisão das obrigações previstas em contrato, se demonstrado que as condições econômicas do momento da celebração se alteraram de tal maneira, em razão de algum acontecimento inevitável, que passaram a gerar para o mutuário extrema onerosidade e para o credor, por outro lado, excessiva vantagem, o que não é o caso dos autos.
- Apelação desprovida.