Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000017-61.2022.4.03.6142

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: TRANSBRASILIANA - CONCESSIONARIA DE RODOVIA S.A.

Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA CRISTINA SLAGHENAUFI - SP331363-A, JULIANA DA CUNHA RODRIGUES DE PAULA - SP264521-A

APELADO: REBUCCI PARTICIPACOES LTDA

Advogado do(a) APELADO: WALTER JOSE MARTINS GALENTI - SP173827-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000017-61.2022.4.03.6142

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: TRANSBRASILIANA - CONCESSIONARIA DE RODOVIA S.A.

Advogados do(a) APELANTE: GABRIELA CRISTINA SLAGHENAUFI - SP331363-A, JULIANA DA CUNHA RODRIGUES DE PAULA - SP264521-A

APELADO: REBUCCI PARTICIPACOES LTDA

Advogado do(a) APELADO: WALTER JOSE MARTINS GALENTI - SP173827-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de recurso de apelação interposto por TRANSBRASILIANA - CONCESSIONARIA DE RODOVIA S.A. em face de sentença proferida pela 1ª Vara Federal de Lins/SP que, em sede de desapropriação por utilidade pública, assim decidiu:

DISPOSITIVO

Superadas todas as questões, RESOLVO o mérito do processo (v. art. 487, inciso I, do CPC, c/c art. 22, do Decreto-Lei n.º 3.365/41) e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais de modo a estabelecer o valor indenizatório mínimo de R$ 172.845,65 (Cento e setenta e dois mil, oitocentos e quarenta e cinco Reais e, sessenta e cinco centavos) pelo bem a ser desapropriado individualizado na fração de - 394,52 metros quadrados de 3.451,60 – do imóvel de matrícula nº 12.765 do Registro de Imóveis da Comarca de Lins/SP, situado na BR-153/SP, no Município de Guaiçara/SP, mais especificamente aquelas quanto ao acesso do Km 172+000m e à interseção do Km 174+000m.

Caberá à expropriada, se interessada for, colacionar orçamentos completos afetos ao remanejamento do totem publicitário, a fim de que se possa aferir a complementação indenizatória quanto a tal benfeitoria.

Custas devidas pela expropriante. Nos termos do que preceitua o art. 27, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 3.365/41, arbitro os honorários advocatícios em favor do expropriado no importe de 0,5% incidente sobre os valores aqui homologados, apontados pelo perito judicial.

Liberem-se os honorários periciais depositados. Expeça-se o necessário.

Com o trânsito em julgado e após o depósito da indenização em juízo, cumpra-se o art. 34, caput, e parágrafo único, do Decreto-Lei n.º 3.365/41, com a expedição de edital para conhecimento de terceiros acerca da desapropriação, nele devendo-se mencionar que o valor depositado será liberado em favor da parte expropriada se nada for alegado ou requerido em 10 (dez) dias, cabendo à concessionária a publicação desse edital e sua comprovação, também no prazo de 10 (dez) dias.

O levantamento do valor depositado será objeto de deliberação posterior deste juízo, após observados os procedimentos e decorridos os prazos acima estipulados.

Após, publicado o edital e juntando a parte expropriada as certidões comprobatórias da quitação de dívidas fiscais dos bens desapropriados, expeça-se alvará, em seu favor, para que levante o valor depositado que lhe é devido.

Posteriormente, expedido o alvará, expeça-se em favor da concessionária carta de adjudicação, servindo essa sentença como título hábil para a transferência do domínio, conforme o disposto no art. 29, do Decreto-Lei n.º 3365/41.

Publique-se. Intimem-se. Cumpra-se.

Alega a apelante, em síntese, que o perito judicial avaliou a área atribuindo o valor indenizatório de R$ 13.054,09 (treze mil e cinquenta e quatro Reais e nove centavos), que acrescido do valor de R$ 3.176,25 (três mil, cento e setenta e seis Reais e vinte e cinco centavos) a título de compensação pelas benfeitorias, perfazem a quantia de R$ 17.041,86 (dezessete mil e quarenta e um reais e oitenta e seis centavos) atualizado até MAR/2023. Entretanto, a sentença, desconsiderando o valor do laudo pericial apresentado, fixou o valor da indenização em R$ 172.845,65 (cento e setenta e dois mil, oitocentos e quarenta e cinco reais e sessenta e cinco centavos). Entende que a sentença está equivocada, uma vez que a área desapropriada deve ser considerada rural e não urbana. Pugna pela reforma da sentença, a fim de que prevaleça o laudo pericial oficial. Subsidiariamente, pede que sejam reduzidos os honorários advocatícios.

Com as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 

 

 

 


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APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000017-61.2022.4.03.6142

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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

O Exmo. Sr. Desembargador Federal CARLOS FRANCISCO (Relator): É certo que o direito de propriedade se encontra assegurado pela Constituição Federal que, no entanto, o condicionou ao atendimento de sua função social (art. 5º, incisos XXII e XXIII, da CF/88).

Não se trata, portanto, de um direito absoluto, admitindo-se, com igual amparo constitucional, e sob o fundamento da supremacia do interesse público sobre o privado, a intervenção do Estado na propriedade particular, de modo a atender ao pressuposto de sua função social, elencado no art. 170, III, da CF/88, como um dos princípios que regem a ordem econômica.

A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de duas formas básicas: a) restritiva, que sem retirar a propriedade de seu titular, impõe condições ao seu uso (servidão administrativa, requisição, ocupação temporária, limitações administrativas e tombamento); b) supressiva, que transfere, compulsoriamente, para si a propriedade até então pertencente a terceiros, por meio da modalidade única da desapropriação.

No que concerne especificamente à desapropriação, trata-se de um procedimento de direito público, com fundamento no art. 5º, XXIV, da Constituição Federal, por meio do qual será possível a transferência compulsória da propriedade de terceiros ao Poder Público, por razões de utilidade pública, necessidade pública, ou interesse social, mediante justa e prévia indenização.

A regulamentação da desapropriação está contida, essencialmente, em dois diplomas normativos principais: o Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que dispõe sobre casos de desapropriação por utilidade pública, e a Lei nº. 4.132/1962, que trata dos casos de desapropriação por interesse social, embora outros dispositivos legais e constitucionais versem sobre a matéria (art. 182, § 4º, III, art. 184 e art. 243, da CF; art. 8º, da Lei nº. 10.257/2001; Lei nº 8.629/1993; Lei Complementar nº 76/1993; entre outros).

A desapropriação comporta um procedimento administrativo prévio, no qual o poder público declara que determinado bem será desapropriado (fase declaratória), e chama o proprietário na busca de um acordo a respeito do valor da indenização (fase executória). Não havendo consenso a respeito do montante indenizatório, cumpre ao Poder Público dar início à fase judicial, com a propositura da ação de desapropriação.

São competentes para declarar a utilidade pública ou o interesse social de um determinado bem, para fins de desapropriação, os chefes do poder executivo (Prefeitos, Governadores, Presidente da República), mediante Decreto, e o Poder Legislativo, mediante Lei ou Decreto Legislativo. Embora a administração indireta (autarquias, empresas estatais e fundações públicas) não possa, em regra, declarar a desapropriação de um bem, essa atribuição poderá ser delegada, a exemplo do que ocorre com o DNIT (art. 82, IX, da Lei nº. 10.233/2001), ou com a ANEEL (art. 10, da Lei nº. 9074/1995). Já para executar a desapropriação (legitimatio ad causam), terão competência a Administração direta (União, Estados, municípios e Distrito Federal), a Administração indireta (se a lei que criou o ente assim autorizar), e ainda as concessionárias e permissionárias de serviços públicos, desde que autorizadas por lei ou pelo respectivo contrato, conforme dispõe o art. 3º, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941.

Ainda que objeto de alguma controvérsia, vale registrar, que o art. 9º, do Decreto-lei no 3.365/1941 veda ao Poder Judiciário, decidir, na própria ação de desapropriação, sobre a existência ou não da utilidade pública invocada pela Administração. Nada impede, todavia, que essa verificação seja submetida a ação autônoma.

Ajuizada a ação expropriatória, caberá ao expropriado, em contestação, tão somente a discussão sobre eventuais vícios do processo judicial, ou a impugnação do valor oferecido, consoante disciplina do art. 20, do Decreto-lei no 3.365/1941, sendo vedada, portanto, o oferecimento de reconvenção, dada a limitação da matéria impugnável.

É certo que a transferência da propriedade terá lugar mediante o pagamento da indenização. Admite-se, porém, a imissão provisória na posse pelo expropriante, que será deferida, independentemente da citação do réu, se atendidos os requisitos previstos no art. 15, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, ou seja, a alegação de urgência e o depósito do preço oferecido, exceção feita às desapropriações de prédios residenciais urbanos, em que a imissão provisória na posse do bem observará as disposições do Decreto-lei no 1.075/1970.

O art. 33, §2º, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, faculta ao expropriado o levantamento de até 80% do valor inicialmente oferecido. Porém, com a inclusão do art. 34-A, no referido Decreto, pela Lei nº. 13.465/2017, abriu-se a possibilidade de levantamento de 100% do depósito, nos seguintes termos:

Art. 34-A. Se houver concordância, reduzida a termo, do expropriado, a decisão concessiva da imissão provisória na posse implicará a aquisição da propriedade pelo expropriante com o consequente registro da propriedade na matrícula do imóvel.

§ 1º A concordância escrita do expropriado não implica renúncia ao seu direito de questionar o preço ofertado em juízo.

§ 2º Na hipótese deste artigo, o expropriado poderá levantar 100% (cem por cento) do depósito de que trata o art. 33 deste Decreto-Lei.

§ 3º Do valor a ser levantado pelo expropriado devem ser deduzidos os valores dispostos nos §§ 1o e 2o do art. 32 deste Decreto-Lei, bem como, a critério do juiz, aqueles tidos como necessários para o custeio das despesas processuais.

De qualquer forma, o levantamento deverá ser precedido do atendimento, por parte do expropriado, do disposto no art. 34, do Decreto-Lei nº. 3.365/1941, que exige, prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 dias, para conhecimento de terceiros.

Estabelecida a controvérsia sobre o valor da indenização, impõe-se a realização de prova pericial, conforme determina o art. 23, da lei expropriatória, para que então sobrevenha decisão acerca da lide. Confira-se o teor do dispositivo legal:

Art. 23.  Findo o prazo para a contestação e não havendo concordância expressa quanto ao preço, o perito apresentará o laudo em cartório até cinco dias, pelo menos, antes da audiência de instrução e julgamento.

§ 1o  O perito poderá requisitar das autoridades públicas os esclarecimentos ou documentos que se tornarem necessários à elaboração do laudo, e deverá indicar nele, entre outras circunstâncias atendíveis para a fixação da indenização, as enumeradas no art. 27.

 Ser-lhe-ão abonadas, como custas, as despesas com certidões e, a arbítrio do juiz, as de outros documentos que juntar ao laudo.

§ 2o  Antes de proferido o despacho saneador, poderá o perito solicitar prazo especial para apresentação do laudo.

Sendo a perícia parte inerente ao procedimento, pacífico o entendimento segundo o qual o ônus da antecipação dos respectivos honorários recai sobre o ente expropriante, conforme se observa dos julgados a seguir colacionados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. INDENIZAÇÃO. ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. CABIMENTO DO RECURSO. STJ, TEMA 988. ENCARGO DO EXPROPRIANTE. AGRAVO DE INSTRUMENTO IMPROVIDO.1. Ao analisar o Tema 988, o C. STJ fixou a tese de que "O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação". 2. O caso enfrentado nos autos se amolda à hipótese de cabimento do recurso em hipótese não prevista no rol do artigo 1.015 do CPC, tendo em vista a urgência da definição acerca do responsável pelo ônus do adiantamento dos honorários do perito designado pelo juízo para a avaliação do imóvel objeto da desapropriação. 3. A despeito da previsão do artigo 95, caput do CPC, a jurisprudência pátria tem entendido que nas ações de desapropriação, havendo designação de perícia para avaliação do valor a ser pago pelo ente desapropriante, os honorários devem ser adiantados pelo expropriante em razão do dever da Administração de pagar justa indenização previsto pelo artigo 5º, XXIV da Constituição Federal. 4. Agravo de Instrumento improvido. (AI 5023323-26.2020.4.03.0000. RELATOR: Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, TRF3 - 1ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/12/2020)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. DECRETO-LEI Nº 3.365/41. JUSTA INDENIZAÇÃO. ADIANTAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. ENCARGO DO EXPROPRIANTE. RECURSO PROVIDO. 1. Conforme estabelece o Decreto-Lei nº 3.365/41, ao despachar a inicial o juiz designará um perito de sua livre escolha para proceder à avaliação dos bens e, não havendo concordância expressa quanto ao preço, o expert deverá apresentar o respectivo laudo técnico de avaliação (artigos 14 e 23). 2. De acordo com o entendimento majoritário, ao qual me alinho, devendo a desapropriação configurar uma operação que não enriqueça nem empobreça o expropriado, mantendo íntegro o seu patrimônio, os encargos decorrentes da prova pericial devem ser suportados pela entidade pública desapropriante. 3. Em caso de discussão quanto ao valor da oferta no processo de desapropriação direta, a determinação de prova pericial é ato de impulso oficial, eis que se trata de elemento de cognição imprescindível para a resolução da demanda, cabendo ao expropriante o adiantamento dos honorários periciais, diante do dever constitucional da Administração de velar pela justa indenização ao proprietário do imóvel a ser expropriado. Precedentes. 4. Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado. (AI 5024997-73.2019.4.03.0000. RELATOR: Desembargador Federal LUIZ PAULO COTRIM GUIMARAES, TRF3 - 2ª Turma, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/08/2020)

DESAPROPRIAÇÃO POR INTERESSE SOCIAL. HONORÁRIOS PERICIAIS. ADIANTAMENTO. RESPONSABILIZAÇÃO. I - Nos termos do parágrafo único do art. 527 do CPC/73, à época em vigor, a decisão que aprecia pedido de efeito suspensivo ao agravo de instrumento, concedendo ou não a antecipação da tutela requerida, somente é passível de reforma no momento do julgamento do agravo, salvo se o próprio relator a reconsiderar, sendo, destarte, descabida a interposição de agravo regimental. II - Hipótese dos autos em que a nova perícia foi determinada a pedido do INCRA, por outro lado sendo pacífico o entendimento do Eg. STJ no sentido de que em ação expropriatória com a dos autos, havendo contestação do valor ofertado, a realização de prova pericial se faz necessária independente de pedido das partes, sendo ônus do expropriante o encargo dela decorrente. Precedentes da Corte Superior. III - Agravo regimental não conhecido e agravo de instrumento desprovido. (AI 0026694-93.2014.4.03.0000. RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, TRF3 - SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2019)

A propósito da indenização devida à parte expropriada, deve ser observada a regra fundamental prevista no art. 5º, XXIV, da CF, segundo a qual, a indenização tem que ser prévia, justa e em dinheiro. Será prévia a indenização paga antes da transferência do bem. Será justa a indenização suficiente à preservação do patrimônio do titular do bem atingido, devendo compreender o valor venal do imóvel, e a reparação por eventuais danos, além dos consectários previstos em lei. Finalmente, a indenização será, em regra, na moeda corrente no país, admitindo-se o pagamento por precatório, de eventual diferença acolhida em sentença judicial. Excepcionalmente, no entanto, a indenização não será paga em dinheiro. São hipóteses normalmente associadas ao não atendimento da função social da propriedade, como na desapropriação especial urbana (art. 182, §4º, III, da CF), cujo pagamento se dará mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, ou ainda na desapropriação especial rural (art. 184, da CF), em que o pagamento ocorrerá por meio de títulos da dívida agrária, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão.

Traçadas essas linhas gerais a respeito do procedimento expropriatório, verifico que, no caso dos autos, trata-se de ação de desapropriação por utilidade pública disciplinada pelo Decreto-Lei n.º 3.365/41, proposta por TRANSBRASILIANA – CONCESSIONÁRIA DE RODOVIA S/A, pessoa jurídica de direito privado qualificada nos autos, em face de REBUCCI PARTICIPAÇÕES LTDA, pessoa jurídica de direito privado, por meio da qual pleiteia a desapropriação de áreas necessárias para realização das obras de duplicação do km 162+000m ao km 195+200m, interseção do Km 174+000, na BR-153/SP, no Município de Guaiçara/SP. Pela medida expropriatória, a autora oferece a indenização no valor de R$ 4.950,00 (quatro mil, novecentos e cinquenta Reais), nos termos do laudo que acompanha a peça inicial.

A ré, em sua contestação, refuta a tecnicidade do laudo ofertado pela TRANSBRASILIANA, porquanto teria utilizado como parâmetro bem em nada assemelhado ao objeto da desapropriação, além de se ater a norma cuja vigência teria se encerrado ainda no ano de 2019. Imputa o montante de R$ 121.000,00 (cento e vinte e um mil) pela justa indenização em razão da desapropriação do terreno e outros R$ 82.300,00 (oitenta e dois mil e trezentos Reais), pela correta compensação sobre as benfeitorias.

Diante da discordância em relação à importância inicialmente oferecida pela parte expropriante a título indenizatório, foi determinada a realização de perícia técnica visando à avaliação do imóvel, nos termos do art. 23, do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que, ao final, apurou o valor de R$ 13.054,09 (treze mil e cinquenta e quatro Reais e nove centavos) como preço da área a ser desapropriada (considerada rural pelo perito), que acrescido do valor de R$ 3.176,25 (três mil, cento e setenta e seis Reais e vinte e cinco centavos) a título de compensação pelas benfeitorias (alambrado), cuja soma alcança a quantia de R$ 17.041,86 (dezessete mil e quarenta e um Reais e, oitenta e seis centavos) atualizado até MAR/2023 (fls. 224/239 dos autos de origem).

A sentença, por sua vez, divergindo do laudo pericial, afastou a natureza rural da área desaproprianda, considerando-a como sendo urbana. Na sequência, tomando por base os pareceres técnicos apresentados pela ré REBUCCI PARTICIPACOES LTDA (fls. 139/196, 243/251, 258/266, 277/284 dos autos de origem), acolheu como limite mínimo, para fins de indenização pelo terreno, o montante de R$ 169.669,40 (Cento e sessenta e nove mil, seiscentos e sessenta e nove Reais e, quarenta centavos), que resultou na fixação o valor indenizatório mínimo de R$ 172.845,65 (cento e setenta e dois mil, oitocentos e quarenta e cinco Reais e sessenta e cinco centavos) pelo bem a ser desapropriado individualizado na fração de - 394,52 metros quadrados de 3.451,60 – do imóvel de matrícula nº 12.765 do Registro de Imóveis da Comarca de Lins/SP.

Diante dessas considerações, tem-se que a sentença merece ser anulada.

Com efeito, nos termos do art. 23 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, não havendo concordância expressa quanto ao preço, é obrigatória a realização da perícia judicial para fins de fixação do valor da justa indenização, em respeito ao comando contido no art. 5º, XXIV, da CF/1988. Nesse sentido, já decidiu o C. STJ que "(...) Ao lado disso, a impugnação do preço é o cerne da discussão de um processo judicial de desapropriação, com realização de perícia judicial (arts. 20 e 23 do Decreto-Lei 3.365/1941), o que consiste em garantia da observância da diretriz da justa indenização" (REsp n. 1.777.388/CE, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 9/5/2019, DJe de 18/6/2019.). Tal obrigatoriedade ganha ainda maior relevo no caso sob exame, no qual percebe-se enorme divergência entre o valor oferecido pelo expropriante e aquele reivindicado pela expropriada e também entre aquele a que chegou o perito técnico judicial em comparação com o adotado pela sentença apelada.

E, sendo imprescindível, por força de lei, a realização de perícia judicial, é certo que ela deve envolver o imóvel desapropriando em sua real natureza jurídica, in casu, natureza de imóvel urbano. De fato, o perito do juízo indicou como base dos cálculos a medida em alqueire, por compreender que o imóvel deteria natureza rural. Entretanto, neste ponto encontra-se correta a sentença, na medida em que a avaliação deve ter como ponto de partida o metro quadrado, entre outros argumentos, porque é contribuinte de IPTU e não de ITR. Realmente, a Lei nº 2.617/2016 do município de Guaiçara/SP (fls. 290/291 e 302 dos autos de origem), passou a considerar como perímetro urbano o setor onde situado o imóvel objeto desta desapropriação, dando azo à exação de IPTU. Nesse sentido, torna-se imprestável laudo pericial que tomou por base uma equivocada natureza rural do imóvel, mesmo porque, a  avaliação de imóveis rurais baseia-se na NBR 14.653-3:2019 da ABNT, enquanto a avaliação de imóveis urbanos pauta-se pela  14.653-2:2019, ou seja, parte diferente da mesma Norma Técnica. Outrossim, salvo situações excepcionais, a avaliação do imóvel objeto da desapropriação, seja ele urbano ou rural, deve observar o denominado Método Comparativo Direto de Dados de Mercado, por meio do qual o expert deve compor uma amostra representativa de mercado de imóveis com características o máximo possível semelhantes às do imóvel avaliando, identificando, ademais, variáveis de interesse relativas, por exemplo, ao preço, à existência de benfeitorias, às unidades de medida, à localização, entre outras. Parece certo, nesse diapasão, que a avaliação de um imóvel urbano não pode se pautar em amostra representativa de mercado relativa a imóveis rurais, o que torna inservível o laudo pericial produzido perante o MM Juízo de 1º Grau, circunstância que acaba também por representar violação ao art. 23 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, que exige a produção da prova pericial para que o juiz possa fixar o preço da indenização, bem como ao próprio conceito de justa indenização, previsto no art. 5º, XXIV, da CF/1988.

Cumpre acrescentar, neste ponto, que não se desconhece o disposto no art. 479 do CPC, segundo o qual o juiz pode deixar de considerar  as conclusões do laudo pericial, desde que indique na sentença os motivos que o levaram a tanto e levando em conta o método utilizado pelo perito. Ocorre, porém, que o dispositivo legal não se aplica à espécie, basicamente por duas razões: em primeiro, porque não se trata de simplesmente desconsiderar o laudo pericial, mas sim de ausência de laudo pericial válido e eficaz, visto que o mesmo se baseou em método completamente equivocado de avaliação, haja vista o erro inicial quanto à natureza do imóvel; em segundo lugar, porque o único fundamento empregado pela sentença para desconsiderar o laudo pericial e adotar, na íntegra, o parecer elaborado pelo assistente da ré (de valor extremamente superior, frise-se), foi esse:

A TRANSBRASILIANA não se insurgiu quanto aos conteúdos dos pareceres técnicos apresentados pela REBUCCI de fls. 139/196, 243/251, 258/266, 277/284, contentando-se em aderir aos termos do laudo e complementações oficiais.

Ora, a adesão da parte adversa ao laudo pericial oficial já representa insurgência quanto aos conteúdos dos pareceres técnicos apresentados pela REBUCCI, de sorte que tal argumento não se mostra satisfatório para medida de tal gravidade, qual seja, o afastamento da prova pericial produzida em juízo com a consequente adoção, na íntegra, do estudo realizado por uma das partes em conflito, especialmente, repita-se, diante da divergência expressiva de valores. A solução mais adequada, portanto, é a realização de nova perícia, nos termos do art. 480 do CPC, c/c art. 23 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, desta vez levando em conta a natureza urbana do imóvel, porquanto os resultados da primeira perícia não foram suficientes para esclarecer a matéria. O objetivo da segunda perícia, ademais, é o de corrigir omissões ou inexatidões da primeira perícia realizada, tal como ocorreu no caso concreto. 

Diante do exposto, de ofício, ANULO a sentença e determino a baixa dos autos à origem, para que seja realizada NOVA PERÍCIA envolvendo o imóvel objeto da desapropriação, na forma da fundamentação supra. Fica PREJUDICADA a apelação interposta.

É como voto.



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. AVALIAÇÃO DE IMÓVEL URBANO. VÍCIOS NO LAUDO PERICIAL. NULIDADE. NOVA PERÍCIA.

- A desapropriação comporta um procedimento administrativo prévio, no qual o poder público declara que determinado bem será desapropriado (fase declaratória), e chama o proprietário na busca de um acordo a respeito do valor da indenização (fase executória). Não havendo consenso a respeito do montante indenizatório, cumpre ao Poder Público dar início à fase judicial, com a propositura da ação de desapropriação.

- Ajuizada a ação expropriatória, caberá ao expropriado, em contestação, tão somente a discussão sobre eventuais vícios do processo judicial, ou a impugnação do valor oferecido, consoante disciplina do art. 20, do Decreto-lei no 3.365/1941, sendo vedada, portanto, o oferecimento de reconvenção, dada a limitação da matéria impugnável.

- Impõe-se a realização de prova pericial, conforme determina o art. 23, da lei expropriatória, desde que estabelecida controvérsia sobre o valor da indenização, para que então sobrevenha decisão acerca da lide.  Tal obrigatoriedade ganha ainda maior relevo no caso sob exame, no qual percebe-se enorme divergência entre o valor oferecido pelo expropriante e aquele reivindicado pela expropriada e também entre aquele a que chegou o perito técnico judicial em comparação com o adotado pela sentença apelada.

- E, sendo imprescindível, por força de lei, a realização de perícia judicial, é certo que ela deve envolver o imóvel desapropriando em sua real natureza jurídica de imóvel urbano e não de imóvel rural, como considerou o laudo pericial.

-  A solução mais adequada é a realização de nova perícia, nos termos do art. 480 do CPC, c/c art. 23 do Decreto-Lei nº 3.365/1941, desta vez levando em conta a natureza urbana do imóvel, porquanto os resultados da primeira perícia não foram suficientes para esclarecer a matéria. O objetivo da segunda perícia, ademais, é o de corrigir omissões ou inexatidões da primeira perícia realizada, tal como ocorreu no caso concreto. 

- Sentença anulada. Apelação prejudicada.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, de ofício, anular a sentença e determinar a baixa dos autos à origem, para que seja realizada NOVA PERÍCIA envolvendo o imóvel objeto da desapropriação, restando prejudicada a apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
Desembargador Federal