Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5016388-28.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AGRAVANTE: PARANOID BRASIL LTDA.

Advogado do(a) AGRAVANTE: LUCAS CORSINO DE PAIVA - SP422596-A

AGRAVADO: . DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO - DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - DERAT,, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5016388-28.2024.4.03.0000

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

AGRAVANTE: PARANOID BRASIL LTDA.

Advogado do(a) AGRAVANTE: LUCAS CORSINO DE PAIVA - SP422596-A

AGRAVADO: . DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO - DELEGACIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - DERAT,, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de agravo de instrumento interposto por PARANOID BRASIL LTDA. contra decisão proferida em sede de mandado de segurança, impetrado contra ato do DELEGADO DA DELEGACIA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL EM SÃO PAULO – DERAT-SP, visando:

 

“1. A presente ação tem por objeto assegurar o direito líquido e certo da Impetrante, produtora de filmes publicitários, de estar sujeita à alíquota 0 de IRPJ, CSLL, PIS, e COFINS 2 , de que trata o artigo 4º, da Lei n. 14.148, de 3 de maio de 2021 (“Lei n. 14.148/2021”), que instituiu o Programa Emergencial de Retomada ao Setor de Eventos (“PERSE”), afastando-se os efeitos da Medida Provisória n. 1.202, de 28 de dezembro de 2023 (“MP n. 1202/2023”) ou da lei que lhe sobrevenha, por meio do Projeto de Lei n. 1.026/2024 (“PL n. 1.026/2024”), para que seja mantido o prazo de sessenta meses previsto no artigo 4º da Lei n. 14.148/2021, ou, subsidiariamente, para seja aplicado o novo prazo deste benefício fiscal previsto no PL n. 1.026/2024, que aguarda sanção presidencial.

2. Conforme será devidamente apresentado nesta petição inicial, o CNAE da Impetrante – produção de filmes publicitários – integra as atividades econômicas sujeitas ao PERSE desde a instituição deste programa, por meio da Portaria ME n. 7.163/2021. Apesar deste CNAE permanecer no programa com as diversas reduções das atividades econômicas pelas quais o PERSE já passou, tendo sido incorporado no próprio caput do art. 4º da Lei n. 14.148/2021 por meio da Lei n. 14.592, de 30 de maio de 2023 (“Lei 14.592/2023”), a MP n. 1.202/2023 propõe a extinção abrupta do benefício fiscal do art. 4º da Lei n. 14.148/2021, enquanto que o PL n. 1.026/2024, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção presidencial, exclui o CNAE da Impetrante do benefício fiscal, apesar de mantê-lo para outras atividades econômicas previamente listadas no caput do art. 4º da Lei n. 14.148/2021, com a redação dada pela Lei n. 14.592/2023. [...]

66. Face ao que precede, e demonstrada a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, a Impetrante requer a concessão de medida liminar inaudita altera parte para determinar à Ilma. Autoridade Coatora que se abstenha de praticar qualquer ato que impeça a Impetrante de aplicar a alíquota 0 sobre IRPJ, CSLL, PIS e COFINS pelo prazo previsto no artigo 4º da Lei n. 14.148/2021, com fundamento no artigo 151, inciso IV, do CTN, sobre as suas receitas auferidas pelo desenvolvimento da atividade econômica ‘produção de filmes para publicidade’, prevista no caput do referido artigo 4º, afastando-se os efeitos da Medida Provisória n. 1.202/2023 ou da lei que lhe sobrevier, por meio da sanção presidencial do PL n. 1.026/2024 [...]

68. Por fim, requer-se a confirmação da medida liminar e a concessão da segurança para o fim de reconhecer definitivamente o direito líquido e certo da Impetrante de aplicar a alíquota 0 de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, pelo prazo de sessenta meses, tal como previsto no caput do artigo 4º da Lei n. 14.148/2021, afastando-se a revogação antecipada deste benefício fiscal pretendida por meio da MP n. 1.202/2023 ou da lei que lhe sobrevier, por meio da sanção presidencial do PL n. 1.026/2024. [...]”

 

O pleito de medida liminar foi indeferido.

 

Em suas razões recursais, sustenta, em suma, que “a revogação antecipada do PERSE pela MP n. 1.202/2023 ou da lei que lhe sobrevenha, por meio do PL n. 1.026/2024, representa grave violação ao artigo 178 do Código Tributário Nacional, a Súmula n. 544 do Supremo Tribunal Federal, bem como aos princípios da segurança jurídica, confiança legítima e lealdade/boa-fé objetiva da Administração Pública”, postulou:  

 

“[...] que a r. decisão agravada seja integralmente reformada, deferindo-se medida liminar postulada na inicial, para que a Agravante possa aplicar a alíquota 0 sobre IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, pelo prazo previsto no art. 4º da Lei n. 14.148/2021, com fundamento no artigo 151, inciso IV, do CTN, sobre as suas receitas auferidas pelo desenvolvimento da atividade econômica ‘produção de filmes para publicidade’, prevista no caput do referido artigo 4º, afastando-se os efeitos da Medida Provisória n. 1.202/2023 ou da Lei n. 14.859/2024, fruto da sanção presidencial do PL n. 1.026/2024. [...]”

 

 

Consta decisão que deferiua antecipação da tutela recursal “para assegurar à parte impetrante, até 31.12.2024, a fruição dos benefícios fiscais do PERSE para fins, exclusivamente, da tributação ao IRPJ” (ID 293143283).

 

A União apresentou contraminuta (ID 293852413). 

 

O Ministério Público Federal, não vislumbrando interesse público que justificasse sua intervenção, manifestou-se pelo regular processamento do feito (ID 295433089). 

 

É o relatório. Decido. 

 

 


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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

A Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19.

 

Instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública.

 

Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos, verbis:

 

Redação decorrente de promulgação da parte originariamente vetada: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei

I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep);

II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e

IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ).”

 

Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia:

 

Redação alterada pela MP 1.147/22: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas em ato do Ministério da Economia: [...]”

 

A fim de delimitar as pessoas jurídicas do denominado setor de eventos, a Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu:

 

“Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:

I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;

II - hotelaria em geral;

III - administração de salas de exibição cinematográfica; e

IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.

§ 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo.” (g.n.)

 

Com vistas à regulamentação da lei destacada, com amparo no § 2º, do artigo 2º, da Lei n.º 14.148/2021, em 23.01.2021, foi publicada a Portaria do Ministério da Economia n.º 7.163/21, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para determinação das empresas destinatárias da benesse fiscal.

 

Diante da modificação do artigo 4º da Lei do PERSE pelo advento da Medida Provisória n.º 1.147/22, em 02.01.2023, por orientação do § 4º do mesmo dispositivo, em substituição à Portaria ME n.º 7.163/21, foi publicada nova Portaria do Ministério da Economia, de n.º 11.266/22, que excluiu alguns códigos CNAE do benefício fiscal previsto.

 

Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023 e vigente desde então (artigo 15), alterou em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021 e passou a prever expressamente os códigos CNAE enquadrados no PERSE:

 

Redação alterada pela Lei 14.592/23: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); albergues, exceto assistenciais (5590-6/01); campings (5590-6/02), pensões (alojamento) (5590-6/03); outros alojamentos não especificados anteriormente (5590-6/99); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); produtora de filmes para publicidade (5911-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): [...]

 

Após, foi editada a Medida Provisória n.ª 1.202/2023, publicada em 29.12.2023, que, submetida aos princípios da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ (produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025 – artigo 6º, I, a) e da anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social (produção de efeitos a partir de 1º de abril de 2024 – artigo 6º, I, b), revogou expressamente o benefício fiscal relativo à redução a zero das alíquotas dos tributos previstos no PERSE (artigo 6º, I).

 

Contudo, referido inciso I, do artigo 6º, da Medida Provisória n.º 1.202/2023 foi expressamente revogado pelo artigo 5º da Lei n.º 14.859/2024, publicada em 23.05.2024 e vigente desde então (artigo 6º), a qual, em seu artigo 1º, modificou a redação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, inclusive quanto ao rol de códigos CNAE enquadrados no PERSE, prevendo expressamente:

 

Redação alterada pela Lei 14.859/24: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): [...]

 

Ressalte-se que a Lei n.º 14.859/2024, em seu artigo 3º, possibilitou a repetição das contribuições sociais eventualmente recolhidas por força da produção de efeitos da Medida Provisória n.º 1.202/2023, nos seguintes termos:

 

“Art. 3º A Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) eventualmente recolhidas tendo como base de cálculo os resultados e as receitas obtidos diretamente das atividades do setor de eventos pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 4º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, em virtude do disposto no art. 6º da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023, poderão ser compensadas com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, ou ressarcidas em espécie mediante solicitação, observada a legislação específica aplicável às matérias.” (g.n.)

 

Dado este arcabouço normativo, passo à análise da possibilidade de revogação do benefício fiscal, inclusive quanto à exclusão de determinados códigos de atividade.

 

O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal.

 

Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos.

 

É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade genérica e da anterioridade.

 

Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação.

 

A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos.

 

O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos.

 

Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração.

 

A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária.

 

Não é demais ressaltar que a Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), conforme entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Confira-se:

 

“DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015”

(RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 13.11.2018).”

 

“REINTEGRA – DECRETO Nº 9.393/2018 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES.

Alcançado aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, versado nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006.”

(STF, 1ª Turma, Ag.Reg.RE 1,263,840/RS, Rel.: Min. Marco Aurélio, Data de Julg.: 05.08.2020)

 

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – PRAZO MÍNIMO – MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.034/21 – ANTERIORIDADE NONAGESIMAL.

1. A Lei Federal n.º 8.989/95 estabelece a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados com relação aos automóveis de passageiros de fabricação nacional, adquiridos por pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal (artigo 1º, inciso IV).

2. A reutilização do benefício fiscal implica, em regra, a observância do interregno mínimo de dois anos (artigo 2º). Contudo, em 1º de março de 2021, foi editada a Medida Provisória n.º 1.034, que alterou o parágrafo único do artigo 2º da lei, ampliando para quatro anos o prazo mínimo de reutilização do benefício fiscal por pessoas com deficiência. A regra entrou em vigor na data de publicação (artigo 5º, inciso I). Posteriormente, por ocasião da conversão na Lei Federal n.º 14.183/21, o prazo foi reduzido para três anos.

3. É pertinente considerar que, em hipóteses de majoração indireta de tributo decorrente da revogação de benefícios fiscais, o C. Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessária observância do princípio da anterioridade nonagesimal, estabelecida no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal.

4. Em decorrência da alteração perpetrada pela Medida Provisória, a autoridade coatora proferiu despacho indeferindo o requerimento de isenção, sob o fundamento de inobservância do interregno mínimo de quatro anos. A negativa fundamentada na aplicação imediata da nova regra configura afronta à anterioridade nonagesimal, constitucionalmente assegurada.

5. Remessa necessária desprovida.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000372-68.2021.4.03.6122, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 25/03/2022, Intimação via sistema DATA: 29/03/2022)”

 

Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas.

 

As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte.

 

Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”).

 

Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário.

 

Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos.

 

Na mesma linha argumentativa, são precisas as lições de Leandro Paulsen, no Curso de Direito Tributário Completo, 13ª edição – 2022, editora Saraiva:

 

“Quanto aos requisitos e condições, vale distingui-los, porquanto se prestam para a classificação das isenções em simples ou onerosas. O estabelecimento de requisitos remete à caracterização do objeto ou do sujeito alcançado pela norma em face de uma situação preexistente ou atual, que lhe é inerente, exigida como mero critério de enquadramento na sua hipótese de incidência. Já a fixação de condições induz à conformação da situação ou da conduta futura do sujeito ao que é pretendido pelo legislador e que deve ser cumprido para que os efeitos jurídicos prometidos sejam aplicados” (p. 313).

 

Figura como requisito legal (e não condição) para a obtenção das benesses fiscais o exercício de atividades no setor de eventos na data de publicação da Lei instituidora do PERSE

 

A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).

 

Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei.

 

Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária.

 

No caso concreto, a parte impetrante exerce atividade com código CNAE “5911-1/02 - produtora de filmes para publicidade”, que constava da Lei n.º 14.592/2023, porém excluída pela Lei n.º 14.859/2024. 

 

Na medida em que a exploração da atividade de produção de filmes publicitários não se insere, obrigatoriamente, no setor de eventos, não foge à razoabilidade e proporcionalidade sua exclusão do rol taxativo de códigos CNAE para fins de fruição do benefício fiscal previsto no PERSE, haja vista que referido Programa visou à recuperação de determinados setores da economia, especialmente afetados pela pandemia da Covid-19, e que, justamente, visou ao princípio da isonomia. De sorte que, sob pena de ofensa à separação dos Poderes, não cabe ao Judiciário substituir os demais Poderes no âmbito da discricionariedade que lhes é própria.

 

Assim, resta avaliar tão somente a observância do direito do contribuinte à submissão da lei revogadora de benefício fiscal ao princípio da anterioridade.

 

No que se refere às contribuições à seguridade social, tem-se que a Medida Provisória n.º 1.202/2023, submetida à anterioridade nonagesimal, já produzira efeitos desde 01.04.2024, de sorte que o benefício fiscal de redução à alíquota zero já se encontrava revogado quando da vigência da Lei n.º 14.859/2024, razão pela qual, não constando o CNAE do contribuinte no rol incluso na referida Lei n.º 14.859/2024, não lhe assiste direito à fruição do benefício.

 

Já no que se refere ao IRPJ, a Medida Provisória n.º 1.202/2023 somente produziria efeitos desde 01.01.2025, de sorte que o contribuinte se encontrava em gozo do benefício fiscal na data da vigência da Lei n.º 14.859/2024, que, por seu turno, não foi submetida ao princípio da anterioridade de exercício.

 

Assim, a parte impetrante faz jus à fruição do benefício fiscal até 31.12.2024, observando-se, assim, a anterioridade constitucional, consideradas as disposições conjuntas da Medida Provisória n.º 1.202/2023 e da Lei n.º 14.859/2024.

  

Ante o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para assegurar à parte impetrante, até 31.12.2024, a fruição dos benefícios fiscais do PERSE para fins, exclusivamente, da tributação ao IRPJ.

 

É como voto.



E M E N T A

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE. POSTERIOR EXCLUSÃO DO CNAE. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIOS FISCAL. POSSIBILIDADE. ISENÇÃO SIMPLES. NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO.

1. A Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19. Instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública.

2. Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos.

3. Posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia.

4. Com vistas à regulamentação da lei destacada, com amparo no § 2º, do artigo 2º, da Lei n.º 14.148/2021, em 23.01.2021, foi publicada a Portaria do Ministério da Economia n.º 7.163/21, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para determinação das empresas destinatárias da benesse fiscal. Diante da modificação do artigo 4º da Lei do PERSE pelo advento da Medida Provisória n.º 1.147/22, em 02.01.2023, por orientação do § 4º do mesmo dispositivo, em substituição à Portaria ME n.º 7.163/21, foi publicada nova Portaria do Ministério da Economia, de n.º 11.266/22, que excluiu alguns códigos CNAE do benefício fiscal previsto.

5. Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023 e vigente desde então (artigo 15), alterou em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021 e passou a prever expressamente os códigos CNAE enquadrados no PERSE. Após, foi editada a Medida Provisória n.ª 1.202/2023, publicada em 29.12.2023, que, submetida aos princípios da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ (produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025 – artigo 6º, I, a) e da anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social (produção de efeitos a partir de 1º de abril de 2024 – artigo 6º, I, b), revogou expressamente o benefício fiscal relativo à redução a zero das alíquotas dos tributos previstos no PERSE (artigo 6º, I). Contudo, referido inciso I, do artigo 6º, da Medida Provisória n.º 1.202/2023 foi expressamente revogado pelo artigo 5º da Lei n.º 14.859/2024, publicada em 23.05.2024 e vigente desde então (artigo 6º), a qual, em seu artigo 1º, modificou a redação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, inclusive quanto ao rol de códigos CNAE enquadrados no PERSE. Ressalte-se que a Lei n.º 14.859/2024, em seu artigo 3º, possibilitou a repetição das contribuições sociais eventualmente recolhidas por força da produção de efeitos da Medida Provisória n.º 1.202/2023.

6. O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal. 

7. Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos.É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação. 

8. A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos. 

9. Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço de tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária.  

10. A Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Precedentes.  

11. Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos. 

12. Figura como requisito legal (e não condição de caráter oneroso) para a obtenção das benesses fiscais o exercício de atividades no setor de eventos na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).  

13. Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária.

14. No caso concreto, a parte impetrante exerce atividade com código CNAE “5911-1/02 - produtora de filmes para publicidade”, que constava da Lei n.º 14.592/2023, porém excluída pela Lei n.º 14.859/2024. Na medida em que a exploração da atividade de produção de filmes publicitários não se insere, obrigatoriamente, no setor de eventos, não foge à razoabilidade e proporcionalidade sua exclusão do rol taxativo de códigos CNAE para fins de fruição do benefício fiscal previsto no PERSE, haja vista que referido Programa visou à recuperação de determinados setores da economia, especialmente afetados pela pandemia da Covid-19, e que, justamente, visou ao princípio da isonomia. De sorte que, sob pena de ofensa à separação dos Poderes, não cabe ao Judiciário substituir os demais Poderes no âmbito da discricionariedade que lhes é própria.

15. No que se refere às contribuições à seguridade social, tem-se que a Medida Provisória n.º 1.202/2023, submetida à anterioridade nonagesimal, já produzira efeitos desde 01.04.2024, de sorte que o benefício fiscal de redução à alíquota zero já se encontrava revogado quando da vigência da Lei n.º 14.859/2024, razão pela qual, não constando o CNAE do contribuinte no rol incluso na referida Lei n.º 14.859/2024, não lhe assiste direito à fruição do benefício.

16. No que se refere ao IRPJ, a Medida Provisória n.º 1.202/2023 somente produziria efeitos desde 01.01.2025, de sorte que o contribuinte se encontrava em gozo do benefício fiscal na data da vigência da Lei n.º 14.859/2024, que, por seu turno, não foi submetida ao princípio da anterioridade de exercício. Assim, a parte impetrante faz jus à fruição do benefício fiscal até 31.12.2024, observando-se, assim, a anterioridade constitucional, consideradas as disposições conjuntas da Medida Provisória n.º 1.202/2023 e da Lei n.º 14.859/2024.

17. Agravo de instrumento provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal