Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015269-39.2013.4.03.6100

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI

APELANTE: SICHIERI,SICHIERI & CIA LTDA - ME

Advogado do(a) APELANTE: VINICIUS RODRIGUES DE FREITAS - SP238344-A

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS, EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015269-39.2013.4.03.6100

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI

APELANTE: SICHIERI,SICHIERI & CIA LTDA - ME

Advogado do(a) APELANTE: VINICIUS RODRIGUES DE FREITAS - SP238344-A

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

R E L A T Ó R I O

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal ADRIANA PILEGGI: Trata-se de apelação contra r. sentença (ID nº 90237377 - pág. 73/78), que reconheceu a repetição da demanda com mesmas partes, causa de pedir e pedido, consubstanciando-se em hipótese de litispendência, nos termos do art. 267, inc. V, do CPC/73. 

A autora/recorrente pretendia o reconhecimento de seu direito de manter-se em atividade até a substituição contratual por nova agência franqueada devidamente licitada, diante da iminência do encerramento do prazo reconhecido judicialmente na ação anterior (30/09/2013).

Em suas razões (ID nº 90237377 - pág. 82/91), a parte apelante sustenta que a presente demanda não reproduz a anterior, pois fundada em nova situação fática e jurídica superveniente, relacionada à inércia da ECT em promover licitação após a reabertura da agência determinada judicialmente. Argumenta que houve alteração significativa do quadro fático, justificando novo pleito de tutela jurisdicional, e que a extinção do contrato vigente, sem substituição, comprometeria o serviço postal na localidade, gerando prejuízos à própria coletividade. Fundamenta sua pretensão na Lei nº 11.668/2008, invocando ainda os princípios da função social da empresa, continuidade do serviço público e livre iniciativa (CF, art. 170).

Sem contrarrazões, vieram ao autos à conclusão.

É o relatório.

 

Desembargadora Federal ADRIANA PILEGGI

RELATORA

 

 


          DECLARAÇÃO DE VOTO

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CALIXTO: Trata-se de apelação interposta por SICHIERI, SICHIERI & CIA LTDA em face da sentença que reconheceu a litispendência e extinguiu o feito sem resolução do mérito, com supedâneo no art. 485, V, do CPC.

Adoto o relatório da eminente relatora.

Peço vênia, contudo, para divergir em parte de seu voto, notadamente no que concerne ao avanço do mérito do litígio, por não vislumbrar, na espécie, o preenchimento do disposto no art. 1.013, § 3º, do CPC.

Com efeito, o compulsar dos autos revela que a relação processual não foi formalizada, haja vista que a extinção do feito ocorreu antes da citação da ré, a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS – fls. 73/78 do id 90237377.

A apelação foi recebida e não houve determinação de intimação para contrarrazões (fls. 102).

Portanto, a EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS não foi chamada a juízo para se defender, o que impede a aplicação da “teoria da causa madura” por não se tratar de feito em condições de julgamento do mérito.

Incide, na espécie, os óbices contidos nos art. 9º e 10 do CPC:

Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

Dessa forma, afastada a litispendência, nos termos do voto da eminente relatora, os autos devem retornar ao juízo a quo a fim de que tenha prosseguimento, com a citação da ré e o devido processo legal.

Ante o exposto, com a renovada vênia da relatoria, voto por dar provimento à apelação para afastar a litispendência e determinar o retorno dos autos à origem para prosseguimento.

É como voto.

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 0015269-39.2013.4.03.6100

RELATOR: Gab. 09 - DES. FED. ADRIANA PILEGGI

APELANTE: SICHIERI,SICHIERI & CIA LTDA - ME

Advogado do(a) APELANTE: VINICIUS RODRIGUES DE FREITAS - SP238344-A

APELADO: EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELEGRAFOS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O

 

 

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal ADRIANA PILEGGI: Preenchidos os pressupostos genéricos, conheço do presente recurso e passo ao respectivo exame.

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de repropositura de ação com causa de pedir parcialmente coincidente com demanda anterior, já decidida em 1º Grau, sob a alegação de fato superveniente — a inércia da Administração Pública em realizar licitação para a substituição da agência franqueada.

A r. sentença recorrida extinguiu o feito com base no art. 267, inc. V, do CPC/1973 (vigente à época), ao reconhecer a ocorrência de litispendência entre a presente ação e aquela anteriormente ajuizada, de n.º 0017785-66.2012.4.03.6100.

Contudo, a solução adotada pelo Juízo a quo merece reforma.

A litispendência, como instituto jurídico processual, pressupõe identidade tripla entre ações: mesmas partes, mesma causa de pedir (próxima e remota) e mesmo pedido (imediato e mediato). Assim dispõe expressamente o § 2º do art. 301 do CPC/1973:

§ 2º - Uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

A questão é saber se há identidade de causa de pedir entre as duas demandas. No primeiro processo, o pedido da autora foi amparado na ilegalidade do art. 9º, § 2º, do Decreto nº 6.639/2008, que impunha o encerramento dos contratos em 30/09/2012. O Juízo de origem reconheceu que tal decreto não poderia sobrepor-se ao art. 7º da Lei nº 11.668/2008, garantindo à autora a continuidade das atividades até 30/09/2013 ou até que nova agência fosse licitada e entrasse em operação, o que ocorresse primeiro.

A presente demanda, por sua vez, foi proposta em 27/08/2013, às vésperas do termo final fixado na sentença anterior, tendo como base a inércia da Administração em concluir a licitação, fato novo e superveniente à causa de pedir do processo anterior. Cuida-se, portanto, de nova lesão ou ameaça de lesão a direito.

A autora não pretende reabrir discussão sobre a legalidade do decreto, mas impedir o encerramento de suas atividades sem que a substituição de sua agência tenha sido efetivada, à luz da função social do serviço postal, da continuidade do serviço público e da supremacia da lei sobre o decreto regulamentar.

A jurisprudência deste Eg. Tribunal tem reiteradamente afastado a litispendência quando se verifica alteração fática substancial, capaz de justificar novo ajuizamento. Cite-se, por oportuno:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANTERIOR COM AS MESMAS PARTES E CAUSA DE PEDIR. PEDIDOS DISTINTOS. INEXISTÊNCIA DE TRÍPLICE IDENTIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA FUNÇÃO NEGATIVA DA COISA JULGADA. CAUSA DE PEDIR FUNDADA NA MESMA RELAÇÃO JURÍDICA DE DIREITO MATERIAL. PRESENÇA DA FUNÇÃO POSITIVA DA COISA JULGADA.  VINCULAÇÃO DO JUIZ QUANDO DA APRECIAÇÃO DO PEDIDO DE DANO MORAL. SENTENÇA ANULADA. APELAÇÃO PROVIDA.
1. O recurso de apelação merece ser provido pois inexiste, no caso, a tríplice identidade entre partes, pedido e causa de pedir a ensejar o reconhecimento da existência de coisa julgada.
2. Como aduz o recorrente, aqui há pedido de indenização por danos morais, inexistente nos autos da ação nº 0012116-90.2016.403.6100, e que deve ser analisado. Realmente, e de acordo com a função negativa da coisa julgada, se não houver a exata tríplice identidade, não há falar em coisa julgada com o escopo de promover o julgamento, sem análise do mérito, da segunda demanda ajuizada.
3. Assim, considerando que há diferenças entre os pedidos formulados nesta lide e os realizados nos autos do processo nº 0012116-90.2016.403.6100, não se pode cogitar a extinção deste processo, sem análise de mérito, sob o argumento de existência de coisa julgada.
4. Entretanto, cumpre tecer algumas considerações. Observo assistir razão ao magistrado sentenciante quando aduz que a possibilidade de inclusão do nome do autor em cadastros restritivos de crédito, em virtude do inadimplemento de contrato de financiamento imobiliário firmado com a CEF, já foi objeto de análise nos autos do processo nº 0012116-90.2016.403.6100, cuja sentença transitou em julgado no ano de 2019.
5. Nos termos do que foi decidido naqueles autos, não existe qualquer ilegalidade no contrato de financiamento imobiliário firmado entre o apelante e a CEF a justificar o inadimplemento das parcelas pelo autor. Por essa razão, a tutela antecipada concedida naqueles autos justamente para o fim de impedir a inscrição do nome do ora recorrente nos cadastros de proteção ao crédito foi expressamente revogada quando da prolação da sentença de improcedência do pedido.
6. Friso que as conclusões do magistrado, fixadas naqueles autos, acerca da legalidade dos termos do contrato de financiamento imobiliário e da ausência de justificativa juridicamente plausível para o inadimplemento das parcelas pelo autor, não podem mais ser discutidas em outros processos e vinculam as decisões posteriores acerca do tema, tendo em vista a função positiva da coisa julgada.
7. Analisando o teor dos pedidos e das sentenças prolatadas nestes autos e no processo nº 0012116-90.2016.403.6100, cumpre enfatizar que a mera inclusão de pedido de indenização por dano moral nesta demanda, porém com base na mesma causa de pedir – contrato de financiamento imobiliário firmado com a CEF e posteriormente inadimplido pelo ora recorrente – pode ser compreendida como estratégia que beira a má-fé processual. Isso porque, ressalto, a presente demanda é a terceira ajuizada pelo autor com o objetivo de tentar afastar os efeitos decorrentes do inadimplemento de avença por ele estabelecida (e posteriormente descumprida), e cuja legalidade das cláusulas já foi objeto de análise pelo Poder Judiciário nos autos do processo nº 0012116-90.2016.403.6100.
8. Ora, se a legalidade dos termos do contrato de financiamento, bem como a inexistência de escusa para a inadimplência do autor, foram reconhecidas por decisão judicial anterior com trânsito em julgado, obviamente que a apreciação do pedido de dano moral, realizado com fulcro nessa mesma causa de pedir, oriunda de uma mesma relação jurídica, fica vinculado ao entendimento firmado nos autos do processo nº 0012116-90.2016.403.6100, tendo em vista a função  positiva da coisa julgada, como adrede explicitado.
9. Diante disso, e considerando a existência de pedido de dano moral – a afastar a tríplice identidade entre as demandas e, por conseguinte, a existência de coisa julgada em sua função negativa – não apreciado pelo magistrado em primeiro grau, de rigor a anulação da sentença de extinção sem julgamento de mérito, devendo haver o retorno dos autos à primeira instância, para o julgamento de mérito do pedido de indenização por danos morais, sob pena de indevida supressão de instância.
10. Apelação provida. Sentença anulada. Retorno dos autos à primeira instância para apreciação do pedido de indenização por danos morais.                                    

(TRF 3ª Região, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5013180-45.2019.4.03.6100, Rel. Des. Fed. HELIO NOGUEIRA, julgado em 28/04/2022, DJEN DATA: 09/05/2022)

No mérito, a pretensão da recorrente encontra fundamento na Lei nº 11.668/2008, especialmente no seu art. 7º, que assegura a continuidade dos contratos anteriores até a efetiva entrada em vigor de novo contrato celebrado após licitação:

Art. 7º – Até que entrem em vigor os contratos de franquia postal celebrados de acordo com o estabelecido nesta Lei, continuarão com eficácia aqueles firmados com as Agências de Correios Franqueadas que estiverem em vigor em 27 de novembro de 2007.

O Decreto nº 6.639/2008, ao dispor no art. 9º, § 2º, que os contratos firmados sem licitação estariam extintos de pleno direito em 30/09/2012, extrapolou o poder regulamentar, pois criou limitação não prevista na norma legal, além de afrontar o princípio da continuidade do serviço público.

Ademais, como bem salientado na apelação, a própria motivação da Lei nº 11.668/2008, oriunda da MP nº 403/2007, visava a preservação da rede franqueada até sua substituição ordenada. Tal norma tem caráter nitidamente protetivo da continuidade do serviço e do interesse público.

A inércia da Administração Pública em concluir a licitação, apesar de reconhecida necessidade, configura violação aos princípios da eficiência (CF, art. 37, caput), e da legalidade, o que legitima a pretensão autoral.

Assim, merece reforma a r. sentença recorrida para afastar a litispendência e, constatada a plausibilidade jurídica do direito postulado, julgar procedente o pedido.

Em razão da sucumbência recursal, como se trata de proveito econômico inestimável, de rigor o arbitramento dos honorários por apreciação equitativa, condeno a ECT ao pagamento de R$ 1.000,00 (mil reais), nos termos do art. 20, § 4º, do CPC/1973 (vigente à época da prolação da sentença).  

Ante ao exposto, dou provimento à apelação.

É como voto.

 

Desembargadora Federal ADRIANA PILEGGI

RELATORA


E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL – LITISPENDÊNCIA – AFASTAMENTO – JULGAMENTO DO MÉRITO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE FORMAÇÃO DA RELAÇÃO PROCESSUAL – APELAÇÃO PROVIDA PARA REFORMAR A SENTENÇA E DETERMINAR O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA PROSSEGUIMENTO.

I. Caso em exame.

– Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada com o escopo de obrigar a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT a se abster de fechar a agência franqueada da autora e de adotar providências que interfiram na regular execução do contrato de franquia postal.

– A sentença, sem determinar a citação, reconheceu a litispendência e extinguiu o feito sem resolução do mérito.

II. Questão em discussão.

– Discute-se nos autos a existência de litispendência com ação anteriormente ajuizada.

III. Razões de decidir.

– A litispendência exige a identidade de partes, de causa de pedir e de pedido.

– Caso em que não há identidade de causa de pedir, porquanto o primeiro processo tratou da discussão a respeito da ilegalidade do art. 9º, § 2º, do Decreto nº 6.639/2008, que impunha o encerramento dos contratos em 30/09/2012. Nesta ação, por sua vez, a pretensão está fundamentada na inércia da Administração em concluir a licitação, fato novo e superveniente à causa de pedir referente ao processo anterior.

– Uma vez que a relação jurídica não foi formalizada, não pode o Tribunal avançar sobre o mérito da lide. Proferir decisão contra os interesses da ECT, sem que ela tenha sido ouvida, violaria os arts. 9º e 10 do CPC.

IV. Dispositivo.

– Apelação provida para afastar a litispendência e determinar o retorno dos autos à origem para prosseguimento.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, A Turma, nos termos do artigo 942/CPC, por maioria, deu provimento à apelação, nos termos do voto do Des. Fed. RUBENS CALIXTO, com quem votaram o Juiz Federal Convocado SILVA NETO e os Des. Fed. CONSUELO YOSHIDA e CARLOS DELGADO, vencida a Relatora, que o fazia em extensão diversa. Lavrará o acórdão o Des. Fed. RUBENS CALIXTO, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RUBENS CALIXTO
Desembargador Federal