APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004273-17.2024.4.03.6000
RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI
APELANTE: NAYARA FREITAS ALMEIDA
Advogado do(a) APELANTE: WESLLEY ANTERO ANGELO - MS14221-A
APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
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APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004273-17.2024.4.03.6000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: NAYARA FREITAS ALMEIDA Advogado do(a) APELANTE: WESLLEY ANTERO ANGELO - MS14221-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ LUNARDELLI: Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa de NAYARA FREITAS ALMEIDA, em face de sentença proferida pelo Juízo da 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS, que julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar a ré como incursa nas disposições do artigo 334-A, § 1º, incisos I, do Código Penal, combinado com os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968. Narra a denúncia (ID 315376815): "I - IMPUTAÇÃO Em 02 de junho de 2023, por volta das 11h30, na Rodovia MS 162, KM 109, no município de Sidrolândia/MS, NAYARA FREITAS ALMEIDA, de forma consciente e voluntária, transportou, após importar, 2.000 maços de cigarros estrangeiros da marca FOX, sem registro na ANVISA. II - FATOS Em 02 de junho de 2023, por volta das 11h30, na Rodovia MS 162, no município de Sidrolândia/MS, durante fiscalização de rotina, a Polícia Militar abordou o veículo Hyundai/HB20S, placas RUZ8G90, que era conduzido pela denunciada. Durante procedimento de revista, os Policiais encontraram em posse da denunciada 2.000 maços de cigarros estrangeiros da marca FOX. Os cigarros estavam no porta malas do veículo. Indagada, a denunciada disse que adquiriu as mercadorias no Paraguai e iria revendê-las em sua loja na cidade de Campo Grande/MS. Em sede fazendária, os cigarros foram avaliados em R$ 10.000,00. Os tributos iludidos somam o valor de R$ 6.500,00. Consulta ao Sistema COMPROT da Receita Federal revela que a denunciada possui conduta criminosa habitual [...]. Ademais, conforme pesquisa no Sistema PJE, a denunciada foi presa em flagrante pela mesma modalidade criminosa em 06/02/2024 e responde ao Inquérito Policial 5000200-93.2024.4.03.6002, perante a 2ª Vara Federal de Dourados. Não há dúvidas, pois, de que a denunciada praticou o crime que ora lhe é imputado [...]." Citaram-se elementos de autoria e materialidade delitiva, e, ao final, o Ministério Público Federal denunciou a ré como incursa nas penas do artigo 334-A do CP c/c art. 3º do Decreto-Lei nº 399/1968. A acusação manifestou-se contrariamente ao cabimento de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), em razão da habitualidade delitiva por parte da ré. A denúncia foi recebida em 07/06/2024 (ID 315376822). Após regular instrução, sobreveio a sentença (ID 315377417), pela qual o magistrado de primeiro grau julgou procedente a pretensão punitiva deduzida na denúncia, para condenar a ré pela prática do crime previsto no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, à pena de 2 anos de reclusão, em regime inicial aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, e em prestação pecuniária no valor de 3 (três) salários mínimos. O magistrado a quo condenou a ré ao recolhimento das custas judiciais, ressalvando ser beneficiária da Justiça Gratuita, e concedeu-lhe o direito de apelar em liberdade. Por fim, foi decretada a inabilitação do direito de dirigir, com fundamento no art. 92, III, do CP, pelo tempo da pena privativa de liberdade. A sentença foi publicada em 18 de dezembro de 2024. Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação (ID 315377585), requerendo a aplicação do princípio da insignificância e o afastamento da inabilitação para dirigir. A acusação apresentou contrarrazões (ID 315377601). Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo não provimento do recurso (ID 315476319). É o relatório. Sujeito à revisão, na forma regimental.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004273-17.2024.4.03.6000 RELATOR: Gab. 39 - DES. FED. JOSÉ LUNARDELLI APELANTE: NAYARA FREITAS ALMEIDA Advogado do(a) APELANTE: WESLLEY ANTERO ANGELO - MS14221-A APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL V O T O A EXCELENTÍSSIMA SENHORA JUÍZA FEDERAL CONVOCADA MARIA FERNANDA DE MOURA E SOUZA: Ratifico o relatório. NAYARA FREITAS ALMEIDA foi condenada como incursa no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, combinado com os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968, que versam: "Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem: I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando". Art. 2º. O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de contrôle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira. Art. 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuírem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados.” Da inaplicabilidade do princípio da insignificância A defesa suscita a incidência do princípio da insignificância ao caso em apreço. A orientação dos Tribunais Superiores, contudo, é no sentido de que a introdução de cigarros de origem estrangeira, desacompanhados da documentação comprobatória da regular importação, configura crime de contrabando, pluriofensivo, tendo em vista que se cuida de mercadoria de proibição relativa, envolvendo o bem jurídico tutelado, sobremaneira, o interesse estatal no controle da entrada e saída de produtos, assim como a saúde e a segurança públicas. O bem jurídico tutelado é a Administração Pública, nos seus interesses regulamentares que transcendem a mera tutela do aspecto patrimonial, bem como a saúde pública, de forma que o valor do tributo sonegado não pode ser empregado como referencial para aplicação do princípio da insignificância, pois a questão relativa à evasão tributária é secundária. Neste sentido, precedentes do STF (HC 118.858, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 03/12/2013, DJe 17/12/2013;HC 118359, Rel. Min. Carmen Lúcia, STF, Segunda Turma, j. 05/11/2013, DJe 08/11/2013) e do STJ (AgRg no REsp 1656382/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 16/05/2017, DJe 12/06/2017; AgRg no AREsp 697.456/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 11/10/2016, DJe 28/10/2016; REsp 1.454.586/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. 02/10/2014, DJe 09/10/2014). Nada obstante, em sessão realizada em 13/09/2023, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veio a analisar o Tema Repetitivo n° 1.143 (Processos: REsp 1.971.993 e REsp 1.977.652), passando desde então a firmar tese no sentido de que “o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação”, razão pela qual revejo meu posicionamento até então adotado sobre o tema. Na mesma linha, já dispunha o Enunciado n. 90, do Ministério Público Federal, aprovado na 177ª Sessão Virtual de Coordenação, de 16/03/2020: É cabível o arquivamento de investigações criminais referentes a condutas que se adéquem ao contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não superar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto. As eventuais reiterações serão analisadas caso a caso. A despeito do sustentado pela defesa, não há de se falar em aplicação do princípio da insignificância na presente hipótese, mesmo considerando o Enunciado n. 90, do Ministério Público Federal, aprovado, em 16/03/2020, na 177ª Sessão de Coordenação, e a tese ora firmada, no Tema Repetitivo n° 1.143, pela 3ª Seção do STJ, em 13/09/2023, uma vez que, no caso concreto, a carga objeto de apreensão totalizou 2.000 (dois mil) maços de cigarros importados do Paraguai, da marca FOX. Soma-se a isto que, conforme ressalvado no julgamento do Tema Repetitivo nº 1143, "fica excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação". Assim, permanecendo a ré na prática delitiva do contrabando com habitualidade, deixa de ser aplicável o referido princípio, independentemente da quantidade de cigarros apreendidos. Nesse sentido é a jurisprudência já consolidada dos tribunais superiores: STF, HC 188377 AgRg, Relator(a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 08/09/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 22-09-2020 PUBLIC 23-09-2020; STF, HC 161848 AgR-segundo, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 05/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 12-11-2019 PUBLIC 18-11-2019; STJ, AgRg no AREsp n. 2.093.041/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 27/9/2022, DJe de 30/9/2022; STJ, AgRg no REsp n. 1.979.935/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 28/6/2022, DJe de 1/7/2022). Referido entendimento foi adotado, inclusive, em recente julgado do Superior Tribunal de Justiça: PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. TEMA 1143. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE RESTRITA (APREENSÃO DE ATÉ 1.000 MAÇOS). REITERAÇÃO DELITIVA. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. Desse modo, é de todo recomendável considerar as diversas circunstâncias que cercam o delito, tais como a conduta social do agente, a reincidência e a habitualidade da conduta para sopesar a viabilidade da aplicação de citado princípio. Verifica-se que, conforme apontado quando do oferecimento da denúncia, foram instaurados treze procedimentos administrativos em desfavor da apelante, além de ela ter sido denunciada nas ações penais nº 5002589-42.2024.4.03.6005 e nº 5000200-93.2024.4.03.6002. Tais elementos demonstram que não se constata, assim, o reduzido grau de reprovabilidade da conduta - requisito essencial à aplicação do princípio da insignificância – visto a existência de procedimentos administrativos e ações penais em desfavor da ré, indicando sua reiteração na prática criminosa. Portanto, seja pela quantidade de cigarros, seja pela habitualidade delitiva, é inadmissível, in casu, a aplicação do princípio da insignificância. Do mérito Não houve impugnação quanto à autoria ou a materialidade do delito, pelo que são incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal. A sentença assim restou fundamentada: “A testemunha Marcio Camargo de Abreu, policial militar que participou da abordagem que resultou na apreensão, disse em juízo, em síntese: que foi uma abordagem de rotina; que durante a vistoria foram encontradas 4 caixas de cigarros no porta malas do veículo; que a ré disse que revenderia os produtos em seu comercio na cidade de Campo Grande; (...) A ré, em interrogatório, confessou espontaneamente a pratica criminosa, confirmando os fatos narrados na denúncia, disse, em síntese: que os fatos são verdadeiros; que adquiriu a mercadoria para revenda em seu pequeno comercio; (...). Logo, não restam dúvidas quanto a autoria. A acusada foi presa em flagrante transportando os cigarros apreendidos e confessou o fato em juízo. A materialidade, por sua vez, está demonstrada pela apreensão da carga de cigarros. Documentos que ratificam a materialidade e autoria: a) Representação Fiscal para Fins Penais (ID 327466364 - Pág. 6); b) Ocorrência Policial (ID 327466364 - Pág. 13); c) Relação de Mercadorias (ID 327466364 - Pág. 9); d) Auto de Infração e Apreensão de Cigarros e Mercadorias (327466364 - Pág. 28). Assim, comprovada a materialidade e autoria delitiva, e ausentes causas excludentes de ilicitude ou culpabilidade, imperiosa a condenação da ré”. Portanto, não tenho qualquer dúvida a respeito da materialidade, da autoria e dolo de NAYARA FREITAS ALMEIDA pela prática do delito definido no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal, combinado com os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968. Dosimetria da pena Não houve apelação quanto à dosimetria da pena, fixada definitivamente em 2 (dois) anos de reclusão em regime inicial aberto. No ponto, também, não se verifica a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal. Da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos Encontram-se preenchidos os requisitos previstos no artigo 44 do Código Penal, na medida em que a pena definitivamente aplicada não é superior a 4 (quatro) anos, a ré não é reincidente, nem ostenta maus antecedentes, e a análise das circunstâncias judiciais indica que a substituição atende aos fins de prevenção e retribuição pelo delito praticado. A pena foi substituída por prestação de serviços à comunidade e por prestação pecuniária, fixada no valor de 3 (três) salários mínimos. Em seu interrogatório judicial (ID 315377393), a apelante disse ter dois filhos, com quem reside, um de seis e outro de dezenove anos. É manicure e tem um comércio na frente de sua casa, de picolé e pastel, auferindo renda média mensal de pouco mais de mil reais. O magistrado sentenciante concedeu à ré os benefícios da Justiça Gratuita. Guardada a proporcionalidade com a pena corporal decretada, e consideradas as condições socioeconômicas da ré, reduzo a prestação pecuniária para um salário mínimo, no valor vigente à época dos fatos, mantida a destinação fixada pelo juízo a quo. Assim, mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e pena de prestação pecuniária, a qual, de ofício, reduzo para o valor de 1 (um) salário mínimo. Da inabilitação para dirigir veículos A defesa requer o afastamento da pena de inabilitação para dirigir veículo, sob o argumento de que a ré não ostenta maus antecedentes ou reincidência, e acrescenta que a inabilitação a impedirá de exercer sua profissão. O artigo 92 do Código Penal é claro ao dispor sobre os efeitos da condenação: "Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos. II - a incapacidade para o exercício do pátrio poder, tutela ou curatela, nos crimes dolosos, sujeitos à pena de reclusão, cometidos contra filho, tutelado ou curatelado; III - a inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática de crime doloso. Parágrafo único - Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença." (grifo nosso) A inabilitação foi decretada pelo magistrado sentenciante sob os seguintes fundamentos: "O efeito extrapenal contido no art. 92, III, do CP, consistente na inabilitação para conduzir veículo, demanda fundamentação específica. Considerando a reiteração delitiva (em tese), compreendo que existem razões especiais para justificar a aplicação da pena secundária. Existem ainda mais duas denúncias criminais em desfavor da acusada pelo mesmo delito, a saber: 5002589-42.2024.4.03.6005 e 5000200-93.2024.4.03.6002. Assim, defiro a inabilitação penal da ré para dirigir veículo, pelo prazo da condenação, sem prejuízo da pena administrativa prevista no art. 278-A do CTB, de competência da autoridade de trânsito." Ainda que dado veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em apreço, em que o carro foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de cigarros contrabandeados, o Superior Tribunal de Justiça entende que tal efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada a imprescindibilidade da sua decretação. Nesse aspecto: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 182/STJ. AFASTAMENTO. DESCAMINHO. HABITUALIDADE DELITIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. ART. 92, INCISO III, DO CP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. PENA ACESSÓRIA AFASTADA. 1. Efetivamente impugnados os fundamentos da decisão de inadmissão do recurso especial, o agravo merece ser conhecido, em ordem a que se evolua para o mérito. 2. A habitualidade delitiva afasta a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, sobretudo na hipótese de multiplicidade de procedimentos administrativos, como na espécie. Precedentes. 3. O entendimento do acórdão, de que a aplicação da penalidade prevista no art. 92, III, do CP "exige apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso", diverge da jurisprudência desta Corte, firmada na compreensão de que a aplicação da pena acessória de inabilitação para dirigir veículo ao crime de descaminho exige, além da constatação de que o veículo tenha sido utilizado para a prática do delito, a demonstração da necessidade da medida no caso concreto, sobretudo por não se tratar de efeito automático da condenação. 4. Agravo regimental parcialmente provido, para afastar a penalidade prevista no art. 92, III, do CP. (AgRg no AREsp n. 2.078.176/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022.) (grifo nosso) Também nesse sentido: AgRg no AgRg no AREsp nº 2.283.166/PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, j. 06.06.2023, DJe 15.06.2023; AgRg no HC nº 594.092/SP, Rel. Min. João Otávio de Noronha, Quinta Turma, j. 15.02.2022, DJe 21.02.2022; EDcl no AgRg no REsp nº 1.922.918/PR, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, j. 13.12.2021, DJe 16.12.2021). No mesmo sentido, já decidiu esta E. Décima Primeira Turma: PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO. 1. O parágrafo único do art. 92 do Código Penal dispõe que os efeitos de que trata esse artigo não são automáticos, "devendo ser motivadamente declarados na sentença". 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que esse efeito da sentença condenatória não é automático, devendo ser demonstrada, de forma concreta, a imprescindibilidade dessa medida. 3. No caso, o juízo não apresentou motivação suficiente para a aplicação da inabilitação para dirigir veículo como efeito da sentença condenatória. 4. Apelação provida. (ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5000878-41.2020.4.03.6005, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 11/08/2023, DJEN DATA: 17/08/2023) A inabilitação é cabível quando o réu, na condição de motorista, utiliza a licença para conduzir veículo concedida pelo estado para perpetrar crime, como é o caso dos autos, em que a acusada praticou o crime de contrabando, tendo plena ciência da ilicitude de sua conduta. O juiz de primeiro grau argumentou que a medida deveria ser imposta em razão da habitualidade delitiva da ré. Deveras, verifica-se que o Ministério Público deixou de oferecer Acordo de Não Persecução Penal, em razão da reiteração delitiva por parte da acusada. Conforme apontado no tópico que analisou a inaplicabilidade do princípio da insignificância ao caso concreto, extrai-se dos autos que foram instaurados treze procedimentos administrativos em desfavor da apelante, além de ela ter sido denunciada nos feitos nº 5002589-42.2024.4.03.6005 e 5000200-93.2024.4.03.6002. Tais informações, apesar de não configurarem antecedentes ou reincidência, evidenciam a habitualidade da ré na prática do crime de contrabando. Verifica-se, portanto, que a inabilitação para dirigir veículo é justificada no presente caso, uma vez que, ainda que não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento. O efeito da condenação em questão deve ser aplicado em casos de descaminho, contrabando, bem como de tráfico de drogas, armas, animais ou pessoas, restando o agente inabilitado para conduzir veículo, em especial quando evidenciado que a fruição do direito de dirigir teve importância no "iter criminis" (ACR 50037438020124047010, Márcio Antônio Rocha, TRF4 - Sétima Turma, D.E. 17/09/2014). Por tais razões, e tendo em vista o comando previsto no artigo 92, inciso III, do Código Penal, mantenho a aplicação da pena de inabilitação para dirigir veículo à ré, que deverá perdurar até o cumprimento integral da pena privativa de liberdade. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao apelo defensivo, e, de ofício, reduzo a pena de prestação pecuniária a um salário mínimo. É o voto.
1. A jurisprudência desta Corte Superior era no sentido de que a importação não autorizada de cigarros constitui crime de contrabando insuscetível de aplicação do princípio da insignificância, não importando a quantidade de maços apreendidos, considerando que o bem jurídico tutelado não se restringe à arrecadação tributária.
2. Recentemente, a Terceira Seção desta Corte Superior, no julgamento do REsp n. 1.971.993/SP e do REsp n. 1.977.652/SP, Tema n. 1.143, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, ocorrido em 13/9/2023, DJe de 19/9/2023, sob a égide dos recursos repetitivos, firmou posicionamento no sentido de que o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação.
3. No presente caso, o Tribunal de origem consignou que não é caso de reconhecer a atipicidade material do fato por incidência do princípio da insignificância, embora tenham sido apreendidos apenas 630 (seiscentos e trinta) maços de cigarros estrangeiros em poder dos réus, pois ambos comercializavam o produto contrabandeado em caráter regular (e-STJ fls. 765), ou seja, reconheceu a habitualidade delitiva.
4. Assim, ainda que a quantidade de cigarros contrabandeados seja inferior ao limite estabelecido pelo entendimento desta Corte Superior para o reconhecimento da insignificância penal (1.000 maços), não é possível a aplicação desse princí pio, uma vez que há reiteração da conduta, o que afasta a mínima ofensividade penal.
5. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AgRg no AREsp n. 2.399.291/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 6/10/2023.) (grifo nosso)
E M E N T A
Direito Penal. Apelação Criminal. Contrabando. Transporte de cigarros estrangeiros de importação e comercialização proibidas. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Quantidade superior à referência de 1.000 maços. Habitualidade delitiva. Materialidade, autoria, dolo e dosimetria incontroversos. Substituição da pena privativa de liberdade. Pena de prestação pecuniária reduzida de ofício. Inabilitação para dirigir mantida. Recurso desprovido.
I. Caso em exame
1. Apelação criminal interposta contra sentença que condenou a ré pelo crime de contrabando (art. 334-A, § 1º, I, do Código Penal, c.c. arts. 1º e 2º do Decreto-Lei 399/68), por transportar 2.000 maços de cigarros estrangeiros de importação e comercialização proibidas em território nacional.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se: (i) o princípio da insignificância é aplicável ao caso concreto; (ii) a inabilitação para dirigir veículo deve ser mantida.
III. Razões de decidir
3. Em sessão realizada em 13/09/2023, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veio a analisar o Tema Repetitivo n° 1.143 (Processos: REsp 1.971.993 e REsp 1.977.652), passando desde então a firmar tese no sentido de que “o princípio da insignificância é aplicável ao crime de contrabando de cigarros quando a quantidade apreendida não ultrapassar 1.000 (mil) maços, seja pela diminuta reprovabilidade da conduta, seja pela necessidade de se dar efetividade à repressão ao contrabando de vulto, excetuada a hipótese de reiteração da conduta, circunstância apta a indicar maior reprovabilidade e periculosidade social da ação”, razão pela qual revejo meu posicionamento até então adotado sobre o tema. Entretanto, no caso concreto a quantidade supera a referência de 1.000 (mil maços) estabelecida pela jurisprudência. Além disso, permanecendo a ré na prática delitiva do contrabando com habitualidade, deixa de ser aplicável o referido princípio, independentemente da quantidade de cigarros apreendidos.
4. Não houve impugnação quanto à materialidade e autoria delitivas, pelo que restam incontroversas. Ademais, não se verifica a existência de qualquer ilegalidade a ser corrigida de ofício por este Tribunal.
5. A pena-base foi corretamente fixada no mínimo legal, de 2 (dois) anos de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto.
6. Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade e em prestação pecuniária. Guardada a proporcionalidade com a pena corporal decretada, e consideradas as condições socioeconômicas da ré, conforme aferido em seu interrogatório judicial, reduzo a prestação pecuniária para um salário mínimo, de ofício.
7. Indubitável que no caso em apreço a ré, na condição de motorista, utilizou a licença para conduzir veículo concedida pelo Estado para perpetrar o crime de contrabando, transportando cigarros proibidos, tendo plena ciência da ilicitude da conduta. Soma-se a isto que foram instaurados treze procedimentos fiscais em desfavor da ré, que também responde a duas outras ações penais por fatos análogos. Tais informações evidenciam a habitualidade da réu na prática delitiva, e justificam a manutenção da pena de inabilitação para dirigir veículo, uma vez que, ainda que não impeça a reiteração criminosa, não há dúvida que a torna mais difícil, além de possuir efeito dissuasório, desestimulando a prática criminosa sem encarceramento.
IV. Dispositivo e tese
8. Recurso desprovido. Prestação pecuniária reduzida a um salário mínimo, de ofício. Tese de julgamento: “1. O princípio da insignificância não se aplica ao contrabando de cigarros em quantidade superior a 1.000 maços ou em casos de habitualidade delitiva. 2. A inabilitação para dirigir veículo, como efeito da condenação, exige fundamentação concreta de sua necessidade, sendo adequada quando houver habitualidade delitiva.”
Dispositivos relevantes citados:
Código Penal, art. 334-A, § 1º, I; art. 44; art. 92, III
Decreto-Lei nº 399/1968, arts. 2º e 3º
Jurisprudência relevante citada:
STJ, REsp n. 1.971.993/SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, relator para acórdão Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 13/9/2023, DJe de 19/9/2023.
AgRg no AREsp n. 2.078.176/SP, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 5/8/2022.
AgRg no AgRg no AREsp n. 2.399.291/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 26/9/2023, DJe de 6/10/2023.