Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019173-60.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

AGRAVANTE: MARIA CAROLINA LIMA DE SOUZA

Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIO LUIS BIS - SP411652-A

AGRAVADO: RESIDENCIAL VILA SAO JOSE II SPE LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) AGRAVADO: PATRICIA DE OLIVEIRA CARVALHO ZICA - MG83051-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019173-60.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

AGRAVANTE: MARIA CAROLINA LIMA DE SOUZA

Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIO LUIS BIS - SP411652-A

AGRAVADO: RESIDENCIAL VILA SAO JOSE II SPE LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) AGRAVADO: PATRICIA DE OLIVEIRA CARVALHO ZICA - MG83051-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto por Maria Carolina Lima de Souza contra a decisão proferida pelo Juízo Federal da 6ª Vara de Ribeirão Preto que, nos autos do processo n. 5003527-37.2024.4.03.6102, indeferiu o pedido de tutela de urgência.

A agravante sustenta haver firmado, em 18/11/2020, contrato de venda e compra de unidade autônoma com o Residencial Vila São José II SPE Ltda. Afirma que, para financiar a aquisição do imóvel, celebrou com a Caixa Econômica Federal, em 13/12/2021, contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade vinculada a empreendimento, em alienação fiduciária. Alega ter havido atraso na entrega do imóvel, nos termos do contrato firmado com a referida construtora, responsável pelo empreendimento, dando causa à possibilidade de rescisão contratual. Aduz, ainda, ter a incorporadora enviado comunicado a todos os compradores, informando a reprogramação do cronograma de obras por mais 90 dias após 30/7/2024, por motivos alheios à sua vontade.

Requer a antecipação da tutela recursal, para suspender a exigibilidade das parcelas vincendas dos contratos firmados com ambas as agravadas, bem como que as mesmas se abstenham de inserir o nome da agravante nos órgãos de proteção ao crédito.

O pedido de antecipação da tutela recursal foi deferido.

O Residencial Vila São José II SPE Ltda. apresentou contraminuta.

É o relatório.


 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
1ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5019173-60.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN

AGRAVANTE: MARIA CAROLINA LIMA DE SOUZA

Advogado do(a) AGRAVANTE: FABIO LUIS BIS - SP411652-A

AGRAVADO: RESIDENCIAL VILA SAO JOSE II SPE LTDA, CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogado do(a) AGRAVADO: PATRICIA DE OLIVEIRA CARVALHO ZICA - MG83051-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Ao apreciar o pedido de antecipação da tutela recursal, proferi a seguinte decisão:

 

"Trata-se de agravo de instrumento interposto por Maria Carolina Lima de Souza contra a decisão proferida pelo Juízo Federal da 6ª Vara de Ribeirão Preto que, nos autos do processo n. 5003527-37.2024.4.03.6102, indeferiu o pedido de tutela de urgência.

A agravante sustenta haver firmado, em 18/11/2020, contrato de venda e compra de unidade autônoma com o Residencial Vila São José II SPE Ltda. Afirma que, para financiar a aquisição do imóvel, celebrou com a Caixa Econômica Federal, em 13/12/2021, contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade vinculada a empreendimento, em alienação fiduciária. Alega ter havido atraso na entrega do imóvel, nos termos do contrato firmado com a referida construtora, responsável pelo empreendimento, dando causa à possibilidade de rescisão contratual. Aduz, ainda, ter a incorporadora enviado comunicado a todos os compradores, informando a reprogramação do cronograma de obras por mais 90 dias após 30/7/2024, por motivos alheios à sua vontade.

Requer a antecipação da tutela recursal, para suspender a exigibilidade das parcelas vincendas dos contratos firmados com ambas as agravadas, bem como que as mesmas se abstenham de inserir o nome da agravante nos órgãos de proteção ao crédito.

Passo ao exame.

Nos termos do art. 300 do Código de Processo Civil, a antecipação da tutela recursal será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, não sendo concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Em uma análise perfunctória permitida neste momento processual, entendo que a parte agravante demonstrou a presença dos requisitos necessários à tutela pretendida.

No presente caso, a controvérsia cinge-se a aferir se houve atraso injustificável na entrega do imóvel, a acarretar a suspensão das cobranças das parcelas vincendas dos contratos firmados com as agravadas, bem como a não inclusão do nome da agravante nos órgãos de proteção ao crédito.

O prazo de entrega do imóvel foi ajustado em ambos os contratos celebrados pela agravante.

Examinando os autos subjacentes, observa-se, do item 7.1 do contrato celebrado, em 18/11/2020, com o Residencial Vila São José II SPE Ltda., que o prazo para entrega da unidade autônoma se daria em 24 meses a “contar da assinatura do financiamento junto à Caixa Econômica Federal ou outra instituição financeira.” (ID 329309784, p. 3). O item 7.2 do mesmo acordo fixou prazo de tolerância de 180 dias ao acima disposto. Por sua vez, o item C6.1 do contrato de financiamento com a CEF, firmado em 13/12/2021, estipulou o prazo de conclusão da construção para 13/12/2023.  Segundo o item 15 – Prazo para Construção e Legalização da Unidade, “O prazo para o término da construção e legalização da unidade habitacional vinculada ao empreendimento é aquele constante na Letra “C 6.1” deste contrato, que somente poderá ser prorrogado quando restar comprovado caso fortuito ou força maior ou outra situação excepcional superveniente à assinatura do Contrato que tenha efetiva interferência no ritmo da execução da obra, mediante análise técnica e autorização da CAIXA, sempre que a medida se mostrar essencial a viabilizar a conclusão do empreendimento” (ID 329309772, p. 3 e 13).

De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a denominada “cláusula de tolerância” em contratos dessa espécie - que prevê a possibilidade de atraso na entrega do imóvel - não é abusiva, desde que o prazo máximo de prorrogação não ultrapasse 180 (cento e oitenta) dias. Confira-se:

“RECURSO ESPECIAL. CIVIL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. ATRASO DA OBRA. ENTREGA APÓS O PRAZO ESTIMADO. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. VALIDADE. PREVISÃO LEGAL. PECULIARIDADES DA CONSTRUÇÃO CIVIL. ATENUAÇÃO DE RISCOS. BENEFÍCIO AOS CONTRATANTES. CDC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. OBSERVÂNCIA DO DEVER DE INFORMAR. PRAZO DE PRORROGAÇÃO. RAZOABILIDADE.

1. Cinge-se a controvérsia a saber se é abusiva a cláusula de tolerância nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, a qual permite a prorrogação do prazo inicial para a entrega da obra.

2. A compra de um imóvel "na planta" com prazo e preço certos possibilita ao adquirente planejar sua vida econômica e social, pois é sabido de antemão quando haverá a entrega das chaves, devendo ser observado, portanto, pelo incorporador e pelo construtor, com a maior fidelidade possível, o cronograma de execução da obra, sob pena de indenizarem os prejuízos causados ao adquirente ou ao compromissário pela não conclusão da edificação ou pelo retardo injustificado na conclusão da obra (arts. 43, II, da Lei nº 4.591/1964 e 927 do Código Civil). 3. No contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, além do período previsto para o término do empreendimento, há, comumente, cláusula de prorrogação excepcional do prazo de entrega da unidade ou de conclusão da obra, que varia entre 90 (noventa) e 180 (cento e oitenta) dias: a cláusula de tolerância.

4. Aos contratos de incorporação imobiliária, embora regidos pelos princípios e normas que lhes são próprios (Lei nº 4.591/1964), também se aplica subsidiariamente a legislação consumerista sempre que a unidade imobiliária for destinada a uso próprio do adquirente ou de sua família.

5. Não pode ser reputada abusiva a cláusula de tolerância no compromisso de compra e venda de imóvel em construção desde que contratada com prazo determinado e razoável, já que possui amparo não só nos usos e costumes do setor, mas também em lei especial (art. 48, § 2º, da Lei nº 4.591/1964), constituindo previsão que atenua os fatores de imprevisibilidade que afetam negativamente a construção civil, a onerar excessivamente seus atores, tais como intempéries, chuvas, escassez de insumos, greves, falta de mão de obra, crise no setor, entre outros contratempos.

6. A cláusula de tolerância, para fins de mora contratual, não constitui desvantagem exagerada em desfavor do consumidor, o que comprometeria o princípio da equivalência das prestações estabelecidas. Tal disposição contratual concorre para a diminuição do preço final da unidade habitacional a ser suportada pelo adquirente, pois ameniza o risco da atividade advindo da dificuldade de se fixar data certa para o término de obra de grande magnitude sujeita a diversos obstáculos e situações imprevisíveis.

7. Deve ser reputada razoável a cláusula que prevê no máximo o lapso de 180 (cento e oitenta) dias de prorrogação, visto que, por analogia, é o prazo de validade do registro da incorporação e da carência para desistir do empreendimento (arts. 33 e 34, § 2º, da Lei nº 4.591/1964 e 12 da Lei nº 4.864/1965) e é o prazo máximo para que o fornecedor sane vício do produto (art. 18, § 2º, do CDC).

8. Mesmo sendo válida a cláusula de tolerância para o atraso na entrega da unidade habitacional em construção com prazo determinado de até 180 (cento e oitenta) dias, o incorporador deve observar o dever de informar e os demais princípios da legislação consumerista, cientificando claramente o adquirente, inclusive em ofertas, informes e peças publicitárias, do prazo de prorrogação, cujo descumprimento implicará responsabilidade civil. Igualmente, durante a execução do contrato, deverá notificar o consumidor acerca do uso de tal cláusula juntamente com a sua justificação, primando pelo direito à informação.

9. Recurso especial não provido.”

(Terceira Turma, REsp 1.582.318/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, j. em 12/09/2017, DJe de 21/09/2017)

No mesmo sentido: Terceira Turma, REsp 1.727.939/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/09/2018, DJe de 17/09/2018; Quarta Turma, AgInt no REsp 1.698.519/SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 20/09/2018, DJe de 26/9/2018 e Terceira Turma, REsp 1.454.139/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 03/06/2014, DJe de 17/6/2014.

Segue a mesma orientação, a Primeira Turma desta Corte:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE TERRENO E CONSTRUÇÃO DE BEM IMÓVEL. FINANCIAMENTO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA. PRAZO DE ENTREGA DE OBRA. CLÁUSULA DE TOLERÂNCIA. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE DESDE QUE NÃO ULTRAPASSE 180 DIAS. IMÓVEL QUE FOI ENTREGUE NO PRAZO CONTRATUAL. TAXA DE OBRA. COBRANÇA DEVIDA. TAXA DE CORRETAGEM INDEVIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE. CADASTRO DE DEVEDORES. FALTA DE PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA A SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO DO DEVEDOR. INEXISTÊNCIA DE DANO MORAL. 1. Em 11/11/2017 foi celebrado entre a autora e a corré Condomínio UP CLUB - SPE Ltda. o "Instrumento Particular de Compromisso de Venda e Compra de Bem Imóvel e Outros Pactos". Referido contrato previa prazo de conclusão da obra em 24 meses a contar da data de assinatura de contrato de financiamento a ser celebrado entre a autora e a CEF. O item 2.4.1.1 autoriza uma tolerância de 180 dias do prazo constante no item 2.4.1. 2. Por sua vez o contrato de financiamento foi firmado com a CEF em 06/07/2018 prevendo prazo de conclusão de 26 meses a contar da data de sua assinatura, com prazo de tolerância de seis meses. 3. Saliente-se, nesse ponto, que a jurisprudência do C. STJ entende que a presença da denominada 'cláusula de tolerância' em contratos desse jaez - que prevê a possibilidade de atraso na entrega do imóvel - não é abusiva, desde que o prazo máximo de prorrogação não ultrapasse 180 (cento e oitenta) dias. 4. Aplicando-se as datas estabelecidas em ambos os contratos se verifica que não houve atraso na entrega do imóvel. De acordo com o contrato de compromisso de compra e venda as obras deveriam ser concluídas em julho de 2020, e, contando com o prazo de tolerância, janeiro de 2021. Se considerarmos o prazo de entrega do contrato de financiamento as obras deveriam ser concluídas em setembro de 2020, e, contando com o prazo de tolerância, março de 2021. 5. Os documentos acostados aos autos comprovam que as chaves do imóvel estavam disponíveis em janeiro de 2021 e que para que a autora tivesse acesso deveria adimplir as parcelas em atraso no valor de R$ 18.038,48. Assim, não procede a alegação de que houve atraso na entrega do empreendimento, tampouco o pedido de devolução das parcelas pagas. (...) 18. Recurso desprovido.”

(ApCiv 5000165-08.2021.4.03.6110, Rel. Des. Federal Helio Nogueira, julgado em 18/04/2023, Intimação via sistema em 20/04/2023)

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATOS. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA VERIFICADO. INCLUSÃO DE NOME EM CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO AGRAVADA REFORMADA. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Considerando o prazo de 36 meses previsto no contrato celebrado com a construtora, bem como a possibilidade de prorrogação por mais 180 dias, tem-se que o prazo final para conclusão do empreendimento em debate se encerraria em abril de 2020. 2. Ademais, reconhecem os próprios agravantes que em Assembleia Geral Ordinária realizada em 07.07.2019 com os representantes da construtora restou acordada nova prorrogação do prazo de entrega para maio de 2020, inexistindo elementos que confirmem a alegação de que tal data fora imposta pela construtora, tendo em vista a presença de representantes de 120 unidades habitacionais. 3. Tendo em vista a informação dos agravantes de que a obra ainda não está concluída no presente momento, é medida que se impõe a suspensão do contrato e da exigibilidade da cobrança das parcelas correlatas.

(...)

5. Agravo parcialmente provido para suspender o contrato e a exigibilidade da cobrança das parcelas correlatas, bem como impedir a inclusão e negativação do nome dos agravantes em cadastros de inadimplentes até final julgamento do feito de origem.”

(AI 5007044-62.2020.4.03.0000, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy Filho, j. em 22/03/2021, DJEN de 05/04/2021)

“CONSUMIDOR, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO FIRMADO NO ÂMBITO DO SFH. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA CEF E DA CONSTRUTORA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. ILICITUDE DA COBRANÇA DE JUROS DE OBRA OU TAXA DE CONSTRUÇÃO APÓS O PERÍODO CONTRATUALMENTE PREVISTO PARA ENTREGA DAS CHAVES COM INCLUSÃO DO PERÍDO DE TOLERÂNCIA. ENTENDIMENTO FIRMADO EM SEDE DE RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS A TAL TÍTULO. HONORÁRIOS ESTIPULADOS EM VALOR FIXO. IMPOSSIBILIDADE. PREVISÃO LEGAL DE ARBITRAMENTO SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.

(...) 3. O. C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Recurso Especial 1.729.593/SP, apreciou o Tema Repetitivo 996 e firmou a tese de que, nos contratos de aquisição de imóvel, mediante contrato de financiamento, firmados no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida - e também nos celebrados na seara do Sistema Financeiro da Habitação, ante a similitude dos regimes jurídicos que disciplinam tais avenças -, é ilícita cobrança de juros de obra após o prazo previsto para a entrega das chaves, com inclusão do período de tolerância.

4. No caso dos autos, observo que a r. sentença ora recorrida está de acordo com o entendimento firmado no âmbito do C. STJ, pois determinou a restituição dos valores pagos a título de taxa de construção tão somente pelo período que extrapolou o prazo contratualmente previsto para a entrega do imóvel, com o acréscimo do prazo de tolerância de 180 dias.

5. Desse modo, estando o entendimento esposado pela sentença de acordo com a jurisprudência pacificada no STJ, impõe-se sua manutenção, no ponto.

(...)

7. Apelação parcialmente provida.”

(ApCiv 0003912-19.2014.4.03.6103, Rel. Des. Federal Hélio Nogueira, j. em 14/10/2020, e - DJF3 Jud. 1 de 19/10/2020, grifos nossos)

Consoante a tese firmada no Tema 996 do Superior Tribunal de Justiça, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

O voto condutor do referido aresto consignou: 

“Todo acordo de vontades tem sempre por objetivo a realização do interesse das partes, para o qual não basta a existência do objeto da prestação, sendo fundamental a presença de outros dados relevantes, que possam contribuir para assegurar liberdade na escolha e garantia de segurança jurídica, entre os quais se insere, para contratos como o ora analisado, o prazo de entrega da unidade.

Na abordagem do tema, convém destacar que, diferentemente do que foi enfatizado no aresto combatido, as circunstâncias econômicas especiais do PMCMV não são benéficas apenas para os adquirentes. A despeito das subvenções de natureza econômica e fiscal que são concedidas aos proponentes (seja na forma de subsídio, seja pelo acesso a taxas de juros reduzidas, impostos, seguro ou emolumentos), são elas também muito favoráveis às empresas, que diversamente do que ocorre nas operações convencionais do SFH, passam a ter acesso a parte do crédito tão logo ele é aprovado pelo agente financeiro, seja no início ou durante a realização da obra, o que diminui a necessidade do uso de capital de giro da empresa.

(...)

O fato, portanto, de o contrato ser regido por regras de crédito associativo, a meu sentir, não pode ser utilizado como argumento para justificar a estipulação de prazo alternativo e aberto à conclusão da obra, assim como prevaleceu no Colegiado local, haja vista que os negócios firmados sob a disciplina do PMCMV não retiram do promitente vendedor o ônus relacionado ao risco da atividade econômica, além de serem lucrativos para as empresas nele envolvidas.

(...)

De nada adianta, por conseguinte, a estipulação de um prazo certo e expresso, assim como entendeu o acórdão impugnado, se ele for fixado de maneira apenas estimativa e condicional, ficando vinculado, ainda, a um evento futuro, no caso, à data de obtenção do financiamento pelo adquirente ou àquela que for determinada pelo agente financeiro no referido contrato. Isso acaba por atribuir à incorporadora o direito de postergar a entrega da obra por prazo excessivamente longo e oneroso para o comprador, a ponto de afastar, inclusive, o próprio risco da atividade, que pertence à empresa.

Não se pode olvidar que, a despeito de a promessa de compra e venda de imóvel ser contratada de maneira individual, o negócio envolve o interesse de uma coletividade, de modo que a vinculação da contagem do prazo de entrega da obra à data da obtenção do financiamento cria uma situação sui generis, na medida em que, para um mesmo empreendimento, cujas unidades deverão ser entregues de uma só vez – ainda que para uma etapa específica da construção previamente programada –, ter-se-á a configuração da mora de maneira individualizada, a depender da data em que cada contrato for assinado, o que significará, em última ratio, uma forma de não sujeitar a empresa aos efeitos da mora.

Vale lembrar, ainda, que durante o prazo regular de construção, é permitida a incidência de atualização monetária pelo INCC (Índice Nacional da Construção Civil), bem como de juros de obra. Logo, quanto maior for o prazo contratual para a conclusão das unidades, em consequência, maior será a exposição do consumidor à cobrança dos referidos juros e à aplicação de correção monetária de acordo com o índice setorial, o que redundará em situação que lhe será desfavorável, também sob o ponto de vista econômico.

Por esses fundamentos, a formulação da tese a ser proposta, salvo melhor juízo, não deve contemplar a possibilidade da fixação de prazo meramente estimativo para a entrega da unidade imobiliária, tampouco vinculado a um evento futuro, assim como ocorreu no caso, conforme previsto no item 5 do Quadro Resumo e na Cláusula 5ª do Contrato de Promessa de Compra e Venda firmado entre as partes, ao qual deverá ser acrescido, tão somente, o prazo de tolerância de 180 (cento e oitenta) dias, já admitido pela jurisprudência desta Corte e agora incorporado ao nosso sistema jurídico – para os contratos futuros – pelo art. 43-A da Lei n. 13.786/2018 (que alterou a Lei n. 4.591/1964), dentro do qual a empresa poderá superar eventuais imprevistos relacionados a fortuitos internos como falta de mão de obra, entraves burocráticos ou fatores climáticos.

É impositivo que as incorporadoras, portanto, mediante programação administrativa e econômico-financeira prévia, estabeleçam em seus contratos o prazo para a entrega do imóvel de maneira indene de dúvidas, utilizando-se de critérios dotados de objetividade e clareza, que não estejam vinculados a nenhum negócio jurídico futuro, ainda que este se encontre associado a uma das etapas da contratação ou da realização da obra, como no caso, à data da obtenção do financiamento. Somente assim, estarão preservados os primados do direito à informação, da transparência e da boa-fé, além de assegurar às partes o necessário equilíbrio contratual, que respeite as prestações e contraprestações envolvidas.

(...)

Por tudo isso, e já avançando para o desfecho da controvérsia, atinente ao Tema 2 (prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel), é forçoso reconhecer que, tratando-se de contratos que regulam as relações de consumo, o aderente só se vincula às disposições neles inseridas se lhe for dada a oportunidade de conhecimento prévio do seu conteúdo (CDC, arts. 4º, 6º, III, 46 e 54, § 4º), o que inquestionavelmente se aplica aos contratos de promessa de compra e venda de imóvel.

A efetividade do conteúdo da informação, por sua vez, deve ser aferida a partir da situação em concreto, examinando-se qual será substancialmente o conhecimento imprescindível e como se poderá atingir o destinatário específico daquele produto ou serviço, de modo que a transmissão da informação seja adequada e eficiente, atendendo aos deveres anexos da boa-fé objetiva, do dever de colaboração e de respeito ao consumidor (REsp n. 1.349.188/RJ, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 22/06/2016).

Nessa mesma linha, o art. 51, IV, do CDC, considera nula de pleno direito, entre outras, a cláusula contratual que estabeleça obrigação que coloque o consumidor em situação de desvantagem exagerada, assim considerada, segundo o § 1º, II e III, aquela que "restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual", ou que se mostre "excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso". (grifos nossos) 

Na hipótese vertente, como acima exposto, o item 7.1 do contrato de compromisso de compra e venda firmado entre a agravante e a empresa Residencial Vila São José II SPE Ltda. vinculou o prazo de entrega do imóvel à data de assinatura do contrato de financiamento com a CEF. Assim, nos termos do referido Tema n. 996 do STJ, a referida cláusula é nitidamente abusiva, a qual não deve ser considerada a fim de estabelecer o termo a quo da fluência do prazo de entrega do imóvel.

Nesse sentido, transcrevo julgado da 1ª Turma desta Corte:

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL COM FINANCIAMENTO NO ÂMBITO DO SFH. ATUAÇÃO DA CEF COMO AGENTE DE PROMOÇÃO E FISCALIZAÇÃO DA OBRA. INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA QUE ESTABELECE MERA ESTIMATIVA DE PRAZO PARA ENTREGA DO IMÓVEL, CONDICIONADA À ASSINATURA POSTERIOR DO CONTRATO DE FINANCIAMENTO. VIOLAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA E DOS DEVERES ANEXOS DE LEALDADE E COOPERAÇÃO. NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER DE INFORMAÇÃO. ARTIGOS 39 E 51 DO CDC. LEGALIDADE DA COBRANÇA DE JUROS NA FASE DE CONSTRUÇÃO DO IMÓVEL. ALTERAÇÃO DO TERMO INICIAL DE CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DATA DO ARBITRAMENTO. SÚMULA 362 STJ.

1. As empresas que formam a cadeia de fornecimento de produtos e serviços respondem de forma solidária pela reparação dos danos causados aos consumidores, nos termos estipulados pelo artigo 14 do CDC.

2. Por conseguinte, a CEF também possui responsabilidade no que concerne aos problemas de atraso na entrega do imóvel em questão, pois a instituição financeira não se limitou a atuar como agente financeiro no "Contrato por Instrumento Particular de Compra e Venda de Terreno e Mútuo para Construção de Unidade Habitacional com Fiança, Alienação Fiduciária em Garantia e Outras Obrigações - Programa Imóvel na Planta - Sistema Financeiro da Habitação - SFH - Recursos SBPE"; ao contrário, operou como agente executor de política federal de promoção de moradia e fiscalizador do andamento da obra, razão pela qual, além de ser parte legítima para figurar no polo passivo da demanda, também é responsável pelos vícios de construção ou atraso na entrega do imóvel.

3. Não obstante, não se pode reconhecer a responsabilidade da CEF no caso dos autos, pois o pedido formulado pelos autores foi específico, requerendo a condenação da CEF tão somente no que tange à devolução da chamada "taxa de construção". De acordo com o princípio da demanda ou da adstrição, não pode o magistrado conceder provimento jurisdicional além do pedido elaborado na exordial (artigo 492 do CPC/2015).

4. Insurgem-se as apelantes MRV Engenharia e CAMPO COLORATO Incorporações quanto ao tópico da r. sentença que reconheceu o atraso na entrega do imóvel e, por conseguinte, condenou-as ao pagamento dos danos materiais e morais daí decorrentes.

5. Nos contratos de promessa de compra e venda de imóvel 'na planta', normalmente há previsão contratual da denominada 'cláusula de tolerância', por meio da qual já fica estipulada a prorrogação, em caráter excepcional, do prazo de entrega do imóvel, caso ocorram imprevistos. A jurisprudência do C. STJ entende que referida cláusula não é abusiva, desde que o prazo máximo de prorrogação da entrega do imóvel não ultrapasse 180 (cento e oitenta) dias.

6. No caso dos autos, em que pese a legalidade da estipulação acerca do prazo de tolerância, impõe-se o reconhecimento da abusividade da cláusula que fixa mera estimativa de prazo para a entrega do imóvel.

7. Pela ótica da legislação consumerista - que rege a relação negocial entabulada entre as partes - a disposição do contrato de compra e venda que estabelece mera estimativa de prazo para a entrega do imóvel, com termo inicial a partir da assinatura do financiamento junto à CEF, fere a boa-fé objetiva e coloca o consumidor em posição de desvantagem exagerada. Cláusula abusiva, nos termos dos incisos I e IV do artigo 51 do CDC.

8. A falta de informação a respeito de data certa para a entrega do imóvel priva o consumidor de informação essencial a respeito do contrato, em clara violação aos deveres anexos de lealdade e cooperação entre as partes, decorrentes da boa-fé objetiva (CC, arts. 113 e 422).

9. A falta de clareza acerca de informação que é absolutamente indispensável a um contrato de aquisição de bem imóvel - data de entrega - prejudica o consumidor de diversos modos, como, por exemplo, em seu planejamento financeiro. Especificamente no que tange ao dever de informação, há nítida violação ao artigo 39, inciso XII do CDC.

10. O imóvel deveria ter sido entregue na data incialmente prevista pelo contrato de promessa de compra e venda, ou seja, fevereiro de 2012, de modo que resta plenamente caracterizado o atraso, uma vez que as chaves foram entregues tão somente em maio de 2013.

11. Manutenção da indenização por danos materiais, ante o reconhecimento do atraso na entrega do imóvel, e por danos morais, pois o atraso de mais de um ano na entrega do bem não pode ser classificado como mero aborrecimento da vida cotidiana. Modificação da data de início da incidência de correção monetária, em relação ao dano moral. Fixação da data do arbitramento, nos termos da Súmula 362 do C. STJ.

12. A cobrança de juros na fase de construção está prevista expressamente no contrato firmado, tendo sido livremente pactuada e não tendo os autores demonstrado eventual abusividade na sua cobrança. O Superior Tribunal de Justiça tem decidido pela legalidade da exigência de pagamento de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel.

13. Considerando que o recurso da CEF foi interposto sob a égide do CPC/1973, deixo de aplicar o artigo 85 do Novo Código de Processo Civil, porquanto as partes não podem ser surpreendidas com a imposição de condenação não prevista no momento em que recorreram, sob pena de afronta ao princípio da segurança jurídica. Enunciado Administrativo nº 7 do Superior Tribunal de Justiça.

14. O recurso de apelação das corrés MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A e CAMPO COLORATO INCORPORAÇÕES SPE LTDA., foi interposto já na vigência do CPC/2015, sendo cabível, portanto, o arbitramento de honorários recursais.

15. Apelação da CEF provida. Apelação da MRV e CAMPO COLORATO parcialmente provida.”

(ApCiv 0007433-69.2014.4.03.6103, Rel. Des. Federal Hélio Nogueira, j. em 23/4/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA: 6/5/2019, grifos nossos)

 

Por esse motivo, feito sopesamento capaz de assegurar às partes o necessário equilíbrio contratual, deve ser mantido o prazo de 24 meses estabelecido no item 7.1 do contrato celebrado com a construtora, contado a partir da data de assinatura do mesmo (18/11/2020), acrescido do prazo de tolerância de 180 dias.

Nesse cenário, a entrega do imóvel para a agravante, já considerado o prazo de tolerância, deveria ocorrer até maio de 2023, período há muito expirado.

Salienta-se que, na hipótese de ambiguidade ou contradição nas cláusulas contratuais, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente, entendimento que decorre tanto do art. 47 do Código de Defesa do Consumidor, como do art. 423 do Código Civil, que assim dispõe:

"Quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente."

Ainda que se diga não se tratar de contradição entre cláusulas do mesmo contrato, mas entre contratos distintos, nada autoriza presumir – muito pelo contrário – que o contrato de financiamento teria feito alterar aquele firmado com a construtora, que é, efetivamente, quem assumiu a obrigação de entrega do imóvel e tem a capacidade e o poder para tanto. Assim, sem outras informações atualizadas referentes ao andamento da obra, conclui-se ter havido atraso na entrega do imóvel, nos termos do contrato firmado com a construtora.

Por sua vez, embora a construtora tenha enviado ao agravante comunicado esclarecendo os motivos do atraso na entrega da obra e indicando novo prazo de entrega, não há prova da anuência da autora, ora agravante, ao referido informe (ID 294335463).

Com referência à novação do prazo para a entrega do imóvel sem que haja anuência do comprador a respeito, o Superior Tribunal de Justiça, possui entendimento, nos termos do já citado Tema n. 996, no sentido de que: “1.1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entregado imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância” (grifos meus).

A esse respeito, cabe asseverar que de forma alguma pode-se admitir “a tese de que o contrato permitia a dilação do prazo, porque a cláusula interpretada como tal coloca o consumidor em posição de extrema desvantagem, uma vez que permite a prorrogação dos prazos por tempo indefinido, e a critério da construtora e da instituição financeira responsável pelo financiamento” (Ag.em REsp nº 1673846-SP; Rel. Min. Marco Buzzi, j. 30.06.2020; Dje/STJ nº 2963 de 03/08/2020).

Desse modo, em análise sumária, não há como considerar válido o aludido “Termo de Anuência”.

Nesse sentido, o julgado do STJ, in verbis:

"RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS.

1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa,

Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes: 1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância. 1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta

ao adquirente da unidade autônoma. 1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância. 1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

2. Recursos especiais desprovidos."

(Segunda Seção, REsp 1.729.593/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 11/9/2019, DJe de 27/9/2019, grifos nossos)

Da mesma forma, transcrevo julgado da Primeira Turma desta Corte:

"APELAÇÕES. CIVIL. FINANCIAMENTO PARA CONSTRUÇÃO. CONTRATO DE MÚTUO, COMPRA E VENDA, EMPREITADA. LEGITIMIDADE DA CEF. ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MATERIAIS PRESUMIDOS. RECURSOS IMPROVIDOS.

1. Com o ajuizamento da ação, pretende a parte Autora a condenação das corrés à indenização por danos materiais, sob o fundamento de atraso na conclusão e entrega de imóvel financiado.

2. O pleito exposto na inicial sugere a incidência, em tese, do art. 395, parágrafo único do CC, segundo o qual se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la e exigir a satisfação das perdas e danos, bem como o teor do art. 475 do CC, que prevê que a parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos. Vislumbra-se, ainda, a incidência do teor do art. 389 do CC ao prever que, não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. E também o art. 624 do CC, ao determinar que, suspensa a execução da empreitada sem justa causa, responde o empreiteiro por perdas e danos.

3. No âmbito da legislação consumerista, o art. 3° do CDC trata como fornecedor a pessoa física ou jurídica que desenvolve atividade de construção. A CEF, enquanto pessoa jurídica pública nacional que presta serviços de natureza bancária, financeira e de crédito mediante remuneração no mercado de consumo, enquadra-se no conceito de fornecedora do art. 3º, caput e § 2º do CDC.  A jurisprudência dos egrégios Supremo Tribunal Federal (ADI 2591) e do Superior Tribunal de Justiça (Súmula nº 297) é pacífica na conclusão de que o Código de Defesa do Consumidor aplica-se aos contratos de mútuo bancário.

4. Na hipótese de uma relação de consumo triangular em que o adquirente e mutuário compra o imóvel do vendedor ou construtor, mas sua obrigação principal tem como credora uma instituição financeira, ao se constatar a configuração de conduta lesiva da construtora, não há dúvidas de que os atos em questão podem repercutir no patrimônio da instituição financeira independentemente de culpa.

5. No caso dos autos, qualquer que seja o prazo considerado, as obras não foram concluídas tempestivamente, e não há previsão de data para a conclusão. Não houve a comprovação de caso fortuito ou força maior a justificar qualquer prorrogação, enquanto a CEF demorou a reconhecer a configuração de sinistro que justificaria a mobilização de outra construtora para terminar os serviços contratados.

6. É patente o inadimplemento da CEF. É certo que a construtora não logrou concluir a obra no prazo avençado. Quanto à CEF, no entanto, resta inequívoca a sua obrigação contratual de fiscalizar a obra para fins de liberar os recursos necessários à construção. Considerando a natureza do empreendimento, a relação de consumo triangular configurada, bem como a evidente disparidade entre a capacidade técnica e econômica entre a CEF e parte Autora para exigir da construtora o cumprimento da obrigação, a responsabilidade da CEF resta configurada. Não suficiente, era sua obrigação atestar eventual necessidade de prorrogar o prazo por força maior ou caso fortuito, além de mobilizar o seguro contratado em tempo hábil para não gerar danos aos adquirentes. Não há que se falar, portanto, que a responsabilidade solidária não se presume na hipótese em comento.

7. Observe-se, outrossim, que do contrato entabulado com a CEF há disposição clara, no sentido de que “os valores remanescentes seriam destinados à construção e creditados em parcelas mensais na proporção do andamento das obras” (cláusula 2.1), que “os recursos da conta vinculada do FGTS, quando utilizados para composição do valor do imóvel, serão creditados em conta vinculada ao empreendimento, de acordo com o andamento das obras” (cláusula 3), contrato que ainda faz referência ao prazo do término da construção (cláusula 4.9), atraso no cumprimento do prazo (cláusula 4.11), além de fazer referência ao acompanhamento da obra pela Engenharia da Caixa (cláusula 4.14.1), restando inequívoca a responsabilidade da CEF pelo acompanhamento e fiscalização da obra, nos termos do contrato.

8. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial pelo rito do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas enfatizou, entre outras teses, que na hipótese de atraso na conclusão da obra em financiamentos para construção de imóvel no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, o dano material é presumido.

9. Observe-se, também, que não há que se falar em dilação de prazo para entrega do imóvel por novação, consignando-se que, em julgamento do tema repetitivo 996, o Superior Tribunal de Justiça é claro no sentido de que “na aquisição de unidades autônomas futuras, financiadas na forma associativa, o contrato deverá estabelecer de forma expressa, clara e inteligível, o prazo certo para a formação do grupo de adquirentes e para a entrega do imóvel”.

10. Tenha-se em vista de que o prazo para a conclusão da obra era de 20 de agosto de 2018, sendo certo que o ajuizamento da presente ação se deu em 12 de julho de 2021, ou seja, quase três anos após o prazo final para o cumprimento do avençado, sem que haja sequer previsão para seu cumprimento, consignando-se que o contrato de financiamento não exonera a construtora de sua responsabilidade contratual.

11. Veja-se, assim, que o contrato avençado com a CEF fala em prazo de 36 meses para a construção (cláusula B.7), não estando, em qualquer hipótese, descrito o termo inicial, devendo, portanto, valer o prazo do contrato estabelecido entre a construtora e a parte autora.

12. Apelações improvidas."

(ApCiv 5001921-80.2021.4.03.6133, Rel. Des. Federal Valdeci dos Santos, j. em 25/11/2022, DJe de 29/11/2022, grifos nossos)

 

Ante o exposto, defiro a antecipação da tutela recursal para suspender a cobrança das parcelas vincendas dos contratos sub judice e determinar que as agravadas não incluam o nome da agravante nos órgãos de proteção ao crédito. Comunique-se. Dê-se ciência. Nos termos do art. 1.019, inc. II, do CPC, intime-se a parte agravada para apresentar resposta.”

 

Considerando que nenhuma das partes trouxe aos autos qualquer argumento apto a infirmar o entendimento acima manifestado e por reputar que os fundamentos outrora lançados apresentam-se suficientes à solução da controvérsia neste grau recursal, adoto as mesmas razões de decidir.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento.

É o meu voto.

 

Herbert de Bruyn

Desembargador Federal Relator



E M E N T A

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. SFH. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE TERRENO E MÚTUO PARA CONSTRUÇÃO DE UNIDADE HABITACIONAL VINCULADA AO EMPREENDIMENTO, EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. ATRASO NA CONCLUSÃO DA OBRA E ENTREGA DO IMÓVEL. SUSPENSÃO DE PAGAMENTO DAS PARCELAS VINCENDAS. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. Cinge-se, a controvérsia, a aferir se houve atraso injustificável na entrega do imóvel, a acarretar a suspensão das cobranças das parcelas vincendas dos contratos de compra e venda e de mútuo habitacional firmados com as agravadas, bem como a não inclusão do nome da parte agravante nos órgãos de proteção ao crédito.

2. Consoante a tese firmada no Tema 996 do STJ, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.  “O fato, portanto, de o contrato ser regido por regras de crédito associativo, a meu sentir, não pode ser utilizado como argumento para justificar a estipulação de prazo alternativo e aberto à conclusão da obra” (Segunda Seção, REsp 1.729.593/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. em 25/9/2019, DJe de 27/9/2019).

3. No caso, o contrato de compromisso de compra e venda firmado entre a parte agravante e a empresa Residencial Vila São José II SPE Ltda. vinculou o prazo de entrega do imóvel à data de assinatura do contrato de financiamento com a CEF. Assim, nos termos do Tema 996 do STJ, a referida cláusula é nitidamente abusiva e não deve ser considerada a fim de estabelecer o termo a quo da fluência do prazo de entrega do imóvel.

4. Feito sopesamento capaz de assegurar às partes o necessário equilíbrio contratual, deve ser mantido o prazo de 24 meses para entrega da unidade habitacional sub judice, estabelecido no contrato celebrado com a construtora, contado a partir da data da sua assinatura (18/11/2020), acrescido do prazo de tolerância de 180 dias, período expirado em maio de 2023.

5. Agravo de instrumento provido.

 


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Primeira Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
HERBERT DE BRUYN
Desembargador Federal