RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5021573-59.2024.4.03.6301
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: RAPHAEL MARCAL DE SOUZA
Advogado do(a) RECORRENTE: DAVI MULLER RANGEL - RS105776-A
RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO
PROCURADOR: MINISTERIO DA INFRAESTRUTURA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Advogados do(a) RECORRIDO: DARCIO JOSE DA MOTA - SP67669-A, INALDO BEZERRA SILVA JUNIOR - SP132994-A
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5021573-59.2024.4.03.6301 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: RAPHAEL MARCAL DE SOUZA Advogado do(a) RECORRENTE: DAVI MULLER RANGEL - RS105776-A RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO Advogados do(a) RECORRIDO: DARCIO JOSE DA MOTA - SP67669-A, INALDO BEZERRA SILVA JUNIOR - SP132994-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento pela qual a parte autora busca a revisão de contrato de financiamento estudantil FIES, com a redução da taxa de juros a zero e aplicação do perdão da dívida de 77% nos termos da Lei 14.719/2023, além de ressarcimento de valores eventualmente pagos a maior. Na petição inicial (id 308190131, pag. 1-20), o autor relata ser graduado em Arquitetura e Urbanismo e ter firmado contrato de financiamento estudantil FIES (contrato nº 120.604.023) para custear seus estudos. Alega que as parcelas do financiamento são superiores à sua capacidade financeira e que há juros excessivos no contrato. Afirma que, conforme cláusula sétima do contrato, o valor dos juros estabelecido é de 3,4% a.a., capitalizado mensalmente, equivalente a 0,279% a.m. Argumenta que, de acordo com a Lei 13.530/2017, que modificou a Lei 10.260/2001, a taxa de juros do FIES para contratos a partir do primeiro semestre de 2018 deve ser zero, benefício que deveria retroagir aos contratos anteriores. Além disso, solicita a aplicação da renegociação com perdão de 77% da dívida, prevista na Lei 14.719/2023, que segundo afirma, privilegia os devedores inadimplentes em detrimento dos adimplentes, o que seria inconstitucional por violar o princípio da isonomia. O autor requereu: a) antecipação dos efeitos da tutela para determinar o impedimento do registro do seu nome em cadastros de inadimplentes e implementação da renegociação com redução de 77% da dívida; b) revisão do contrato com redução da taxa de juros a zero; c) aplicação da renegociação com redução de 77% da dívida; d) restituição de valores pagos a maior; e) assistência judiciária gratuita. Foi proferida decisão (id 308190495, pag. 1-2) indeferindo o pedido de antecipação da tutela, por entender não demonstrados os requisitos legais, mas deferindo a justiça gratuita. Após a citação e contestação dos réus (FNDE, Banco do Brasil e União Federal), foi proferida sentença (id 308190521, pag. 1-7) julgando improcedentes os pedidos. No tocante à redução da taxa de juros a zero, a sentença fundamentou que o contrato foi firmado em 2014, antes da vigência da Lei 13.530/2017, que estabeleceu a taxa zero apenas para contratos firmados a partir do primeiro semestre de 2018, não havendo previsão legal de retroatividade. Quanto ao perdão da dívida de 77%, a sentença considerou que a parte autora não se enquadra nas hipóteses previstas na legislação, pois esta beneficia apenas os contratantes com débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias. Inconformado, o autor interpôs recurso inominado (id 308190526, pag. 1-25), no qual reiterou seus argumentos, citando diversos precedentes judiciais que reconheceriam o direito à redução da taxa de juros a zero para contratos anteriores ao ano de 2018. Quanto ao perdão da dívida, sustentou a inconstitucionalidade da norma por violação ao princípio da isonomia, pois há tratamento diferenciado entre inadimplentes e adimplentes. Argumentou ainda que não caberia a aplicação do IPCA como índice de correção do saldo devedor, pois a Resolução nº 4.628/2018 do BACEN não se aplicaria ao seu contrato, firmado antes de 29/01/2018. Houve contrarrazões. É o relatório.
PROCURADOR: MINISTERIO DA INFRAESTRUTURA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5021573-59.2024.4.03.6301 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: RAPHAEL MARCAL DE SOUZA Advogado do(a) RECORRENTE: DAVI MULLER RANGEL - RS105776-A RECORRIDO: UNIÃO FEDERAL, BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO Advogados do(a) RECORRIDO: DARCIO JOSE DA MOTA - SP67669-A, INALDO BEZERRA SILVA JUNIOR - SP132994-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O recurso da parte autora não comporta acolhimento. Sobre os pontos atacados no recurso, entendo que a fundamentação da sentença abordou de forma acertada os temas recursais, razão pela qual a adoto, conforme autorizado pelo art. 46 da Lei n. 9099/95. Transcrevo os trechos pertinentes: No caso dos autos, o autor pretende a aplicação ao contrato de financiamento avençado, da redução da dívida de 77%, bem como aplicação da taxa de juros zero. O financiamento concedido no bojo do FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) caracteriza um autêntico financiamento bancário com a finalidade de viabilizar o acesso à formação profissional daqueles que não lograram ingressar em universidades públicas. O autor apresentou o contrato Fies, datado de 03/09/2014, no qual consta a taxa de juros de 3,4%, nos termos da Cláusula Sétima (ID Num. 327482021). A data do início da fase de amortização é 10/07/2020. Verifico que as partes firmaram livremente o contrato, sendo que este obriga as partes contratantes em todos os seus termos, não sendo possível a uma delas eximir-se de seu cumprimento tão somente por não o entender mais vantajoso. A segurança jurídica reclama a preservação do contrato firmado, o qual, entre os contratantes, tem observância obrigatória, desde que não contrarie dispositivo legal. Concluído um contrato, é sabido que este possui força vinculante, decorrente do princípio da obrigatoriedade da convenção. De acordo com esse princípio, aquilo que foi livremente contratado deve ser fielmente cumprido (pacta sunt servanda). O FNDE alegou que os juros são regulados pelo CMN – Conselho Monetário Nacional, por disposição legal, sendo que tal conselho possui como função precípua o poder deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional, sendo responsável por expedir normas e diretrizes gerais para o bom funcionamento do SFN. Desta forma, ao FNDE não compete qualquer tipo de ingerência nas resoluções do referido Conselho, cumprindo-lhe tão-somente a observância das normas e regulamentos. Acrescenta que a taxa de juros zero aplica-se aos contratos formalizados a partir do primeiro semestre de 2018, nos termos da lei, consoante artigo 5ºC, II, da Lei nº 12.260/2001. O Banco do Brasil alegou que não há respaldo legal, em favor do demandante, que obteve financiamento em período anterior, a aplicação de outras regras (como o art. 5º-C, II, da Lei 10.260/2001, referido na petição inicial), previstas para regular o caso dos financiamentos concedidos a partir do ano 2018. A União Federal, por sua vez, alegou que a regulamentação dos juros é atribuição legal e exclusiva do Conselho Monetário Nacional, nos termos do que dispõe a Lei nº 10.260/2001. Pois bem. A regulamentação dos juros incidente sobre os contratos de financiamento estudantil formalizados até o 2º semestre de 2017 é atribuição legal e exclusiva do Conselho Monetário Nacional, nos termos do que dispõe a Lei n. 10.260/2001, a saber: “Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do Fies até o segundo semestre de 2017 e os seus aditamentos observarão o seguinte: (...) II - juros, capitalizados mensalmente, a serem estipulados pelo CMN; Os juros são regulados pelo CMN – Conselho Monetário Nacional, por disposição legal, sendo que referido Conselho possui como função precípua o poder deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional, sendo responsável por expedir normas e diretrizes gerais para o bom funcionamento do Sistema Financeiro Nacional. Ao FNDE não compete qualquer tipo de ingerência nas resoluções do referido Conselho, cumprindo-lhe tão-somente a observância das normas e regulamentos por ele baixados, a exemplo da definição dos juros a serem pactuados em contratos de financiamento estudantil envolvendo o FIES. Com relação ao FIES, a Medida Provisória 1.856/6, de 21.10.1999 estabeleceu no artigo 5.º, II, sobre os juros: ‘‘Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte: (...) II - juros: a serem estipulados pelo CMN, para cada semestre letivo, aplicando-se desde a data da celebração até o final da participação do estudante no financiamento’’. A norma em comento foi convertida na Lei nº 10.260/2001, com a referida previsão legal. De acordo com a referida norma, os juros seriam devidos desde a data de celebração do contrato na forma estipulada pelo Conselho Monetário Nacional. O Conselho Monetário Nacional editou a Resolução 2.647/1999, na qual dispõe o seguinte sobre os juros no artigo 6.º: ‘‘Art. 6º Para os contratos firmados no segundo semestre de 1999, bem como no caso daqueles de que trata o art. 15 da Medida Provisória nº 1.865, de 1999, a taxa efetiva de juros será de 9% a.a. (nove inteiros por cento ao ano), capitalizada mensalmente’’. Contudo, tal norma teve a sua redação alterada pela Lei n. 12.202, de 14.01.2010, que passo a transcrever: “Art. 5º Os financiamentos concedidos com recursos do FIES deverão observar o seguinte: (...) II - juros a serem estipulados pelo CMN;” Nesse sentido, o Conselho Monetário Nacional editou a Resolução 3.842, de 10/03/2010, na qual dispõe o seguinte sobre os juros: ‘‘Art. 1º Para os contratos do FIES celebrados a partir da data de publicação desta resolução, a taxa efetiva de juros será de 3,40% a.a. (três inteiros e quarenta centésimos por cento ao ano) Art. 2º. A partir da data de publicação desta resolução, a taxa efetiva de juros de que trata o art. 1º, incidirá sobre o saldo devedor dos contratos já formalizados, conforme estabelecido no § 10 do art. 5º, da Lei 10.260, de 12 de julho de 2001”. Portanto, a partir da publicação da Resolução 3.842, de 10/03/2010, passou a ser de 3,4% ao ano. O advento da Resolução nº 3842, de 10 de março de 2010, do Banco Central do Brasil, trouxe taxa de juros mais vantajosa ao estudante. De acordo com o § 10º do artigo 5º da lei nº 10.260/01 e com o artigo 2º dessa Resolução, a taxa de juros, foi reduzida baixada para 3,4% ao ano. Posteriormente, foi editada a Resolução BACEN nº 4.432, de 23/07/2015, que estabeleceu a taxa de juros dos contratos do FIES para 6,50% a.a. No caso examinado, o contrato foi firmado em 2014 e, portanto, sujeita-se às disposições contidas na Resolução BACEN respectiva. Desta forma, ao estabelecer a taxa anual de juros de 3,4% ao ano, o contrato objeto dos autos, não incorreu em violação à norma e encontra-se em conformidade com a norma de regência aplicável à época em que celebrado. [...] Intimada para manifestação sobre as contestações apresentadas, a parte autora impugnou as preliminares invocadas e reiterou os termos da inicial. Ressalta-se que ao FNDE não compete qualquer tipo de ingerência nas resoluções do referido Conselho, cumprindo-lhe tão-somente a observância das normas e regulamentos por ele baixados, a exemplo da definição dos juros a serem pactuados em contratos de financiamento estudantil envolvendo o FIES. A despeito do caráter assistencial do programa, conforme acima explanado, a segurança jurídica reclama a preservação do contrato firmado, o qual, entre os contratantes, tem observância obrigatória. Respeitados os limites contratuais, não existe ilegalidade na aplicação da taxa de juros avençada. No entanto, a eventual irregularidade em sua utilização deve restar devidamente comprovada nos autos. Desta forma, uma vez que o contrato foi assinado em 2014, não há como promover a aplicação da taxa de juros zero pretendida pela parte autora. PERDÃO DE 77%: Com efeito, a Lei n. 14.735/2022 alterou dispositivos referentes à renegociação do FIES e tratou dos percentuais de perdão da dívida para 77% e 99%. Nos termos da referida norma, será concedido o perdão da dívida para os estudantes com débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias da data inserta no comando legal, em 99% para quem tenha Cadastro único ou tenha recebido o auxílio emergencial 2021 e perdão de 77% da dívida para os demais. A parte autora alega a existência de violação à igualdade, uma vez que há diferenciação entre os inadimplentes e os adimplentes. Todavia, não é permitido a este Juízo interferir na atuação discricionária da administração, compelindo-a a promover desconto não previsto na norma. No caso, o contrato da parte autora não se enquadra na hipótese elencada para a concessão do desconto/perdão de 77% pretendido nos autos. [...] Ante o exposto, resolvo o mérito da controvérsia na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, e JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS formulados pela parte autora. Dessa forma, a sentença não comporta reforma. Face ao exposto, nego provimento ao recurso da parte autora. Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa atualizado, com limitação a 6 salários-mínimos (montante correspondente a 10% do teto de competência dos Juizados Especiais Federais - art. 3º, “caput”, da Lei 10.259/2001); todavia, em razão do deferimento da gratuidade da justiça, deverá ser observado o disposto no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, que prevê a suspensão das obrigações decorrentes da sucumbência. É o voto.
PROCURADOR: MINISTERIO DA INFRAESTRUTURA, INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
E M E N T A
Ementa: DIREITO ADMINISTRATIVO E CONSUMO. RECURSO INOMINADO. FIES. REVISÃO DE TAXA DE JUROS. PERDÃO DE DÍVIDA. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
I. Caso em exame
Recurso inominado contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de revisão de contrato de financiamento estudantil FIES, com redução da taxa de juros a zero e aplicação do perdão da dívida de 77% nos termos da Lei 14.719/2023, além de ressarcimento de valores pagos a maior.
Contrato. Financiamento estudantil assinado em 2014, com taxa de juros de 3,4% ao ano, capitalizado mensalmente.
II. Questão em discussão
A questão em discussão consiste em saber: (i) se a taxa de juros zero, estabelecida pela Lei 13.530/2017 para contratos do FIES a partir do primeiro semestre de 2018, pode ser aplicada retroativamente a contratos anteriores; e (ii) se é cabível a aplicação do perdão da dívida de 77%, previsto na Lei 14.719/2023, aos contratos adimplentes.
III. Razões de decidir
A regulamentação dos juros incidentes sobre os contratos de financiamento estudantil formalizados até o 2º semestre de 2017 é atribuição legal e exclusiva do Conselho Monetário Nacional, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 10.260/2001.
A Resolução BACEN nº 3.842/2010 estabeleceu a taxa de juros de 3,4% ao ano para os contratos do FIES, taxa esta que foi observada no contrato firmado em 2014 pelo recorrente.
A taxa de juros zero, prevista na Lei 13.530/2017, aplica-se apenas aos contratos formalizados a partir do primeiro semestre de 2018, conforme art. 5º-C, II, da Lei nº 10.260/2001, não havendo previsão legal de retroatividade.
Quanto ao perdão da dívida, a Lei nº 14.735/2022 estabelece como requisito que o estudante possua débitos vencidos e não pagos há mais de 360 dias, situação em que não se enquadra o recorrente.
IV. Dispositivo e tese
Recurso conhecido e desprovido.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 10.260/2001, arts. 5º, II, e 5º-C, II; Resolução BACEN nº 3.842/2010; Lei nº 14.735/2022.