Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003175-76.2024.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PELZER DA BAHIA LTDA

Advogados do(a) APELANTE: FELIPE JIM OMORI - SP305304-A, HENRIQUE DE OLIVEIRA LOPES DA SILVA - SP110826-A, MATHEUS GUIMARAES BARRETO - SP439041-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003175-76.2024.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PELZER DA BAHIA LTDA

Advogados do(a) APELANTE: FELIPE JIM OMORI - SP305304-A, HENRIQUE DE OLIVEIRA LOPES DA SILVA - SP110826-A, MATHEUS GUIMARAES BARRETO - SP439041-A

APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS//SP, DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO JOSE DOS CAMPOS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por PELZER DA BAHIA LTDA. em face sentença que, em mandado de segurança, denegou a ordem visando afastar a exigibilidade das contribuições previdenciárias (cota patronal e SAT/RAT) e daquelas destinadas a outras entidades e fundos (terceiros) sobre os valores descontados de seus empregados a título de vale transporte,  auxílio alimentação, assistência médica/odontológica, seguro de vida, imposto de renda contribuição previdenciária.

Em seu recurso, sustenta a apelante, em síntese, que a base de cálculo das contribuições tratadas nos autos, conforme disposto no art. 195, I, “a”, da Constituição Federal e art. 22 da Lei nº 8.212/91, abarca apenas os ganhos habituais do trabalhador, destinados à remuneração do trabalho, o que exclui, portanto, os valores correspondentes à participação no custeio de benefícios (transporte, alimentação, saúde, seguro de vida), bem como aqueles relacionados ao imposto de renda e à contribuição previdenciárias devidas pelo empregado e cujo valor é retido pela empregadora. Discorre sobre a natureza do salário à luz da legislação trabalhista. Ao final, pleiteia o provimento do recurso, inclusive para que lhe seja autorizada a recuperação do indébito.

Com as contrarrazões, subiram os autos para esta E. Corte.

Aberta vista ao Ministério Público Federal, que se manifestou pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003175-76.2024.4.03.6103

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PELZER DA BAHIA LTDA

Advogados do(a) APELANTE: FELIPE JIM OMORI - SP305304-A, HENRIQUE DE OLIVEIRA LOPES DA SILVA - SP110826-A, MATHEUS GUIMARAES BARRETO - SP439041-A

APELADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS//SP, DELEGADO DA DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO JOSE DOS CAMPOS, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

Discute-se, no presente caso, se os valores correspondentes aos descontos dos salários dos empregados para custeio de benefícios (saúde, alimentação, transporte, seguro de vida), além do imposto de renda e da contribuição retidos pelo empregador, estariam sujeitos à incidência das contribuições de que trata o art. 22, incisos I e II, da Lei nº 8.212/91 e contribuições a terceiras entidades. Vejamos.

A lide posta nos autos versa sobre a interpretação dos conceitos constitucionais de empregador, trabalhador, folha de salários, e demais rendimentos do trabalho, e ganhos habituais, expressos no art. 195, I e II, e art. 201, § 4º, ambos do ordenamento de 1988 (agora, respectivamente, no art. 195, I, “a”, e II, e art. 201, § 11, com as alterações da Emenda 20/1998). 

Para se extrair o comando normativo contido em dispositivo da Constituição Federal relativo à Seguridade Social, vários elementos e dados jurídicos devem ser considerados no contexto interpretativo, dentre os quais a lógica o caráter contributivo em vista da igualdade e da solidariedade no financiamento do sistema de seguro estruturado no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). 

Para o que importa ao presente recurso, os conceitos constitucionais de empregador, trabalhador, folha de salários, rendimentos do trabalho e ganhos habituais gravitam em torno de pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário, inserindo-se no contexto do art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Portanto, havendo relação de emprego, é imperioso discutir se os valores pagos se inserem no âmbito constitucional de salário, demais rendimentos do trabalho e ganhos habituais. 

Salário é espécie do gênero remuneração paga em decorrência de relação de emprego tecnicamente caracteriza (marcada pela subordinação). O ordenamento constitucional de 1988 emprega sentido amplo de salário, de modo que está exposta à incidência de contribuição tanto o salário propriamente dito quanto os demais ganhos habituais do empregado, pagos a qualquer título (vale dizer, toda remuneração habitual, ainda que em montantes variáveis). Essa amplitude de incidência é manifesta após a edição da Emenda 20/1998, que, introduzindo o art. 195, I, “a”, da Constituição, previu contribuições para a seguridade exigidas do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Essa amplitude se verifica também em relação a essa exação exigida do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, em conformidade com o art. 195, II, da Constituição (tanto na redação da Emenda 20/1998 quanto na da Emenda 103/2019). 

Além disso, a redação originária do art. 201, § 4º, da Constituição de 1988, repetida no art. 201, § 11 do mesmo ordenamento (com renumeração dada pela Emenda 20/1998), prevê que a previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, sendo que “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.” 

Portanto, o texto constitucional confiou à União Federal amplo campo de incidência para exercício de sua competência tributária, compreendendo o conjunto das verbas remuneratórias habituais (ou seja, salários e demais ganhos), o que por si só não se traduz em exigência tributária concreta, uma vez que caberá à lei ordinária estabelecer a hipótese de incidência hábil para realizar as necessárias imposições tributárias, excluídas as isenções que a própria legislação estabelecer. 

Porém, nem tudo o que o empregador paga ao empregado pode ser tributado como salário ou rendimento do trabalho, pois há verbas que não estão no campo constitucional de incidência (p. ex., por terem natureza de indenizações), além das eventuais imunidades previstos pelo sistema constitucional. 

Atualmente, a conformação normativa da imposição das contribuições patronais para o sistema de seguridade está essencialmente consolidada na Lei 8.212/1991 (notadamente em seu art. 22), muito embora demais diplomas normativos sirvam para a definição e alcance da legislação tributária (art. 109 e art. 110 do CTN), dentre ele os recepcionados arts. 457 e seguintes da CLT, prevendo que a remuneração do empregado compreende o salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber, e demais remunerações. 

Para fins trabalhistas (que repercutem na área tributária em razão do contido no art. 110 do CTN), integram o salário não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagens e abonos pagos pelo empregador. O meio de pagamento da remuneração pode ser dinheiro, alimentação, habitação, vestuário ou outras prestações “in natura” que o empregador utilizar para retribuir o trabalho do empregado, desde que o faça habitualmente (vedadas as bebidas alcoólicas e demais drogas). 

Embora pessoalmente admita a possibilidade de a natureza jurídica de certas verbas não estarem inseridas no conceito de salário em sentido estrito, estaremos diante de verba salarial em sentido amplo quando se tratar de pagamentos habituais decorrentes da relação de emprego, abrigado pelo art. 195 e pelo art. 201 da Constituição (nesse caso, desde sua redação originária) para a imposição de contribuições previdenciárias. E tudo o que foi dito em relação à incidência de contribuição previdenciária se aplica ao adicional dessa mesma exação calculado pelo segundo o regramento do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e dos Riscos Ambientais de Trabalho (RAT). 

À evidência, não há que se falar em exercício de competência residual, expressa no § 4º do art. 195, da Constituição, já que a exação em tela encontra conformação na competência originária constante desde a redação originária do art. 195, I, e do art. 201, ambos do texto de 1988 (não alterados nesse particular pela Emenda 20/1998 ou pela Emenda 103/2019). 

O E.STF, no RE 565160, Pleno, v.u., Rel. Min. Marco Aurélio, j. 29/03/2017, firmou a seguinte Tese no Tema 20: “A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional 20/1998”. Nesse RE 565160, o Pretório Excelso cuidou da incidência de contribuição previdenciária sobre adicionais (de periculosidade e insalubridade), gorjetas, prêmios, adicionais noturnos, ajudas de custo e diárias de viagem, comissões e quaisquer outras parcelas pagas habitualmente (ainda que em unidades), previstas em acordo ou convenção coletiva ou mesmo que concedidas por liberalidade do empregador não integrantes na definição de salário, afirmando o sentido amplo de salário e de rendimento do trabalho. 

Por sua vez, o art. 28, § 9º, da Lei 8.212/1991 traz rol de situações nas quais a contribuição ora em tela não é exigida, contudo, sem apresentar rigoroso critério distintivo de hipóteses de não incidência (p. ex., por se tratar de pagamento com natureza indenizatória) ou de casos de isenção (favor fiscal). Por óbvio, o efeito prático de verba expressamente indicada nesse preceito legal é a desoneração tributária, o que resulta na ausência de interesse de agir (salvo se, ainda assim, o ente estatal resistir à legítima pretensão do contribuinte). 

É preciso ressaltar, outrossim que o total das remunerações pagas pelo empregador está sujeita não só a contribuições previdenciárias, mas também a outras incidências escoradas em fundamentos constitucionais e legais diversos. A esse respeito, emergem contribuições sociais gerais (tais como salário-educação) e também contribuições de intervenção no domínio econômico (como a exação devida ao SEBRAE), denominadas resumidamente como contribuições “devidas a terceiros” ou ainda ao “Sistema S”.

Embora cada uma dessas imposições tributárias tenha autonomia normativa, todas estão na competência tributária da União Federal, que as unificou para fins de delimitação da base tributável. Além de previsões específicas (p. ex., na Lei 2.613/1955, na Lei 9.424/1996 e na Lei 9.766/1999), essa unificação está clara na Lei 11.457/2007 e em atos normativos da administração tributária (notadamente no art. 109 da IN RFB 971/2009, com alterações e inclusões, em especial pela IN RFB 1.071/2010), razão pela qual as conclusões aplicáveis às contribuições previdenciárias também são extensíveis às exações “devidas a terceiros” ou “Sistema S”.

Pois bem. O empregador não pode excluir da contribuição previdenciária patronal (nem das contribuições para terceiros) a parcela paga pelo empregado para custear plano de benefícios, vedação que alcança os valores ordinariamente descontados em folha e os decorrentes da utilização efetiva do benefício pelo trabalhador (coparticipação). 

Pelo ângulo jurídico, primeiro o trabalhador recebe seu salário (em dinheiro ou in natura-utilidade) e, depois, há os descontos para programas de benefícios instituídos pelo empregador, em conformidade com o campo constitucional de incidência da contribuição patronal (art. 195, I, “a” da ordem de 1988), com a legislação trabalhista (em especial no art. 458 da CLT) e com as regras de imposição tributária do art. 20 e seguintes da Lei nº 8.212/1991. 

A natureza indenizatória da verba permite que o empregador exclua (no cálculo da contribuição patronal) o montante que pagou, mas não há fundamento jurídico para desonerar (da mesma contribuição e também das devidas a terceiros) a parte que coube ao empregado. Vale dizer, sendo indenizatória, empregador e empregado podem reduzir o que cada um pagou das bases de cálculo das contribuições nas quais figuram como contribuintes, mas o empregador não pode excluir a parte do empregado da contribuição patronal. 

Sendo isenção, à luz do art. 111 do CTN, não há previsão legal permitindo que o empregador reduza (da contribuição patronal) também o que foi descontado de seu empregado no custeio de plano de benefícios, inexistindo autorização legal de base de cálculo incentivada ou de extrafiscalidade nessa extensão. A parcela paga pelo empregado potencialmente pode ser excluída da contribuição na qual figura ele próprio como contribuinte, mas não pelo empregador no cálculo da contribuição patronal.  

Ademais, a parcela tida como “benefício” é a correspondente ao montante custeado pelo empregador (ou seja, o plus ou incremento no montante dos ganhos do trabalhador), e não a parte que já integra o salário do empregado e é apenas descontada na fonte para ser destinada a programas.  

Vejo correta a linha de entendimento fazendário exposta na Solução de Consulta nº 4/2019 – COSIT e na Solução de Consulta – COSIT Nº 313/2019. Também é pertinente o contido na Solução de Consulta – COSIT nº 58/2020, assim ementada:  

Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias  

Ementa: CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS PREVIDENCIÁRIAS. VALE-TRANSPORTE. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. RETENÇÃO. BASE DE CÁLCULO.  

É dedutível da base de cálculo da contribuição previdenciária a ser retida, apenas o valor efetivamente pago pela empresa para o transporte do trabalhador, descontada a parcela suportada pelo empregado. Não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de vale-transporte por meio de vale-combustível ou semelhante. A não incidência da contribuição está limitada ao valor equivalente ao estritamente necessário para o custeio do deslocamento residência / trabalho e vice-versa, em transporte coletivo, conforme prevê o art.1ºda Lei nº7.418, de 16 de dezembro de 1985. O empregador somente poderá suportar a parcela que exceder a seis por cento do salário básico do empregado. Caso deixe de descontar este percentual do salário do empregado, ou desconte percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirá contribuição previdenciária e demais tributos.  

O valor pago pela empresa a título de auxílio-alimentação é dedutível da base de cálculo da retenção da contribuição previdenciária. Se parcela desse auxílio for descontada da remuneração do empregado, esses valores comporão o salário de contribuição e não serão dedutíveis da base de cálculo, seja ele calculado sobre a folha de pagamento ou relativo à retenção de 11% (onze por cento) do valor bruto da nota fiscal, da fatura ou do recibo de prestação de serviços.  

Dispositivos Legais: Lei nº7.418, de 1985: arts. 1ºe 4º; IN RFB nº971, de 2009: arts. 58 (III e VI), 112 e 124; Ato Declaratório PGFN nº4, de 2016. 

Vale-alimentação/refeição 

O art. 3º da Lei nº 6.321/1976 e o art. 28, §9º, “c”, da Lei nº 8.212/1991, assim como o art. 457, §2º (na redação dada pela Lei nº 13.467/2017) e o art. 458, §3º, ambos da CLT, afirmam que o auxílio-alimentação integra o salário e, ao mesmo tempo, isentam essa verba de qualquer encargo trabalhista e previdenciário (exceto se dado em dinheiro), mas não permitem que o empregador reduza da contribuição patronal o que foi pago pelo empregado. 

Vale-transporte 

O art. 2º e o art. 4º, ambos da Lei nº 7.418/1985, preveem que não se incorpora à remuneração (para quaisquer efeitos) o vale-transporte (inclusive vale-combustível) no que se refere à parcela do empregador (assim entendido o que exceder a 6% do salário básico do trabalhador). Se o empregador deixar de descontar o percentual do salário do empregado, ou se descontar percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirão contribuição previdenciária e demais tributos, em razão do descumprimento dos limites legais da isenção. 

Já o art. 458, § 2º, III, da CLT (na redação da Lei nº 10.243/2001), considera como utilidade (sem natureza salarial) o transporte concedido pelo empregador ao empregado para ida e retorno ao local de trabalho, mas não assegura que a parcela paga pelo trabalhador seja excluída da contribuição patronal. O art. 28, § 9º, “f” e “m”, da Lei nº 8.212/1991 (respectivamente pertinentes ao vale-transporte e trabalho em localidade distante da residência) não asseguram a exclusão na extensão pretendida pelo empregador.  

Portanto, há isenção de contribuição previdenciária (patronal ou do empregado), de FGTS e de IRPF, mas a parcela descontada do salário do empregado não pode ser excluída da base de cálculo da contribuição patronal e de terceiros, por ausência de previsão legal.  

Planos de saúde/odontológico/seguros de vida

A CLT prevê, no art. 458, § 2º, IV e V (na redação da Lei nº 10.243/2001), e § 5º (incluído pela Lei nº 13.467/2017), que a assistência médica, hospitalar e odontológica (prestada diretamente ou mediante seguro-saúde), assim como seguros de vida e de acidentes pessoais, e reembolsos, são utilidades sem natureza salarial concedidas pelo empregador, e por isso não integram o salário de contribuição para fins da incidência da contribuição previdenciária. E o art. 28, §9º, “q”, da Lei nº 8.212/1991 (na redação dada pela Lei nº 9.528/1997 e agora pela Lei nº 13.467/2017) isenta os valores relativos à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado (inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, próteses, órteses, despesas médico-hospitalares e outras similares). Porém, nem o art. 458, § 2º, IV e V, e § 5º da CLT e nem o art. 28, §9º, “q”, da Lei nº 8.212/1991, autorizam que a parcela paga pelo trabalhador seja excluída pelo empregador no cálculo da contribuição patronal e de terceiros. 

Antes da edição da Lei nº 13.467/2017 (DOU de 14/07/2017), o art. 28, §9º, “q”, da Lei nº 8.212/1991 (na redação dada pela Lei nº 9.528/1997) exigia que a cobertura contemplasse a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa, condição válida por se tratar isenção cuja definição depende da avaliação discricionária do legislador ordinário, que viu por bem estimular a maior abrangência do serviço médico, odontológico e afins. De todo modo, a dispensa do alcance da totalidade dos empregados e dirigentes somente se aplica a dispêndios da parte do empregador para fins de apuração da contribuição patronal pertinentes ao período posterior à Lei nº 13.467/2017.

Quanto aos valores descontados dos empregados e demais prestadores de serviço a título de contribuição previdenciária (às alíquotas de 8%, 9% e 11% até 29/02/2020 e de 7,5%, 9%, 12% e 14%, a partir de 1º/03/2020) e de imposto de renda retido na fonte- IRRF e repassados ao Fisco Federal (em razão de regra de responsabilidade tributária), entendo que o montante da remuneração paga pelo empregador (aí incluídos os tributos devidos pelo empregado) juridicamente compõe a base de cálculo da contribuinte patronal devida ao INSS, bem como das contribuições devidas a terceiros incidentes sobre a folha de pagamentos.

Nos moldes do art. 121 do Código Tributário Nacional, a sujeição passiva da obrigação tributária se dá em face do contribuinte (aquele que tem relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador, vale dizer, aquele que arca com o ônus da tributação) e do responsável (aquele que, sem revestir a condição de contribuinte, recebe atribuição da legislação para desempenhar tarefa no interesse da arrecadação e da fiscalização). 

Tratando-se de pagamento de salário e de demais ganhos de trabalho, há décadas a legislação prevê que o tomador do serviço (em regra o empregador) deve fazer o recolhimento da contribuição previdenciária denominada “patronal” (como contribuinte), ao mesmo tempo em que deve descontar (como responsável tributário por substituição) do montante pago ao prestador do serviço (contribuinte, em regra empregado) a contribuição previdenciária e o IRPF correspondentes. 

Para o empregador e para o empregado, o pagamento de salário e de demais rendimentos do trabalho antecede as incidências de contribuição previdenciária e de IRPF, razão pela qual não há fundamento jurídico para que o empregador (responsável tributário) exclua da base de cálculo da contribuição patronal os tributos devidos pelo empregado (contribuinte), sob pena de se valer de montante que não lhe pertence. Pela conformação legal dessas exigências (Lei nº 7.713/1988 e Lei nº 8.212/1991), após realizado o pagamento das verbas decorrentes do trabalho, primeiro haverá a incidência de contribuição previdenciária para depois ser feito o cálculo do IRPF. Basta lembrar que o ônus do empregador-responsável será econômica e juridicamente o mesmo em termos quantitativos, correspondendo à remuneração devida pelo trabalho tomado, mesmo que as exigências tributárias devidas pelo trabalhador-contribuinte variem ou sejam eliminadas (no todo ou em parte) por regra de isenção ou de imunidade.  

Portanto, inexiste fundamento jurídico para a exclusão desses tributos da base de cálculo da contribuição patronal e de terceiros (e, à evidência, das bases de incidência exigidas do empregado). Também não tem amparo jurídico a pretensão de exclusão da contribuição previdenciária (patronal e do empregado) de sua própria base imponível (“cálculo por dentro”), até porque, em sessão virtual encerrada em 23/02/2021, no Tema 1048, o E.STF decidiu que a exclusão do ICMS do cálculo da CPRB ampliaria demasiadamente o benefício fiscal concedido para essa forma alternativa de contribuição para a seguridade, violando o art. 150, §6º, da Constituição. No mesmo sentido foi a decisão do E.STF no Tema 1135, pertinente ao ISS na base de cálculo da CPRB. Assim, em vista da ratio decidendi derivada julgamentos dos Temas 1048 e 1135 pelo E.STF, apenas com expressa autorização legal é possível excluir tributos da base de cálculo da CPRB, sendo inaplicável a orientação do Tema 69 do mesmo c.Tribunal, prejudicada a Tese firmada pelo E.STJ no Tema 994 (por se tratar de tema constitucional).

Pois bem. A Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, por meio de julgamento realizado em 14/08/2024, sob a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que os descontos correspondentes à coparticipação dos empregados no custeio de benefícios (vale-transporte, vale-refeição/alimentação e plano/assistência de saúde), assim como o imposto de renda e a contribuição previdenciária retidos na fonte, não modificam o conceito de salário ou de salário contribuição, fixando a seguinte Tese: “As parcelas relativas ao vale-transporte, vale-refeição/alimentação, plano de assistência à saúde (auxílio-saúde, odontológico e farmácia), ao Imposto de Renda retido na fonte (IRRF) dos empregados e à contribuição previdenciária dos empregados, descontadas na folha de pagamento do trabalhador, constituem simples técnica de arrecadação ou de garantia para recebimento do credor, e não modificam o conceito de salário ou de salário contribuição, e, portanto, não modificam a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, do SAT e da contribuição de terceiros”.

Ademais, a existência de decisão de mérito julgada sob a sistemática dos recursos repetitivos autoriza o julgamento imediato de causas que versam sobre tema idêntico, independentemente do trânsito em julgado do paradigma. Nesse sentido, já decidiu o E. STJ (EDcl no REsp n. 1.487.421/MG, Relator Min. Og Fernandes, Segunda Turma, j. 25/9/2018, DJe de 1/10/2018.). A propósito, o C. STF também já firmou orientação nesse sentido, no tocante aos recursos julgados sob a sistemática da repercussão geral (STF, RE 1112500 AgR/ES, Primeira Turma, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Data do Julgamento 29/06/2018, Data da Publicação/Fonte DJe 13/08/2018; STF, RE 1129931 AgR/SP, Segunda Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES, Data do Julgamento 17/08/2018, Data da Publicação/Fonte DJe 27/08/2018).

Todavia, é certo que, na hipótese de eventual modificação da decisão, de rigor consignar a necessidade de adaptação ao que resultar do julgamento respectivo (art. 927, III, do Código de Processo Civil).

Nesse contexto e considerando o sistema de precedentes adotado pela ordem constitucional e pela legislação processual civil, em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, deve-se acolher a orientação do E.STJ no sentido de que incidem as contribuições previdenciárias sobre descontos dos salários dos empregados sobre benefícios por ele custeados, imposto de renda e contribuição previdenciária devidas pelo empregado, empregando-se a mesma ratio decidendi quanto à contribuição do empregado para o custeio de seguro de vida.

Ante o exposto, nego provimento à apelação da parte impetrante.

É o voto.

 

 



E M E N T A

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS PATRONAIS. SAT/RAT. CONTRIBUIÇÕES A TERCEIRAS ENTIDADES. SALÁRIO E GANHOS HABITUAIS DO TRABALHO. DESCONTOS DOS SALÁRIOS DOS EMPREGADOS PARA CUSTEIO DE BENEFÍCIOS. AUXÍLIO TRANSPORTE. AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO. AUXÍLIO MÉDICO/ODONTOLÓGICO. SEGURO DE VIDA. TEMA 1174/STJ.

- Tratando-se de coparticipação, a parcela custeada pelo empregado não pode ser excluída da base de cálculo de sua contribuição previdenciária e nem da contribuição patronal, porque integra a folha de salários e demais rendimentos do trabalho. Admitir como indenizatória a parcela descontada do empregado, por ser necessária à execução da atividade produtiva, reduziria indevidamente o campo de incidência prescrito no art. 195, I, “a”, da Constituição para aproximá-lo ao lucro, diferentemente do que ocorre com ressarcimentos se há deslocamento do local ordinário do serviço (no art. 28, §9º, “m”, da Lei nº 8.212/1991).  

- Pela ordem lógica, primeiro o trabalhador recebe seu salário e demais ganhos do labor e depois custeia o sistema de alimentação, transporte, saúde, em coparticipação com o empregador, cabendo ao legislador ordinário estabelecer isenções para as verbas pagas a título de benefícios (incluindo até mesmo a contribuição patronal), mas essas hipóteses devem ser interpretadas literalmente (art. 111 do CTN). Quando muito, seria possível cogitar a possibilidade de a parcela paga pelo empregado ser descontada da contribuição na qual figura como contribuinte, mas o empregador não pode excluir da contribuição patronal verba que não lhe pertence (salvo se houver expressa previsão legal). 

- O art. 3º da Lei nº 6.321/1976 e o art. 28, §9º, “c”, da Lei nº 8.212/1991, assim como o art. 457, §2º (na redação dada pela Lei nº 13.467/2017) e o art. 458, §3º, ambos da CLT, afirmam que o auxílio-alimentação integra o salário e, ao mesmo tempo, isentam essa verba de qualquer encargo trabalhista e previdenciário (exceto se dado em dinheiro), mas não permitem que o empregador reduza da contribuição patronal o que foi pago pelo empregado. 

- A parcela tida como “benefício” é a correspondente ao montante custeado pelo empregador (ou seja, o plus ou incremento no montante dos ganhos do trabalhador), e não a parte que já integra o salário do empregado e é apenas descontada na fonte no momento do pagamento para ser destinada a programas. São corretas as linhas de entendimento fazendário expostas na Solução de Consulta nº 4/2019 – COSIT, na Solução de Consulta – COSIT Nº 313/2019 e na Solução de Consulta – COSIT nº 58/2020. 

- O art. 2º e o art. 4º, ambos da Lei nº 7.418/1985, preveem que o vale-transporte (inclusive vale-combustível), no que se refere à parcela do empregador (assim entendido o que exceder a 6% do salário básico do trabalhador), não se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos, motivo pelo qual há isenção de contribuição previdenciária (patronal ou do empregado), de FGTS e de IRPF, mas a parcela descontada do salário do empregado não está desonerada dessas mesmas exigências. Se o empregador deixar de descontar o percentual do salário do empregado, ou se descontar percentual inferior, a diferença deverá ser considerada como salário indireto e sobre ela incidirão contribuição previdenciária e demais tributos, em razão do descumprimento dos limites legais da isenção. 

- Os montantes pagos pelo empregado para seus próprios planos de saúde/odontológicos, são gastos comuns e inerentes à vida, assim como educação, alimentação e moradia. Excluir tais verbas do cálculo das contribuições previdenciárias implicaria em reduzir o significado de “folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados” (art. 195, I, “a”, da Constituição) à lucro, restrição não autorizada pelo sistema jurídico por se tratar de matéria atinente à campo de incidência conferido pelo Constituinte à competência tributária da União Federal. 

- Não há fundamento jurídico para que o empregador (responsável tributário) exclua da base de cálculo da contribuição patronal os tributos devidos pelo empregado (contribuinte), sob pena de se valer de montante que não lhe pertence. Pela conformação legal dessas exigências (Lei nº 7.713/1988 e Lei nº 8.212/1991), após realizado o pagamento das verbas decorrentes do trabalho, primeiro haverá a incidência de contribuição previdenciária para depois ser feito o cálculo do IRPF. Portanto, inexiste fundamento jurídico para a exclusão desses tributos da base de cálculo da contribuição patronal e de terceiros (e, à evidência, das bases de incidência exigidas do empregado).

- A Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça, por meio de julgamento realizado em 14/08/2024, sob a sistemática dos recursos repetitivos, decidiu que os descontos correspondentes à coparticipação dos empregados no custeio de benefícios (vale-transporte, vale-refeição/alimentação e plano/assistência de saúde), assim como em relação ao imposto de renda e contribuição previdenciária retidos na fonte, não modificam o conceito de salário ou de salário contribuição, fixando a seguinte Tese: “As parcelas relativas ao vale-transporte, vale-refeição/alimentação, plano de assistência à saúde (auxílio-saúde, odontológico e farmácia), ao Imposto de Renda retido na fonte (IRRF) dos empregados e à contribuição previdenciária dos empregados, descontadas na folha de pagamento do trabalhador, constituem simples técnica de arrecadação ou de garantia para recebimento do credor, e não modificam o conceito de salário ou de salário contribuição, e, portanto, não modificam a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, do SAT e da contribuição de terceiros”.

- Nesse contexto e considerando o sistema de precedentes adotado pela ordem constitucional e pela legislação processual civil, em favor da unificação do direito e da pacificação dos litígios, deve-se acolher a orientação do E.STJ no sentido de que incidem as contribuições previdenciárias sobre descontos dos salários dos empregados sobre benefícios por ele custeados.

- Apelação da parte impetrante desprovida.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
Desembargador Federal