APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001582-05.2008.4.03.6121
RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: CID ANDRADE QUEIROZ GUIMARAES, MARCELO DE OLIVEIRA ROSA, SERGIO TADEU CASTRO, PATRICIA MACEDO JULIASZ, ANTONIO PERES, ANTONIO GUTIERREZ VIEITO
ESPOLIO: FRANCISCO LABATE
REPRESENTANTE: FLAVIO JOSE BRICCOLO LABATE
Advogado do(a) APELADO: NATALIA RIBEIRO DO VALLE - SP211638-A
Advogado do(a) APELADO: MARIA CELIA BERGAMINI - SP104524-A
Advogados do(a) ESPOLIO: NATALIA RIBEIRO DO VALLE - SP211638-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001582-05.2008.4.03.6121 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: CID ANDRADE QUEIROZ GUIMARAES, MARCELO DE OLIVEIRA ROSA, SERGIO TADEU CASTRO, FRANCISCO LABATE, PATRICIA MACEDO JULIASZ, ANTONIO PERES, ANTONIO GUTIERREZ VIEITO Advogado do(a) APELADO: MARIA CELIA BERGAMINI - SP104524-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (Relator): Trata-se de apelação da União, nos autos de ação declaratória, proposta com o fito de obtenção de declaração de nulidade de ato administrativo, com a desconstituição do lançamento e cancelamento da taxa de ocupação referente a terrenos de marinha, exigida pela União em relação a imóveis de propriedade dos autores. Alegam, em síntese, que são legítimos proprietários dos imóveis descritos na inicial, pagam de longa data a referida taxa de ocupação, sob o fundamento de que se encontravam localizados em terrenos de Marinha. Afirmam, no entanto, que no procedimento administrativo que culminou com a cobrança da “taxa”, a União não respeitou o princípio da legalidade e, portanto, é nula a cobrança, bem como, são nulos os critérios utilizados pela Secretaria de Patrimônio da União para a demarcação dos terrenos de Marinha, de forma que não há fato gerador da obrigação do pagamento da taxa de ocupação (ID 103224020 — fls. 4/40). Foi produzido Laudo Pericial Judicial (ID 103246539 — fls. 93/139). A sentença homologou o pedido de desistência formulado por Francisco Labate, extinguindo o feito, sem resolução do mérito. No mérito, julgou procedente o pedido, ao fundamento de que há nulidade do ato administrativo, declarou nulo os procedimentos administrativos que culminaram na cobrança de taxa de ocupação das propriedades dos autores e o cancelamento dos atos de cobrança da referida taxa. Condenou a União em honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, com fundamento no CPC/73, Código Processual vigente à data da sentença (ID 103224022 — fls. 96/101). A União apelou, requerendo a reforma da r. sentença, sustentando, em suma, a legalidade do procedimento demarcatório dos imóveis objeto da lide por estarem inseridos em área da União, pelo título de terrenos de Marinha. O Laudo Pericial está em desacordo com o Decreto-Lei n.º 9.760/46, ao desconsiderar o sentido jurídico de preamar de 1831, adotando somente marés de sizígia. A demarcação da LPM (linha preamar média) de 1831 deve ser feita de acordo com critérios históricos de documentos e plantas de autenticidade irrecusáveis que mais se aproximem de 1831 e não por meio de marégrafos, que sequer existiam em 1831. O conceito de maré é jurídico ou newtoniano e do art. 100 que manda se utilizarem elementos históricos para a fixação a LPM e não cálculos matemáticos como foi feito (ID 103224022 — fls. 104/130). Devidamente intimada, a parte autora apresentou contrarrazões ao recurso (ID 103224022 — fl. 137/149). Vieram os autos conclusos. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0001582-05.2008.4.03.6121 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: CID ANDRADE QUEIROZ GUIMARAES, MARCELO DE OLIVEIRA ROSA, SERGIO TADEU CASTRO, FRANCISCO LABATE, PATRICIA MACEDO JULIASZ, ANTONIO PERES, ANTONIO GUTIERREZ VIEITO Advogado do(a) APELADO: MARIA CELIA BERGAMINI - SP104524-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (Relator): A controvérsia devolvida à Corte, cinge-se no reconhecimento da nulidade do ato administrativo de demarcação dos terrenos de Marinha, que culminou na cobrança de taxa de ocupação, ao fundamento da ausência de notificação pessoal dos autores. Esclareça- se, que o presente feito não discute a possibilidade de usucapião sobre o imóvel que este estaria localizado em terreno de Marinha. Os terrenos de marinha são bens públicos da União, conforme disposto no artigo 20, inciso VII, da Constituição Federal de 1988 e regulamentados pelo Decreto-Lei n. º 9.760/1946. Prescreve o Decreto-Lei nº 9.760/46, que dispõe quanto aos bens imóveis da União e dá outras providências: Art. 1º Incluem-se entre os bens imóveis da União: a) os terrenos de marinha e seus acrescidos; [...] Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três) metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linha do preamar-médio de 1831: a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés; b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizada pela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas, que ocorra em qualquer época do ano. Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aos terrenos de marinha. [...] Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (S.P.U.) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias. Art. 10. A determinação será feita à vista de documentos e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime. [...] Para efeitos de compreensão do conceito do terreno de marinha, cumpre esclarecer que preamar é a altura máxima que as águas do mar atingem durante o fenômeno da maré (maré alta). Preamar média é, então, o local intermediário entre a maré alta e a maré baixa. Para fins de determinação dos terrenos de marinha, considera-se essa posição aferida no ano de 1831 - e não de qualquer outro ano - , por força de expressa determinação legislativa. A linha do preamar médio (LPM) de 1831 é a referência histórica utilizada para a delimitação dos terrenos de marinha, correspondendo ao nível médio das marés cheias daquele ano. Esse critério busca estabelecer um marco fixo e imutável para a demarcação dessas áreas, garantindo segurança jurídica e evitando distorções provocadas por eventuais mudanças no litoral ao longo do tempo. O procedimento de demarcação da Linha do Preamar Médio (LPM) e da Linha Limite de Terrenos de Marinha (LLTM) configura atribuição discricionária da Administração Pública, pautando-se em critérios de conveniência e oportunidade. Por sua vez, não cabe ao Poder Judiciário obrigar a União a promover a demarcação administrativa, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes. A competência para a demarcação de tais terrenos é atribuída à Secretaria do Patrimônio da União (SPU), que deve observar o procedimento delineado nos artigos 9º a 14 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, assegurando-se a notificação dos interessados, bem como a garantia do contraditório e da ampla defesa. Nos casos em que, ausente o procedimento demarcatório, sejam apresentadas em juízo evidências documentais acerca da posição da LPM de 1831 ou da linha média das enchentes ordinárias, caberá ao magistrado ponderar tais elementos à luz da jurisprudência e das provas dos fatos ao caso concreto (demarcação presumida), observando os preceitos técnicos e históricos pertinentes. Enquanto a demarcação específica da área não for efetuada, é possível ao Poder Judiciário analisar o caso concreto, mormente, por se tratar de ato discricionário da Administração, não é razoável que o interessado fique à mercê de evento futuro e incerto que venha a modificar o regime de ocupação do seu imóvel. Nessa esteira, o C STJ: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. USUCAPIÃO. MODO DE AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. TERRENO DE MARINHA. BEM PÚBLICO. DEMARCAÇÃO POR MEIO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINADO PELO DECRETO-LEI N. 9.760/1946. IMPOSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DA USUCAPIÃO, POR ALEGAÇÃO POR PARTE DA UNIÃO DE QUE, EM FUTURO E INCERTO PROCEDIMENTO DE DEMARCAÇÃO PODERÁ SER CONSTATADO QUE A ÁREA USUCAPIENDA ABRANGE A FAIXA DE MARINHA. DESCABIMENTO. 1. Embora seja dever de todo magistrado velar a Constituição Federal, para que se evite supressão de competência do egrégio STF, não se admite apreciação, em sede de recurso especial, de matéria constitucional, ainda que para viabilizar a interposição de recurso extraordinário. 2. A usucapião é modo de aquisição originária da propriedade, portanto é descabido cogitar em violação ao artigo 237 da Lei 6.015/1973, pois o dispositivo limita-se a prescrever que não se fará registro que dependa de apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro. Ademais, a sentença anota que o imóvel usucapiendo não tem matrícula no registro de imóveis. 3. Os terrenos de marinha, conforme disposto nos artigos 1º, alínea a, do Decreto-lei 9.760/46 e 20, VII, da Constituição Federal, são bens imóveis da União, necessários à defesa e à segurança nacional, que se estendem à distância de 33 metros para a área terrestre, contados da linha do preamar médio de 1831. Sua origem remonta aos tempos coloniais, incluem-se entre os bens públicos dominicais de propriedade da União, tendo o Código Civil adotado presunção relativa no que se refere ao registro de propriedade imobiliária, por isso, em regra, o registro de propriedade não é oponível à União 4. A Súmula 340/STF orienta que, desde a vigência do Código Civil de 1916, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião, e a Súmula 496/STJ esclarece que "os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União". 5. No caso, não é possível afirmar que a área usucapienda abrange a faixa de marinha, visto que a apuração demanda complexo procedimento administrativo, realizado no âmbito do Poder Executivo, com notificação pessoal de todos os interessados, sempre que identificados pela União e certo o domicílio, com observância à garantia do contraditório e da ampla defesa. Por um lado, em vista dos inúmeros procedimentos exigidos pela Lei, a exigir juízo de oportunidade e conveniência por parte da Administração Pública para a realização da demarcação da faixa de marinha, e em vista da tripartição dos poderes, não é cabível a imposição, pelo Judiciário, de sua realização; por outro lado, não é também razoável que os jurisdicionados fiquem à mercê de fato futuro, mas, como incontroverso, sem qualquer previsibilidade de sua materialização, para que possam usucapir terreno que já ocupam com ânimo de dono há quase três décadas. 6. Ademais, a eficácia preclusiva da coisa julgada alcança apenas as questões passíveis de alegação e efetivamente decididas pelo Juízo constantes do mérito da causa, e nem sequer se pode considerar deduzível a matéria acerca de tratar-se de terreno de marinha a área usucapienda. 7. Quanto à alegação de que os embargos de declaração não foram protelatórios, fica nítido que não houve imposição de sanção, mas apenas, em caráter de advertência, menção à possibilidade de arbitramento de multa; de modo que é incompreensível a invocação à Súmula 98/STJ e a afirmação de ter sido violado o artigo 538 do CPC - o que atrai a incidência da Súmula 284/STF - a impossibilitar o conhecimento do recurso. 8. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp n. 1.090.847/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 23/4/2013, DJe de 10/5/2013.) – grifos acrescidos Importante ressaltar que a CF/88 recepcionou os dispositivos e não conceituou os terrenos de marinha, limitando-se a disciplinar serem eles bens da União, nos termos do art. 20, I, CF. A esse respeito, temos a lição de José dos Santos Carvalho Filho: “Os terrenos de marinha pertencem à União por expresso mandamento constitucional (art. 20, VII, CF), justificando-se o domínio federal em virtude da necessidade de defesa e de segurança nacional. Caracterizam-se, pois, como bens públicos e sobre eles incidem todas as prerrogativas inscritas no direito positivo. Diante dessa premissa, está consolidada a jurisprudência segundo a qual os registros de propriedade particular de imóveis em terrenos de marinha não são oponíveis à União. Apesar disso, se a União não providenciou a demarcação da área de marinha pelo procedimento administrativo próprio, como exige o Decreto-Lei nº 9.760/1946, pode o Judiciário decretar o usucapião do imóvel, eis que o jurisdicionado não pode ficar à mercê de atividade discricionária futura e incerta da Administração.” (Cf. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 1.306) – grifos acrescidos Como sobredito, o Decreto-Lei nº 9.760, de 05/09/1946, atribui ao Serviço do Patrimônio da União (SPU) a competência para a determinação da posição das linhas da preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias (art. 9º). Tal determinação possui procedimento previsto no referido decreto, à determinação de vista de documento e plantas de autenticidade irrecusável, relativos àquele ano, ou, quando não obtidos, a época que do mesmo se aproxime (art. 10). Para que esse trabalho seja realizado, o SPU convidará os interessados, nos termos do art. 11 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, verbis: “Art. 11. Para a realização do trabalho, o SPU convidará os interessados, certos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.” No entanto, o art. 11 do Decreto Lei º 9.760/1946, teve a redação alterada pela Lei nº 11.481/2007, nos seguintes termos: “Art. 11. Para a realização da demarcação, a SPU convidará os interessados, por edital, para que no prazo de 60 (sessenta) dias ofereçam a estudo plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho demarcando.” Nos autos da medida cautelar da ADI 4264, o C. STF declarou a inconstitucionalidade do art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/46, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.481/2007, eis que, ofende as garantias do contraditório e da ampla defesa o convite aos interessados, por meio de edital, para subsidiar a Administração na demarcação da posição de linhas do preamar médio do ano de 1831, uma vez que o cumprimento do devido processo legal pressupõe a intimação pessoal. Em relação à matéria, a Primeira Turma do C. STJ no REsp n. 1.710.740/SE, Relatora Ministra Regina Helena Costa, relativamente ao conteúdo do art. 11, §1º, da Lei n. 9.868/1999, definiu a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da redação dada ao art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/46, pelo art. 5º da Lei n. 11.481/07, segundo o qual, nos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha promovidos sob a égide da redação original do art. 11 do Decreto Lei nº 9.760/46, os interessados identificados e com domicílio certo devem ser notificados pessoalmente, por força da garantia do contraditório e da ampla defesa. No entanto, preservam-se as notificações por edital de interessados determinados realizadas entre o início da vigência da Lei n. 11.484/07 - 31/05/2007 - e a data de provimento da cautelar na ADI 4264/PE (30.05.2011), ante o efeito ex nunc da cautela proferida em processo objetivo de controle de constitucionalidade (art. 11, § 1º, da Lei n. 9.868/99). Para melhor compreensão, cumpre transcrever excerto do voto da E. Relatora Ministra Regina Helena Costa no AgInt no REsp 1710740, que esclarece a aplicação dos efeitos no tempo, in verbis: “(...) Assim, pode-se, em síntese, identificar três situações distintas para os procedimentos demarcatórios de terrenos de marinha, a saber: (i) naqueles realizados até 31.05.2007, deverá respeitar o disposto na redação original do art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/46, com a necessária intimação pessoal dos interessados certos e com domicílio conhecido, conforme robusta jurisprudência desta Corte; (ii) quanto aos procedimentos ocorridos no interregno entre 01.06.2007 e 27.05.2011 (respectivamente, datas de vigência da Lei n. 11.481/07 e da concessão de liminar pelo STF na ADI n. 4.264/PE, com efeitos apenas ex nunc), deverá observar a nova redação do art. 11 do Decreto Lei n. 9.760/46, com a redação dada art. 5º da Lei n. 11.481/07, que autoriza a convocação de todo e qualquer interessado por edital, conforme precedente da Segunda Turma já mencionado (AgRg no REsp 1.504.110/RJ); (iii) por fim, para os procedimentos demarcatórios iniciados após 27.05.2011, data da medida cautelar concedida pelo STF na ADI 4.264/PE), não mais terá validade a intimação editalícia de interessado certo e com endereço conhecido" No caso em comento, conforme constatou o Magistrado a quo, verifica-se que os autores foram notificados por edital nº 01/1992, publicado em 22/06/1992, que constou: a “todos os interessados para participarem dos trabalhos de determinação da posição da linha preamar média de 1831, no trecho do litoral do Estado de São Paulo compreendido entre a margem esquerda do Rio Quiombo - Município de Santos - até a ponta da Trindade - Município de Ubatuba - para, no prazo de sessenta (60) dias, a contar da publicação deste, conforme o art. 11 do mesmo Decreto-lei, oferecer a estudo, se assim lhes convier, plantas, documentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreendidos no trecho acima indicado, a fim de possibilitar a melhor execução dos trabalhos demarcatórios, a cargo desta Delegacia.” Portanto, a Administração convocou por edital os autores, proprietários com título transcrito ou registrado no Cartório de Imóveis, sem ao menos incluir seus nomes no instrumento convocatório, dificultando a oportunidade de participarem efetivamente do procedimento administrativo que culminou na alteração de sua propriedade. Na hipótese, considerando que o ato convocatório foi realizado por edital publicado em 22/06/1992, antes, portanto da vigência da Lei nº 11.481/2007, uma vez que, os autores eram identificáveis e possuíam domicílio certo, é de rigor a notificação pessoal, em observância do contraditório e da ampla defesa. A jurisprudência desta C. Segunda Turma, que componho, nesta 3ª Corte Regional, firma-se no mesmo sentido, vejamos: APELAÇÃO CÍVEL. TERRENO DE MARINHA. ALEGAÇÃO DE BEM PÚBLICO. ÔNUS DA PROVA. INVALIDADE DO PROCESSO DA DEMARCAÇÃO. PREVALÊNCIA DO LAUDO PERICIAL PRODUZIDO EM JUÍZO. O IMÓVEL OBJETO DA LIDE NÃO SE SOBREPÕE A ÁREA PÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE “ERROR IN PROCEDENDO” NA SENTENÇA. - Os terrenos de marinha são áreas banhadas pelas águas do mar ou dos rios navegáveis, que se estendam à distância de 33 metros para a terra, contados a partir da linha do preamar médio de 1831. Trata-se de bens da União, por expressa determinação constitucional (art. 20, VII, da CF). - A demarcação dos terrenos de marinha, por sua vez, é atribuição da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), observando-se o procedimento descrito nos arts. 9º a 14 do Decreto-Lei nº 9.760/1946, com a notificação pessoal de todos os interessados identificados, devendo ser assegurados o contraditório e a ampla defesa. Enquanto a demarcação específica da área não for efetuada, é possível ao Poder Judiciário declarar a usucapião do imóvel, uma vez que, segundo o Superior Tribunal de Justiça, não é razoável que o jurisdicionado fique à mercê de evento discricionário, futuro e incerto. No caso dos autos, a parte ré não logrou provar que o imóvel usucapiendo constitui bem público (terreno de marinha), insuscetível de aquisição originária por meio da usucapião. - O Perito judicial instruiu seu laudo técnico com minucioso estudo visando à determinação da Linha do Preamar Médio de 1831 (LPM), incluindo gráficos mensais da tábua de marés do Porto de São Sebastião para ao ano de 1831, nos termos da ON – GEADE – 002, item 4.8.2, além de diversas fotografias e um levantamento topográfico planimétrico do imóvel. Conclui-se, da prova técnica produzida em juízo, que o imóvel usucapiendo constitui, exclusivamente, terreno alodial. - O perito judicial observou os critérios determinados pelo MM Juiz de 1º Grau, mais especificamente a média aritmética das máximas marés mensais (marés de sizígia) do ano de 1831 e a média aritmética de todas as marés do ano de 1831, incluindo as de menor e as de maior amplitude (ID 43751207, fls. 35). E, seguindo tais critérios, conclui-se que não há que se falar em ocupação de terreno de marinha, na medida em que o imóvel objeto dista 360m da faixa de areia da praia da Lagoinha, em linha reta, do lado Sul e 43m do Rio Lagoinha, em linha reta, a noroeste. De acordo com o primeiro critério de demarcação da LPM, em relação às máximas marés de sizígias, a menor distância do imóvel objeto até o limite de terrenos de marinha é de 7,00m. Com relação ao segundo critério de demarcação da LPM, em relação ao preamar médio, a menor distância do imóvel do autor para o limite de terrenos de marinha é 8,48m. Portanto, em relação ao imóvel objeto da lide, não existe sobreposição com área pública de terrenos de marinha. - Uma vez que o laudo pericial observou as determinações impostas pelo próprio Juiz, não há que se falar em “error in procedendo”. - A própria legalidade do processo administrativo por meio do qual a SPU promoveu a demarcação dos terrenos de marinha na localidade foi afastada pela sentença apelada, vez que os autores não foram cientificados pessoalmente para acompanhá-lo, exercendo as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. - Recurso não provido. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000462-06.2013.4.03.6135, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 01/06/2023, Intimação via sistema DATA: 05/06/2023) Desse modo, não merece reparo o entendimento adotado pelo Magistrado sentenciante, que fundou-se no entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça, no sentido de acolhimento da tese levantada pelos autores quanto à nulidade do procedimento administrativo, em razão da inobservância da convocação pessoal dos interessados certos, conforme dispõe o Decreto-lei 9.760/46, a fim de participarem do procedimento demarcatório, não lhes tendo sido dada oportunidade para oferecerem esclarecimentos e impugnar a demarcação, a impor a manutenção da r. sentença. Ante o exposto, nego provimento à apelação, nos termos da fundamentação. É o voto.
Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 0001582-05.2008.4.03.6121 |
Requerente: | UNIÃO FEDERAL |
Requerido: | CID ANDRADE QUEIROZ GUIMARAES e outros |
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO. TERRENOS DE MARINHA. DEMARCAÇÃO. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL. ART.11, § 1º, DECRETO LEI n.º 9760/46. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. MODULAÇÃO DOS EFEITOS. CONVOCAÇÃO POR EDITAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. NECESSIDADE.
I. Caso em exame
Apelação interposta contra sentença que declarou a nulidade dos procedimentos administrativos de demarcação de terrenos de marinha, afastando a exigibilidade da taxa de ocupação e cancelando os respectivos lançamentos.
II. Questão em discussão
A questão em discussão consiste em determinar:
(i) se houve nulidade no procedimento administrativo de demarcação dos terrenos de marinha em razão da ausência de notificação pessoal dos proprietários;
(ii) se há exigibilidade da taxa de ocupação.
III. Razões de decidir
O procedimento administrativo de demarcação dos terrenos de marinha deve observar a notificação pessoal dos interessados identificáveis, conforme entendimento consolidado pelo STF na ADI 4264.
A Primeira Turma do C. STJ no REsp n. 1.710.740/SE, Relatora Ministra Regina Helena Costa, relativamente ao conteúdo do art. 11, §1º, da Lei n. 9.868/1999, definiu a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da redação dada ao art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/46, pelo art. 5º da Lei n. 11.481/07, segundo o qual, nos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha promovidos sob a égide da redação original do art. 11 do Decreto Lei n.º 9.760/46, os interessados identificados e com domicílio certo devem ser notificados pessoalmente, por força da garantia do contraditório e da ampla defesa
A Administração convocou por edital os autores, proprietários com título transcrito ou registrado no Cartório de Imóveis, sem ao menos incluir seus nomes no instrumento convocatório, dificultando a oportunidade de participarem efetivamente do procedimento administrativo que culminou na alteração de sua propriedade. Ilegalidade verificada. Precedentes do C. STJ e desta 3ª Corte Regional.
IV. Dispositivo e tese
Apelação não provida.
_______________________________________________________________________________
Tese de julgamento:
"1. A ausência de notificação pessoal dos interessados identificáveis no procedimento administrativo de demarcação de terrenos de marinha acarreta a nulidade dos atos administrativos subsequentes.
2. Em vista da modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade na ADI 4264 pelo STF, o C. STJ definiu que, sobre a redação dada ao art. 11 do Decreto-Lei n. 9.760/46, pelo art. 5º da Lei n. 11.481/07, nos procedimentos demarcatórios de terreno de marinha promovidos sob a égide da redação original do art. 11 do Decreto Lei nº 9.760/46, os interessados identificados e com domicílio certo devem ser notificados pessoalmente, por força da garantia do contraditório e da ampla defesa."
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 20, VII; Decreto-Lei nº 9.760/1946, arts. 1º, 2º, 9º, 10 e 11.
Jurisprudência relevante citada: STF, ADI 4264, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário, j. 30.05.2011; STJ, REsp 1.710.740/SE, Rel. Min. Regina Helena Costa, 1ª Turma, j. 12.06.2020. TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000462-06.2013.4.03.6135, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 01/06/2023, Intimação via sistema DATA: 05/06/2023.