APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004924-83.2019.4.03.6110
RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM
APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELADO: RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETO
Advogados do(a) APELADO: ALMIR DA SILVA SOBRAL - SP286015-A, LUCAS FERNANDES - SP268806-A, RICARDO BRITO DE SALES - SP428853-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004924-83.2019.4.03.6110 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETO Advogados do(a) APELADO: ALMIR DA SILVA SOBRAL - SP286015-A, LUCAS FERNANDES - SP268806-A, RICARDO BRITO DE SALES - SP428853-A OUTROS PARTICIPANTES: ORIGEM: 3ª VARA FEDERAL DE SOROCABA/SP R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Tratam os autos de apelações interpostas pela acusação e pela defesa de Raimundo Pereira dos Anjos Neto (D.N.: 01.09.1981 – ID 272501162, p. 57) em face de sentença que o condenou como incurso no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime aberto. A pena corporal foi substituída por duas penas restritiva de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a ser especificada e fiscalizada pelo Juízo de Execuções Penais e, prestação pecuniária no valor equivalente a 1/4 (um quarto) do salário mínimo ao mês, a ser entregue à instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante também todo o período da condenação, sendo certo que, na hipótese do condenado preferir, poderá, nos termos do artigo 45, § 2º, do referido diploma legal, ser substituído o valor acima mencionado por 2 (duas) cestas básicas devidas a cada mês, que deverão ser entregues à instituição previamente cadastrada a ser indicada, também, pelo Juízo das Execuções Penais (ID 272501291). Narra a denúncia, em síntese, que no dia 24.12.2018, policiais militares que realizavam fiscalização de rotina em uma praça de pedágio na altura do Km 111 da Rodovia Castelo Branco, teriam abordado uma carreta Scania, de placas HDI-9039, dirigido por RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETO, acoplada ao semi-reboque de placas KEE-3577, contendo 273.000 (duzentos e setenta e três mil) maços de cigarros de origem estrangeira, em infração às medidas administrativas do Ministério da Fazenda para controle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo destes produtos. Os cigarros apreendidos foram avaliados em R$ 1.365.000,00 (um milhão, trezentos e sessenta e cinco mil reais), e os tributos iludidos foram estimados em R$ 1.092.000,00(um milhão e noventa e dois mil reais) – ID 272501180. O Ministério Público Federal deixou de propor acordo de não persecução penal (art. 28-A, do CPP), considerando não ser a medida suficiente para a prevenção e repressão do ilícito ora cometido, uma vez que a quantidade de cigarros transportada e o valor estimado dos tributos sonegados indicariam, sobremaneira, se tratar do exercício de atividade profissional relacionada ao crime em questão, bem como por o acusado possuir condenação em seu desfavor (ID 272501179). Cumpre registar que a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal manifestou-se, igualmente, pelo não cabimento do acordo de não persecução penal, acolhendo, como razões de decidir, os fundamentos invocados pelo membro do MPF oficiante (ID 272501242). A denúncia foi recebida em 05.04.2021 (ID 272501181) e a sentença publicada em 24.02.2023 (ID 272501292). O Ministério Público Federal, em suas razões de apelo, requereu a exasperação da pena-base imposta, tendo em vista a quantidade de cigarros contrabandeados, bem como a personalidade do réu, voltada a prática de infrações penais (ID 272501302). Por sua vez, a defesa de Raimundo Pereira dos Anjos Neto, em recurso de apelação, alegou, preliminarmente, inépcia da inicial acusatória, bem assim, nulidade do laudo pericial de análise dos cigarros e consequente falta de justa causa para a ação penal, por ter sido lavrado apenas por um perito (Súmula nº 361, do STF). No mérito, requereu sua absolvição por ausência de provas da autoria delitiva. Subsidiariamente, a desclassificação para o delito de descaminho (ID 273679108). A defesa apresentou contrarrazões ao recurso da acusação (ID 272501306). A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, opinou pelo desprovimento do recurso da defesa e provimento do recurso da acusação (ID 274648817). É o relatório. À revisão, nos termos regimentais.
APELAÇÃO CRIMINAL (417) Nº 5004924-83.2019.4.03.6110 RELATOR: Gab. 43 - DES. FED. ALI MAZLOUM APELANTE: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP APELADO: RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETO Advogados do(a) APELADO: ALMIR DA SILVA SOBRAL - SP286015-A, LUCAS FERNANDES - SP268806-A, RICARDO BRITO DE SALES - SP428853-A OUTROS PARTICIPANTES: ORIGEM: 3ª VARA FEDERAL DE SOROCABA/SP V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALI MAZLOUM: Tratam os autos de apelações interpostas pela acusação e pela defesa de Raimundo Pereira dos Anjos Neto (D.N.: 01.09.1981 – ID 272501162, p. 57) em face de sentença que o condenou como incurso no artigo 334-A, §1º, I, do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 02 (dois) anos, 03 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, em regime aberto. A pena corporal foi substituída por duas penas restritiva de direitos consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a ser especificada e fiscalizada pelo Juízo de Execuções Penais e, prestação pecuniária no valor equivalente a 1/4 (um quarto) do salário mínimo ao mês, a ser entregue à instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante também todo o período da condenação, sendo certo que, na hipótese do condenado preferir, poderá, nos termos do artigo 45, § 2º, do referido diploma legal, ser substituído o valor acima mencionado por 2 (duas) cestas básicas devidas a cada mês, que deverão ser entregues à instituição previamente cadastrada a ser indicada, também, pelo Juízo das Execuções Penais (ID 272501291). Narra a denúncia, em síntese, que no dia 24.12.2018, policiais militares que realizavam fiscalização de rotina em uma praça de pedágio na altura do Km 111 da Rodovia Castelo Branco, teriam abordado uma carreta Scania, de placas HDI-9039, dirigido por RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETO, acoplada ao semi-reboque de placas KEE-3577, contendo 273.000 (duzentos e setenta e três mil) maços de cigarros de origem estrangeira, em infração às medidas administrativas do Ministério da Fazenda para controle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo destes produtos. Os cigarros apreendidos foram avaliados em R$ 1.365.000,00 (um milhão, trezentos e sessenta e cinco mil reais), e os tributos iludidos foram estimados em R$ 1.092.000,00(um milhão e noventa e dois mil reais) – ID 272501180. O Ministério Público Federal deixou de propor acordo de não persecução penal (art. 28-A, do CPP), considerando não ser a medida suficiente para a prevenção e repressão do ilícito ora cometido, uma vez que a quantidade de cigarros transportada e o valor estimado dos tributos sonegados indicariam, sobremaneira, se tratar do exercício de atividade profissional relacionada ao crime em questão, bem como por o acusado possuir condenação em seu desfavor (ID 272501179). Cumpre registar que, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal manifestou-se, igualmente, pelo não cabimento do acordo de não persecução penal, acolhendo, como razões de decidir, os fundamentos invocados pelo membro do MPF oficiante (ID 272501242). A denúncia foi recebida em 05.04.2021 (ID 272501181) e a sentença publicada em 24.02.2023 (ID 272501292). O Ministério Público Federal apela, requerendo a exasperação da pena-base imposta, tendo em vista a quantidade de cigarros contrabandeados, bem como a personalidade do réu, voltada a prática de infrações penais. A defesa também apela, alegando, preliminarmente, inépcia da inicial acusatória, bem assim, nulidade do laudo pericial de análise dos cigarros e consequente falta de justa causa para a ação penal, por ter sido lavrado apenas por um perito (Súmula nº 361, do STF). No mérito, requer a absolvição do réu por ausência de provas da autoria delitiva. Subsidiariamente, a desclassificação para o delito de descaminho (ID 273679108). Da arguição de inépcia da exordial acusatória A defesa requereu, preliminarmente, a declaração de nulidade por inépcia da inicial, sob o fundamento de que não há na denúncia indícios mínimos da autoria delitiva do acusado. Sem razão. Nos termos do artigo 41 do Código de Processo Penal, “a denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas”. Sobre a inépcia da exordial acusatória, ensina Guilherme Nucci (in “Curso de Direito Processual Penal”, 20ª edição, Ed. Grupo GEN, 2023): “A inépcia da peça acusatória ficará evidente caso os requisitos previstos no art. 41 do CPP não sejam fielmente seguidos. Na realidade, a parte principal da denúncia ou queixa, que merece estar completa e sem defeitos, é a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias. Afinal, é o cerne da imputação, contra o qual se insurge o réu, pessoalmente, em autodefesa, bem como por intermédio da defesa técnica.” No mesmo sentido, o entendimento desta E. Turma julgadora é de que a inépcia da inicial acusatória somente se configura quando prejudica o exercício do direito de defesa: "PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. DESCAMINHO. CONTRABANDO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME CONSUMADO. DOLO COMPROVADO. DOSIMETRIA. CAUSA DE AUMENTO DE PENA. TRANSPORTE AÉREO. 1. A inépcia da peça acusatória ocorre quando narra de modo tumultuário os fatos descritos ou contém assertivas tão ambíguas e genéricas que impeçam ao acusado de exercer sua defesa de maneira objetiva e eficaz." 2. A jurisprudência dos Tribunais Superiores firmou-se no sentido de que a habitualidade criminosa é circunstância que impede a aplicação do princípio da insignificância, cuja constatação prescinde de condenação definitiva, sendo bastante a comprovação da contumácia da conduta. 3. Resta consubstanciado o crime de contrabando na conduta de importar ou exportar mercadoria proibida, ação dotada de alto grau de reprovabilidade, fato que por si só afastaria a aplicação do princípio da bagatela. 4. Consuma-se o delito de descaminho exatamente no momento em que a mercadoria destinada à importação ou exportação irregular ingressa no território nacional, com a ilusão dos tributos devidos, ainda que dentro dos limites da zona fiscal. 5. A causa de aumento descrita no § 3º do art. 334 do Código Penal não faz qualquer diferenciação entre o transporte aéreo regular e o clandestino, sendo irrelevante tal circunstância, de sorte que se aplica sempre que a importação irregular de mercadorias ocorrer por via aérea na execução do delito. 6. Apelação defensiva desprovida. (TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0003075-71.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal MAURICIO YUKIKAZU KATO, julgado em 06/09/2022, Intimação via sistema DATA: 08/09/2022 – grifo nosso) Com estes parâmetros, verifica-se que, no caso em tela, a exordial acusatória é formalmente apta, com exposição dos fatos, suas circunstâncias e a qualificação do denunciado na prática delituosa. Preenche os requisitos legais ao descrever todos os elementos necessários à configuração do delito imputado ao réu, conferindo ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Referido documento indicou evidências da materialidade dos crimes, indícios da autoria e a descrição das condutas empregadas. Ademais, é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, prolatada sentença condenatória há preclusão da alegação de inépcia da denúncia, verbis: “PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. VALORAÇÃO JURÍDICA DOS FATOS. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. SENTENÇA CONDENATÓRIA. INÉPCIA DA INICIAL. PRECLUSÃO, INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA. DESCRIÇÃO SUFICIENTE DOS FATOS. AFRONTA AO ART. 157 DO CP. OCORRÊNCIA. SUBTRAIR PARA SI OU PARA OUTREM, MEDIANTE GRAVE AMEAÇA CONSUBSTANCIADA EM PALAVRAS DE ORDEM, BENS PERTENCENTES À VÍTIMA. TIPO PENAL CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (...) 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça há muito se consolidou no sentido de que, após a prolação da sentença condenatória, torna-se preclusa a análise acerca da inépcia da denúncia. 3. Não é inepta a denúncia que narra a ocorrência de crimes em tese, bem como descreve as suas circunstâncias e indica os respectivos tipos penais, viabilizando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do previsto no artigo 41 do Código de Processo Penal. (...) 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ - AgInt no AREsp 1046012/RJ, AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2017/0014573-9, Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, julgado em 16/03/2017). Destaquei.” Assim, há que se afastar a preliminar de inépcia da inicial. Da alegação de nulidade do laudo pericial Ainda, inicialmente, apontou a defesa do réu nulidade no laudo pericial de análise dos cigarros apreendidos, por ter sido lavrado apenas por 01 (um) perito, estando em dissonância com a Súmula nº 361, do STF. No caso concreto, foi elaborado Laudo de Perícia Criminal Merceológico (ID 272501141, p. 23/27), de forma indireta (com base em informações contidas no Laudo nº 223.649/2019 do Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo), comprovando que as mercadorias apreendidas são de procedência estrangeira, sem documentação comprobatória de sua importação regular. Não há que se falar em nulidade de tal laudo pericial, que teria sido elaborado por apenas um perito, portanto, em desconformidade com a Súmula nº 361 do Supremo Tribunal Federal (no processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão). De acordo com jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, tal entendimento não se aplica a peritos oficiais, como no caso dos autos, em que a perícia foi realizada na Unidade Técnico-Científica da Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba (STF, HC nº 115.530, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 25.06.2013). Outrossim, o artigo 159 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.690/2008, não exige a realização da perícia por dois peritos oficiais, in verbis: “Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.” Por fim, no que se refere ao delito de contrabando de cigarros, de acordo com posicionamento jurisprudencial, desnecessária a realização de perícia técnica nos produtos apreendidos (ou exame de corpo de delito direto), podendo ser comprovada a proibição de comercialização dos cigarros (materialidade delitiva) por outros meios. No mesmo sentido, destaco julgado proferido nesta E. Corte: “PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. PRESENÇA DE PROVAS SUFICIENTES PARA A CONDENAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. AUSÊNCIA DE RECUROS QUANTO À DOSIMETRIA DA PENA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A materialidade delitiva restou comprovada pelos seguintes elementos constantes dos autos: Auto de Prisão em Flagrante, pelo Boletim de Ocorrência e pelo Auto de Exibição e Apreensão. 2. Registre-se que segundo a jurisprudência, é dispensável a realização de exame pericial, consistente no laudo merceológico que ateste a origem estrangeira das mercadorias para fins de comprovação da materialidade delitiva do crime de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova. Inclusive, por tais crimes não deixarem vestígios, entendo que se mostra desnecessária, portanto, a aplicação do art. 158 do CPP. 3. Da análise do conjunto probatório, verifica-se que a autoria delitiva restou comprovada pelas declarações do acusado, bem como, pelos depoimentos das testemunhas de acusação, as quais foram uníssonas no sentido de que o réu conduzia veículo transportando cigarros de origem estrangeira sem documentação fiscal e de importação proibida no País, de modo que o acusado agiu com o dolo necessário do tipo penal. 4. No tocante à dosimetria penal, a defesa não se insurgiu contra os parâmetros estabelecidos na dosimetria da pena, de modo que fica mantida a íntegra da sentença recorrida. 5. Recurso da defesa desprovido. (g.n.) (TRF3, Processo 0000624-19.2017.4.03.6116, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, 5ª Turma, j. 12.02.2019)” E como será fundamentado a seguir, a materialidade delitiva, no caso dos autos, restou comprovada também por outros elementos além do laudo pericial citado. Destaca-se, ainda, que nos termos do art. 563 do CPP, a Lei Processual Penal em vigor adota, nas nulidades processuais, o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual somente há de se declarar a nulidade se houver demonstração ou comprovação de efetivo prejuízo para a parte, o que não ocorreu no presente caso. Assim, matéria preliminar rejeitada. Do Pedido de desclassificação para o delito de descaminho. Requer a Defesa, ainda, a desclassificação da conduta delitiva para o art. 334 do Código Penal (a qual trata do descaminho). A pretensão de desclassificação do crime de contrabando para o de descaminho não pode ser acolhida porque a importação de cigarros estrangeiros desacompanhados da documentação comprobatória de sua regular introdução no país (bem como seu comércio e transporte) configura o crime de contrabando, e não o de delito de descaminho. A internação no País de cigarros de origem estrangeira é proibida e configura o crime de contrabando (importar ou exportar mercadoria proibida), pois se trata de produto sem registro perante a autoridade sanitária brasileira, por pessoa não autorizada e com intuito comercial, nos termos dos preceitos constantes nos artigos 44 a 53 da Lei nº 9.532/97 (legislação tributária federal) e no Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 6.759, de 05/02/2009, que dispõe sobre a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Ademais, o artigo 20 da Resolução RDC nº 90/07 da ANVISA, que regula o registro de dados cadastrais dos produtos fumígenos derivados do tabaco, prevê que a marca específica somente poderá ser comercializada após a publicação do deferimento da petição de Registro de Dados Cadastrais, no Diário Oficial da União. O §1º deste dispositivo estabelece, ainda, que é proibida a importação, a exportação e a comercialização no território nacional de qualquer marca de produto fumígeno que não esteja devidamente regularizada na forma desta Resolução ainda que a marca se destine à pesquisa no mercado consumidor (grifo nosso). Dispõem, ainda, os artigos 46 da Lei nº 9.532/97 e 600 do Decreto nº 6.759/09 que é vedada a importação de cigarros de marca que não seja comercializada no país de origem. No particular, os maços de cigarros apreendidos são de origem estrangeira (273.000 maços da marca Gift), e referidas marcas não constam da relação publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, razão pela qual é proibida a sua comercialização (ID 272501141, p. 23/26). Logo, a tipicidade do delito de contrabando, nos casos que envolvem a importação de cigarros, não está circunscrita somente às hipóteses em que tais cigarros foram produzidos no Brasil com destinação exclusiva à exportação. A análise acerca da configuração do contrabando não se limita à mercadoria em si, mas também à forma de sua exportação ou de sua introdução no território nacional. Em outras palavras: a proibição não envolve apenas o objeto material da conduta (cigarros), impondo-se que seu ingresso ou saída do país obedeça aos trâmites legalmente previstos para sua importação ou exportação. Não basta, por isso, que os cigarros sejam de origem estrangeira e, a princípio, passíveis de ingressar regularmente no país, para se afirmar que, caso internalizados sem o pagamento dos tributos devidos, seriam objeto do delito de descaminho. Com efeito, a importação de cigarros é submetida a uma extensa normatização por parte da Receita Federal do Brasil, do Ministério da Saúde e da Anvisa, o que torna proibido o seu ingresso irregular no território nacional, não se tratando de irregularidade tributária, com a prática da evasão tributária, como ocorre no descaminho, mas de verdadeiro delito de contrabando. Ademais, e pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de que a importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, e não o de descaminho (HC nº 118.858/SP, Primeira Turma, Rel. Ministro Luiz Fux, j. 03.12.2013, DJe-250, Publicação 18.12.2013), entendimento que vem sendo adotado nesta Corte Regional: "PENAL. PROCESSUAL PENAL. DESCAMINHO. MATERIALIDADE. EXAME PERICIAL. INSIGNIFICÂNCIA. DÉBITO TRIBUTÁRIO NÃO EXCEDENTE A R$ 20.000,00. ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO CONFIGURADO. CIGARROS. CONTRABANDO. CONFIGURAÇÃO. PEDIDO DE DESCLASSIFICAÇÃO. DOSIMETRIA. VALOR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO. BATEDOR. MATERIALIDADE. AUTORIA. DESCLASSIFICAÇÃO. DESCAMINHO. DOSIMETRIA DA PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. (TRF 3ª Região, 11ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 0000982-65.2018.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal NINO OLIVEIRA TOLDO, julgado em 09/08/2024, DJEN DATA: 14/08/2024)-grifei Desse modo, vê-se que a internação em solo brasileiro de mercadoria proibida, no caso dos autos cigarros estrangeiros sem registro na ANVISA, configura o crime de contrabando (artigo 334-A, caput do Código Penal), ressaltando que a prática do delito em comento não se delimita à importação ou exportação da mercadoria proibida, bastando observar que o artigo 334-A, §1º, I do Código Penal tipifica os fatos assimilados, por lei especial, ao contrabando: Contrabando Art. 334-A. Importar ou exportar mercadoria proibida: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 ( cinco) anos. (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) § 1o Incorre na mesma pena quem: (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) I - pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando; (Incluído pela Lei nº 13.008, de 26.6.2014) Por sua vez, os artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/1968 dispõem: Art. 2º O Ministro da Fazenda estabelecerá medidas especiais de contrôle fiscal para o desembaraço aduaneiro, a circulação, a posse e o consumo de fumo, charuto, cigarrilha e cigarro de procedência estrangeira. Art. 3º Ficam incursos nas penas previstas no artigo 334 do Código Penal os que, em infração às medidas a serem baixadas na forma do artigo anterior adquirirem, transportarem, venderem, expuserem à venda, tiverem em depósito, possuirem ou consumirem qualquer dos produtos nêle mencionados. (grifei) Portanto, embora não seja imputada ao réu a conduta de internalização de mercadoria proibida, seu transporte ficou devidamente demonstrado da análise do conjunto probatório, fato este que se enquadra, por assimilação, também à figura do contrabando. Dessa forma, mantida a condenação pela prática delitiva insculpida no artigo 334-A, §1º, do Código Penal. Da materialidade, autoria delitiva e do dolo A materialidade restou comprovada pelo conjunto probatório acostados aos autos – boletim de ocorrência, auto de exibição e apreensão, auto de infração e termo de apreensão e guarda fiscal de mercadorias, planilha com tributos federais não recolhidos e laudo pericial merceológico (ID 272500840, p. 04/08, ID 272501141, p. 17/21 e ID 272501141, p. 23/27). A autoria, igualmente restou comprovada. Em audiência foram ouvidas as testemunhas de acusação, bem como colhido o interrogatório do réu condenado, que confessou os fatos imputados (ID 272501281 e anexos e ID 272501291), conforme transcrição constante da r. sentença: A testemunha de acusação Renan Francisco Rodrigues da Silva, Policial Rodoviário Militar, em depoimento prestado em Juízo, esclareceu que, por ocasião da abordagem do veículo carregado de cigarros: que o veículo foi abordado e solicitado os documentos do condutor; que o condutor pegou os documentos do veículo, a CNH e a nota fiscal da carga, que a princípio seria uma carga de ovos; que foi solicitado ao condutor que desembarcasse para abrir o compartimento de carga para a verificação da carga de ovos, momento em que ele empreendeu fuga e foi verificado a carga contrabandeada; que o condutor empreendeu fuga antes de explicar qualquer situação; que o condutor não foi localizado; que se recorda do condutor e é a pessoa presente na audiência virtual; que ratifica o depoimento que prestou na Polícia; que posteriormente constatou-se que o veículo era produto de roubo; que os cigarros eram oriundos do Paraguai”. Por sua vez, a testemunha Wanderson Caetano Valêncio, Policial Militar Rodoviário que também participou da abordagem da carreta Scania, relatou que “ se recorda da diligência; que estavam de fiscalização pela praça de pedágio; que foi dado sinal de parada para a carreta; que o condutor da carreta parou; que foi solicitado os documentos dele e da carreta; que foram entregue os documentos, assim como os da carga; que os documentos indicavam que se tratava de carga de ovos; que foi solicitada ao condutor que descesse e abrisse o compartimento de carga; que quando ele começou abrir o compartimento de carga ele já saiu correndo; que ficaram com os documentos do condutor e os documentos da carga; que os ovos ocupavam apenas o final da carreta, o restante tinha cigarros; que reconhece o acusado Raimundo, que está sentado na audiência virtual em um fundo azul; que as caixas de ovos estavam no final da carga”. Por fim, foi ouvida a testemunha Antonio de Pádua Silva, Policial Militar Rodoviário que igualmente participou da ocorrência que culminou na apreensão dos cigarros na carreta conduzida pelo acusado. A testemunha relata que participava de uma fiscalização na praça de pedágio, quando foi abordado uma carreta que era conduzida pelo senhor Raimundo; que ele apresentou os documentos de porte obrigatório e uma nota fiscal que indicava que ele estaria transportando ovos; que foi solicitado que abrisse o compartimento de carga para fiscalização da carga, momento em que ele empreendeu fuga e não foi possível alcança-lo; que em vistoria no compartimento de carga verificaram que os ovos estavam apenas no final do baú para ocultar uma carga de cigarros; que eram cigarros estrangeiros; que ficaram com a documentação pessoal do acusado, do veículo e a nota fiscal dos ovos; que alguns dias depois na delegacia foi constatado que o caminhão era produto de crime; que reconhece o acusado Raimundo como aquele abordado na data dos fatos”. O réu RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETO foi interrogado e acerca dos fatos, respondendo apenas aos questionamentos da defesa, disse que: “sabe do que está sendo acusado; que confessa os fatos”. As provas e as circunstâncias do caso concreto demonstram que o agir do réu era voltado à ciência do transporte de produtos estrangeiros sem a documentação comprobatória de regular importação, consciente da ilicitude da conduta e com intuito de lesar o fisco mediante o não pagamento dos tributos devidos, conferindo, assim, a certeza do dolo do acusado. Dessa forma, mantida a condenação pela prática delitiva insculpida no artigo 334-A, caput, §1º, I, do Código Penal. Passo à análise da pena aplicada ao réu. Assim procedeu o juiz sentenciante quanto à dosimetria da pena: "(...) Resta, agora, efetuar a dosimetria da pena: a) Circunstâncias Judiciais – artigo 59 do Código Penal – o dolo resta comprovado, já que o acusado manteve em depósito e transportou, em proveito próprio e alheio, no exercício de atividade comercial, cigarros de origem estrangeira, introduzidos clandestinamente no território nacional. Considerando que o acusado se utilizava de um caminhão acoplado a uma carreta para carregar expressiva carga de cigarros estrangeiros desprovidos de documentação fiscal; Personalidade Comum. Cometeu o crime para angariar lucro financeiro com o transporte dos cigarros. O réu não é primário, uma vez que consta um apontamento com trânsito em julgado em face do acusado, referente à ação penal nº 0000706-05.2018.8.26.0502, que tramitou perante Subseção Judiciária de Diadema, em que o réu foi condenado à pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão pelo delito previsto no art. 157, § 2º, I e II, do Código Penal, havendo o trânsito em julgado da ação para o réu em 26/01/2020 (Id. 52376874 – pág. 01). Além disso, a grande quantidade de cigarros apreendidos (350.000 - trezentos e cinquenta mil maços de cigarro de origem estrangeira (paraguaia) denota culpabilidade mais veemente e vulnera com maior intensidade o bem jurídico tutelado, na medida em que o volume dos bens configura consequências do crime mais acentuadas, conforme posicionamento adotado pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 3º Região (Apelação Criminal nº 0001172-03.2010.4.03.6112, Relatora Ramza Tartuce, dj. 14/02/2011. Apelação Criminal nº 0003907-73.1995.04.03.6002/MS, Relatora Ramza Tartuce, dj. 04/10/2010). Por fim, em face das consequências a serem produzidas no meio social diante de sua conduta, como acima exposto, objetivando prevenir a reprodução de fatos criminosos análogos, visando acautelar o meio social e a própria credibilidade da Justiça, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, posto que somente assim restarão atendidos os fins repressivos e de prevenção geral e específica da sanção penal. b) Circunstâncias agravantes – artigo 61, do Código Penal – ausentes circunstâncias que determinem o agravamento da pena aplicada. c) Circunstâncias atenuantes – artigo 65, do Código penal - Considerando que o réu, em seu interrogatório, confessou o delito, aplico-lhe a atenuante da confissão, conforme autoriza o disposto no artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal, e reduzo-lhe a pena em 1/6 (um sexto), para 2 (dois) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão. d) Causas de aumento da pena – ausentes causas que ensejem o aumento da pena aplicada. e) Causas de diminuição da pena – ausentes causas que ensejem a diminuição da pena aplicada. Portanto, fixada a pena, ausentes outras circunstâncias agravantes e atenuantes, assim como causas de aumento e de diminuição de pena, fica definitivamente condenado RAIMUNDO PEREIRA DOS ANJOS NETOà pena de 2 (dois) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão, pelo crime descrito no artigo 334-A, § 1º, inciso I, do Código Penal. Para início de cumprimento da pena privativa de liberdade imposta, fixo o regime aberto nos termos do artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal. Conforme o disposto no artigo 387, § 2º do Código de Processo Penal, verifico que o réu não possui pena provisória a ser computada. O acusado preenche as condições impostas pelo artigo 44, do Código Penal, para efeito de substituição da pena privativa de liberdade, tendo em vista que a condenação imposta não é superior a quatro anos e o delito não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, nem tampouco resulta presente a reincidência em crime doloso, além do que a culpabilidade, a conduta social e a personalidade do condenado indicam ser oportuna a concessão. Assim, nos termos do artigo 44, § 2º, do Código Penal, substituo a pena privativa de liberdade de 2 (dois) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze) dias de reclusão por duas penas restritivas de direitos, sendo uma de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a outra de prestação pecuniária. Dessa forma, no que tange à primeira substitutiva, nos termos do artigo 46, do Código Penal, a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas deverá ser especificada e fiscalizada pelo Juízo de Execuções Penais. Com relação à segunda substitutiva, nos termos do artigo 45, § 1º, do Código Penal, fixo a prestação pecuniária no valor equivalente a 1/4 (um quarto) do salário mínimo ao mês, a ser entregue à instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante também todo o período da condenação, sendo certo que, na hipótese do condenado preferir, poderá, nos termos do artigo 45, § 2º, do referido diploma legal, ser substituído o valor acima mencionado por 2 (duas) cestas básicas devidas a cada mês, que deverão ser entregues à instituição previamente cadastrada a ser indicada, também, pelo Juízo das Execuções Penais. (...)" Na primeira fase da dosimetria, o artigo 59, do Código Penal estabelece as circunstâncias judiciais que devem ser consideradas na fixação da pena-base: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima. Na primeira fase, o juízo a quo fixou a pena-base em 02 (dois) anos e 09 (seis) meses de reclusão, em razão dos maus antecedentes e, por conta da quantidade de cigarros, avaliou negativamente a culpabilidade e as consequências do crime. A acusação requereu a exasperação da pena-base devido à grande quantidade de mercadorias contrabandeadas – 273.000 (duzentos e setenta e três mil) maços de cigarros -, bem como em razão de sua personalidade voltada a prática de infrações penais. Na primeira fase da dosimetria da pena, a quantidade de maços de cigarros contrabandeados (273.000 maços de cigarros de origem estrangeira) autoriza a exasperação da condenação, em respeito ao princípio da individualização da pena, ao distinguir no caso concreto, o número de maços mais ou menos expressivo. Pelos parâmetros utilizados por esta Turma Julgadora, a pena-base deve ser elevada em 1/2 (metade) do mínimo legal, no tocante a esta circunstância judicial, o que configura um aumento da pena-base em um ano. Os maus antecedentes restaram comprovados (Processo nº 0000706-05.2018.8.26.0502; art. 157, § 2º, I e II, do CP; data dos fatos: 07.08.2003; transitado em 26.01.2010 – ID 272501196), devendo a majoração da pena-base, neste ponto, ser mantida em 1/6(um sexto), ou seja, quatro meses. Ademais, quanto à culpabilidade (sopesada negativamente pelo juiz sentenciante) e à personalidade do agente (vetor que o MPF entende que deva ser valorado negativamente), dos autos não sobressaem elementos apropriados que permitam avaliar desfavoravelmente esses vetores, de modo que resta afastado o pleito ministerial para exasperar a pena em razão da personalidade do réu, pois violaria indiretamente a Súmula 444 do STJ, e também resta afastado, de ofício, o aumento da pena pela culpabilidade, aplicado na sentença. Aliás, por oportuno, no que tange à suposta personalidade distorcida, replico ensinamento doutrinário do penalista Rogério Greco: "Acreditamos que o julgador não possui capacidade técnica necessária para a aferição de personalidade do agente, incapaz de ser por ele avaliada sem uma análise detida e apropriada de toda a sua vida, a começar pela infância. Somente os profissionais de saúde (psicólogos, psiquiatras, terapeutas, etc.), é que, talvez, tenham condições de avaliar essa circunstância judicial. Dessa forma, entendemos que o juiz não deverá levá-la em consideração no momento da fixação da pena-base. Merece ser frisado, ainda, que a consideração da personalidade é ofensiva ao chamado direito penal do fato, pois prioriza a análise das características pessoais do seu autor." (GRECO, Rogério. Código Penal: Comentado. 11ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2017) Inexistem nos autos provas ou indicativos seguros de que o réu tenha personalidade distorcida, devendo tal circunstância judicial não ser considerada, uma vez que não consta dos autos elementos para aferi-la, de modo que se trata de aspectos morais e psicológicos. Quanto ao afastamento, de ofício, do vetor culpabilidade, cumpre registar que, embora a defesa não tenha se insurgido contra a dosimetria da pena, a apelação criminal devolve ao conhecimento do Tribunal ad quem toda a matéria ventilada nos autos, privilegiando a ampla defesa do réu, sendo possível a reformatio in mellius até mesmo em recurso exclusivo da acusação (STJ, REsp 628.971/PR, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe 12/04/2010 e HC n. 368.973/SP, Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, DJe de 26/2/2018). Ademais, essa valoração evidencia indevido "bis in idem", pois utilizado a quantidade de cigarros para valorar negativamente duas circunstâncias judiciais. Assim, fixo a pena-base em 03 (três) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, em razão dos maus antecedentes e da quantidade de cigarros contrabandeados, afastando, de ofício, a exasperação da pena pela culpabilidade. Na segunda fase da dosimetria, foi reconhecida a atenuante da confissão, o que mantenho, reduzindo a pena em um sexto, o que conduz à pena intermediária de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, pois sem outras atenuantes ou agravantes. Na terceira fase, não houve causas de aumento ou de diminuição identificadas, o que confirmo. Assim, a pena definitiva fica estabelecida em 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão. O regime inicial da pena corporal deve ser mantido aberto, nos termos do art. 33, § 2º, “c”, do CP. A pena corporal foi substituída por duas penas restritiva de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a ser especificada e fiscalizada pelo Juízo de Execuções Penais e, prestação pecuniária no valor equivalente a 1/4 (um quarto) do salário mínimo ao mês, a ser entregue à instituição designada pelo Juízo de Execuções Penais, durante também todo o período da condenação, sendo certo que, na hipótese do condenado preferir, poderá, nos termos do artigo 45, § 2º, do referido diploma legal, ser substituído o valor acima mencionado por 2 (duas) cestas básicas devidas a cada mês, que deverão ser entregues à instituição previamente cadastrada a ser indicada, também, pelo Juízo das Execuções Penais. O valor da prestação pecuniária deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado, atentando-se ainda, para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica do réu, com a finalidade de viabilizar o seu cumprimento. Consta dos autos nas Informações sobre a Vida Pregressa que o apelante possui um filho de 12 anos, ensino fundamental, exerce a função de motorista de aplicativo, com rendimento mensal de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) – ID 272501157, p. 134. Seguindo esses parâmetros reduzo, de ofício, a prestação pecuniária no pagamento de 01 (um) salário mínimo. Registra-se que é cabível a comprovação de impossibilidade de pagamento da prestação pecuniária diante do juízo da execução criminal, que poderá até mesmo autorizar o parcelamento do valor de forma a permitir o pagamento pelo acusado sem a privação do necessário à sua subsistência. Diante do exposto, rejeito as preliminar arguidas; NEGO PROVIMENTO à apelação da Defesa e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal para exasperar a pena-base em 1/2 (metade) em razão da grande quantidade de cigarros contrabandeados; DE OFÍCIO, afasto a circunstância judicial da culpabilidade e reduzo o valor da pena substitutiva de prestação pecuniária para seu mínimo legal, resultando em uma pena definitiva de 2 (dois) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão, em regime aberto, pela pratica delitiva tipificada no art. 334-A, § 1º, I, do Código Penal, substituída por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a ser especificada e fiscalizada pelo Juízo de Execuções Penais e prestação pecuniária no valor de 01 (um) salário mínimo vigente à época do pagamento, a ser revertida para entidade filantrópica definida pelo Juízo de Execuções Penais, nos termos da fundamentação. É o voto.
1. Não é indispensável a realização de exame pericial (laudo merceológico) que ateste a origem estrangeira das mercadorias para a comprovação da materialidade do delito de contrabando ou descaminho, que pode ser apurada por outros meios de prova; havendo ainda entendimento no sentido de que o exame pericial não seria necessário em razão desse delito não deixar vestígios. (TRF da 3ª Região, ACR n. 00040039320064036102, Rel. Des. Fed. André Nekatschalow, j. 20.06.11; RSE n. 200661060041939, Rel. Juiz Fed. Conv. Helio Nogueira, j. 16.03.09; HC n. 27991, Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini, unânime, j. 15.07.08; TRF da 1ª Região, ACR n. 200742000020180, Rel. Des. Fed. Hilton Queiroz, j. 22.09.09; TRF da 4ª Região, HC n. 200904000216747, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère, j. 12.08.09; STJ, HC n. 108919, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, j. 16.06.09; TRF da 1ª Região, ACR n. 199939000009780, Rel. Juiz Fed. Conv. Guilherme Doehler, j. 29.11.05; TRF da 4ª Região, ACR n. 200471040061265, Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, j. 16.04.06).
2. Ao contrário do que sucede com o delito de sonegação fiscal, cuja natureza material exige a constituição do crédito tributário para instauração da ação penal (STF, Súmula Vinculante n. 24), o delito de contrabando ou descaminho é de natureza formal, não sendo necessário o prévio esgotamento da instância administrativa (TRF da 3ª Região, HC n. 201003000138852, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvia Rocha, j. 06.07.10; ACR n. 200261810065925, Rel. Juiz Fed. Conv. Silvio Gemaque, j. 29.06.10; ACR n. 200261810067120, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, j. 29.09.09; HC n. 200803000042027, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, j. 24.09.09; HC n. 200903000243827, Rel. Juiz. Fed. Conv. Marcio Mesquita, j. 25.08.09).
3. Revejo meu entendimento para aplicar o princípio da insignificância ao delito de descaminho quando o valor do débito tributário não exceder a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), previsto no art. 20 da Lei n. 10.522/02, com as alterações introduzidas pelas Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, consoante restou assentado pelas duas Turmas do Supremo Tribunal Federal (STF, 1ª Turma, HC n. 118.067, Min. Rel. Luiz Fux, j. 25.03.14; 1ª Turma, HC n. 120.139, Min. Rel. Dias Toffoli, j. 11.03.14; 1ª Turma, HC n. 120.096, Min. Rel. Roberto Barroso, j. 11.02.14; 1ª Turma, HC n. 123035, Rel. Min. Rosa Weber, j. 19.08.14; 2ª Turma, HC n. 118.000, Min. Rel. Ricardo Lewandowski, j. 03.09.13).
4. Para configurar o erro de proibição é necessário que o agente suponha, por erro, que seu comportamento é lícito. A prática anterior do mesmo delito, embora sem sentença transitada em julgado, impossibilita o reconhecimento da excludente.
5. A jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte revela que, sob a vigência do art. 334 do Código Penal em sua redação anterior à Lei n. 13.008/14, nas hipóteses em que o agente importou, exportou, transportou, manteve em depósito, vendeu, expôs à venda ou adquiriu, recebeu, ocultou ou utilizou em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial, cigarros de origem estrangeira, produto de importação restrita, resta configurado o crime de contrabando por terem sido atingidos bens jurídicos de natureza diversa (erário, saúde pública, higiene, ordem econômica etc.), afastando-se, em regra, a incidência do princípio da insignificância.
6. Isso porque as condutas tipificadas pelas alíneas do § 1º do art. 334 do Código Penal, ao se referirem a “fatos assimilados, em lei especial, a contrabando ou descaminho” (alínea b), a “introdução clandestina” e “importação fraudulenta” (alínea c), e a “mercadoria desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos” (alínea d), podem configurar tanto o crime de contrabando como o de descaminho, a depender do objeto material e da forma como praticado o delito: se mercadorias de internalização permitida ou proibida e se acompanhadas de documentos falsos ou não acompanhadas de qualquer documentação legal, seja porque inadmitido em absoluto sua introdução no país, seja porque exigido, para ingresso, o cumprimento de requisitos legais perante as autoridades, fazendária ou sanitária, não observados pelo agente.
7. Trata-se de decorrência lógica tanto da redação do § 1º, que se referia ao caput de maneira genérica (“incorre na mesma pena quem”), quanto do significado e da própria origem dos vocábulos (do latim clandestinus, que se faz às escondidas, em segredo, e do latim fraus – fraudis, engano malicioso, ação astuciosa, promovidos de má fé para ocultação da verdade ou fuga ao cumprimento do dever). Tanto é assim que a nova redação do art. 334-A do Código Penal, que trata inequivocamente do delito de contrabando, incluiu no inciso II do § 1º a conduta de importar “clandestinamente” mercadorias.
8. Especificamente no caso de cigarros de origem estrangeira, a ANVISA apresenta as listas das marcas de cigarros, charutos e outros produtos cadastrados na Resolução RDC nº 90/2007, cujo art. 3º estabelece que “é obrigatório o registro dos dados cadastrais de todas as marcas de produtos fumígenos derivados do tabaco fabricadas no território nacional, importadas ou exportadas”. As marcas que não constam nas referidas listas divulgadas pela ANVISA ou que tiveram seus pedidos de cadastro indeferidos não podem ser comercializadas no Brasil. Os maços de cigarros estrangeiros não tiveram sua qualidade e conformação a normas sanitárias verificadas pelas autoridades competentes, afora serem desprovidos de selo de controle de arrecadação e apresentarem inscrições em idiomas diversos do português, não possuindo os textos legais exigidos pela legislação vigente como requisito para circulação e comercialização no mercado nacional, em desconformidade com requisitos obrigatórios (Resolução ANVISA - RDC nº 335/2003 e suas alterações).
9. Por tal motivo, eventual referência na denúncia à “ausência de documentos comprobatórios de regular importação” tem justamente a finalidade de apontar a não comprovação da submissão dos produtos aos controles nacionais e a realização de cálculo de “tributos iludidos” por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil não faz presumir que estaria caracterizado o crime de descaminho. Referida avaliação tem fins estatísticos, como apontado nas próprias manifestações daquela Secretaria nos autos referentes ao crime envolvendo cigarros no sentido de que são "valores estimados que incidiriam em uma importação regular, para fins meramente estatísticos para a Secretaria da Receita Federal” (cf., a título de exemplo, fls. 99/101 dos autos da ACr n. 2009.61.08.009428-8, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 06.02.17), mesmo porque não se concebe a incidência de tributos na internalização de mercadorias objeto de contrabando, tanto quanto na internalização de drogas no crime de tráfico transnacional de entorpecentes. Não há, assim, cálculo dos tributos iludidos stricto sensu, mas aferição do “valor de mercado” dos cigarros e do impacto financeiro advindo da conduta criminosa à economia nacional em decorrência da introdução irregular de cigarros estrangeiros, indicando-se, ainda, o valor de tributos que seriam incidentes sobre a eventual importação regular de cigarros que fossem de internalização permitida.
10. Assim, como os arts. 2º e 3º do Decreto n. 399/68 equiparavam ao crime do art. 334 do Código Penal as condutas de adquirir, transportar, vender, expor à venda, ter em depósito e possuir cigarros de procedência estrangeira, a jurisprudência admite sua tipificação como contrabando com fundamento no art. 334, § 1º, b, do Código Penal (STJ, AgRg no Ag em REsp n. 697456, Rel Min. Nefi Cordeiro, j. 11.10.16; TRF da 3ª Região, ACR n. 00014644420124036006, Rel. Des Fed. André Nekatschalow, j. 06.02.17; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACr n. 00000804120154036006, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 22.08.16; ACr n. 00000446720134036006, Rel. Des. Fed. Cecília Mello, j. 16.02.16; ACr n. 00031384620104036000, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, j. 01.02.16; TRF da 4ª Região, ACr n. 0001823.63.2006.404.7109, Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen, j. 17.07.15). No caso de cigarros de origem estrangeira introduzidos clandestinamente e importados fraudulentamente, resta também caracterizado o contrabando, nos termos da alínea c do art. 334 do Código Penal (TRF da 3ª Região, ACr n. 0000663-30.2014.4.03.6113, Rel. Des. Fed. Paulo Fontes, j. 23.01.17; ACR n. 00002595320084036124, Des. Fed. Cecília Mello, j. 28.09.16; ACR n. 00003476020144036131, Des. Fed. José Lunardelli, j. 01.09.16; ACR n. 0006003-12.2010.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Souza Ribeiro, j. 08.11.16). Por fim, na hipótese de cigarros de origem estrangeira desacompanhados de documentação legal ou acompanhados de documentos falsos, conforme a alínea d do art. 334 do Código Penal, configura-se igualmente o contrabando (STJ, AgRg no HC n. 129382, Rel. Min. Luiz Fux, j. 23.08.16; TRF da 3ª Região, ACr n. 0004330-32.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Peixoto Júnior, j. 20.09.16; ACR n. 0007988-64.2011.4.03.6112, Rel. Des. Fed. Hélio Nogueira, j. 25.10.16; ACr n. 0007603-59.2010.4.03.6110, Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy, j. 13.09.16)
11. Restou demonstrado que, no dia 03.04.18, por volta das 15h30, na Rodovia Bunjiro Nakao, Km 74,5, sentido leste, Ibiúna (SP), o apelante Edmilson José de Vasconcelos trazia consigo, transportava e utilizava, no exercício de atividade comercial, 124 (cento e vinte e quatro) maços de cigarros de origem estrangeira, da marca Eight, além de mercadorias diversas, todos introduzidos clandestinamente em território nacional e destinados à revenda, conduta que se subsome aos delitos dos arts. 334, § 1º, III, e 334-A, § 1º, IV, ambos do Código Penal.
12. Em que pese tenha declarado não ter estudo, sendo pessoa humilde, o apelante Edmilson admitiu, extrajudicialmente e judicialmente, que é ambulante e dedica-se, habitualmente, à aquisição de mercadorias no comércio informal, do que decorre que não sabe sequer precisar seus fornecedores, da região central de São Paulo (SP), conhecida pela comercialização de produtos falsificados e contrabandeados, dos quais não exigia nenhuma documentação fiscal. Acrescente-se a isso o fato de que, na data dos fatos, envolveu-se em acidente de trânsito e evadiu-se do local, não tendo refutado, em nenhuma das suas oitivas, que o veículo e as mercadorias transportadas pertenciam-lhe e destinavam-se à revenda, o que indica tinha ciência da proibição da introdução clandestina e do comércio ilegal dos cigarros e mercadorias estrangeiras desacompanhadas de documentação fiscal.
13. Inviável a exclusão da causa de aumento aplicada em 1/6 (um sexto), em razão do concurso formal de delitos, afastado o pedido de desclassificação do delito de contrabando para o delito de descaminho.
14. Descabido o requerimento de diminuição de pena decorrente do erro de proibição evitável, a que alude o parágrafo único do art. 21 do Código Penal.
15. Adequada a redução da prestação pecuniária para 1 (um) salário mínimo, o que guarda proporcionalidade com a pena substituída, ausente valoração desfavorável das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, ausente informação nos autos sobre a atual condição financeira do apelante.
16. Recurso de apelação defensivo parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido."
(TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim - APELAÇÃO CRIMINAL - 5007693-64.2019.4.03.6110, Rel. Desembargador Federal ANDRE CUSTODIO NEKATSCHALOW, julgado em 25/07/2023, Intimação via sistema DATA: 27/07/2023) - grifei
1. Materialidade, autoria e dolo comprovados. Não há nada nos autos a invalidar a confissão de um dos réus, que, tanto por ocasião do flagrante como em juízo, admitiu que tinha sido contratado para atuar como batedor da carga de cigarros. O conjunto probatório e o contexto fático infirmam a tese de que a corré desconhecia o real motivo da viagem, acreditando que faria um passeio familiar.
2. A pretensão de desclassificação do crime de contrabando para o de descaminho não tem como ser acolhida porque a importação de cigarros estrangeiros desacompanhados da documentação comprobatória de sua regular introdução no país configura o crime de contrabando, e não o de descaminho.
3. A tipicidade do delito de contrabando, nos casos que envolvem a importação de cigarros, não está circunscrita apenas às hipóteses em que eles foram produzidos no Brasil com destinação exclusiva à exportação. A análise acerca da configuração desse crime não se limita à mercadoria em si, mas também à forma de sua exportação ou de sua introdução no território nacional. Em outras palavras, a proibição não envolve apenas o objeto material da conduta (cigarros), impondo-se que seu ingresso ou saída do país obedeça aos trâmites legalmente previstos para sua importação ou exportação. Não basta, por isso, que os cigarros sejam de origem estrangeira e, a princípio, passíveis de ingressar regularmente no país, para se afirmar que, caso internalizados sem o pagamento dos tributos devidos, seriam objeto do delito de descaminho.
4. A importação de cigarros é submetida a uma extensa normatização por parte da Receita Federal do Brasil (RFB), do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que torna proibido o seu ingresso irregular no território nacional, não se tratando de irregularidade tributária, com a prática da evasão tributária, como ocorre no descaminho.
5. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a importação irregular de cigarros configura o crime de contrabando, e não o de descaminho.
6. Como o contrabando tem natureza formal, consumando-se com a mera entrada ou saída do produto proibido, como no caso em exame, é irrelevante o lançamento de eventual crédito tributário.
7. O crime de contrabando prescinde de dolo específico, pois o tipo penal não traz, em sua redação, a finalidade especial de agir. Basta, portanto, a existência de dolo genérico, consistente na vontade livre e consciente dirigida à importação da mercadoria proibida.
8. Dosimetria da pena. A expressiva quantidade de cigarros apreendida, os maus antecedentes de um dos acusados e o fato de terem levado a filha menor para a prática criminosa justificam a exasperação da pena-base conforme estabelecido na sentença.
9. A circunstância agravante da prática do crime mediante paga ou promessa não constitui elementar dos delitos de contrabando e descaminho, sendo permitida sua incidência em casos como o dos autos. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
10. Mantido o regime semiaberto para início do cumprimento da pena privativa de liberdade de um dos réus porque, apesar de a pena definitiva ser inferior a quatro anos e ele não ser reincidente, as circunstâncias judiciais consideradas negativas impedem a fixação de regime inicial menos gravoso (CP, art. 33, §§ 2º e 3º). Apesar disso, fica mantida a substituição dessa pena por penas restritivas de direitos porque não houve recurso da acusação.
7. Apelações não providas.
E M E N T A
Ementa: Direito penal. Processo penal. Contrabando. Artigo 334-A, caput, §1º, I, do Código Penal. Inépcia da inicial. Nulidade do laudo pericial. Inocorrência. Comercialização de mercadoria proibida. Alteração para o delito do art. 334 do CP. Não ocorrência. Materialidade, autoria e dolo configurados. Dosimetria da pena corporal parcialmente alterada. Consequência do crime afastada. Quantidade de cigarros. Pena majorada. Valor da pena restritiva de direitos de prestação pecuniária reduzido. Alteração de ofício. Reformatio in mellius. Preliminares rejeitadas. Apelação da defesa improvida. Apelação da acusação parcialmente provida.
I. Caso em exame
1. Apelações contra a decisão que condenou o acusado pela prática delitiva descrita no art. 334-A, caput, §1º, I, do Código Penal.
II. Questão em discussão
2. Há cinco questões em discussão: (i) inépcia da exordial acusatória; (ii) nulidade do laudo pericial; (iii) desclassificação da prática delitiva para o crime de descaminho; (iv) ausência de provas da autoria delitiva; e, (v) majoração da pena-base.
III. Razões de decidir
3. A exordial acusatória é formalmente apta, com exposição dos fatos, suas circunstâncias e a qualificação do denunciado na prática delituosa. Houve indicação de evidências da materialidade do crime, indícios da autoria e a descrição das condutas empregadas, conferindo ao acusado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, prolatada sentença condenatória há preclusão da alegação de inépcia da denúncia.
4. Nulidade do laudo pericial. Inocorrência. Inexigência de sua elaboração por dois peritos oficiais. Precedente. Inteligência do art. 159, do CPP. Desnecessária a realização de perícia técnica nos produtos contrabandeados apreendidos (ou exame de corpo de delito direto), podendo ser comprovada a proibição de comercialização dos cigarros (materialidade delitiva) por outros meios. Precedente. Art. 563 do CPP. Princípio pas de nullité sans grief.
5. A comercialização de mercadoria proibida configura o crime de contrabando. Produto sem registro perante a autoridade sanitária brasileira. Pessoa não autorizada. Intuito comercial. Artigos 44 a 53 da Lei nº 9.532/97 (legislação tributária federal). Regulamento Aduaneiro, aprovado pelo Decreto nº 6.759, de 05/02/2009. Artigo 20 da Resolução RDC nº 90/07 da ANVISA. Artigos 46 da Lei nº 9.532/97 e 600 do Decreto nº 6.759/09.
6. Materialidade, autoria e dolo configurados pelo conjunto probatório acostado aos autos. Manutenção da condenação no art. 334-A, caput, §1º, I, do Código Penal.
7. Dosimetria da pena. Pena-base elevada. A quantidade de maços de cigarros contrabandeados, autoriza a exasperação da condenação, em respeito ao princípio da individualização da pena, ao distinguir no caso concreto, o número de maços mais ou menos expressivo. De acordo com os parâmetros fixados por esta Turma Julgadora a pena-base deve ser elevada em 1/2 (metade). Mantido o aumento pelos maus antecedentes. Afastada, de ofício, a majoração pelas consequências do crime. Bis in idem. Reformatio in mellius. Não configurada a avaliação negativa da personalidade do agente.
8. Pena privativa de liberdade substituída por duas penas restritiva de direitos. Valor da prestação pecuniária reduzido, de ofício, levando em consideração a prevenção e reprovação do crime praticado, a extensão dos danos decorrentes do ilícito e a situação econômica do réu, com a finalidade de viabilizar o seu cumprimento. Reformatio in mellius.
IV. Dispositivo e tese
9. Preliminares rejeitadas e apelação da defesa improvida.
10. Apelação da acusação parcialmente provida.
11. De ofício, redução da pena-base, bem como do valor da pena restritiva de direitos de prestação pecuniária.
Tese de Julgamento: “1. (...) verifica-se que, no caso em tela, a exordial acusatória é formalmente apta, com exposição dos fatos, suas circunstâncias e a qualificação do denunciado na prática delituosa. 2. (...)é pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual, prolatada sentença condenatória há preclusão da alegação de inépcia da denúncia. 3. (...) Súmula nº 361 do Supremo Tribunal Federal (no processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão).4. De acordo com jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal, tal entendimento não se aplica a peritos oficiais, como no caso dos autos, em que a perícia foi realizada na Unidade Técnico-Científica da Delegacia de Polícia Federal em Sorocaba. 5. (...) o artigo 159 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei nº 11.690/2008, não exige a realização da perícia por dois peritos oficiais. 6. (...) desnecessária a realização de perícia técnica nos produtos apreendidos (ou exame de corpo de delito direto), podendo ser comprovada a proibição de comercialização dos cigarros (materialidade delitiva) por outros meios. 7. (...) nos termos do art. 563 do CPP, a Lei Processual Penal em vigor adota, nas nulidades processuais, o princípio pas de nullité sans grief, segundo o qual somente há de se declarar a nulidade se houver demonstração ou comprovação de efetivo prejuízo para a parte, o que não ocorreu no presente caso. 8. No particular, os maços de cigarros apreendidos são de origem estrangeira (273.000 maços da marca Gift), e referidas marcas não constam da relação publicada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, razão pela qual é proibida a sua comercialização. 9. Portanto, embora não seja imputada ao réu a conduta de internalização das mercadorias proibidas, sua comercialização ficou devidamente demonstrado da análise do conjunto probatório, fato este que se enquadra na figura de contrabando.10. A materialidade restou comprovada pelo conjunto probatório acostados aos autos. 11. A autoria, igualmente restou comprovada. 12. As provas e as circunstâncias do caso concreto demonstram que o agir do réu era voltado à ciência do transporte de produtos estrangeiros sem a documentação comprobatória de regular importação, consciente da ilicitude da conduta e com intuito de lesar o fisco mediante o não pagamento dos tributos devidos, conferindo, assim, a certeza do dolo do acusado. 13. Na primeira fase da dosimetria da pena, a quantidade de maços de cigarros contrabandeados, autoriza a exasperação da condenação, em respeito ao princípio da individualização da pena, ao distinguir no caso concreto, o número de maços mais ou menos expressivo. 14. Pelos parâmetros utilizados por esta Turma Julgadora, a pena-base deve ser elevada em 1/2 (metade) do mínimo legal, no tocante a esta circunstância judicial. 15. Os maus antecedentes restaram comprovados. 16. Contudo, não há que se falar em majoração pelas consequências do crime produzidas no meio social, o que denotaria bis in idem em relação a majoração já realizada pela quantidade de cigarros contrabandeados. 17. Cumpre registar que embora a defesa não tenha se insurgido contra a dosimetria da pena, a apelação criminal devolve ao conhecimento do Tribunal ad quem toda a matéria ventilada nos autos, privilegiando a ampla defesa do réu, sendo possível a reformatio in mellius até mesmo em recurso exclusivo da acusação. 18. Inexistem nos autos provas ou indicativos seguros de que o réu tenha personalidade distorcida, devendo tal circunstância judicial não ser considerada, posto que não consta dos autos elementos para aferi-la, de modo que se trata de aspectos morais e psicológicos. 19. O valor da prestação pecuniária deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado, atentando-se ainda, para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica do réu, com a finalidade de viabilizar o seu cumprimento. 20. Seguindo esses parâmetros reduzo, de ofício, a prestação pecuniária no pagamento de 01 (um) salário mínimo, incidindo, igualmente, a reformatio in mellius acima referida.”
___________________
Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 41, 159 e 563;
Jurisprudência relevante citada: STF, HC nº 115.530, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, j. 25.06.2013; STJ - AgInt no AREsp nº 1046012/RJ, Agravo Interno No Agravo Em Recurso Especial 2017/0014573-9, Rel.: Min. Maria Thereza De Assis Moura, j. 16.03.2017; TRF 3ª Região, 5ª Turma, ApCrim nº 0003075-71.2018.4.03.6119, Rel. Des. Fed. Mauricio Yukikazu Kato, j. em 06.09.2022; TRF3, Processo nº 0000624-19.2017.4.03.6116, Rel. Des. Fed. Maurício Kato, 5ª Turma, j. 12.02.2019; TRF3, Processo nº 5006940-10.2019.4.03.6110; Rel.: Des. Fed. Mauricio Kato; 5ª Turma, j. 23.06.2020.