APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000078-27.2017.4.03.6002
RELATOR: Gab. 03 - DES. FED. COTRIM GUIMARÃES
APELANTE: JOAO EZEQUIEL DE MELO NETO, EDSON FRANCISCO DA SILVA, LUIS PAULO FAUSTINO SANTOS SOUZA, JEMIMA FAUSTINA DOS SANTOS SOUZA
Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE MALDONADO DAL MAS - SP108346-A
APELADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO, COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000078-27.2017.4.03.6002 RELATOR: Gab. 03 - JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VERA COSTA APELANTE: JOAO EZEQUIEL DE MELO NETO, EDSON FRANCISCO DA SILVA, LUIS PAULO FAUSTINO SANTOS SOUZA, JEMIMA FAUSTINA DOS SANTOS SOUZA Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE MALDONADO DAL MAS - SP108346-A R E L A T Ó R I O A Exma. Juíza Federal VERA COSTA (Relatora): Trata-se de ação de reparação de danos morais e materiais ajuizada em face da FUNAI e contra a Comunidade Indígena Itaguá em razão de ocupação da Fazenda Novilho. Foi proferida sentença de improcedência do pedido, com fundamento na ausência de nexo de causalidade entre a conduta da FUNAI e os prejuízos narrados na inicial. A sentença foi anulada por este Tribunal que deu parcial provimento ao recurso, reconhecendo o julgamento citra petita da decisão e devolvendo os autos ao juízo a quo, para análise da responsabilidade passiva da Comunidade Indígena Itaguá. Proferida nova sentença, foi reconhecida a ilegitimidade passiva da Comunidade Indígena extinguindo o feito sem julgamento de mérito com relação a esta. Apelaram os autores alegando, em suma que: (1) continua vigente o regime tutelar previsto no Estatuto do Índio, cabendo à FUNAI a tutela do povo indígena; (2) há nexo de causalidade entre os danos alegados e a conduta da FUNAI, na medida em que o regime tutelar a que os indígenas estão submetidos implica para a FUNAI a responsabilidade por danos causados por eles e, também, por haver omissão da Fundação em mitigar o litígio no campo e em demarcar terras adequadas aos indígenas; (3) há legitimidade passiva da Comunidade Indígena Itaguá para figurar no polo passivo da ação pois, de outro modo, "jamais um índio ou uma comunidade indígena se sujeitarão aos desígnios do Judiciário"; (4) "a declaração de incapacidade processual por não observação da necessária representação da comunidade indígena não pode servir para brecar o andamento e a análise de mérito da ação, se os apelantes não podem interferir para a plena representação dos violentos invasores da área"; (5) estão presentes os requisitos exigidos nos artigos 186 e 927, CC, dado a comprovação dos danos sofridos, a conduta dos apelados (ativa dos indígenas e omissiva da FUNAI) e o nexo de causalidade entre o dano e a conduta. Houve contrarrazões da Comunidade Indígena Itaguá, por meio da Procuradoria Federal, e da FUNAI, com alegação desta de preclusão e ofensa à coisa julgada nos pedidos da presente apelação, que busca rediscutir matéria sobre a qual já houve trânsito em julgado. O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento da apelação. É o relatório.
APELADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO, COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5000078-27.2017.4.03.6002 RELATOR: Gab. 03 - JUÍZA FEDERAL CONVOCADA VERA COSTA APELANTE: JOAO EZEQUIEL DE MELO NETO, EDSON FRANCISCO DA SILVA, LUIS PAULO FAUSTINO SANTOS SOUZA, JEMIMA FAUSTINA DOS SANTOS SOUZA Advogado do(a) APELANTE: ALEXANDRE MALDONADO DAL MAS - SP108346-A V O T O A Exma. Juíza Federal VERA COSTA (Relatora): Trata-se de apelação diante da sentença proferida em ação de reparação de danos morais e materiais que julgou improcedente a ação em face da FUNAI, em razão de ocupação da Fazenda Novilho, e reconheceu a ilegitimidade passiva da Comunidade Indígena Itaguá. Durante o curso processual, o juízo de primeiro grau proferiu despacho indeferindo o pedido de produção de prova oral formulado pelos autores na petição de ID 5014886, "porquanto a parte não justificou a produção da prova, não apresentou rol de testemunhas, nem indicou sua pertinência" (ID. 122943317). Conclusos os autos, foi proferida sentença (ID. 122943322), de improcedência do pedido, com fundamento na ausência de nexo de causalidade entre a conduta da FUNAI e os prejuízos narrados pela parte autora. Insurgiram-se os autores contra essa decisão, em apelação em que aduziram a nulidade da sentença, por julgamento citra petita, por terem sido os pedidos apreciados apenas em relação a uma das corrés, e sustentaram a responsabilidade da autarquia pelos atos perpetrados pelos indígenas. Este Tribunal julgou o recurso provido em parte, reconhecendo, por um lado, o julgamento citra petita e, por outro, considerando descabida qualquer imputação de responsabilidade da FUNAI, como se vê do seguinte excerto do acórdão (ID. 175059973): "(...) Em suas razões recursais (ID 122943326), aduzem os apelantes, preliminarmente, a nulidade da r. sentença ora recorrida, de vez que consubstanciou pronunciamento judicial citra petita, já que os pedidos formulados na inicial foram apreciados, tão somente, em relação a uma das corrés – FUNAI, não havendo análise dos requerimentos no que tange à corré COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ. No mérito, sustenta a responsabilidade da FUNAI pelos atos perpetrados pelos indígenas, que estão sob a tutela da autarquia, além da existência de nexo de causalidade entre os danos sofridos pelos autores e a conduta dos silvícolas que invadiram a fazenda na qual trabalhavam os recorrentes. (...) Ante o exposto, no caso em análise, devem ser afastados quaisquer fundamentos que busquem atribuir responsabilização integral à FUNAI, por atos ilícitos praticados por índios, com supedâneo em um regime especial de tutela. Da prolação de sentença citra petita No caso concreto, em que pese a ausência de responsabilidade da FUNAI por eventuais atos ilícitos praticados pelos indígenas, nos termos acima expostos, impende registrar que a ação indenizatória foi ajuizada contra a FUNAI e também contra a COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ, que foi citada e está devidamente representada nos autos pela Procuradoria Federal. Nessa senda, observo, da leitura atenta da sentença, que a questão da ausência dos pressupostos ensejadores da responsabilidade civil foi analisada apenas em relação à corré FUNAI, deixando o magistrado sentenciante de examinar a presença ou não de tais requisitos no que concerne à corré COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ. (...) Por conseguinte, constatada a falta de análise acerca dos pressupostos da responsabilidade civil em relação à corré COMUNIDADE ITAGUÁ, impõe-se a anulação da sentença e o retorno dos autos à Vara de origem, para o pertinente exame da questão, sob pena de indevida supressão de instância." Nada obsta ressaltar, a propósito, que o que embasa o pedido de condenação da autarquia pelos apelantes não é a efetiva participação de agentes da Fundação na ocupação da Fazenda, e sim a alegação genérica de omissão e a tutela legal que esta exerceria sobre a comunidade indígena. Ocorre que a previsão da tutela exercida pela Funai no Estatuto do Índio não foi recepcionada pela CF/1988. A Carta Magna consagrou o princípio da alteridade e do pluralismo por meio dos seus artigos 231 e 232, os quais, respectivamente, reconhecem aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e reconhecem a legitimidade dos indígenas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, afastando, pois, a tutela e ingerência da Funai nesse âmbito. A propósito, nesse sentido já se posicionou o STJ, segundo o qual, no julgamento do REsp 1.650.730, asseverou que: "Assim, uma vez reconhecida a plena capacidade dos indígenas e a não recepção do instituto da tutela orfanológica prevista no Estatuto do Índio - ao mesmo tempo em que se reconhece a legitimidade ad causam para a propositura de demandas, por via de consequência, deve ser afastada a responsabilidade da FUNAI pelos atos que praticam. Assim, é certo que a FUNAI não possui, nem mesmo poderia ter, qualquer ingerência sobre as atitudes dos indígenas, que, como todo cidadão, possuem autodeterminação e livre arbítrio, sendo despida de fundamento jurídico a decisão judicial que impõe ao ente federal a responsabilidade objetiva pelos atos ilícitos praticados por aqueles. Tais decisões, pelas razões de índole constitucional expostas acima, vêm merecendo contundentes críticas da doutrina, como se percebe nas palavras de LUIZ FERNANDO VILLARES" (REsp 1.650.730/MS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 27/8/2019.) Dito isso, importante ressaltar que o acórdão (175059973), devolveu ao juízo de origem apenas o exame da questão relativa à responsabilidade da Comunidade Indígena, tendo, no mais, transitado em julgado, ante a ausência de interposição de recurso com relação à negativa de responsabilização à FUNAI, por atos ilícitos praticados por índios, com supedâneo em um regime especial de tutela, conforme certidão de trânsito em julgado ID. 193027803. Assim é que a segunda sentença (268407812), contra a qual o presente recurso se insurge, restringiu-se a analisar, a matéria devolvida, tendo reconhecido a ilegitimidade passiva da comunidade indígena (ID. 268407812): "Os autos retornaram a este juízo para análise da responsabilidade da COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ pelos danos descritos na petição inicial, em razão de invasão da Fazenda Novilho, tendo em vista que sentença anteriormente proferida limitou-se a analisar a responsabilidade civil da FUNAI nos eventos. Passo, portanto, à análise da situação da referida comunidade, preservada a anterior sentença no tocante à ausência de responsabilidade da FUNAI nos eventos descritos, confirmada neste ponto pelo Tribunal. Adianto que em relação à COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ o feito deve ser extinto sem resolução do mérito por ilegitimidade passiva, por tratar a presente demanda de ação coletiva passiva, não admitida no ordenamento nacional, além do que, na hipótese, não foi observada a sua representatividade adequada. (...) DIANTE DO EXPOSTO, preliminarmente, extingo o feito sem julgamento do mérito em relação à COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ por ilegitimidade passiva, com fundamento no art. 485, VI, do CPC." Com efeito, o atual Código de Processo Civil adotou o conceito de coisa julgada progressiva, passando a prever a cisão das matérias por meio do julgamento parcial de mérito, ou do capítulo da sentença em relação ao qual não tenha havido recurso. No caso dos presentes autos, portanto, não se mostra mais possível, para as partes, discutir sobre a responsabilidade da FUNAI acerca dos atos apontados na inicial. Assim já decidiu esta Turma: DIREITO TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO. SENTENÇA QUE RECONHECE CRÉDITO EM FAVOR DO CONTRIBUINTE. APELAÇÃO QUE VERSA APENAS SOBRE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS, JÁ JULGADA. RECURSO ESPECIAL QUE VERSA APENAS SOBRE HONORÁRIOS. TRIBUTO QUE NÃO MAIS É “OBJETO DE CONTESTAÇÃO JUDICIAL”, PARA FINS DE APLICAÇÃO DO ART. 170-A DO CTN. IMUTABILIDADE DA DECISÃO QUE RECONHECEU O CRÉDITO. TEORIA DOS CAPÍTULOS DE SENTENÇA. RESP N° 1.164.452/MG. TESE QUE SE LIMITA À APLICAÇÃO, NO TEMPO, DO ART. 170-A DO CTN. COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA. POSSIBILIDADE. SÚMULA N° 212/STJ. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. AGRAVO DE INSTRUMENTO PARCIALMENTE PROVIDO. AI 5025616-03.2019.4.03.0000, Rel. Des. Federal WILSON ZAUHY, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 12/02/2020" Em suma, não é cabível a responsabilização da FUNAI por eventuais danos perpetrados por indígenas, tratando-se de questão acobertada pela coisa julgada consoante a certidão de trânsito em julgado ID. 193027803, restando neste momento à análise da segunda sentença proferida que traz a análise acerca dos pressupostos da responsabilidade civil em relação à corré COMUNIDADE ITAGUÁ. Pois bem. Acertada a sentença em relação à ausência de legitimidade da Comunidade Itaguá para figurar no polo passivo do presente feito. De fato, não existe no ordenamento jurídico pátrio ação coletiva passiva para a hipótese dos presentes autos, sendo que, conforme constou da sentença, todo o microssistema da tutela coletiva foi desenvolvido considerando apenas a legitimidade coletiva ativa. Sobre a matéria, é elucidativo o voto da Ministra relatora Nancy Andrigui no julgamento do REsp 1.051.302, cuja argumentação, embora voltada à admissibilidade de ação declaratória incidental em processo coletivo, aplica-se, por semelhança, ao presente caso, na medida em que discute a possibilidade do substituto processual em ação coletiva representar um grupo como réu, notadamente em se tratando de interesses individuais homogêneos. Veja-se: "Num processo individual, a admissibilidade de uma ação declaratória incidental não apresenta maiores dificuldades. O autor da ação principal, normalmente, tem legitimidade para figurar como réu da declaratória incidente. Numa ação coletiva, porém, a questão tem obstáculos. O sindicato-autor tem legitimidade extraordinária constitucionalmente atribuída para representar os trabalhadores como autor da ação, na qualidade de substituto processual. Mas não a tem para representá-los como réu. Os processos coletivos passivos, ainda não regulamentados no direito brasileiro como regra geral, são admitidos apenas em hipóteses especiais (v.g. dissídios coletivos de trabalho, ações propostas contra sindicatos procurando restringir o exercício abusivo do direito de greve etc.) Na hipótese dos autos, a propositura de uma ação declaratória incidental apresenta uma dificuldade adicional. A ação, aqui, teria como objetivo exclusivo atribuir a eficácia de coisa julgada à decisão quanto ao alcance da cláusula de quitação, contida em alguns contratos de migração entre planos de previdência e arguida como matéria de defesa. Tal extensão, naturalmente, objetivaria impedir a propositura, por cada um dos trabalhadores substituídos, de eventual ação individual questionando a matéria. Ora, nas ações coletivas destinadas à tutela de direitos individuais homogêneos, a Lei impõe que a coisa julgada, para os particulares substituídos, forma-se apenas nas hipóteses de procedência do pedido (coisa julgada secundum eventum litis). Assim, como regra, inalteradas possíveis discussões da regra em processos repetitivo, a lei garante, aos indivíduos titulares dos direitos exercidos coletivamente pelo substituto processual, a possibilidade de propor pessoalmente ação para tutela desses mesmos direitos, na hipótese de insucesso da ação coletiva. A admissão de ação declaratória incidental em processos dessa natureza tornaria inócua essa regra, de modo que esse incidente processual é claramente incompatível com o sistema de tutela coletiva de direitos individuais homogêneos. A discussão quanto à admissibilidade de processos coletivos passivos, porém, é bastante nova. Nos diversos projetos de Códigos Coletivos existentes, há divergência quanto ao assunto. Como bem observa FREDIE DIDIER e HERMES ZANETI JR. (Curso de Direito Processual Civil, Vol. 4, 4º edição, pág. 401), entre os diversos projetos atualmente existentes para a elaboração de um Código para Processos Coletivos, há a previsão irrestrita de ações coletivas passivas no Código-Modelo para Ibero-América (arts. 32 e ss.), pelo Código de Processo Civil Coletivo elaborado por Antônio Guidi (art. 28) e pelo Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, apresentado no âmbito dos programas de pós-graduação da UERJ e UNESA (arts. 42 a 44). O Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos elaborado por Ada Pellegrini Grinover, por sua vez, prevê esta modalidade de ação apenas para a tutela de direito difusos ou coletivos, em sentido estrito, excluindo os direitos individuais homogêneos. Trata-se, portanto, de questão que ainda suscitará muito debate, no futuro. No estado atual da legislação quanto a processos coletivos, porém, notadamente considerando-se a regra quanto à coisa julgada formada nas ações em que se discutam direitos individuais homogêneos, não é possível admitir a apresentação, pelo réu, de pedido de declaração incidental." (REsp n. 1.051.302/DF, rel. Ministra Nancy Andrighi, DJe de 28/4/2010) Ademais, ao inserir no polo passivo da presente ação a Comunidade Itaguá, pressupõe-se que esta detém legitimidade extraordinária em relação aos indígenas, fazendo a comunidade substituir os indivíduos, atuando em nome próprio em defesa de direito e interesse alheio, com possível repercussão na esfera jurídica dos indivíduos substituídos, ainda que não participem do processo. Daí a importância da aferição de representatividade adequada, para assegurar a integral e efetiva observância da garantia do devido processo legal, o que se verifica a partir da autorização formal pelo ordenamento jurídico e pelas circunstâncias avaliadas no caso concreto. No caso, patente a inadequação da representação processual pois o ordenamento jurídico pátrio, embora tenha conferido às comunidades legitimidade para atuar em juízo na defesa dos seus direitos coletivos, não lhe conferiu personalidade jurídica, tampouco o poder-dever de representar ou defender membros individuais da comunidade, por eventuais ilícitos e danos por eles causados, de tal maneira que somente os próprios indivíduos poderão figurar em tal posição, respondendo diretamente pelos eventuais atos danosos. Evidencia-se mais ainda que não há representatividade adequada no fato de a defesa da Comunidade Itaguá ter sido exercida pela Procuradoria Federal nos termos do artigo 35, Lei 6.001/1973 e do artigo 11-B, §6º, Lei 9.028/1995, o que indica a total ausência de participação dos indígenas no processo. Pela sucumbência recursal, a parte apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 10% do valor da causa atualizado, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem, porém suspensa a exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
APELADO: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO, COMUNIDADE INDÍGENA ITAGUÁ
1. No caso concreto, pretende a agravante a reforma de decisão que indeferiu o seu pedido de compensação de valores entre um crédito tributário reconhecido em sentença, ainda sem trânsito em julgado, e valores dela cobrados pela autoridade tributária em razão de um Auto de Infração.
2. No caso dos autos, muito embora não tenha havido, ainda, a certificação do trânsito em julgado da decisão judicial que reconheceu a existência de um crédito a favor do contribuinte, o certo é que, em relação a esta matéria, a decisão não pode mais ser modificada – uma vez que o recurso contra ela interposto versava tão somente sobre honorários advocatícios e já foi julgado, sendo esta também a única matéria objeto do recurso especial interposto nos mesmos autos, ainda pendente de julgamento -, de tal sorte que não se pode mais falar em tributo “objeto de contestação judicial”, a afastar, portanto, o comando contido no art. 170-A do Código Tributário Nacional.
3. Esta é a única interpretação do dispositivo legal que se adequa à sua verdadeira finalidade, que inegavelmente é a de impedir compensação de valores que ainda estão sob discussão judicial – e, portanto, ainda podem ser modificados, hipótese que pode causar evidente prejuízo ao Erário -, e não a de exigir a certificação do trânsito em julgado como algo que tenha um fim em si mesmo para, só então, se permitir a compensação.
4. Com a superveniência do Código de Processo Civil de 2015, passou-se a prever, expressa e positivamente, a cisão das matérias por meio do julgamento parcial do mérito, inclusive com possibilidade de liquidação e execução da obrigação reconhecida em decisão parcial de mérito, o que só veio a reforçar a Teoria dos Capítulos da Sentença, já consagrada na Jurisprudência, segundo a qual a decisão judicial não é, necessariamente, algo uno e indivisível, mas que pode se compor de partes destacáveis para os mais diversos fins, inclusive de execução. Com isto, reforça-se a possibilidade de se admitir que um capítulo de sentença já seja exequível, mesmo na pendência de recursos que versem sobre matérias apreciadas em outros capítulos de sentença, como é o caso dos autos.
5. A decisão proferida pelo C. Superior Tribunal de Justiça no bojo do Recurso Especial n° 1.164.452/MG, sob a sistemática do art. 543-C do CPC/73, veio a dar solução tão somente à questão referente à aplicação, no tempo, do artigo 170-A do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar n° 104/2001, sem enfrentar, expressamente a questão acerca da possibilidade de compensação tributária nas hipóteses em que, muito embora não tenha havido o trânsito em julgado da decisão judicial, o quanto decidido sobre o valor tributário a ser utilizado na compensação já não pode mais ser alterado, por ausência ou anterior apreciação de recurso voluntário ou reexame necessário, como é o caso ora em análise.
6. Daí porque não se pode dizer que o acolhimento do presente recurso contrariaria tese firmada sob a sistemática dos recursos repetitivos.
7. Inaplicável ao caso concreto o entendimento firmado no enunciado da Súmula n° 212 do C. Superior Tribunal de Justiça, já que não se está a discutir a questão em sede de ação cautelar ou medida liminar cautelar ou antecipatória, mas, sim, em cumprimento de sentença sobre valor incontroverso, o que é bastante diverso, mormente porque o montante do crédito foi reconhecido em juízo de cognição exauriente, com a concordância da devedora, inclusive.
8. O pedido formulado no presente recurso – de deferimento de compensação tributária -, não pode ser integralmente acolhido porque não há nestes autos elementos suficientes a se demonstrar a plena equivalência entre os créditos e débitos tributários discutidos no feito, de sorte que o acolhimento do pleito será parcial, para declarar o direito do agravante de usar o crédito reconhecido nos autos da ação n° 0021740-71.2013.4.03.6100 para fins de compensação tributária, observados os cálculos já acolhidos pelo Juízo em sede de cumprimento de sentença, devendo a administração tributária aferir se estão presentes os demais requisitos para a compensação pretendida.
9. Agravo de instrumento parcialmente provido.
E M E N T A
DIREITOS CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO, CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DA FUNAI POR ATOS ILÍCITOS PERPETRADOS POR INDÍGENAS. COISA JULGADA PARCIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DE COMUNIDADE INDÍGENA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. APELAÇÃO DESPROVIDA.
1. O Código de Processo Civil de 2015 adotou o conceito de coisa julgada progressiva, passando a prever a cisão das matérias por meio do julgamento parcial de mérito, ou do capítulo da sentença em relação ao qual não tenha havido recurso, caso dos presentes autos, de modo que não se mostra mais possível, para as partes, discutir sobre a responsabilidade da FUNAI sobre a suposta conduta dos indígenas. Precedentes da Turma.
2. Ademais, ainda que não acobertado pelo manto da coisa julgada, não seria cabível a responsabilização da FUNAI por eventuais danos perpetrados por indígenas. O que embasa o pedido de condenação da autarquia pelos apelantes não é a efetiva participação de agentes da Fundação na ocupação da Fazenda, e sim a alegação genérica de omissão e a tutela legal que esta exerceria sobre a comunidade indígena. Ocorre que a previsão da tutela exercida pela Funai no Estatuto do Índio não foi recepcionada pela CF/1988.
3. A Carta Magna consagrou o princípio da alteridade e do pluralismo por meio dos seus artigos 231 e 232, os quais, respectivamente, reconhecem aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições e reconhecem a legitimidade dos indígenas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, afastando, pois, a tutela e ingerência da Funai nesse âmbito. Precedente do STJ.
4. Acertada a sentença, também, em relação à ausência de legitimidade da Comunidade Itaguá para figurar no polo passivo do presente feito. Inexiste no ordenamento jurídico pátrio ação coletiva passiva para a hipótese dos presentes autos, sendo que, conforme constou da sentença, todo o microssistema da tutela coletiva foi desenvolvido considerando apenas a legitimidade coletiva ativa.
5. Sobre a matéria, é elucidativo o voto da Ministra relatora Nancy Andrighi no julgamento do REsp 1.051.302, cuja argumentação, embora voltada à admissibilidade de ação declaratória incidental em processo coletivo, aplica-se, por semelhança, ao presente caso, na medida em que discute a possibilidade do substituto processual em ação coletiva representar um grupo como réu, notadamente em se tratando de interesses individuais homogêneos.
6. Ademais, ao inserir no polo passivo da presente ação a Comunidade Itaguá, pressupõe-se que esta detém legitimidade extraordinária em relação aos indígenas, fazendo a comunidade substituir os indivíduos, atuando em nome próprio em defesa de direito e interesse alheio, com possível repercussão na esfera jurídica dos indivíduos substituídos, ainda que não participem do processo. Daí a importância da aferição de representatividade adequada, para assegurar a integral e efetiva observância da garantia do devido processo legal, o que se verifica a partir da autorização formal pelo ordenamento jurídico e pelas circunstâncias avaliadas no caso concreto.
7. No caso, patente a inadequação da representação processual pois o ordenamento jurídico pátrio, embora tenha conferido às comunidades legitimidade para atuar em juízo na defesa dos seus direitos coletivos, não lhe conferiu personalidade jurídica, tampouco o poder-dever de representar ou defender membros individuais da comunidade, por eventuais ilícitos e danos por eles causados, de tal maneira que somente os próprios indivíduos poderão figurar em tal posição, respondendo diretamente pelos eventuais atos danosos.
8. Evidencia-se mais ainda que não há representatividade adequada o fato de a defesa da Comunidade Itaguá ter sido exercida pela Procuradoria Federal nos termos do artigo 35, Lei 6.001/1973 e do artigo 11-B, §6º, Lei 9.028/1995, o que indica a total ausência de participação dos indígenas no processo.
9. Pela sucumbência recursal, a parte apelante deve suportar condenação adicional, nos termos do artigo 85, § 11, CPC, no equivalente a 10% do valor da causa atualizado, a ser acrescida à sucumbência fixada pela sentença pelo decaimento na instância de origem, porém suspensa a exigibilidade, nos termos do artigo 98, § 3º, CPC.
10. Apelação desprovida.