Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007659-89.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: PERLA ABRAHAO FERNANDES

Advogado do(a) APELANTE: MARCO TULIO GUIMARAES EBOLI - RJ200966-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007659-89.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: PERLA ABRAHAO FERNANDES

Advogado do(a) APELANTE: MARCO TULIO GUIMARAES EBOLI - RJ200966-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

Trata-se de Apelação interposta por PERLA ABRAHÃO FERNANDES (Id 285475798), em sede de Incidente de Restituição de Coisa Apreendida, em face da r. decisão (Id 283590314) proferida pelo Exmo. Juiz Federal Bruno Cezar da Cunha Teixeira (3ª Vara Federal de Campo Grande/MS) que julgou parcialmente procedente o pedido de liberação de joias, apreendidas no bojo da Operação “La Casa de Papel”.

 

Em suas razões recursais a Apelante sustentou que, apesar de ser casada com Patrick Abrahão Santos Silva, um dos denunciados no bojo da aludida Operação, trata-se de terceira de boa-fé, não sendo alvo de investigações, e que possuía as joias que ora pretende restituir há mais de quinze anos.

 

Nesta instância, a Procuradoria Regional da República manifestou-se pelo desprovimento do recurso (Id 285800403).

 

É o relatório.

 

Dispensada a revisão, na forma regimental.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
11ª Turma
 

APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5007659-89.2023.4.03.6000

RELATOR: Gab. 38 - DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS

APELANTE: PERLA ABRAHAO FERNANDES

Advogado do(a) APELANTE: MARCO TULIO GUIMARAES EBOLI - RJ200966-A

APELADO: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS:

 

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS

 

A apreensão de objetos que guardem relação com o fato criminoso, sejam estes de origem lícita ou ilícita, consiste em uma das várias diligências que podem ser realizadas no curso de uma investigação. É medida empregada, sobretudo, para preservar provas, mas também para garantir o futuro retorno da coisa ao legítimo dono e/ou sua eventual perda em favor da União (confisco).

 

Tem-se que, no processo penal, coisas apreendidas são aquelas que, de algum modo, interessam à elucidação do crime e de sua autoria, podendo configurar tanto elementos de prova, quanto elementos sujeitos a futuro confisco, pois coisas de fabrico, alienação, uso, porte ou detenção ilícita, bem como as obtidas pela prática do delito (NUCCI, Guilherme. Código de Processo Penal Comentado, Editora Forense, 16ª edição, Rio de Janeiro/2017, p. 358).

 

Nesse sentido, os objetos e/ou coisas apreendidas devem, em princípio, ficar sob a custódia da autoridade policial durante toda a investigação e, após a sua conclusão, deverão ser encaminhados, juntamente com os autos do inquérito, à autoridade judiciária, nos termos do art. 11 do CPP.

 

A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé.

 

Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Destaque-se que os dispositivos aos quais o art. 119 do CPP faz referência, quais sejam, os artigos 74 e 100 do Código Penal, tratam-se, na realidade, de disposições anteriores à reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei n.° 7.209/1984), as quais, atualmente, correspondem ao art. 91, II, do Código Penal (referente aos efeitos da condenação), in verbis:

 

Art. 91. São efeitos da condenação:

(…)

II - a perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé:

a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito;

b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

 

Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. 

 

Inclusive, acerca da indispensabilidade de a parte interessada comprovar a origem lícita do bem, é pertinente mencionar o que dispõe o art. 123 do Código de Processo Penal:

 

 Art. 123.  Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, se dentro no prazo de 90 dias, a contar da data em que transitar em julgado a sentença final, condenatória ou absolutória, os objetos apreendidos não forem reclamados ou não pertencerem ao réu, serão vendidos em leilão, depositando-se o saldo à disposição do juízo de ausentes – grifo nosso.

 

Com efeito, a inteligência do artigo supramencionado determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído.

 

Concluindo: tanto no curso do Inquérito Policial quanto no da Ação Penal, a restituição de coisas apreendidas fica condicionada à comprovação de 03 (três) requisitos, quais sejam: 1) comprovação de propriedade ou posse legítima do bem, o que engloba a demonstração de sua origem lícita (art. 120, caput, do Código de Processo Penal); 2) ausência de interesse da manutenção da apreensão à persecução penal (art. 118 do Código de Processo Penal); e 3) não estar o bem sujeito à pena de perdimento ou futuro confisco, nos termos do art. 91, II, do CP.

 

Em outras palavras, tem-se que instrumentos e produtos do crime não devem ser restituídos em qualquer hipótese, bem como que outras coisas apreendidas apenas poderão ser restituídas a partir do momento em que não mais interessarem ao processo, sempre mediante comprovação de sua origem lícita.

 

A propósito, acerca do tema ora tratado, vide os julgados que seguem:

 

REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESTITUIÇÃO DE COISA APREENDIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DA LEGITIMA PROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA ORIGEM LÍCITA DO RECURSO FINANCEIRO PARA A AQUISIÇÃO DO BEM. COMPROMETIMENTO COM A ATIVIDADE CRIMINOSA. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA N. 7/STJ. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 83/STJ. INSURGÊNCIA DESPROVIDA. (...) 3. O Superior Tribunal de Justiça ao interpretar o art. 118 do CPP firmou compreensão de que as coisas apreendidas na persecução criminal não podem ser devolvidas enquanto interessarem ao processo. 4. Encontrando-se o acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência firmada nesta Corte Superior de Justiça, a pretensão recursal esbarra no óbice previsto na Súmula nº 83/STJ, também aplicável aos recursos interpostos com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional. (...) (STJ, AgRg no AREsp 1049364/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, v.u., DJe 27.03.2017)

 

INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. APREENSÃO DE VEÍCULO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE DO BEM. ARTS. 118 E 120 DO CPP. 1. Embora o veículo esteja registrado em nome do requerente, tal fato não comprova a real propriedade, pois estava na posse de pessoa que o teria utilizado na prática do tráfico de drogas. 2. A apreensão também deve ser mantida com fundamento no art. 118 do CPP. 3. Pedido improcedente. (TRF3, autos nº 0003219-61.2016.4.03.6104, Rel. Des. Fed. Nino Toldo, 11ª Turma, v.u., e-DJF3 18.12.2017)

 

PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. RESTITUIÇÃO DAS COISAS APREENDIDAS. INTERESSE AO PROCESSO (CPP, ART. 118). APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. A restituição das coisas apreendidas somente pode ocorrer quando não mais interessarem ao processo, conforme preceitua o art. 118 do Código de Processo Penal. 2. Em que pese a documentação apresentada pela apelante (fls. 12/14 e 20/41), a apreensão dos bens ainda interessa ao processo, considerando não estarem satisfatoriamente esclarecidas as circunstâncias relativas ao uso do veículo e do semirreboque durante a prática do fato delituoso, o que pode ensejar decisão sobre sua destinação conforme o art. 91, II, do Código Penal. (...) (TRF3, autos nº 0001602-30.2016.4.03.6116 - Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, 5ª Turma, v.u., e-DJF3 28.08.2017)

 

 

Importante salientar, nesse ponto, que a apreensão, a qual pode recair tanto sobre instrumentos do crime quanto sobre outros objetos que interessem à prova e/ou tenham sido obtidos por meios criminosos, não é a única espécie de medida de constrição de bens prevista no ordenamento pátrio.

 

Quanto à apreensão, trata-se de medida que não se confunde com o “sequestro de bens móveis e/ou imóveis”, a “hipoteca legal” ou o “arresto de bens móveis e/ou imóveis”, pois, embora também sirva para impedir o perecimento de coisas e/ou preservar direitos, trata-se, sobretudo, de meio de obtenção de prova. Além disso, enquanto as referidas medidas assecuratórias somente podem ser efetivadas por ordem judicial, a apreensão pode ser realizada também por autoridade policial (inteligência do artigo 6°, II, do CPP). A apreensão é, pois, medida que possui natureza jurídica mista e, por esta razão, encontra-se disciplinada em capítulo diverso das demais medidas assecuratórias patrimoniais. De qualquer sorte, é certo que a apreensão se assemelha às referidas medidas cautelares de constrição, pois, tal como estas, somente pode ser decretada quando presentes os requisitos periculum in mora (risco de desaparecimento de coisa que interesse à prova da infração penal, p. ex.) e fumus boni iuris (probabilidade de a coisa ter efetiva relação com o fato criminoso apurado).

 

Em suma, a diligência de apreensão difere, tecnicamente, da medida cautelar de sequestro, não obstante ambas as medidas possam se referir a objetos que caracterizem produto de crime. Enquanto a apreensão ostenta, sobretudo, caráter probatório, o sequestro destina-se, essencialmente, a cobrir os danos causados pelo crime. Inclusive, nos termos do art. 132 do CPP, apenas se haverá de falar em sequestro de bens móveis (como medida acautelatória) se não for cabível a apreensão.  Nesse sentido, apenas produtos indiretos do crime, ou seja, produtos adquiridos com os proventos da infração é que poderão, em princípio, ser alvo de sequestro. Em se tratando de produtos (bens móveis) obtidos diretamente a partir da prática delituosa, isto é, de produtos diretos do crime, a medida cabível será a apreensão.

 

A respeito desse tema, ensina Renato Brasileiro de Lima:

 

“Diversamente do que se dá com o produto direto do crime (v. g. carro furtado), que pode ser apreendido, o produto indireto da infração penal é passível de sequestro, nos termos dos arts. 125 a 132 do CPP. Assim, enquanto o dinheiro subtraído da vítima pode ser objeto de apreensão, a motocicleta comprada com essa quantia será objeto de sequestro (CPP, art. 132). Não obstante, na hipótese de haver indevida apreensão do produto indireto da infração penal, nada impede que o juiz faça a conversão desta medida em sequestro. Portanto, apesar de o art. 121 do CPP fazer menção à apreensão de coisa adquirida com os proventos da infração, é tecnicamente incorreto dizer que a coisa adquirida com o provento da infração possa ser objeto de apreensão, já que o CPP prevê, em tal hipótese, o sequestro (art. 132)” - (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, pág. 1.071).

 

Finda a diligência de apreensão, em se constatando, de plano, i) a posse ou propriedade legítima da coisa (o que engloba a demonstração de sua origem lícita), ii) que a coisa não mais interessa ao processo, iii) e que a coisa não estará sujeita a futuro confisco, poderá a autoridade policial ou judicial, mediante simples pedido formulado pelo interessado, restituí-la, mediante termo nos autos (inteligência do art. 120, caput, do CPP), sem que haja necessidade de autuação em apartado.

 

Porém, se duvidoso o direito do interessado, deverá ser instaurado, em apartado, Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, nos termos do art. 120, §1°, do CPP, determinando-se, sempre, a oitiva do órgão ministerial (inteligência do § 3° do art. 120 do CPP). Haverá, então, sob o crivo do contraditório, uma breve instrução probatória, dado o caráter incidental deste procedimento. É relevante dizer que, tendo-se em vista que a decretação de uma apreensão (tanto quanto a decretação de um sequestro) pressupõe a presença de fumus boni iuris e periculum in mora, é certo que o ônus da prova quanto à presença dos três requisitos que ensejam a restituição da coisa apreendida (dentre os quais a comprovação da origem lícita do bem) incumbirá à parte interessada. Saliente-se, ainda, que, “aos olhos dos Tribunais Superiores, devido à simplicidade do procedimento incidental de Restituição de Coisas Apreendidas regulamentado pelo art.  120 §§ 1° e 2°, não é possível sua utilização quando a complexidade da questão demandar ampla dilação probatória. Nessa linha, como já se pronunciou a 5ª Turma do STJ, caso a complexidade da questão acerca da propriedade de bem apreendido demande ampla dilação probatória, deve o juízo criminal se abster de decidir o processo incidental de restituição, remetendo as partes ao Juízo Cível” (in Manual de Processo Penal, Volume Único, 10ª Edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2021, Editora JusPodivm, pág. 1.075). Em face de decisão proferida no bojo deste incidente, dada a sua natureza de “decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito”, caberá Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP (recurso não dotado de efeito suspensivo).

 

DO CASO CONCRETO

 

A Operação “La Casa de Papel” (autos n.º 5002216-25.2022.4.03.6000) foi deflagrada em 19 de outubro de 2022 com o fito de apurar a prática dos delitos de lavagem de dinheiro, estelionato, crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e de organização criminosa. Dentre os investigados, figurava Patrick Abrahão Santos Silva, marido da Apelante, em cuja residência deu-se o cumprimento do Mandado de Busca e Apreensão expedido nos autos n.º 5007102-39.2022.4.03.6000 (vinculado à ação penal n.º 5005002216-25.2022.4.03.6000), apreendendo-se, dentre outros itens, os ora pleiteados, quais sejam (Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão – Equipe RJ-05 – Id 266711363 – fl. 06):

 

“(...) 33 – 01 (uma) uma pulseira com duas correntes, com a descrição ‘Perlla’ com brilhantes;

34 – 01 (uma) corrente, com um pingente ‘PP’ grande e elos grandes;

35- 01 (uma) tornozeleira, elo corrente pequeno;

36 – 01 (uma) gargantilha, chapada, dourado;

37 – 01 (um) anel, dourado com brilhantes e uma pedra verde;

38 – 01 (um) anel com a descrição ‘PP’ vazado;

39 – 01 (uma) bolsa, cor preta, com um ‘DG’ dourado na frente e ‘Amore’ vermelho;

40 – 01 (uma) Bolsa, cor preta, com corrente prata, marca ‘Prada’;

41 – 01 (uma) bolsa, cor preta, pequena, merca ‘Valentino’ (...)”.

 

O pedido de restituição veio instruído com cópia do Auto Circunstanciado de Busca e Apreensão, Relatório de Diligência, Relatório de Bens imóveis sequestrados na Operação, Decisão de Busca e Apreensão e outras peças relacionadas ao pedido (Ids 283590289 a 283590296, 283590302), bem como uma foto de uma reportagem de jornal do ano de 2008 (Id 283590313).

 

Aduziu a Requerente que, a despeito de seu marido ter sido denunciado, é terceira de boa fé e não possui qualquer relação com os fatos delitivos, além do que, as joias apreendidas teriam sido por ela adquiridas em momento anterior ao seu relacionamento com o acusado.

 

Após manifestação do Ministério Público Federal pelo indeferimento do pedido de restituição (Id 283590306), o r. Juízo a quo decidiu pela parcial procedência do pleito, na forma seguinte (Id 283590314):

 

“(...) No delito de lavagem, o que se discute em torno dos bens e valores não é somente o domínio, a propriedade ou a posse, mas a boa-fé, em caso de terceiro, e a licitude da origem, quando o pretendente é o investigado, sempre através de meio processual que promova o contraditório. Há dois interesses: um pertence a quem foi atingido pela constrição judicial; o outro é do ente público em favor do qual será destinado o objeto do confisco, caso seja procedente a ação penal.

A apreensão/sequestro dos bens e bloqueio de valores se deram por força de decisão judicial que decretou o sequestro dos bens móveis e imóveis, bem como ativo financeiros, naquilo que exceda a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais), dos investigados da Operação La Casa de Papel, até o limite de cento e vinte e quatro milhões de reais, ou U$ 20.000.000,00 (vinte milhões de dólares) ou 700 BTC (setecentos bitcoins), com fulcro nos artigos 132 c/c artigo 126, ambos do Código de Processo Penal, e no Decreto-Lei nº 3.240/41 (autos n. 5006932-67.2022.4.03.6000 e 5007102-39.2022.4.03.6000).

Os bens cuja restituição se pleiteia foram objeto de mandado de busca e apreensão expedido nos autos nº 5007102-39.2022.4.03.6000. A medida cautelar vincula-se à ação 5002216-25.2021.4.03.6002, onde o marido da requerente, PATRICK ABRAHAO SANTOS SILVA foi denunciado pela suposta prática dos crimes de organização criminosa internacional, operação ilegal de instituição financeira, gestão fraudulenta, crime contra o patrimônio da União e crime ambiental e lavagem de dinheiro.

A medida foi deferida judicialmente, ante os robustos indícios de materialidade dos crimes, bem como indícios de autoria em desfavor do investigado. Conforme constou da decisão que autorizou a medida de busca e apreensão (ID 301529650, p. 28):

‘36. Os diálogos mantidos pelos investigados e o material de divulgação amealhado pela IPJ evidenciam a participação ativa de cada um e o alto nível de engendramento da atividade, aparentemente fraudulenta, praticada por eles. (...) PATRICK ABRAHAO atua como um dos principais responsáveis pela empresa TRUST INVESTING, inicialmente, no ano de 2019, identificava-se como gerente, entretanto, a partir de 2021, passou a se denominar como Diretor, influenciando vários de seus seguidores a ingressarem seu esquema, assim como o pai dele, IVONELIOABRAHAO, que, como líder religioso, influenciava pessoas de sua igreja a ingressar no esquema.

36.1. Anota-se ainda que PATRICK é proprietário de imóveis de luxo, do veículo de luxo I/AUDI Q5 2.0TURBO FSI - NRY3I70. Consta a informação de que foi ameaçado de morte por Glaidson Acácio dos Santos, também conhecido como o ‘FARAÓ DOS BITCOINS’, por quem PATRICK ABRAHAO é chamado de ‘o piramideiro de São Pedro’, em clara referência ao esquema de pirâmide do qual o próprio Glaidson Acácio dos Santos foi previamente acusado. Após essa ameaça, PATRICK ABRAHAO deixou o Brasil, mas retornou em 19/01/2022, conforme verificado em bancos de dados oficiais da Polícia Federal. A Polícia Federal traz ainda os principais indexadores do RIF 66.009-COAF, elencando uma série de inconsistências e demonstrando que os próprios bancos onde o investigado movimentava suas contas manifestavam estranheza com relação a sua falta de lastro financeiro anterior e incompatibilidade de declarações de renda com a movimentação bancária observada’.

Em que pese não demonstrado o envolvimento da requerente com o ilícito apurado no feito principal, não restou evidenciado que as joias apreendidas foram adquiridas por ela com recursos financeiros exclusivos, de modo que há dúvidas acerca da origem lícita do bem. A requerente deixou de instruir o seu pedido com documentos comprobatórios da aquisição onerosa (notas fiscais, certificados de autenticidade das joias) e da sua capacidade financeira.

Extrai-se do TERMO DE APREENSÃO nº 3961526/2022 que foram apreendidas inúmeras joias com a descrição ‘PP’, sugerindo-se tratar-se das iniciais do casal Perlla e Patrick. Os itens foram avaliados no LAUDO Nº 151/2023 – NUTEC/DPF/DRS/MS (ID 283049168, p. 81 e ID 283051821, p.1-10 dos autos 5002216-25.2021.4.03.6002).

Ademais, não há nos autos informações sobre a data da constituição da sociedade conjugal entre a requerente e PATRICK, tampouco do regime de bens adotado por eles, para se aferir se os recursos empregados para aquisição dos bens apreendidos vêm, em versão mais plausível, do esforço comum do casal. Esses considerandos iluminam a compreensão sobre a prova da licitude dos recursos empregados em sua aquisição.

Portanto, é de ser aplicada a regra do art. 118 do Código de Processo Penal que preconiza a necessidade de manter a retenção do bem enquanto tal ato interessar ao processo e não esclarecida a licitude da origem dos bens objeto de apreensão. Nesse sentido:

PENAL - PROCESSUAL PENAL - PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO - BEM QUE INTERESSA À AÇÃO PENAL - ART. 118 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL - APLICAÇÃO - DÚVIDA QUANTO À PROVENIÊNCIA LÍCITA DO AUTOMÓVEL - IMPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Documento constante dos autos aponta que o veículo foi adquirido em 16/12/2009 para pagamento em 60 (sessenta) vezes da quantia de R$1.732,37 e entrada de R$17.600 (dezessete mil e seiscentos reais) e foi apreendido na residência do casal, em cumprimento a ordem judicial, de acordo com o Auto de Busca e Apreensão no Procedimento nº 0004147-14.2012.403.6181. 2. Os autos demonstram que a recorrente é esposa de réu na ação penal nº 0000482-87.2012.403.6181, na qual foi denunciado por crime contra a Administração Pública (corrupção passiva), praticado no exercício de suas funções como ocupante de cargo público na Agência Vila Prudente do INSS, havendo fortes indícios de que o veículo foi adquirido com os proveitos do crime, uma vez não haver comprovação de aquisição unicamente com recursos próprios. 3. É de ser aplicada a regra do art. 118 do Código de Processo Penal que preconiza a necessidade de manter a retenção do bem enquanto tal ato interessar ao processo e não esclarecida a licitude da origem dos bens objeto de apreensão. 4. Improvimento da apelação. (TRF3, QUINTA TURMA - 1A. SEÇÃO, APELAÇÃO CRIMINAL - 56247 (ApCrim), DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/03/2014).

Pelo exposto, não se fazem preenchidos os requisitos básicos para a pretendida restituição de todos os bens apreendidos indicados na inicial. Não há a comprovação indubitável do direito da requerente, uma vez ausente a demonstração de sua propriedade exclusiva.

Excepciona-se, contudo, o item descrito como ‘1 (uma) pulseira dourada com duas correntes, descrição ‘Perla’ com diversas pedras zircônio. Esta pulseira pesa aproximadamente 27,32 g (vinte e sete gramas e trinta e dois centigramas), sendo a mesma constituída de ouro’, tendo em vista que a requerente logrou comprovar que a pulseira apreendida e periciada, cuja foto consta do LAUDO Nº 151/2023 – NUTEC/DPF/DRS/MS (ID 283049168, p. 81 e ID 283051821, p.1-10 dos autos 5002216-25.2021.4.03.6002), é o mesmo objeto observado na imagem constante da reportagem publicada na data de 12/11/2008 (link de acesso: https://ge.globo.com/Esportes/Noticias/Times/Flamengo/0,,MUL859715-9865,00.html.), anteriormente ao seu relacionamento com o investigado e aos fatos apurados na Operação La Casa de Papel.

Imperioso, portanto, o deferimento parcial do pedido formulado pela autora.

III - DISPOSITIVO:

Diante do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido de restituição formulado na inicial para deferir a devolução à requerente do bem descrito como “1 (uma) pulseira dourada com duas correntes, descrição "Perla" com diversas pedras zircônio. Esta pulseira pesa aproximadamente 27,32 g (vinte e sete gramas e trinta e dois centigramas), sendo a mesma constituída de ouro”, e denegar a restituição dos demais bens indicados na inicial (...)” (g.n.).

 

A r. decisão não merece reforma.

 

No caso em análise, a Apelante não apresentou documentação hábil a comprovar a aquisição lícita das aludidas joias (notas fiscais ou certificado de autenticidade), tampouco da sua capacidade financeira. Além disso, nos termos aduzidos pelo Parquet Federal em sua manifestação nesta instância (Id 285800403):

 

“(...) Cumpre ainda pontuar que a complexidade envolvida na lavagem de ativos, na qual as organizações criminosas utilizam diversos métodos para dificultar a rastreabilidade da origem dos ativos, inclusive com a mesclagem entre recursos criminosos e patrimônio lícito, torna impossível a comprovação individualizada de que cada bem alvo do sequestro é instrumento, produto ou proveito das condutas delitivas.

E com o objetivo de combater de forma efetiva o crime organizado, o legislador instituiu verdadeiro ônus da prova quando se trata de lavagem de ativos, de modo que a restituição dos bens, direitos ou valores somente será deferida quando o investigado demonstrar/comprovar que determinado bem faz parte de seu patrimônio lícito

No caso dos autos, a ora apelante não juntou documentos comprobatórios da sua capacidade financeira para arcar com a aquisição dos bens reivindicados, tampouco comprovou que, de fato, esses bens foram adquiridos por ela.

Não obstante a recorrente aduzir que algumas das joias apreendidas já eram utilizadas por ela nos anos 2020 e 2021, tal fato não comprova a aquisição lícita dos bens, precipuamente tendo em vista que a atuação ostensiva de seu marido, Patrick Abrahão, na organização criminosa teve início no ano de 2019.

Desta feita, verifica-se que a documentação apresentada pela requerente não satisfaz os requisitos para a restituição dos bens, pois é imprescindível a comprovação induvidosa da origem lícita dos bens e a desvinculação itens reivindicados com os fatos apurados na investigação.

Como se observa, de plano, não resta comprovada a legitimidade da requerente para ajuizar a presente ação pois não comprovou a propriedade dos bens em questão.

Ademais, é da letra do art. 118 do CPP que, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.”

 

O fato é que a apreensão em questão decorre do trabalho de investigação desenvolvido no âmbito da Operação “La Casa de Papel”, que buscou desmantelar indigitada organização criminosa que seria especializada, em tese, na captação de recursos financeiros de terceiros, dentro e fora do Brasil, e aplicação destes, sem autorização legal, no mercado de criptomoedas e outros ativos, em um claro esquema de pirâmide financeira, além de crimes de lavagem de dinheiro, estando em apuração o envolvimento nessa prática delitiva de Patrick Abrahão Santos Silva, marido da Apelante. Pela r. decisão judicial acima colacionada tem-se notícia de que “a medida cautelar vincula-se à ação 5002216-25.2021.4.03.6002, onde o marido da requerente, PATRICK ABRAHAO SANTOS SILVA foi denunciado pela suposta prática dos crimes de organização criminosa internacional, operação ilegal de instituição financeira, gestão fraudulenta, crime contra o patrimônio da União e crime ambiental e lavagem de dinheiro.”

 

Portanto, ainda que a Requerente não seja alvo da investigação em curso, forçoso reconhecer que os bens ora pleiteados podem constituir elemento de prova ou, ainda, proveito dos ilícitos supostamente praticados pelo seu cônjuge, circunstâncias que precisam ser investigadas e apuradas. Além disso, há que se considerar o disposto no art. 91, inciso II, do CP, o qual preceitua que os bens utilizados para a prática de crimes, ou produtos de atividades ilegais, podem ser perdidos em favor da União.

 

Neste sentido, colaciono os julgados a seguir:

 

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL DA DECISÃO QUE DEFERIU PARCIALMENTE O PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. DOCUMENTOS QUE INTERESSAM À PERSECUÇÃO PENAL. PROPRIEDADE E LICITUDE DOS VALORES NÃO DEMONSTRADAS. EVENTUAL PERDIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

I - O agravo regimental deve trazer novos argumentos capazes de alterar o entendimento anteriormente firmado, sob pena de ser mantida a decisão recorrida por seus próprios fundamentos.

[...]

VII - Incabível a restituição dos valores apreendidos, visto que não há certeza sobre sua propriedade e proveniência lícita e que, na hipótese de eventual condenação, esses valores, ainda que porventura não tenham origem ilícita, poderão ser declarados perdidos, consoante o art. 91, inciso II, alínea ‘b’ e §§ 1º e 2º, do CP. Agravo regimental desprovido.

(STJ, AgRg na ReCoAp n. 145/DF (2020/0295980-3), Rel. Min. Felix Fischer, j. 11.05.2021) (g.n.).

 

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE VEÍCULO. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE ORIGEM ILÍCITA. AUSÊNCIA DE PROVAS DA CONDIÇÃO DE TERCEIRO DE BOA-FÉ. EXCESSO DE PRAZO NÃO CARACTERIZADO. 1. Para a manutenção de medidas assecuratórias não se exige prova da origem ilícita do bem, mas indícios (CPP, art. 126), ressalvado o direito de terceiro de boa-fé que comprove a aquisição onerosa do bem (CPP, art. 130, II). Não é o caso dos autos. 2. Ao contrário do que foi afirmado pela apelante, não está devidamente comprovada a sua condição de terceira de boa-fé na aquisição do veículo. Ademais, havendo indícios da origem ilícita do bem, subsiste o fundamento para a sua constrição nos termos do art. 118 e do art. 126 do Código de Processo Penal. Como tais indícios apontam para lavagem de ativos e tráfico de drogas, afasta-se o perigo de lesão e a ameaça ao suposto direito de propriedade, à luz das disposições legais autorizadoras da medida assecuratória. 3. Quanto à alegação de excesso de prazo na investigação, também não assiste razão à apelante. Perdurando a medida cautelar patrimonial por tempo desarrazoado, sem oferecimento de denúncia, é o caso de levantamento do sequestro, nos termos do art. 131, I, do Código de Processo Penal. Contudo, no caso, a complexidade da investigação justifica, por ora, a flexibilização do prazo para oferecimento da denúncia. 4. A demora na conclusão da investigação, todavia, deverá ser acompanhada pelo juízo de primeiro grau, que poderá rever a medida constritiva oportunamente. 5. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5005030-21.2022.4.03.6181, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 28/04/2023, DJEN DATA: 05/05/2023) (g.n.).

 

Oportuno ainda salientar que o §2 º do artigo 4º da Lei n.º 9.613/1998, referente aos crimes de lavagem de dinheiro, um dos delitos pelo qual o marido da apelante está sendo processado, permite que a constrição se mantenha sobre bens, direitos e valores de origem lícita nos limites necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal.

 

Ou seja, ainda que alegada a licitude dos bens, tal fato não é suficiente para a liberação dos mesmos e sua desvinculação ao marido da apelante. É necessária a devida mensuração do eventual prejuízo ocorrido para, então, manter a devida constrição correspondente ao dano causado. Desta forma, conclui-se pela não demonstração no feito da licitude na aquisição dos objetos apreendidos. Contudo, ainda que suscitada pela recorrente a legalidade de suas aquisições e origem lícita de seus recursos, constata-se pela possibilidade legal da constrição recair sobre bens diversos de produto do crime, quando necessário para garantir a efetividade no cumprimento da decisão judicial.

 

Em adição, registre-se que o ordenamento jurídico pátrio determina a inversão do ônus da prova pelo apontado autor de uma infração com respeito à origem lícita do produto ou outros bens sujeitos a confisco nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, crime organizado transnacional e corrupção, conforme estabelece o artigo 5, item 7, da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, promulgada pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de 1991; o artigo 12, item 7,  da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004; e o artigo 54, item 1, letra “c”, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

 

Ademais, é importante frisar que a interpretação conferida ao artigo 11, item 6, da Convenção de Palermo, é no sentido de que o direito interno de cada país não pode retratar diferentemente as disposições da Convenção, caso o Estado a tenha recepcionado sem ressalvas.

 

Esse é o caso do Brasil, o qual, quando da promulgação do Decreto que aprovou o texto da referida Convenção (Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004) consignou, ainda, em seu artigo 2º, que quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção estão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional.

 

Assim, não há elementos concretos aptos a justificar o levantamento da constrição decretada, mostrando-se necessária, por ora, sua manutenção, sendo inviável neste momento processual a pretendida liberação.

 

DISPOSITIVO

 

Ante o exposto, voto por NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto por PERLA ABRAHÃO FERNANDES, nos termos anteriormente expendidos, mantendo-se a r. decisão que indeferiu o pedido de restituição.



E M E N T A

 

PENAL E PROCESSUAL PENAL. INCIDENTE DE RESTITUIÇÃO DE COISAS APREENDIDAS. ARTS. 118 E 120, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INVESTIGAÇÃO RELACIONADA À SUPOSTA PRÁTICA DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA INTERNACIONAL, OPERAÇÃO ILEGAL DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, GESTÃO FRAUDULENTA, CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO DA UNIÃO, CRIME AMBIENTAL E LAVAGEM DE DINHEIRO. INEXISTÊNCIA DE PROVA DA REAL PROPRIEDADE LÍCITA DOS BENS APREENDIDOS E DA DESVINCULAÇÃO DE TAIS BENS AOS FATOS EM APURAÇÃO EM AÇÃO PENAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. APELAÇÃO DESPROVIDA.

- A teor do art. 118 do Código de Processo Penal, antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo. Em outras palavras, a coisa apreendida deverá, necessariamente, permanecer sob a custódia do Estado durante todo o período em que se mostrar útil à persecução penal, independentemente de se tratar de coisa de posse lícita e/ou de pertencer a terceiro de boa-fé. Já o art. 119 do Código de Processo Penal estabelece que, mesmo após o trânsito em julgado da sentença final, os bens sujeitos a ulterior perdimento e/ou confisco não poderão ser restituídos, a menos que pertençam ao lesado ou a terceiro de boa-fé. Quanto ao art. 120 do Código de Processo Penal, este dispõe que a restituição de bens apreendidos, quando cabível, poderá ser ordenada pela autoridade policial ou juiz, mediante termo nos autos, desde que não exista dúvida quanto ao direito do reclamante. Disto se extrai que a parte interessada deverá não apenas demonstrar que é formalmente sua a propriedade e/ou posse daquele bem, mas também comprovar a origem lícita da coisa e/ou dos valores empregados em sua aquisição, ou seja, comprovar a legitimidade de sua propriedade e/ou posse. Inclusive, a inteligência do artigo 123 do CPP determina que, mesmo na hipótese de decisão absolutória, não se há de falar em devolução de objetos apreendidos se o acusado não demonstrar que o bem lhe pertence legitimamente. Ora, se até aquele que é inocentado deve, necessariamente, comprovar ser o titular legítimo de um objeto apreendido para vê-lo devolvido, com mais razão aquele que figura como investigado deve demonstrar a origem lícita do bem constrito para vê-lo restituído.

- Note-se que a apreensão é medida que não se confunde com o “sequestro de bens móveis e/ou imóveis”, a “hipoteca legal” ou o “arresto de bens móveis e/ou imóveis”, pois, embora também sirva para impedir o perecimento de coisas e/ou preservar direitos, trata-se, sobretudo, de meio de obtenção de prova. Além disso, enquanto as referidas medidas assecuratórias somente podem ser efetivadas por ordem judicial, a apreensão pode ser realizada também por autoridade policial (inteligência do artigo 6°, II, do CPP). A apreensão é, pois, medida que possui natureza jurídica mista e, por esta razão, encontra-se disciplinada em capítulo diverso das demais medidas assecuratórias patrimoniais. De qualquer sorte, é certo que a apreensão se assemelha às referidas medidas cautelares de constrição, pois, tal como estas, somente pode ser decretada quando presentes os requisitos periculum in mora (risco de desaparecimento de coisa que interesse à prova da infração penal, p. ex.) e fumus boni iuris (probabilidade de a coisa ter efetiva relação com o fato criminoso apurado). Portanto, a diligência de apreensão difere, tecnicamente, da medida cautelar de sequestro, não obstante ambas as medidas possam se referir a objetos que caracterizem produto de crime. Enquanto a apreensão ostenta, sobretudo, caráter probatório, o sequestro destina-se, essencialmente, a cobrir os danos causados pelo crime. Inclusive, nos termos do art. 132 do CPP, apenas se haverá de falar em sequestro de bens móveis (como medida acautelatória) se não for cabível a apreensão.  Nesse sentido, apenas produtos indiretos do crime, ou seja, produtos adquiridos com os proventos da infração é que poderão, em princípio, ser alvo de sequestro. Em se tratando de produtos (bens móveis) obtidos diretamente a partir da prática delituosa, isto é, de produtos diretos do crime, a medida cabível será a apreensão.

- Finda a diligência de apreensão, em se constatando, de plano, i) a posse ou propriedade legítima da coisa (o que engloba a demonstração de sua origem lícita), ii) que a coisa não mais interessa ao processo, iii) e que a coisa não estará sujeita a futuro confisco, poderá a autoridade policial ou judicial, mediante simples pedido formulado pelo interessado, restituí-la, mediante termo nos autos (inteligência do art. 120, caput, do CPP), sem que haja necessidade de autuação em apartado. Porém, se duvidoso o direito do interessado, deverá ser instaurado, em apartado, Incidente de Restituição de Coisas Apreendidas, nos termos do art. 120, §1°, do CPP, determinando-se, sempre, a oitiva do órgão ministerial (inteligência do § 3° do art. 120 do CPP). Haverá, então, sob o crivo do contraditório, uma breve instrução probatória, dado o caráter incidental deste procedimento. Em face de decisão proferida no bojo deste incidente, dada a sua natureza de “decisão definitiva em sentido estrito ou terminativa de mérito”, caberá Apelação, nos termos do art. 593, II, do CPP (recurso não dotado de efeito suspensivo).

- A restituição de coisa aprendida ocorrerá quando não mais interessar ao processo penal e na certeza acerca da licitude e propriedade do bem, o que engloba a demonstração da onerosidade do negócio jurídico, da capacidade financeira para a aquisição do bem e da ausência de vínculo com o fato criminoso.

- Ainda que a apelante não seja alvo da investigação em curso, no caso em análise, pairam dúvidas acerca da real propriedade e aquisição lícita das joias, sendo forçoso reconhecer que os bens ora pleiteados podem constituir elemento de prova ou, ainda, proveito dos ilícitos supostamente praticados por seu cônjuge, denunciado nos autos de ação penal, circunstâncias que precisam ser investigadas e apuradas. Além disso, há que se considerar o disposto no art. 91, inciso II, do CP, o qual dispõe que os bens utilizados para a prática de crimes, ou produtos de atividades ilegais, podem ser perdidos em favor da União.

- Oportuno ainda salientar que o §2 º do artigo 4º da Lei n.º 9.613/1998, referente aos crimes de lavagem de dinheiro, um dos delitos no qual o marido da apelante está sendo processado, permite que a constrição se mantenha sobre bens, direitos e valores de origem lícita nos limites necessários e suficientes à reparação dos danos e ao pagamento de prestações pecuniárias, multas e custas decorrentes da infração penal. Ou seja, ainda que alegada a licitude dos bens, tal fato não é suficiente para a liberação dos mesmos e sua desvinculação ao marido da apelante. É necessária a devida mensuração do eventual prejuízo ocorrido para, então, manter a devida constrição correspondente ao dano causado.

- Em adição, registre-se que o ordenamento jurídico pátrio determina a inversão do ônus da prova pelo apontado autor de uma infração com respeito à origem lícita do produto ou outros bens sujeitos a confisco nos crimes de tráfico ilícito de entorpecentes, crime organizado transnacional e corrupção, conforme estabelece o artigo 5, item 7, da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, promulgada pelo Decreto n.º 154, de 26 de junho de 1991; o artigo 12, item 7,  da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), promulgada pelo Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004; e o artigo 54, item 1, letra “c”, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto n.º 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

- Ademais, é importante frisar que a interpretação conferida ao artigo 11, item 6, da Convenção de Palermo, é no sentido de que o direito interno de cada país não pode retratar diferentemente as disposições da Convenção, caso o Estado a tenha recepcionado sem ressalvas. Esse é o caso do Brasil, o qual, quando da promulgação do Decreto que aprovou o texto da referida Convenção (Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004) consignou, ainda, em seu artigo 2º, que quaisquer atos que possam resultar em revisão da referida Convenção estão sujeitos à aprovação do Congresso Nacional.

- Ausentes elementos concretos aptos a justificar o levantamento da constrição decretada, mostra-se necessária, por ora, sua manutenção, sendo inviável neste momento processual a liberação pretendida.

- Apelação desprovida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Primeira Turma, por unanimidade, decidiu NEGAR PROVIMENTO ao recurso de Apelação interposto por PERLA ABRAHÃO FERNANDES, nos termos anteriormente expendidos, mantendo-se a r. decisão que indeferiu o pedido de restituição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
FAUSTO DE SANCTIS
Desembargador Federal