APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000146-62.2023.4.03.6132
RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN
APELANTE: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA
Advogado do(a) APELANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A
APELADO: BETANIA MACHADO DA SILVA, BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO
Advogado do(a) APELADO: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A
Advogado do(a) APELADO: MAITE PINHEIRO MACHADO FURTADO - PR100135-A
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE AVARÉ/SP - 1ª VARA FEDERAL
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000146-62.2023.4.03.6132 RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN APELANTE: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) APELANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A APELADO: BETANIA MACHADO DA SILVA, BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO Advogado do(a) APELADO: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado por Betania Machado da Silva contra ato do Presidente do FNDE e do Presidente do Banco do Brasil. Entende fazer jus ao abatimento mensal de 1% do saldo devedor do financiamento estudantil desde 02/2021 até a extinção do vínculo com a Unidade de Saúde vinculada ao programa Estratégica Saúde da Família (ESF) e à suspensão das parcelas mensais enquanto perdurarem as condições necessárias ao abatimento, nos termos do artigo 6º-B da LEI Nº 10.260/01, com o consequente recálculo do saldo devedor com os parâmetros ora adotados. Foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela para determinar às autoridades impetradas a imediata suspensão da cobrança das parcelas mensais do financiamento a partir de 06/2023 (junho de 2023), no prazo de 15 dias. Houve a juntada de documentos comprobatórios da efetiva realização dos serviços prestados. A ordem foi concedida. O FNDE apelou, aduzindo a sua ilegitimidade passiva, uma vez que a atribuição para concessão do abatimento pertence ao Ministério da Saúde. Sustenta a) estar a concessão do abatimento de 1% do saldo devedor aos médicos condicionada à aferição, pelo Ministério da Saúde, das exigências descritas na Portaria MS n. 1.377, de 13/6/11; b) não haver sido notificado o FNDE, por meio do sistema FiesMed, onde os requerimentos de abatimento são formalizados, sendo de responsabilidade do agente financeiro contratante a implantação do benefício; c) a ausência de requerimento da parte autora junto ao Ministério da Saúde; d) que deve ser computado o período de emergência sanitária decorrente da COVID-19, nos termos da vigência do Decreto Legislativo n. 6/2020, de 20/3/20 a 31/12/20. Pugnou pela reforma do julgado. Apelou também o Banco do Brasil pleiteando, em síntese, efeito suspensivo à apelação, o reconhecimento da sua ilegitimidade passiva ad causam, o indeferimento da antecipação da tutela, a legalidade dos procedimentos adotados, sendo responsável apenas pelo correto aferimento dos dados cadastrais e da operacionalização do contrato de financiamento estudantil, de acordo com as condições estabelecidas pelo FIES e ausência de direito líquido e certo. Aduziu, ainda, que o local de atuação da parte não consta na Portaria Conjunta SGTES/SAS nº 3, de 19 de fevereiro de 2013 e não há nenhum documento nos autos que indique que o Posto é localizada em setor censitário ou que componha os 20% mais pobres do município. O Ministério Público Federal manifestou-se pela ausência de interesse, pugnando pelo regular prosseguimento do feito. Com contrarrazões, e submetida a sentença ao reexame necessário, subiram os autos a esta Corte. É o relatório.
Advogado do(a) APELADO: MAITE PINHEIRO MACHADO FURTADO - PR100135-A
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5000146-62.2023.4.03.6132 RELATOR: Gab. 41 - DES. FED. HERBERT DE BRUYN APELANTE: FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO, BANCO DO BRASIL SA Advogado do(a) APELANTE: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A APELADO: BETANIA MACHADO DA SILVA, BANCO DO BRASIL SA, FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCACAO Advogado do(a) APELADO: GIZA HELENA COELHO - SP166349-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O Senhor Desembargador Federal Herbert de Bruyn (Relator): Destaco, inicialmente, que a apelação em mandado de segurança possui efeito devolutivo, dada a natureza da ordem mandamental, com a possibilidade de execução imediata da sentença (art. 14, §3º, da Lei n. 12.016/2009). Apenas excepcionalmente admite-se a atribuição de efeito suspensivo ao recurso, na hipótese de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, hipóteses não demonstradas pelo Banco do Brasil. Afasto a alegada ilegitimidade do FNDE, tendo em vista que no contrato do FIES, figura como agente operador dos ativos e passivos, juntamente com a União, sendo a instituição bancária o agente financeiro do referido fundo. Compete ao Ministério da Saúde (União) a análise dos requerimentos administrativos de carência estendida e abatimento de 1% do saldo devedor do contrato. Uma vez observado o cumprimento dos requisitos legais, as informações dos solicitantes devem ser encaminhadas por aquele Ministério ao FNDE, responsável pela implementação do benefício, o qual, por sua vez, comunicará o agente financeiro, para proceder aos cálculos devidos e viabilizar o abatimento. Rejeito, também, a alegação de ilegitimidade do Banco do Brasil para figurar no polo passivo, pois foi contratado como agente operador do FIES, nos termos do artigo 3º, inciso II, da Lei nº 10.260/2001. Ademais, na condição de gestor financeiro do contrato e havendo o reconhecimento do direito vindicado nos autos, será o responsável pela suspensão da cobrança das parcelas mensais do FIES, operacionalizando o cálculo das prestações e a sua conclusão. O FNDE, por sua vez, em sede de apelação, afirmou que abatimento de 1% aos médicos e profissionais que trabalharam no SUS durante o período de vigência da emergência sanitária decorrente da pandemia da Covid-19, deve se dar dentro do período de vigência da emergência sanitária, conforme o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Tratando-se de matéria estranha aos autos, não conheço do recurso na parte que se encontra dissociada dos fundamentos da sentença. Nesse sentido, merece destaque o julgado abaixo: “PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. RAZÕES DISSOCIADAS. RECURSO NÃO CONHECIDO. 1. As alegações trazidas pelos apelantes estão totalmente divorciadas do conteúdo da sentença recorrida, sendo certo que as razões recursais devem invocar argumentos condizentes com o conteúdo desta. 2. Recurso não conhecido, por trazer razões dissociadas da sentença recorrida.” (TRF-3ª Região, ApCiv 5001961-97.2017.4.03.6102, Primeira Turma, Rel. Hélio Nogueira, j. 12/05/2020, v.u., DJE 29/05/2020) Passo, então, ao exame do mérito. A Constituição Federal, no art. 205, preceitua o direito à educação, em todos os níveis de ensino, como direito fundamental de todos, reconhecido como dever do Estado e da família, a ser promovido e incentivado com a colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Considerando as dificuldades enfrentadas por aqueles que almejam inclusão, foi criado o Fundo de Financiamento Estudantil – FIES, para viabilizar o acesso ao ensino não gratuito, sob controle do Ministério da Educação, destinado a financiar a graduação no ensino superior de estudantes regularmente matriculados em instituições privadas, mediante comprovação da ausência de recursos familiares e de avaliação positiva em processos de seleção realizados por órgãos estatais. Preenchidos os requisitos, formaliza-se um contrato entre o estudante interessado e o agente financeiro do programa, figurando como interveniente, a instituição de ensino superior. O programa governamental FIES encontra-se disciplinado na Lei n. 10.260/2001, alterada por sucessivas legislações, e em atos normativos editados pelo Ministério da Educação e pelo Conselho Monetário Nacional. A Lei n. 10.260/2001 e suas atualizações, assim estabelecem: "Art. 6o-B. O Fies poderá abater, na forma do regulamento, mensalmente, 1,00% (um inteiro por cento) do saldo devedor consolidado, incluídos os juros devidos no período e independentemente da data de contratação do financiamento, dos estudantes que exercerem as seguintes profissões: (Incluído pela Lei nº 12.202, de 2010) (...) II - médico integrante de equipe de saúde da família oficialmente cadastrada ou médico militar das Forças Armadas, com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldade de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.366, de 2016) (...) § 4º O abatimento mensal referido no caput deste artigo será operacionalizado anualmente pelo agente operador do Fies, vedado o primeiro abatimento em prazo inferior: (Redação dada pela Lei nº 14.024, de 2020) I - a 1 (um) ano de trabalho, para o caso dos incisos I e II do caput deste artigo; (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020) II - a 6 (seis) meses de trabalho, para o caso do inciso III do caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020) § 5o No período em que obtiverem o abatimento do saldo devedor, na forma do caput, os estudantes ficam desobrigados da amortização de que trata o inciso V do caput do art. 5o.(Incluído pela Lei nº 12.202, de 2010) (...) § 7o Somente farão jus ao abatimento mensal referido no caput deste artigo os financiamentos contratados até o segundo semestre de 2017. (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017) (...) Art. 6º-F O Fies poderá abater mensalmente, na forma a ser estabelecida em regulamento, nos termos do que for aprovado pelo CG-Fies, 1% (um por cento) do saldo devedor consolidado, incluídos os juros devidos no período e independentemente da data de contratação do financiamento, dos estudantes de que tratam o inciso I do caput e o § 2º do art. 6º-B desta Lei e até 50% (cinquenta por cento) do valor mensal devido pelo financiado pelo Fies dos estudantes de que tratam os incisos II e III do caput do art. 6º-B desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 14.024, de 2020) § 1º O abatimento mensal referido no caput deste artigo será operacionalizado anualmente pelo agente operador do Fies, vedado o primeiro abatimento em prazo inferior: (Redação dada pela Lei nº 14.024, de 2020) I - a 1 (um) ano de trabalho, nos casos estabelecidos nos incisos I e II do caput do art. 6º-B desta Lei; (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020) II - a 6 (seis) meses de trabalho, no caso estabelecido no inciso III do caput do art. 6º-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.024, de 2020) (...) § 3o Somente farão jus ao abatimento mensal de que trata o caput deste artigo os financiamentos contratados a partir do primeiro semestre de 2018. (Incluído pela Lei nº 13.530, de 2017)" (grifos meus) Assim, para os contratos de financiamento celebrados até o segundo semestre de 2017, deve ser aplicado o disposto no art. 6º-B da Lei n. 10.260/2001 e, para os financiamentos contratados a partir do 1º semestre de 2018, deve ser observada a regra do art. 6º-F da mesma legislação do FIES. Destaco que a Portaria Conjunta nº 03/2013 do Ministério da Saúde define quais são as áreas e regiões prioritárias com carência e dificuldade de retenção de médicos. Nos termos da referida Portaria, tem-se que: Art. 2º Para fins do disposto no parágrafo único do art. 2º da Portaria nº 1.377/GM/MS, de 2011, alterada pela Portaria nº 203/GM/MS, de 8 de fevereiro de 2013, as áreas e regiões prioritárias com carência e dificuldade de retenção de profissional médico integrante de Equipe de Saúde da Família (ESF) oficialmente cadastrada são as constantes do Anexo I desta Portaria. § 1º A definição das áreas e regiões prioritárias de que trata o "caput" foi realizada considerando-se os seguintes critérios: I - percentual da população em extrema pobreza; e II - percentual da população residente na área rural. § 2º Excepcionalmente, médicos integrantes de ESF que atuam em áreas e regiões não relacionadas no Anexo I desta Portaria também poderão requerer o abatimento do FIES, desde que atuem em: I - modalidade de ESF que atende as populações quilombolas, ribeirinhas, indígenas e situadas em assentamentos, conforme cadastro no SCNES; ou II - ESF vinculada às Unidades Básicas de Saúde localizadas em setores censitários, e/ou que façam parte de seu território adstrito, que compõem os 20% (vinte por cento) mais pobres do Município, baseado nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a serem informadas pelos gestores municipais de saúde. § 3º As ESF de que trata este artigo devem estar cadastradas e com todos os dados atualizados no Sistema Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES). Consta ainda da Portaria nº 07/2013 do Ministério da Educação, que também regulamenta o disposto no art. 6º-B, da Lei nº 10.260: Art. 2º O estudante financiado pelo Fies poderá solicitar o abatimento referido no art. 1º, independentemente da data de contratação do financiamento, desde que tenha, no mínimo, 1 (um) ano de trabalho ininterrupto como: (...) II - médico em efetivo exercício com atuação em áreas e regiões com carência e dificuldades de retenção desse profissional, definidas como prioritárias pelo Ministério da Saúde, na forma do regulamento, e integre: a) equipe de saúde da família oficialmente cadastrada no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde - CNES, cumprindo jornada de trabalho de 40 horas semanais, conforme diretrizes da Política Nacional de Atenção Básica - PNAB, Portaria GM/MS nº 2.488, de 21 de outubro de 2011; (...) Art. 3º O saldo devedor do financiamento, incluídos os juros e demais encargos financeiros devidos no período, será consolidado: § 3º Na fase de amortização do financiamento, atendido o disposto nesta Portaria, e enquanto o estudante financiado fizer jus à concessão do abatimento: I - não incidirão juros e encargos financeiros sobre o saldo devedor do financiamento; e II - ficará desobrigado de pagar a prestação do financiamento. Dessa forma, terá direito ao abatimento mensal de 1% do saldo devedor consolidado, ou de até 50% do valor mensal devido pelo financiado pelo FIES, aquele que preencher os seguintes requisitos: a) ser médico, enfermeiro ou profissional de saúde com a devida inscrição no Conselho Regional respectivo; b) integrar equipe de saúde da família em área definida como prioritária ou compor equipe que se enquadre nas hipóteses do inciso I ou II do art. 2°, § 2° da Portaria Conjunta nº.3; c) mínimo de 1 ano de trabalho para o primeiro abatimento, no caso estabelecido no inciso II do caput do art. 6º-B ou art. 6º-F da Lei n. 10260/2001; d) cumprir jornada de trabalho de 40 horas semanais, conforme art. 2º, II, a, da Portaria 07/2013, de 26/04/2013. Análise do caso concreto A impetrante celebrou com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, em 13.03.2015, contrato de abertura de crédito para o financiamento do ensino superior n. 186.906.149 (ID 279801695), graduando-se em Medicina e devidamente habilitada no CRM/SP sob n. 219.226 desde 28/01/2021. Postula o direito ao abatimento mensal de 1% do saldo devedor do financiamento, desde 02/21 (já somados 25 meses), até a extinção de seu vínculo com ESF, na forma do art. 6º-B da Lei 10260/01, com o consequente recálculo do saldo devedor e com o novo cronograma de amortização com os valores atualizados. Conforme declaração acostada aos autos (ID 279801696), emitida pela Coordenadora Municipal de Saúde do município de Taquarituba – SP, a impetrante atuou, dentro do município de Taquarituba-SP, como médica de Unidade de Saúde vinculada ao programa Estratégia da Saúde da Família, CBO 225142, na Unidade de Saúde CNES nº 2091941, código IBGE 3553807, no estabelecimento “ESTRATEGIA SAÚDE DA FAMÍLIA POSTO VII.A SÃO VICENTE”, com dificuldade de retenção de profissionais, exercendo carga horária de 40 horas semanais, com vínculo firmado em 02/2021. A unidade, ora mencionada, faz parte do setor censitário que compõe os 20% mais pobres do Município, baseado nos dados do IBGE, conforme Portaria Conjunta n. 3, de 19 de fevereiro de 2013. A impetrante junta, ainda, histórico profissional, com o número CNES, comprovando sua atuação como médica da estratégia de saúde da família no Posto Vila São Vicente, durante o período de 02/2021 a 01/2023 (ID 279801697). Ademais, afirma na inicial que solicitou junto ao programa FIESMED o benefício, mas o sistema demonstrou falha. Aduz, ainda, que tentou contactar o FIES, através dos meios disponíveis, mas sem sucesso (ID 279801698). Ainda que assim não fosse, esta Corte reconhece que a exigência de requerimento administrativo anterior à ação, ofende o princípio da inafastabilidade da jurisdição, conforme se extrai do seguinte entendimento: DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FIES. LEGIMITIDADE PASSIVA DO FNDE. INTERESSE DE AGIR. ESTUDANTE DE MEDICINA. RESIDÊNCIA MÉDICA EM ÁREA DEFINIDA COMO ESPECIALIDADE MÉDICA PRIORITÁRIA. DIREITO LÍQUIDO E CERTO À PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE CARÊNCIA DO FINANCIAMENTO ESTUDANTIL POR TODO O PERÍODO DE DURAÇÃO DA RESIDÊNCIA MÉDICA. ART. 6º-B, § 3º DA LEI N° 10.260/2001. APELAÇÕES E REEXAME NECESSÁRIO NÃO PROVIDOS. 1. No caso dos autos, pretende a impetrante a concessão da segurança para se assegurar o seu direito à prorrogação do período de carência para pagamento de valores devidos por força de contrato de financiamento estudantil - FIES até o término do seu período de residência médica, de sorte que tais pagamentos só passem a ser devidos depois desta data. 2. Afastada a alegação de ilegitimidade passiva aventada pelo FNDE, uma vez que se trata do agente operador do programa e administrador de seus ativos e passivos, nos termos do art. 3°, inciso II da Lei n° 10.260/2001 (na redação anterior à Lei n° 13.530/2017), sendo certo que eventual julgamento de procedência do pedido terá impacto direto no fundo governamental. 3. O direito de ação da parte impetrante não se condiciona a prévio requerimento administrativo dirigido ao Ministério da Saúde, ante a inafastabilidade da jurisdição (Constituição Federal, art. 5°, XXXV). Rejeitada a preliminar de ausência de interesse de agir. 4. Em se tratando de estudante de medicina que frequenta programa de residência médica na área de ginecologia e obstetrícia, definida como especialidade médica prioritária pela Portaria Conjunta n° 2, de 25 de agosto de 2011, de sorte que se tem por demonstrado o direito líquido e certo da impetrante à extensão do período de carência para pagamento de valores atinentes ao contrato FIES por todo o período de duração da residência médica, nos termos do art. 6º-B, § 3° da Lei n° 10.260/2001 (fls. 13 e 111). 5. Afastada a alegação recursal de que seria necessário que, cumulativamente, estivesse a impetrante a estudar em município considerado prioritário por ato do Ministério da Saúde por não se tratar de requisito legal para a benesse pretendida pela parte, não sendo possível que tal exigência seja criada por mera disposição regulamentar. 6. Apelações e reexame necessário não providos. (ApelRemNec n. 0010906-65.2016.4.03.6112, Primeira Turma, Rel. Des. Federal Wilson Zauhy, j. 18/06/2019, e-DJF3 Judicial 26/06/2019, grifos nossos) Portanto, a impetrante fez prova de que exerceu a profissão de médica de saúde da família por período superior a um ano, com carga horária de 40 horas semanais, no município de Taquarituba/SP, o qual se insere na exceção do art. 2º, §2º, inc. II, da Portaria Conjunta SGTES/SAS nº.3. No que tange à suspensão do pagamento das parcelas referentes ao contrato de financiamento, a parte terá direito ao referido benefício enquanto permanecer atuando no programa de equipe de saúde da família, bem como ao abatimento do saldo devedor, nos termos do art. 6º-B, § 5º da Lei 10.260/2001 e do art. 3º, § 3º da Portaria Normativa nº 07/2013 do Ministério da Educação. Neste sentido, merece destaque o julgado abaixo desta Corte: “FINANCIAMENTO ESTUDANTIL – FIES. LEGITIMIDADE PASSIVA. FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO E BANCO DO BRASIL. ABATIMENTO MENSAL DO SALDO DEVEDOR. MÉDICO INTEGRANTE DE EQUIPE DA SAÚDE DA FAMÍLIA. SUSPENSÃO DA AMORTIZAÇÃO DO CONTRATO. APELAÇÃO DESPROVIDA. - A presente demanda diz respeito ao benefício de abatimento da dívida do financiamento estudantil no importe de 1% ao mês, mais especificamente em relação ao médico integrante de equipe de saúde da família, bem como à suspensão da cobrança das prestações no período de abatimento do saldo devedor. - Rejeito a arguição de ilegitimidade passiva do FNDE, porquanto é o administrador dos ativos e passivos do FIES, conforme disciplina da Lei nº 10.260/2001. - Rejeito a arguição de ilegitimidade da instituição financeira. O Banco do Brasil atua como agente financeiro responsável pela formalização e aditamento dos contratos de financiamento, arrecadação e repasse dos valores, integrando a cadeia contratual. - Compulsando os autos, verifico que a parte autora atua exercendo a profissão em unidade de estratégia saúde da família, laborando no município de Sales Oliveira desde fevereiro de 2019 e com carga horária de 40 horas de trabalho. - A declaração do gestor municipal atestou que a ESF está vinculada às unidades básicas de saúde localizadas em setores censitários e/ou que façam parte de seu território adstrito, compondo os 20% mais pobres do município. No presente caso, há incidência da regra do art. 2º, § 2º, II da Portaria Conjunta nº 03/2013. - Enquanto perdurar a atuação em programa de equipe de saúde da família e o abatimento do saldo devedor, a parte faz jus à suspensão do pagamento das parcelas referentes ao contrato de financiamento. - Preliminares rejeitadas. Apelações desprovidas.” (AC n. 5027739-02.2022.4.03.6100, 2ª Turma, Rel. Des. Federal Renata Lotufo, j. 7/12/2023, DJEN 13/12/2023, grifos nossos) Nesse sentido, resta configurado o direito líquido e certo da impetrante ao abatimento de encargos contratuais e a extensão do período de carência para pagamento de valores atinentes ao FIES, conforme pleiteado. Diante o exposto, rejeito a matéria preliminar, conheço parcialmente da apelação do FNDE e, na parte conhecido, nego-lhe provimento, e nego provimento à apelação do Banco do Brasil e à remessa oficial. É o meu voto. Herbert de Bruyn Desembargador Federal Relator
Advogado do(a) APELADO: MAITE PINHEIRO MACHADO FURTADO - PR100135-A
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. FIES. LEGITIMIDADE PASSIVA. FNDE e BANCO DO BRASIL. ABATIMENTO MENSAL DE 1% DO SALDO DEVEDOR. MÉDICA INTEGRANTE DE EQUIPE DA SAÚDE DA FAMÍLIA. SUSPENSÃO DA AMORTIZAÇÃO DO CONTRATO. POSSIBILIDADE. ART. 6º-B, INC. II, DA LEI N. 10.260/2001. PORTARIA CONJUNTA Nº 03/2013 DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.
1-O FNDE é parte legítima, tendo em vista que, no contrato do FIES, figura como agente operador e administrador dos ativos e passivos, juntamente com a União, sendo a instituição bancária o agente financeiro do referido fundo.
2- O Banco do Brasil é parte legítima, pois foi contratado como agente operador do FIES, nos termos do artigo 3º, inciso II, da Lei nº 10.260/2001, além de ser gestor financeiro do contrato. Havendo o reconhecimento do direito vindicado nos autos, será o responsável pela suspensão da cobrança das parcelas mensais do FIES, operacionalizando o cálculo das prestações e a sua conclusão.
3- Terá direito ao abatimento mensal de 1% do saldo devedor consolidado do contrato FIES aquele que preencher os seguintes requisitos: a) ser médico, enfermeiro ou profissional de saúde com a devida inscrição no Conselho Regional respectivo; b) integrar equipe de saúde da família em área definida como prioritária ou compor equipe que se enquadre nas hipóteses do inciso I ou II do art. 2°, § 2° da Portaria Conjunta nº.3; c) mínimo de 1 ano de trabalho para o primeiro abatimento, no caso estabelecido no inciso II do caput do art. 6º-B ou art. 6º-F da Lei n. 10260/2001; d) cumprir jornada de trabalho de 40 horas semanais, conforme art. 2°, II, a, da Portaria nº 07/2013, de 26/04/2013.
4- A Portaria Conjunta nº 03/2013 do Ministério da Saúde prevê, ainda que excepcionalmente, que os médicos integrantes de ESF e que atuam em áreas e regiões não relacionadas no Anexo I da referida Portaria também podem requerer o abatimento do FIES, desde que atuem em Equipes de Saúde da Família vinculadas às Unidades Básicas de Saúde localizadas em setores censitários, e/ou que façam parte de seu território adstrito, que compõem os 20% (vinte por cento) mais pobres do Município, baseado nos dados do IBGE, a serem informados pelos gestores municipais de saúde.
5- No que tange à suspensão do pagamento das parcelas referentes ao contrato de financiamento, a parte terá direito ao referido benefício enquanto perdurar a sua atuação em programa de equipe de saúde da família, bem como ao abatimento do saldo devedor, nos termos do art. 6º-B, § 5º da Lei 10.260/2001 e do art. 3º, §3º, da Portaria Normativa nº 07/2013 do Ministério da Educação.
6- A impetrante fez prova de que exerceu a profissão de médica em unidade de saúde vinculada ao programa estratégia saúde da família, laborando em Unidade Básica de Saúde localizada em setor censitário, que compõe os 20% (vinte por cento) mais pobres do Município, nos termos do art. 6.º-B, inciso II, da Lei n. 10.260/2001 e artigo 2º, §2º, inciso II da Portaria Conjunta SGTES/SAS nº.3.
7- Matéria preliminar rejeitada. Apelação do FNDE parcialmente conhecida e não provida. Apelação do Banco do Brasil e Remessa Oficial não providas.