Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000024-10.2023.4.03.6339

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: WANDERLEI PEREIRA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MAGDA CRISTINE INOWE - SP383147-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

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Tribunal Regional Federal da 3ª Região
7ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000024-10.2023.4.03.6339

RELATOR: Gab. 22 - DES. FED. INÊS VIRGÍNIA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

APELADO: WANDERLEI PEREIRA DE SOUZA

Advogado do(a) APELADO: MAGDA CRISTINE INOWE - SP383147-A

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R E L A T Ó R I O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra a r. sentença que julgou o pedido deduzido na inicial nos seguintes termos:

“Isto posto, reconheço ter o autor laborado em condições especiais de 29/01/1987 a 31/12/199313/02/1996 a 05/03/1997, 19/11/2003 a 20/12/2007, e ACOLHO o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, condenando o INSS a implantar aludida prestação desde o pedido administrativo realizado em 16/04/2021, em valor a ser apurado administrativamente, devendo utilizar a forma de cálculo da renda mensal inicial do benefício que se mostrar mais benéfica.

As diferenças devidas em atraso, observada a prescrição quinquenal, serão apuradas após o trânsito em julgado e mediante simples cálculos aritméticos, a serem apresentados oportunamente pelo INSS. Serão descontados do “quantum” devido somente os benefícios pagos administrativamente da mesma espécie e os inacumuláveis (art. 124 da Lei 8.213/91) eventualmente percebidos durante o período de apuração (Tema 1.013 do STJ e Súmula 72 da TNU). A correção monetária incidirá desde a data do vencimento de cada prestação, segundo os índices divulgados pelo item 4.3.1.1 do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal (Tema 810 do STF e Tema 905 do STJ – afastada a TR, com aplicação do INPC/IBGE ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91). Quanto aos juros de mora, devidos desde a citação, corresponderá à remuneração oficial da caderneta de poupança, capitalizados de forma simples, a partir da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97 (para período anterior, os índices serão os divulgados pelo item 4.3.2 do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal) - para as diferenças havidas anteriores à citação, os juros moratórios serão calculados de forma globalizada e, para aquelas vencidas após tal ato processual, decrescentemente. E para o período posterior a 9 de dezembro de 2021, a remuneração do capital (correção monetária) e de compensação da mora (juros moratórios), inclusive do precatório, considerarão a incidência, unicamente, até o efetivo pagamento, da taxa Selic, acumulada mensalmente (art. 3º da EC 113/21).

Sucumbente em maior medida, condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios sobre o valor da condenação, sendo este representado pelo total das diferenças havidas até a implantação do benefício. Embora ilíquida a sentença, fixo o percentual dos honorários advocatícios em 10% (art. 85, § 3º, inciso I do CPC), observada a limitação de 200 salários-mínimos, admitida adequação dos valores que superarem esse patamar no cumprimento da sentença.

Tomando o provável proveito econômico da sentença, fica evidenciada a impossibilidade de a condenação de primeiro grau ultrapassar o valor de mil salários mínimos, motivo pelo qual deixo de conferir à sentença o reexame necessário (§ 3º, I, do art. 496 do CPC).

Saliento ter sido revogada a gratuidade de justiça do autor.”

Nas suas razões recursais o INSS pugna pela reforma da sentença para excluir a especialidade dos períodos de 29/01/1987 a 31/12/1993, 13/02/1996 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 20/12/2007 e a improcedência do pedido de aposentadoria, sustentando para tanto que o autor não comprova que laborou exposto a agente nocivo superior ao limite de tolerância de maneira habitual e permanente, pois não há responsável técnico pelos registros ambientais para todo o período pleiteado; a metodologia de aferição do ruído não atende a legislação vigente. Se mantida a sentença pleiteia a observância da prescrição quinquenal; a intimação da parte autora para firmar e juntar aos autos a autodeclaração prevista no anexo I da Portaria INSS nº 450, de 03/04/2020, em observância às regras de acumulação de benefícios estabelecida no artigo 24, §§ 1º e 2º da EC 103/2019; a fixação dos honorários advocatícios nos termos da Súmula 111 do STJ; a declaração de isenção de custas e outras taxas judiciárias; o desconto dos valores já pagos administrativamente ou de qualquer benefício inacumulável recebido no período e a cobrança de eventuais valores pagos em sede de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Prequestiona a matéria para fins recursais.

Após intimação da parte autora para apresentar as contrarrazões recursais os autos foram remetidos a esta e. Corte.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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V O T O

A EXMA. SRA. DESEMBARGADORA FEDERAL INÊS VIRGÍNIA (RELATORA): Recebo a apelação interposta sob a égide do Código de Processo Civil/2015 e, em razão de sua regularidade formal, possível sua apreciação, nos termos do artigo 1.011 do Codex processual.

DO ENQUADRAMENTO DAS ATIVIDADES ESPECIAIS

O artigo 201, §1°, da CF/88, prevê um tratamento diferenciado aos segurados que exerçam atividades com exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes. O trabalho em condições especiais é objeto, ainda, dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213/91 e dos artigos 64 a 70 do Decreto nº 3.048/99 (RPS – Regulamento da Previdência Social).

A especialidade fica caracterizada quando constatada a exposição do segurado a agentes nocivos acima dos limites de tolerância (critério quantitativo), podendo tal avaliação ser também qualitativa. O Anexo IV do RPS traz um rol dos agentes nocivos, bem assim o respectivo tempo de exposição (15, 20 ou 25 anos) após o qual os segurados passam a fazer jus à aposentadoria especial.

Desde 29/04/1995, data da publicação da Lei nº 9.032/95, exige-se a efetiva exposição do segurado a agentes nocivos. Até então, reconhecia-se a especialidade do labor de acordo com a categoria profissional, presumindo-se que os trabalhadores de determinadas categorias se expunham a ambiente nocivo.

Nos termos da legislação de regência, a exposição do segurado a agentes nocivos há de ser permanente, não ocasional nem intermitente, o que, entretanto, não significa que o segurado tenha que se expor durante toda a sua jornada à nocividade, mas sim que a exposição aos agentes seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço (Decreto nº 8.213/2013). Constando do PPP que o segurado ficava exposto a agente nocivo, deve-se concluir que tal exposição era suficiente à configuração da especialidade, nos termos do artigo 65do RPS, não se exigindo menção expressa, no formulário, nesse sentido, já que no modelo de PPP concebido pelo INSS não existe campo específico para tanto. Logo, não prospera a alegação de impossibilidade de se reconhecer a especialidade do labor pelo fato de o PPP não consignar expressamente que a exposição era habitual, consoante jurisprudência desta C. Turma: APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1773938 - 0008160-27.2011.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO, julgado em 12/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:20/03/2018.

As condições de trabalho podem ser provadas pelos instrumentos previstos nas normas de proteção ao ambiente laboral (PPRA, PGR, PCMAT, PCMSO, LTCAT, PPP, SB-40, DISES BE 5235, DSS-8030, DIRBEN-8030 e CAT), sem prejuízos de outros meios de prova, sendo de se frisar que apenas a partir da edição do Decreto nº 2.172, de 05/03/1997, tornou-se exigível a apresentação de laudo técnico a corroborar as informações constantes nos formulários, salvo para o agente ruído e calor, que sempre exigiu laudo técnico.

A partir de 01/01/2004, é obrigatório o fornecimento aos segurados expostos a agentes nocivos do PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário, documento que retrata o histórico laboral do segurado, evidenciando os riscos do respectivo ambiente de trabalho. Infere-se do artigo 58 da Lei nº 8.213/91 que (i) a comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita por meio do PPP; (ii) o PPP deve ser emitido pela empresa, na forma estabelecida pelo INSS, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho; (iii) o empregador deve manter atualizado o PPP abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a cópia desse documento; (iv) a empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista em lei.

Considerando que a empresa empregadora deve garantir a veracidade das declarações prestadas nos formulários de informações e laudos periciais (artigo 133 da Lei nº 8.213/91 e artigo 299 do Código Penal) e que cabe ao Poder Público fiscalizar o empregador no que tange à elaboração, manutenção e atualização do PPP, presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário, seja porque ele não é responsável pela elaboração do documento, seja porque cabe ao Poder Público fiscalizar a elaboração do PPP pelas empresas. O Egrégio STJ fixou tese repetitiva no sentido acima expendido no julgamento da Petição nº 10.262/RS, de 08/02/2017.

A apresentação do PPP dispensa a apresentação do laudo que o subsidia. E o fato de esse laudo não ser contemporâneo ao labor não invalida as informações constantes do PPP a respeito do tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços. (Precedentes desta Corte: AC 0012334- 39.2011.4.03.6183, 8ª Turma, Desembargador Federal Luiz Stefanini, DE 19/03/2018; AC/ReO 0027585-63.2013.4.03.6301, 10ª Turma, Relator Desembargador Federal Sérgio Nascimento e AC/ReO 0012008- 74.2014.4.03.6183, 7ª Turma, Relator Desembargador Federal Fausto de Sanctis, DE 17/10/2017) e Súmula nº 68, da Turma de Uniformização de Jurisprudência.

O E. STF, no julgamento do ARE 664335, assentou o entendimento de que o fornecimento de EPI ao trabalhador afasta a especialidade do labor desde que tal equipamento se mostre efetivamente capaz de neutralizar ou eliminar a nocividade do ambiente laborativo. Assim, o simples fato de o PPP atestar a eficácia do EPI não é suficiente para afastar a especialidade do labor, pois, conforme se infere do Anexo XV, da Instrução Normativa 11/2006, do INSS - o campo 15.7 do PPP deve ser preenchido com “S - Sim; N - Não, considerando se houve ou não a atenuação, com base no informado nos itens 15.2 a 15.5, observado o disposto na NR-06 do MET, observada a observância: [...]”, a eficácia atestada no PPP diz respeito à aptidão do EPI para atenuar - e não neutralizar – a nocividade do agente. Logo, não se pode, com base nisso, afastar a especialidade do labor, até porque, nos termos do artigo 264, § 5º, do RPS; “sempre que julgar necessário, o INSS poderá solicitar documentos para confirmar ou complementar as informações contidas no PPP, de acordo com § 7º do artigo 68 e inciso III do artigo 225, ambos do RPS” (Precedente: TRF 3ª Região, NONA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 2228745 - 0001993-28.2015.4.03.6113, Rel. JUIZ CONVOCADO RODRIGO ZACHARIAS, julgado em 07/03/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:21/03/2018)

Não nos escapa a análise, em complemento às observações aqui lançadas, que a experiência vivida mundialmente a partir de 2020, com a pandemia por COVID-19, com a adoção de medidas preventivas, sanitárias e pessoais, corrobora e lança luzes sobre a natureza meramente atenuadora dos EPI’s na prevenção de doenças, inclusive as ocupacionais.

Diante das inúmeras alterações dos quadros de agentes nocivos, a jurisprudência consolidou o entendimento no sentido de que deve se aplicar, no particular, o princípio tempus regit actum, reconhecendo-se como especiais os tempos de trabalho se na época respectiva a legislação de regência os reputava como tal.

Já quanto à conversão do tempo de trabalho, a lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço (Tese Repetitiva 546, REsp 1310034/PR). O artigo 57, §5°, da Lei nº 8.213/91, admitia a conversão de tempo de atividade especial para comum, nos termos da tabela do artigo 70 do Decreto nº 3.048/99. Todavia, a conversão do tempo especial em comum só é possível até 13/11/2019, pois a EC 103/2019 (artigos 10, §3° e 25, §2°) vedou a conversão para períodos posteriores a tal data.

Comprovada a exposição do segurado a agentes nocivos, há que se reconhecer a respectiva especialidade, ainda que não tenham sido recolhidas as contribuições previdenciárias devidas em decorrência de tal fato gerador, não havendo que se falar, nesse caso, em ausência de prévia fonte de custeio (artigo 195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei nº 8.213/91) nem em ausência de registro do código da GFIP no formulário, até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuído ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia. No Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335/SC, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em sede de Repercussão Geral, assentou-se que a ausência de prévia fonte de custeio não prejudica o direito dos segurados à aposentadoria especial, em razão de não haver ofensa ao princípio da preservação do equilíbrio financeiro e atuarial, eis que o artigo 195, § 5º, da Constituição Federal (que veda a criação, majoração ou a extensão de benefícios previdenciários sem a correspondente fonte de custeio), contém norma dirigida ao legislador ordinário, disposição inexigível quando se trata de benefício criado diretamente pela própria constituição, como é o caso da aposentadoria especial.

DO AGENTE NOCIVO RUÍDO

A regulamentação sobre a nocividade do ruído sofreu algumas alterações.

Até a edição do Decreto nº 2.171/1997 (06/03/1997), considerava-se especial a atividade exercida com exposição a ruído superior a 80 decibéis. A partir de então, passou-se a considerar como especial o trabalho realizado em ambiente em que o nível de ruído fosse superior a 90 decibéis. Por fim, com a entrada em vigor do Decreto nº 4.882, em 18/11/2003, o limite de tolerância a esse agente físico foi reduzido para 85 decibéis.

Considerando tal evolução normativa e o princípio tempus regit actum - segundo o qual o trabalho é reconhecido como especial de acordo com a legislação vigente no momento da respectiva prestação -, reconhece-se como especial o trabalho sujeito a ruído superior a 80 dB (até 05/03/1997); superior a 90 dB (de 06/03/1997 a 18/11/2003); e superior a 85 dB, a partir de 19/11/2003.

O C. STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.398.260/PR, sob o rito do artigo 543-C do CPC/73, firmou a tese de que não se pode aplicar retroativamente o Decreto nº 4.882/2003: "O limite de tolerância para configuração da especialidade do tempo de serviço para o agente ruído deve ser de 90 dB no período de 6.3.1997 a 18.11.2003, conforme Anexo IV do Decreto 2.172/1997 e Anexo IV do Decreto 3.048/1999, sendo impossível aplicação retroativa do Decreto 4.882/2003, que reduziu o patamar para 85 dB, sob pena de ofensa ao art. 6º da LINDB (ex-LICC)" (Tema Repetitivo 694).

O E. STF, de seu turno, no julgamento do ARE 664335, assentou a tese segundo a qual "na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria".

A Corte Suprema assim decidiu, pois o EPI não elimina o agente nocivo, mas apenas reduz os seus efeitos, de sorte que o trabalhador permanece sujeito à nocividade, existindo estudos científicos que demonstram inexistir meios de se afastar completamente a pressão sonora exercida sobre o trabalhador, mesmo nos casos em que haja utilização de protetores auriculares.

Logo, no caso de ruído, ainda que haja registro no PPP de que o segurado fazia uso de EPI ou EPC, reconhece-se a especialidade do labor quando os níveis de ruído forem superiores ao tolerado, não havendo como se sonegar tal direito do segurado sob o argumento de ausência de prévia fonte de custeio (artigo 195, §§ 5° e 6°, da CF/88 e artigo 57, §§ 6° e 7°, da Lei nº 8.213/91), até porque o não recolhimento da respectiva contribuição não pode ser atribuída ao trabalhador, mas sim à inércia estatal no exercício do seu poder de polícia.

METODOLOGIA DE AFERIÇÃO DO RUÍDO

Importa registrar que não merece acolhida a alegação no sentido de que não se poderia reconhecer como especial o período trabalhado em função da técnica utilizada na aferição do ruído não ter observado a Instrução Normativa 77/2015.

Ora, é evidente que tal norma (IN 77/2015), que estabelece uma técnica procedimental, não pode ser aplicada retroativamente - até porque é materialmente impossível que o empregador proceda a uma medição com base numa norma futura.

De todo modo, vale registrar que o segurado não pode ser prejudicado por eventual equívoco da empresa no particular.

Ressalte-se que, em função do quanto estabelecido no artigo 58 da Lei nº 8.213/91, presume-se que as informações constantes do PPP são verdadeiras, não sendo razoável nem proporcional prejudicar o trabalhador por eventual irregularidade formal de referido formulário, eis que ele não é responsável pela elaboração do documento e porque cabe ao Poder Público fiscalizar a elaboração do PPP e dos laudos técnicos que o embasam.

Não só. A legislação de regência não exige que a nocividade do ambiente de trabalho seja aferida a partir de uma determinada metodologia. O artigo 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91, exige que a comprovação do tempo especial seja feita por formulário, ancorado em laudo técnico elaborado por engenheiro ou médico do trabalho, o qual, portanto, pode se basear em qualquer metodologia científica. Não tendo a lei determinado que a aferição só poderia ser feita por meio de uma metodologia específica (Nível de Exposição Normalizado - NEN), não se pode deixar de reconhecer o labor especial pelo fato de o empregador ter utilizado uma técnica diversa daquela indicada na Instrução Normativa do INSS, pois isso representaria uma extrapolação do poder regulamentar da autarquia. (Precedente:TRF2 SEGUNDA TURMA RECURSAL Recursos 05100017820164058300).

Por tais razões, deve ser rejeitada qualquer alegação no sentido de que o labor não poderia ser reconhecido como especial em razão da metodologia incorreta na medição do ruído.

NO CASO CONCRETO

Cuida-se de apelação interposta pelo INSS visando a reforma da sentença que reconheceu a especialidade dos intervalos de 29/01/1987 a 31/12/1993, 13/02/1996 a 05/03/1997 e de 19/11/2003 a 20/12/2007 e concedeu a aposentadoria por tempo de contribuição desde 16/04/2021 (DER).

Passamos à análise dos períodos controversos à luz das provas dos autos.

- Períodos de 29/01/1987 a 31/12/1993 e de 19/11/2003 a 20/12/2007 – cargo de auxiliar de mecânico e mecânico junto ao Auto Posto Diesel Ltda

- Período de 13/02/1996 a 05/03/1997 – cargo de mecânico junto à empresa Guerino Seiscentos Transportes S/A

Para comprovar as condições de trabalho nos mencionados intervalos o Autor apresentou no procedimento administrativo e nestes autos os PPP’s em id 318840930 (págs.14/18), devidamente assinados e com indicação dos responsáveis pelos registros ambientais, os quais declaram que nos períodos de 29/01/1987 a 31/12/1993 e de 19/11/2003 a 20/12/2007 o segurado esteve exposto a ruído de 86,11 dB(A), enquanto de 13/02/1996 a 05/03/1997 a pressão sonora era de 82 dB(A).

Considerando os limites legais estabelecidos para a exposição (80 dB até 05/03/1997, 90 dB de 06/03/1997 a 18/11/2003 e 85 dB a partir de 19/11/2003), verifica-se que o autor estava exposto a ruído acima do limite de tolerância em tais intervalos.

Quanto à metodologia de medição do ruído, conforme abordado anteriormente, não há que se falar da necessidade de utilização de uma ou outra forma, dada a ausência de previsão legal.

PERFIL PROFISSIOGRÁFICO PREVIDENCIÁRIO

O fato de o PPP não ser contemporâneo não invalida suas conclusões a respeito do reconhecimento de tempo de trabalho dedicado em atividade de natureza especial, primeiro, porque não existe tal previsão decorrente da legislação e, segundo, porque a evolução da tecnologia aponta para o avanço das condições ambientais em relação àquelas experimentadas pelo trabalhador à época da execução dos serviços. (Precedentes desta Corte: 7ª Turma, ApelRemNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 5008396-32.2018.4.03.6109, Rel. Desembargador Federal INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 06/06/2023, DJEN DATA: 12/06/2023; ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002962-34.2018.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 09/05/2023, Intimação via sistema DATA: 11/05/2023; ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5002059-62.2019.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal LEILA PAIVA MORRISON, julgado em 30/03/2023, Intimação via sistema DATA: 03/04/2023)

À vista disso, não procede a alegação do INSS de que o PPP estaria irregular por ausência de responsável técnico para todo o período pleiteado, pois foram indicados os profissionais legalmente habilitados que efetivamente atestaram o período laborado pelo segurado e, conforme mencionado, o PPP não contemporâneo não impede o reconhecimento da atividade especial.

Nesse sentido, a jurisprudência desta C. Turma:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO PREVIDENCIÁRIO – APELAÇÃO - AVERBAÇÃO – PERÍODOS JÁ RECONHECIDOS E AVERBADOS PELO INSS – AUSENTE INTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO - APOSENTADORIA ESPECIAL – LAUDO EXTEMPORÂNEO - ATIVIDADE ESPECIAL RECONHECIDA - CONSECTÁRIOS – PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

- O fato de não constar responsável técnico pelos registros ambientais durante todo o período elencado no Perfil Profissiográfico não lhe retira o condão de comprovar a exposição aos agentes agressivos. A legislação previdenciária apenas aborda a necessidade de que figure no documento comprobatório a presença do responsável técnico.

(...)

(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5014691-23.2019.4.03.6183, Rel. Desembargador Federal ANTONIO MORIMOTO JUNIOR, julgado em 24/08/2023, DJEN DATA: 28/08/2023)

Assim, os PPP’s apresentados são documentos idôneos para comprovar as condições de trabalho do segurado.

HABITUALIDADE E EPI INEFICAZ

Os elementos dos autos revelam que a exposição da parte autora a agentes nocivos era inerente à atividade que ela desenvolvia, donde se conclui que tal exposição deve ser considerada permanente, nos termos do artigo 65 do RPS, o qual, consoante já destacado, reputa trabalho permanente "aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço".

Não se exige, portanto, que o trabalhador se exponha durante todo o período da sua jornada ao agente nocivo, o que interdita o acolhimento da alegação autárquica em sentido contrário.

Como já explicitado, quanto ao agente ruído, a utilização de EPI, mesmo que eficaz, não desnatura a qualidade especial do tempo, consoante restou pacificado pelo E STF.

DIREITO AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO

Diante do conjunto probatório carreado aos autos, o reconhecimento da especialidade das atividades nos períodos antes mencionados é de rigor, de modo que o segurado tem direito ao benefício de aposentadoria, conforme decidido na sentença recorrida.

Não há que se falar na ocorrência de prescrição, pois a demanda foi ajuizada dentro do prazo quinquenal do artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91.

O requerimento para que a parte firme autodeclaração para os pedidos de aposentadorias deve ser rejeitado, eis que mencionada exigência não se aplica na esfera judicial, mas somente no âmbito administrativo, até porque prevista apenas em norma administrativa (Portaria INSS n° 450/2020).

Deverão ser descontados do valor da condenação outros benefícios inacumuláveis ou pagos administrativamente.

JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA

Para o cálculo dos juros de mora e correção monetária, revendo posicionamento adotado anteriormente, devem ser aplicados os índices e critérios adotados pelo Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, aprovado pelo Conselho da Justiça Federal, vigente na data da execução.

Vale ressaltar que o referido manual foi instituído pelo Conselho da Justiça Federal com o objetivo de unificar os critérios de cálculo a serem aplicados a todos os processos sob sua jurisdição, na fase de execução, e seus parâmetros são estabelecidos com base na legislação vigente e na jurisprudência dominante, por meio de Resolução, devendo ser observado, sem ofensa à coisa julgada, a versão mais atualizada do manual.

Se a sentença determinou a aplicação de critérios de juros de mora e correção monetária diversos, ou, ainda, se ela deixou de estabelecer os índices a serem observados, pode esta Corte alterá-los ou fixá-los, inclusive de ofício, para adequar o julgado ao entendimento pacificado nos Tribunais Superiores.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Vencido o INSS, a ele incumbe o pagamento de honorários advocatícios, mantidos em 10%, mas restringindo a sua base de cálculo ao valor das prestações vencidas até a data da sentença, para adequá-los aos termos da Súmula nº 111/STJ.

HONORÁRIOS RECURSAIS

Os honorários recursais foram instituídos pelo CPC/2015, em seu artigo 85, § 11, como um desestímulo à interposição de recursos protelatórios, e consistem na majoração dos honorários de sucumbência em razão do trabalho adicional exigido do advogado da parte contrária, não podendo a verba honorária de sucumbência, na sua totalidade, ultrapassar os limites estabelecidos na lei.

Assim, provido o apelo do INSS interposto na vigência da nova lei, ainda que parcialmente, descabida, no caso, a sua condenação em honorários recursais.

CUSTAS

No que se refere às custas processuais, no âmbito da Justiça Federal, delas está isenta a Autarquia Previdenciária, a teor do disposto no artigo 4º, I, da Lei nº 9.289/96.

Tal isenção, decorrente de lei, não exime o INSS do reembolso das custas recolhidas pela parte autora (artigo 4º, parágrafo único, da Lei nº 9.289/96).

PREQUESTIONAMENTO

Relativamente ao prequestionamento de matéria ofensiva a dispositivos de lei federal e de preceitos constitucionais, tendo sido o recurso apreciado em todos os seus termos, nada há que ser discutido ou acrescentado aos autos.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à Apelação do INSS para restringir a base de cálculo dos honorários advocatícios ao valor das prestações vencidas até a data da sentença, conforme dispõe a Súmula nº 111/STJ, e determino, de ofício, a alteração dos critérios de juros de mora e correção monetária, nos termos expendidos no voto.

É como voto.

 

 



E M E N T A

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. PPP COMO MEIO DE PROVA. EPI INEFICAZ. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

  1. Apelação interposta pelo INSS visando à reforma da sentença que reconheceu a especialidade dos períodos de 29/01/1987 a 31/12/1993, 13/02/1996 a 05/03/1997 e 19/11/2003 a 20/12/2007 e concedeu a aposentadoria por tempo de contribuição ao segurado desde 16/04/2021 (DER).

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

  1. Há duas questões em discussão: (i) verificar se os períodos indicados devem ser reconhecidos como tempo especial, considerando a exposição a ruído acima dos limites legais; (ii) definir se os critérios de juros de mora e correção monetária devem ser ajustados conforme o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

III. RAZÕES DE DECIDIR

  1. O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) é meio de prova idôneo para comprovar as condições laborais do segurado, ainda que não seja contemporâneo ao período trabalhado, desde que devidamente assinado e com indicação dos responsáveis pelos registros ambientais.
  2. A exposição a ruído de 86,11 dB(A) nos períodos de 29/01/1987 a 31/12/1993 e 19/11/2003 a 20/12/2007 e de 82 dB(A) no período de 13/02/1996 a 05/03/1997 caracteriza a atividade especial, pois ultrapassa os limites de tolerância previstos na legislação vigente para cada período.
  3. A exposição a agentes nocivos de forma habitual e permanente não exige que ocorra durante toda a jornada de trabalho, bastando que seja inerente à atividade desenvolvida.
  4. A utilização de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) não descaracteriza a especialidade do tempo de serviço quando se trata de exposição a ruído, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal.
  5. O INSS não demonstrou irregularidade na emissão dos PPP’s apresentados pelo segurado, cabendo-lhe o ônus da prova quanto à suposta inadequação dos documentos.
  6. Os juros de mora e a correção monetária devem ser aplicados conforme os critérios estabelecidos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, vigente na data da execução.
  7. Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS à razão de 10%, porém devem incidir apenas sobre as prestações vencidas até a data da sentença, conforme a Súmula nº 111 do STJ.
  8. Não há condenação do INSS ao pagamento de honorários recursais, uma vez que houve provimento parcial do recurso.
  9. O INSS está isento do pagamento de custas processuais na Justiça Federal, nos termos do artigo 4º, I, da Lei nº 9.289/96, sem prejuízo do reembolso das despesas eventualmente suportadas pela parte autora.

IV. DISPOSITIVO E TESE

  1. Recurso parcialmente provido para restringir a base de cálculo dos honorários advocatícios. Aplicação de ofício dos critérios do Manual de Cálculos da Justiça Federal para correção monetária e juros de mora.

Tese de julgamento:

  1. O Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) constitui prova válida para o reconhecimento de tempo especial, ainda que não seja contemporâneo ao período laborado.
  2. A exposição a ruído acima dos limites legais previstos para cada período caracteriza a atividade especial, independentemente da intermitência da exposição.
  3. O uso de EPI não descaracteriza a especialidade do tempo de serviço no caso de exposição a ruído.
  4. Os juros de mora e a correção monetária devem ser aplicados conforme os critérios do Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente na data da execução.
  5. Os honorários advocatícios devem incidir apenas sobre as prestações vencidas até a data da sentença, conforme a Súmula nº 111 do STJ.

Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/91, art. 103, parágrafo único; Lei nº 9.289/96, art. 4º, I; CPC/2015, art. 85, § 11; Decreto nº 3.048/99, art. 65.

Jurisprudência relevante citada: STF, ARE nº 664.335, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 04/12/2014; STJ, Súmula nº 111; TRF 3ª Região, ApCiv nº 5008396-32.2018.4.03.6109, Rel. Des. Fed. Ines Virginia Prado Soares, julgado em 06/06/2023.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por unanimidade, decidiu DAR PARCIAL PROVIMENTO à Apelação do INSS para restringir a base de cálculo dos honorários advocatícios ao valor das prestações vencidas até a data da sentença, conforme dispõe a Súmula nº 111/STJ, e determinar, de ofício, a alteração dos critérios de juros de mora e correção monetária, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
INES VIRGINIA
Desembargadora Federal