Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003413-51.2022.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PIATA - BORRACHAS E FERRAMENTAS LTDA.

Advogado do(a) APELANTE: JOAO CARLOS DE ALMEIDA NETO - SP446538-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003413-51.2022.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PIATA - BORRACHAS E FERRAMENTAS LTDA.

Advogado do(a) APELANTE: JOAO CARLOS DE ALMEIDA NETO - SP446538-A

APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de apelação interposta por PIATÃ - BORRACHAS E FERRAMENTAS LTDA. em face da sentença que julgou extinto o presente feito (habeas data), sem resolução do mérito, por inadequação da via eleita (CPC, art. 485, VI).

A parte impetrante narra que impetrou este habeas data visando à obtenção de tutela que determine à autoridade impetrada que forneça (junte aos autos) os demonstrativos das anotações mantidas no sistema de conta corrente de pessoa jurídica (SINCOR / SIEF-COBRANÇA / CONTACORPJ / SAPLI / EXTRATOS DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS) ou ainda m qualquer um dos chamados “sistemas informatizados de apoio à arrecadação federal”. Todavia, esclarece que o juízo de origem, com base em informações prestadas pela autoridade impetrada, extinguiu o feito por inadequação da via eleita, sob o fundamento de que as informações poderiam ser buscadas por meio do sistema e-CAC, ressaltando ainda (o juízo), conforme o fez a autoridade, que o SAPLI se trata de sistema interno na RFB e que o seu demonstrativo sequer goza da presunção de liquidez e certeza, não gerando direito adquirido à compensação. Contra isso, insurge-se a impetrante, frisando que embora tenha tentado obter os documentos pela via administrativa (pelo portal E-CAC) e por protocolo presencial na Receita Federal do Brasil), estes lhe foram negados, referindo-se a documentos constantes destes autos. Com isso, reafirma a existência de interesse processual, transcrevendo diálogo mantido por meio do CHATRFB e cópia de solicitação preenchida manualmente e protocolada na Receita. Também alega que, independentemente de obter as informações a partir de sua própria escrituração, tal fato não obsta o direito constitucional de acesso à informação. Cita jurisprudência sobre a matéria, em especial a tese firmada no RE nº 673.707 pelo E. Supremo tribunal Federal. Prosseguindo, alega que o fornecimento de informações constantes de bancos de dados da Receita não se confunde com pedido de auditoria tributária, eis que em nenhum momento foi requerida a realização de exames ou de qualquer atitude a ser tomada pela autoridade impetrada a não ser a apresentação dos dados solicitados, constituindo direito do contribuinte o conhecimento de informações relativas à sua pessoa. Com isso, pede o provimento do recurso.

Apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público Federal não se manifestou sobre o mérito, pleiteando o prosseguimento do feito.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003413-51.2022.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: PIATA - BORRACHAS E FERRAMENTAS LTDA.

Advogado do(a) APELANTE: JOAO CARLOS DE ALMEIDA NETO - SP446538-A

APELADO: DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL (DERAT/SPO), UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (RELATOR):

Trata-se de controvérsia relacionada ao direito do contribuinte ao acesso de informações constantes do banco de dados da Receita Federal relacionadas à conta corrente da pessoa jurídica (SINCOR / SIEF-COBRANÇA / CONTACORPJ / SAPLI / EXTRATOS DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS).

Inicialmente, aprecio alegação da apelante acerca da existência do interesse processual (adequação da via eleita). De fato, conforme é possível constatar a partir do exame dos autos, a parte impetrante pleiteou e teve indeferido o acesso aos dados constantes do banco de dados da Receita Federal, comprovado pelos documentos que instruíram a inicial. Explico.

Conforme documento id nº 307460229, constata-se que a recorrente tentou “abrir processo” para “ter acesso a informação Extrato conta CORPJ” por meio de “chat” da Receita Federal. Todavia, foi informada pelo atendente que não abriam processo para esse serviço, aconselhando o contribuinte a tentar obter as informações presencialmente. Dessa forma, a parte impetrante, em 18/11/2022, protocolou pedido de acesso aos mesmos documentos que ora são objeto deste habeas data (id nº 307460230 e 307460231), o que foi indeferido. Ademais, em suas informações a autoridade impetrada insurge-se em face do pedido, ao menos com relação a parte dos dados. Tudo isso, portanto, satisfaz o requisito do art. 8º, parágrafo único, I, da Lei nº 9.507/1997, segundo o qual a inicial, deverá ser instruída, dentre outras, com prova “da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão”. Consequentemente, a via eleita é processualmente adequada ao pedido formulado, qual seja, de conhecimento de informações relativas à sua pessoa, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público (art. 5º, LXXII, “a” da CF/1988).

Nesse contexto, reformo a sentença para afastar a extinção do feito sem resolução do mérito e, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do CPC, passo à apreciação do mérito.

De início, registro o extraordinário valor da preservação de direitos fundamentais e do controle dos poderes públicos pela sociedade, refletindo os mais relevantes comportamentos de cidadania e democracia vividos nos sistemas republicanos contemporâneos. Justamente em razão da preciosidade da garantia de direitos fundamentais e do sistema de controle popular, o ordenamento constitucional de 1988 abriga, em seu art. 5º, XXXIII, que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Igualmente, no art. 5º, XXXIV, do mesmo ordenamento, restam abrigados o direito de petição e de certidão, motivo pelo qual são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, e a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal.

Dentre os instrumentos processuais que podem ser manuseados para a defesa dos direitos fundamentais (notadamente os direitos de personalidade), o Constituinte de 1988 inovou trazendo o habeas data, inspirado no Freedom of Information Act (EUA, 1974), bem como em disposições da Constituição Portuguesa de 1976 (arts. 26 e 35). Com efeito, o art. 5º, LXXII, da Constituição de 1988 criou o habeas data, ulteriormente regulamentado pela Lei nº 9.507/1997 (D.O.U. de  13/11/1997), para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, para a retificação de dados (quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo), e também para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

O emprego da expressão “informações relativas à pessoa do impetrante”, pelo inciso LXXII, e do teor dos mencionados incisos XXXIII e XXXIV, “b”, todos do art. 5º, da Constituição, resultam limitações temáticas à impetração do habeas data, daí porque o cabimento desse instrumento é restrito a dados pessoais (pertinentes a aspectos biológicos, sanitários, acadêmicos, familiares, sexuais, políticos, sindicais, ideológicos, religiosos, dentre outros) que constem em “registros” e/ou “bancos de dados” de entidades governamentais ou de caráter público. A Lei 9.507/1997 esclarece que será caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações. Há, ainda, que se excluir as matérias cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, de maneira que não serão quaisquer dados (ainda que pertinentes à pessoa do interessado) e, igualmente, quaisquer entidades (ainda que públicas, da administração direta ou indireta) que poderão ensejar a impetração desse remédio. E mais, a negativa à prestação da informação não pode derivar de mera violação à lei, para o que cabe mandado de segurança (e não habeas data).

Como remédio constitucional, essa ação visa garantir a democracia, promovendo a segurança e a liberdade da pessoa, do pensamento, das opiniões, etc., em suas múltiplas modalidades. Trata-se de ação constitucional de caráter cível, com providências mandamentais e constitutivas, devendo ser processada sem a incidência de custas (art. 5º, LXXVII, da Constituição Federal e art. 21 da Lei 9.507/1997). Para cabimento do habeas data, a Lei 9.507/1997 prevê prévia fase administrativa como requisito de admissibilidade da ação judicial (vale dizer, a adequação que caracteriza o interesse de agir, cuja validade dessa exigência está assentada no art. 8º da Lei 9.507/1997, no E.STF, RTJ 162/807, e no E.STJ, na Súmula 02).

Na fase administrativa, o interessado (pessoa física ou jurídica) deve apresentar requerimento ao órgão ou entidade depositária do registro ou banco de dados, solicitando a informação desejada, cabendo ao ente deferi-lo ou indeferi-lo no prazo de 48 horas (com comunicação ao requerente em 24 horas). Se a autoridade administrativa deferir o pedido formulado, ela deverá marcar dia e hora para que o requerente tome conhecimento das informações, mas se o interessado constatar inexatidão de qualquer dado a seu respeito, poderá requerer sua retificação (mediante petição acompanhada de documentos comprobatórios), cabendo à autoridade competente retificar os dados em, no máximo, 10 dias após a entrada do requerimento, com ciência ao interessado. Ainda que não se constate a inexatidão do dado, se o interessado apresentar explicação ou contestação sobre o mesmo, justificando possível pendência sobre o fato objeto do dado, tal explicação será anotada no cadastro do interessado.

Contudo, se a informação ou a retificação não forem diligentemente realizadas na via administrativa, viabiliza-se a impetração do habeas data, para o que a petição inicial (que deverá preencher os requisitos dos arts. 282 a 285 do CPC) será apresentada em duas vias, e os documentos que instruírem a primeira serão reproduzidos por cópia na segunda. 

A petição inicial deverá ser instruída com prova da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de 10 dias sem decisão, da recusa em fazer-se a retificação ou do decurso de mais de 15 dias sem decisão, ou da recusa em fazer-se a anotação ou do decurso de mais de 15 dias sem decisão.

No caso dos autos, conforme já mencionado, a parte-impetrante comprova a existência do interesse processual, tendo sido indeferido o seu pedido realizado fisicamente, nos seguintes termos (id nº 307460231):

“Indefiro a solicitação acima, tendo em vista Nota Técnica do CORAT 138 de 20/05/2021. O CCPJ encontra-se em fase de desativação, não está recebendo carga de débitos desde outubro de 2011 e não está recebe pagamento pagamentos desde 04/2019. “A relação de pagamentos não alocados” foi desabilitada em 2013”

E, segundo alega a impetrante na inicial, o mencionado ato infralegal (Nota Técnica do CORAT 138) mencionado pela autoridade, sequer foi encontrado no site da Receita (id nº 307460482).

Em suas informações, o Delegado da Receita Federal em São Paulo arguiu a sua ilegitimidade passiva. Todavia forneceu as informações prestadas pela autoridade legítima, qual seja, Delegado da Receita Federal em Bauru/SP, o qual disse, em síntese, que o contribuinte, valendo-se do sistema e-CAC poderia obter as informações desejadas, relacionadas a pagamentos efetuados e suas especificações, débitos inscritos, emissão de DARFs, verificação da situação fiscal, como a exibição de dados cadastrais e obrigações acessórias, além de orientações. Também seria possível a recuperação de cópia de declaração transmitida à RFB via Receitanet, dentre outros dados (id nº 307460489). Quanto ao SAPLI, esclareceu que se “trata de um sistema de uso interno da RFB, tendo por objetivo permitir que o órgão possa, interna e unilateralmente, controlar os saldos de Prejuízos Fiscais do IRPJ e de Bases de Cálculo Negativas da CSLL, para fins de aferição das compensações com lucro (IRPJ) e com bases de cálculos positivas (CSLL) e utilizações em parcelamentos especiais, conforme informações prestadas pelos próprios contribuintes em suas escriturações”, acrescentando que “...por implicar em trabalhos adicionais de análise e interpretação, bem como, de consolidação de dados e informações, está expressamente excepcionado do “Pedido de Acesso às Informações” (art. 12 do Decreto 7.724/12)”. Ademais, argumenta que “...os valores constantes do demonstrativo extraído do e-Sapli não gozam de presunção de liquidez e certeza e, por si só, não geram direito adquirido à compensação”.

Do exposto, constata-se que o contribuinte de fato encontrou resistência para a obtenção de seus dados, ainda que por meio do e-CAC possa obter parcela do quanto procura. Veja-se, por exemplo, que em relação ao Sistema de Acompanhamento de Prejuízo Fiscal e Lucro Inflacionário – SAPLI, há expressa negativa da autoridade quanto ao fornecimento dos dados. Porém, é certo que nos regimes republicanos e democráticos, os atos e documentos do Poder Público devem ser de amplo acesso a qualquer interessado, viabilizando o controle da Administração Pública pela participação popular, ao mesmo tempo em que os mandamentos normativos devem ser compreendidos para a máxima efetividade dos direitos do cidadão. Salvo as raríssimas situações de informações sigilosas relacionadas à segurança da sociedade e do Estado (p. ex., relacionadas às forças armadas), as demais informações constantes de bancos de dados organizados e mantidos pelo Poder Público devem ser amplamente acessíveis aos interessados, dentre elas incluindo-se todas as anotações constantes dos arquivos da Receita Federal.

Acredito evidente que as informações buscadas pelo contribuinte, inclusive quanto ao SAPLI, têm natureza pública, não se caracterizando como dados de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações, justamente pela envergadura do amplo acesso ás informações exigido pelo regime democrático e pelo sistema republicano. Ainda que o banco de dados respectivo compreenda informações sujeitas a constantes e permanentes atualizações e correções (vale dizer, mostra situação momentânea dos débitos e pagamentos do contribuinte), nem por isso devem ser excluídos do acesso aos interessados (a quem cabe verificar a utilidade). E mesmo que a parte-impetrante tenha meios próprios para obter os dados desejados a partir de seus documentos, isso não exclui a obrigação de a Receita prestar as informações solicitadas ante o seu caráter público.

Acerca das questões que ora são objeto de discussão neste feito, o E. Supremo Tribunal Federal decidiu o RE nº 673707, sob o regime da Repercussão Geral, o Tema nº 582, fixando a seguinte Tese: “O habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais”. A propósito, transcrevo a ementa do mencionado precedente:

DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. HABEAS DATA. ARTIGO 5º, LXXII, CRFB/88. LEI Nº 9.507/97. ACESSO ÀS INFORMAÇÕES CONSTANTES DE SISTEMAS INFORMATIZADOS DE CONTROLE DE PAGAMENTOS DE TRIBUTOS. SISTEMA DE CONTA CORRENTE DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL-SINCOR. DIREITO SUBJETIVO DO CONTRIBUINTE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. O habeas data, posto instrumento de tutela de direitos fundamentais, encerra amplo espectro, rejeitando-se visão reducionista da garantia constitucional inaugurada pela carta pós-positivista de 1988.

2. A tese fixada na presente repercussão geral é a seguinte: “O Habeas Data é garantia constitucional adequada para a obtenção dos dados concernentes ao pagamento de tributos do próprio contribuinte constantes dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais.”

3. O Sistema de Conta Corrente da Secretaria da Receita Federal do Brasil, conhecido também como SINCOR, registra os dados de apoio à arrecadação federal ao armazenar os débitos e créditos tributários existentes acerca dos contribuintes.

4. O caráter público de todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações é inequívoco (art. 1º, Lei nº 9.507/97).

5. O registro de dados deve ser entendido em seu sentido mais amplo, abrangendo tudo que diga respeito ao interessado, seja de modo direto ou indireto. (…) Registro de dados deve ser entendido em seu sentido mais amplo, abrangendo tudo que diga respeito ao interessado, seja de modo direto ou indireto, causando-lhe dano ao seu direito de privacidade.(...) in José Joaquim Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck. Comentários à Constituição. Editora Saraiva, 1ª Edição, 2013, p.487.

6. A legitimatio ad causam para interpretação de Habeas Data estende-se às pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, porquanto garantia constitucional aos direitos individuais ou coletivas.

7. Aos contribuintes foi assegurado constitucionalmente o direito de conhecer as informações que lhes digam respeito em bancos de dados públicos ou de caráter público, em razão da necessidade de preservar o status de seu nome, planejamento empresarial, estratégia de investimento e, em especial, a recuperação de tributos pagos indevidamente, verbis: Art. 5º. …LXXII. Conceder-se-á habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, considerado como um writ, uma garantia, um remédio constitucional à disposição dos cidadãos para que possam implementar direitos subjetivos que estão sendo obstaculados.

8. As informações fiscais conexas ao próprio contribuinte, se forem sigilosas, não importa em que grau, devem ser protegidas da sociedade em geral, segundo os termos da lei ou da constituição, mas não de quem a elas se referem, por força da consagração do direito à informação do art. 5º, inciso XXXIII, da Carta Magna, que traz como única ressalva o sigilo imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, o que não se aplica no caso sub examine, verbis: Art. 5º.…XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

9. In casu, o recorrente requereu à Secretaria da Receita Federal do Brasil os extratos atinentes às anotações constantes do Sistema de Conta-Corrente de Pessoa Jurídica-SINCOR, o Sistema Conta-Corrente de Pessoa Jurídica-CONTACORPJ, como de quaisquer dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação federal, no que tange aos pagamentos de tributos federais, informações que não estão acobertadas pelo sigilo legal ou constitucional, posto que requerida pelo próprio contribuinte, sobre dados próprios.

10. Ex positis, DOU PROVIMENTO ao recurso extraordinário.

(RE 673707, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 17-06-2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-195  DIVULG 29-09-2015  PUBLIC 30-09-2015)

 

Nesse sentido, também já decidiu este Tribunal:

 

HABEAS DATA. REMESSA OFICIAL. ACESSO A INFORMAÇÕES CONSTANTES DE SISTEMAS INFORMATIZADOS DE CONTROLE DE PAGAMENTOS DE TRIBUTOS. POSSIBILIDADE.

- O Pleno do Supremo Tribunal Federal firmou orientação, na sistemática da repercussão geral, no sentido de que o habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais (Tema 582).    

- Remessa oficial desprovida.

(REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 5030672-79.2021.4.03.6100; Rel. Desembargador Federal OTAVIO PEIXOTO JUNIOR, 2ª Turma, Intimação via sistema DATA: 26/09/2022)

 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. HABEAS DATA. SISTEMAS DA SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. DIREITO DO CONTRIBUINTE. RE 673.707/MG. CANAL DE ATENDIMENTO. NEGATIVA AO DIREITO.

1. Encontra-se consolidada a jurisprudência da Suprema Corte firme no sentido do cabimento do habeas data para acesso de dados às informações fiscais do contribuinte, conforme revela o RE 673.707, julgado com repercussão geral.

2. A sentença denegou a ordem, sob o entendimento de que não houve recusa da impetrada, pois informado que o acesso pode ser solicitado por meio do e-CAC ou outras formas de atendimento, via formulário próprio.

3.Em que pese não se tenha provado impedimento de acesso aos dados por meio da plataforma e-CAC ou outro canal, não se justifica negar o fornecimento das informações apontadas, tendo em vista que o pedido foi formulado claramente e levado à atenção da autoridade administrativa. O modo de requisição do pedido não pode implicar negativa à garantia de acesso à informação, direito fundamental previsto no artigo 5º, LXXII, da Constituição Federal.

4. Apelação provida.

(APELAÇÃO CÍVEL 5005452-69.2019.4.03.6126; Rel.  Desembargador Federal LUIS CARLOS HIROKI MUTA, 3ª Turma, Intimação via sistema DATA: 30/11/2020)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. HABEAS DATA. RETIFICAÇÃO DE DADOS UTILIZADOS INTERNAMENTE PELA AUTORIDADE IMPETRADA. ALEGAÇÃO DE INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA, ANTE A SUPOSTA AUSÊNCIA DO CARÁTER PÚBLICO DO BANCO DE DADOS. INCABIMENTO NA ESPÉCIE. INFORMAÇÃO EQUIVOCADA QUE TOCA COM A ESFERA DE DIREITOS DO CIDADÃO E QUE POSSIBILITOU A INSTAURAÇÃO DE DIVERSAS DEMANDAS CONTRA O IMPETRANTE. CONSEQUÊNCIAS PÚBLICAS ORIUNDAS DO DADO EQUIVOCADO. ESVAZIAMENTO DA FINALIDADE INTERNA PARA A QUAL A INFORMAÇÃO HAVERIA DE SER UTILIZADA INICIALMENTE. APELAÇÃO IMPROVIDA.

- A questão que se coloca no âmbito do presente recurso é a de se apurar se o habeas data compreendia ou não meio processual apto a tutelar a pretensão deduzida. A movimentação do habeas data só é viável quando estivermos em face de bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público. - No caso dos autos, o impetrante movimentou a ação da habeas data com o propósito de que seu nome fosse eliminado do rol de responsáveis fiscal-previdenciários de empresa da qual nunca participou do Sistema Plenus ou qualquer outro que sirva de base de dados para a Receita Federal. A princípio, poderíamos cogitar de um banco de dados de entidade governamental cujas informações não são levadas a terceiros, pelo que não se teria por preenchida a hipótese de cabimento do habeas data na espécie. Contudo, tais informações tocam com a esfera de direitos do cidadão, seja de modo direto, seja por intermédio da troca de informações em ambiente que seja do próprio provedor, como é o caso. De se ver, ainda, que a informação mantida para uso interno ganhou foro de publicidade quando diversas execuções passaram a ser movidas contra o impetrante. Escapando da finalidade interna para a qual se destinava originalmente, exsurgiu, a toda evidência, o caráter público do banco de dados. - Recurso de apelação a que se nega provimento.

(APELAÇÃO CÍVEL 0030943-67.2007.4.03.6100; Rel.  DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ZAUHY, PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/06/2018)

 

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. ACESSO A DADOS DO SINCOR E CONTACORPJ. DIREITO DO CONTRIBUINTE. REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA.

1. À luz da alínea "a" do inciso LXXII do artigo 5º da Constituição Federal e do inciso I do artigo 7º da Lei nº 9.507/97, conceder-se-á habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público.

2. O Plenário do e. Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 673.707/MG (Tema 582), sob o regime de repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que o habeas data é garantia constitucional adequada para a obtenção dos dados concernentes ao pagamento de tributos do próprio contribuinte constantes dos sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais.

3. Restou comprovado que o impetrante solicitou à Delegacia da Receita Federal do Brasil em Santos/SP o fornecimento dos registros e anotações mantidos na base de dados dos sistemas de conta corrente pessoa jurídica SINCOR e CONTACORPJ, relativamente aos pagamentos de tributos e contribuições federais e previdenciárias de sua responsabilidade nos últimos 05 (cinco) anos, com a indicação de eventuais créditos constantes em quaisquer destes sistemas, não havendo notícia, nos autos, acerca do fornecimento de aludidas informações, tendo há muito tempo decorrido o prazo de 10 (dez) dias de que trata o inciso I do parágrafo único do artigo 8º da Lei nº 9.507/97, que regula o direito de acesso a informações e disciplina o rito processual do habeas data. 4. Remessa oficial não provida.

(REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL 5006074-83.2020.4.03.6104; Rel. Desembargador Federal NERY DA COSTA JUNIOR; 3ª Turma, Intimação via sistema DATA: 24/03/2022)

 

Nesse contexto, está demonstrada a violação ao direito líquido e certo exposto pela impetração

Ante o exposto, dou provimento à apelação para reformar a sentença, reconhecendo a existência de interesse processual (adequação da via eleita) e para, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do CPC, conceder a ordem de habeas data, determinando à autoridade impetrada que, no prazo de 30 (trinta) dias, forneça os demonstrativos das anotações mantidas no sistema de conta corrente de pessoa jurídica (SINCOR / SIEF-COBRANÇA / CONTACORPJ / SAPLI / EXTRATOS DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS), ou ainda em qualquer um dos chamados “sistemas informatizados de apoio à arrecadação federal” já utilizados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, acerca de pagamentos de tributos e contribuições federais (inclusive previdenciárias) pela contribuinte Impetrante, indicando eventuais créditos, porventura constantes neste sistema, relativamente aos últimos 5 (cinco) anos a contar retroativamente da impetração.

É o voto.

 

 



E M E N T A

 

CONSTITUCIONAL. HABEAS DATA. INTERESSE DE AGIR. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. INFORMAÇÕES CONSTANTES DO BANCO DE DADOS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. NEGATIVA DE FORNECIMENTO. TEMA 582/STF. CONCESSÃO DA ORDEM.

- Comprovação do requisito do art. 8º, parágrafo único, I, da Lei nº 9.507/1997, segundo o qual a inicial, deverá ser instruída, dentre outras, com prova “da recusa ao acesso às informações ou do decurso de mais de dez dias sem decisão”.  Reforma da sentença para afastar a extinção do feito sem resolução do mérito e para, nos termos do art. 1.013, § 3º, I, do CPC, ser apreciado o mérito.

- Dentre os instrumentos processuais que podem ser manuseados para a defesa dos direitos fundamentais (notadamente os direitos de personalidade), o Constituinte de 1988 inovou trazendo o habeas data, (o art. 5º, LXXII) inspirado no Freedom of Information Act (EUA, 1974), ulteriormente regulamentado pela Lei 9.507/1997 (D.O.U. de  13/11/1997), para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registro ou banco de dados de entidades governamentais ou de caráter público, para a retificação de dados (quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo), e também para a anotação nos assentamentos do interessado, de contestação ou explicação sobre dado verdadeiro mas justificável e que esteja sob pendência judicial ou amigável.

- O emprego da expressão “informações relativas à pessoa do impetrante”, pelo inciso LXXII, e do teor dos mencionados incisos XXXIII e XXXIV, “b”, todos do art. 5º, da Constituição, resultam limitações temáticas à impetração do habeas data, daí porque o cabimento desse instrumento é restrito a dados pessoais que constem em “registros” e/ou “bancos de dados” de entidades governamentais ou de caráter público. A Lei nº 9.507/1997 esclarece que será caráter público todo registro ou banco de dados contendo informações que sejam ou que possam ser transmitidas a terceiros ou que não sejam de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações. Há, ainda, que se excluir as matérias cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.

- No caso dos autos, a parte-impetrante comprova a existência do interesse processual, tendo sido indeferido o seu pedido realizado fisicamente. Em suas informações, o Delegado da Receita Federal diz, em síntese, que a contribuinte, valendo-se do sistema e-CAC poderia obter os dados desejados, e quanto ao SAPLI, esclareceu que se “trata de um sistema de uso interno da RFB, tendo por objetivo permitir que o órgão possa, interna e unilateralmente, controlar os saldos de Prejuízos Fiscais do IRPJ e de Bases de Cálculo Negativas da CSLL, para fins de aferição das compensações com lucro (IRPJ) e com bases de cálculos positivas (CSLL) e utilizações em parcelamentos especiais, conforme informações prestadas pelos próprios contribuintes em suas escriturações”.

- Comprova-se nos autos que a empresa contribuinte de fato encontrou resistência para a obtenção de seus dados, ainda que por meio do e-CAC possa obter parcela do quanto procura. Veja-se, por exemplo, que em relação ao Sistema de Acompanhamento de Prejuízo Fiscal e Lucro Inflacionário – SAPLI, há expressa negativa da autoridade quanto ao fornecimento dos dados. Porém, é certo que nos regimes republicanos e democráticos, os atos e documentos do Poder Público devem ser de amplo acesso a qualquer interessado, viabilizando o controle da Administração Pública pela participação popular, ao mesmo tempo em que os mandamentos normativos devem ser compreendidos para a máxima efetividade dos direitos do cidadão. Salvo as raríssimas situações de informações sigilosas relacionadas à segurança da sociedade e do Estado (p. ex., relacionadas às forças armadas), as demais informações constantes de bancos de dados organizados e mantidos pelo Poder Público devem ser amplamente acessíveis aos interessados, dentre elas incluindo-se todas as anotações constantes dos arquivos da Receita Federal.

- É certo que as informações buscadas pelo contribuinte, inclusive quanto ao SAPLI, têm natureza pública, não se caracterizando como dados de uso privativo do órgão ou entidade produtora ou depositária das informações, justamente pela envergadura do amplo acesso às informações exigido pelo regime democrático e pelo sistema republicano. Ainda que o banco de dados respectivo compreenda dados sujeitos a constantes e permanentes atualizações e correções (vale dizer, mostra situação momentânea dos débitos e pagamentos do contribuinte), nem por isso devem ser excluídos do acesso aos interessados (a quem cabe verificar a utilidade). E mesmo que a parte-impetrante tenha meios próprios para obter os dados desejados a partir de seus documentos, isso não exclui a obrigação de a Receita prestar as informações solicitadas ante o seu caráter público.

- Acerca das questões objeto de discussão neste feito, o E. Supremo Tribunal Federal decidiu o RE nº 673707, sob o regime da Repercussão Geral, o Tema nº 582, fixando a seguinte Tese: “O habeas data é a garantia constitucional adequada para a obtenção, pelo próprio contribuinte, dos dados concernentes ao pagamento de tributos constantes de sistemas informatizados de apoio à arrecadação dos órgãos da administração fazendária dos entes estatais”. No mesmo sentido, há diver4sos precedentes desta Corte.

- Reformada a sentença, para reconhecer a existência de interesse processual e, no mérito (CPC, art. 1.013, § 3º, I) concedida a ordem de habeas data.

 

 

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
Desembargador Federal