APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002022-79.2023.4.03.6123
RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO
APELANTE: MARINETE DOS SANTOS BARBOSA
Advogado do(a) APELANTE: GISELE BERALDO DE PAIVA - SP229788-A
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002022-79.2023.4.03.6123 RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO APELANTE: MARINETE DOS SANTOS BARBOSA Advogado do(a) APELANTE: GISELE BERALDO DE PAIVA - SP229788-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): Trata-se de recurso de apelação interposto pela parte autora (Id 317301106) em face da r. sentença (Id 317301105), que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de pensão por morte, condenando-se a parte autora ao pagamento dos honorários advocatícios, observada a suspensão da exigibilidade, nos termos do artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil. Em suas razões recursais, a parte autora sustenta a comprovação de que, após o divórcio, o casal manteve união estável até o momento do óbito, de modo que, cumpridos todos os requisitos para a concessão, ela e o filho fazem jus ao benefício pleiteado. Sem contrarrazões, os autos foram remetidos a este Tribunal. É o relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5002022-79.2023.4.03.6123 RELATOR: Gab. 52 - DES. FED. GABRIELA ARAUJO APELANTE: MARINETE DOS SANTOS BARBOSA Advogado do(a) APELANTE: GISELE BERALDO DE PAIVA - SP229788-A APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O A Excelentíssima Desembargadora Federal GABRIELA ARAUJO (Relatora): O recurso de apelação preenche os requisitos normativos de admissibilidade e, portanto, é conhecido. Da Pensão por Morte A Constituição Federal trata do direito ao benefício de pensão por morte no artigo 201, inciso V, nos seguintes termos: "Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, na forma da lei, a: (...) V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º." (...) § 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo." A regulamentação da pensão por morte está disciplinada nos artigos 74 a 78 da Lei nº 8.213/1991, e nos artigos 105 a 115 do Decreto Regulamentar nº 3048/1999, estabelecendo ser benefício concedido ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, em atividade ou aposentado, ou tiver a declaração judicial de sua morte presumida, não sendo exigível o cumprimento de carência (artigo 26 da Lei nº 8.213/1991). São, destarte, requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte: a ocorrência do evento morte; a condição de dependente de quem objetiva a pensão; a comprovação da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito, ou, em caso de perda dessa qualidade, o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria (artigos 15 e 102 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 416 do Superior Tribunal de Justiça). Além disso, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pacificada na Súmula 340, "a lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado" (Terceira Seção, julgado em 27/06/2007, DJ 13/08/2007, p. 581). Nesse sentido, confira-se: "PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. PENSÃO POR MORTE. TEMPUS REGIT ACTUM. ÓBITO ANTERIOR À CF/88. DECRETO N. 83.312/1984. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte, na sessão realizada em 9.3.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Em homenagem ao princípio tempus regit actum, ocorrido o falecimento da instituidora do benefício de pensão por morte em 25.7.1987, antes da Constituição Federal de 1988, quando em pleno vigor o Decreto n. 89.312/1984, esse deve ser diploma legal aplicado. III - Em regra, descabe a imposição da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil em razão do mero desprovimento do Agravo Interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. IV - Agravo Interno improvido." (AgInt no REsp 2081801/SP; Relatora Ministra REGINA HELENA COSTA; julgado em 24/06/2024; DJe 26/06/2024); "AÇÃO RESCISÓRIA. PENSÃO POR MORTE. BENEFÍCIO CONCEDIDO SOB A ÉGIDE DO DECRETO N. 89.312/84. ACÓRDÃO RESCINDENDO QUE REDEFINIU A DISTRIBUIÇÃO DA PENSÃO ENTRE CÔNJUGE E EX-CÔNJUGE COM BASE NA LEI N. 8.213/91. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA. PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM. RESCISÓRIA PROVIDA. I - Como se deferiu pensão por morte sob a égide do Decreto n. 89.213/84, na razão de 90% à companheira e 10% à ex-cônjuge, beneficiária de pensão alimentícia, não é possível à autarquia previdenciária, sponte própria, alterar a distribuição do benefício, com base no art. 76, § 2º, da Lei n. 8.213/91, à proporção de 50% para cada, em razão do princípio tempus regit actum. II - O acórdão rescindendo deu provimento ao recurso especial, para adotar o entendimento supra descrito, incidindo em manifesta violação da norma jurídica, principalmente considerando a jurisprudência já consolidada à época no sentido de que, em matéria previdenciária, incide o princípio tempus regit actum. III - Ação Rescisória provida para rescindir o julgado proferido no REsp 793.405/RJ em judicium rescidens e, em judicium rescissorium, condenar o INSS e a FUNCEF a restabelecer a pensão por morte na forma originariamente deferida, pagando, ainda, os atrasados com juros e correção monetária.” (AR n. 5.043/RJ, Relator Ministro FRANCISCO FALÇÃO; Primeira Seção, julgado em 09/03/2022, DJe de 25/3/2022). Da dependência econômica Em relação ao requisito da dependência econômica para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei nº 8.213/1991: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) § 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes. § 2º O enteado, o menor sob tutela e o menor sob guarda judicial equiparam-se a filho, mediante declaração do segurado e desde que não possuam condições suficientes para o próprio sustento e educação. (Redação dada pela Lei nº 15.108, de 2025) § 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal. § 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada. § 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) § 7º Será excluído definitivamente da condição de dependente quem tiver sido condenado criminalmente por sentença com trânsito em julgado, como autor, coautor ou partícipe de homicídio doloso, ou de tentativa desse crime, cometido contra a pessoa do segurado, ressalvados os absolutamente incapazes e os inimputáveis. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)" Da comprovação de união estável A Constituição Federal de 1988 reconheceu a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, estabelecendo que caberia à lei facilitar sua conversão em casamento, conforme estipulado no artigo 226, § 3º. A regulamentação do dispositivo constitucional veio com a edição da Lei nº 9.278/1996, que estabeleceu no artigo 1º: Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida como objetivo de constituição da família. Em relação ao direito previdenciário, o artigo 16, §3º, da Lei nº 8.213/1991, na sua redação original, quando tratou dos dependentes beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, estabeleceu o conceito de companheiro/companheira, como sendo a pessoa que, sem ser casada, mantinha união estável com o(a) segurado(a), na forma estabelecida no § 3º do artigo 226 da Constituição Federal. O Decreto nº 3.048/1999, ao tratar da união estável para fins previdenciários, faz referência ao artigo 1.723, do Código Civil de 2002, que reconhece como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Em relação à matéria, menciono o julgamento do Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 (Relator Ministro Ayres Britto, Tribunal Pleno, j. 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011), dando interpretação ao artigo 1.723 do Código Civil, em conformidade com a Constituição Federal - "técnica de interpretação conforme à Constituição”, para excluir do dispositivo legal “qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família”. Quanto à forma de comprovação da união estável para fins de concessão do benefício de pensão por morte, o artigo 16, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.213/1991, com a redação dada pela Lei nº 13.846, de 18 de junho de 2019, estabelece: "Art. 16. (...) § 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento. Contudo, é firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que no período anterior à vigência da Lei nº 13.846/2019, a legislação previdenciária não exige a apresentação de início de prova material para a comprovação de união estável, para fins de concessão de benefício de pensão por morte, sendo bastante, para tanto, a prova testemunhal, consignando que não "cabe ao julgador criar restrições quando o legislador assim não o fez". Confira-se: "PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. "REVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL COMPROVADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. ACÓRDÃO RECORRIDO CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DO STJ. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU. No mesmo sentido, é o entendimento da Décima Turma deste Egrégio Tribunal: “PREVIDENCIÁRIO.APELAÇÃO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL NÃO COMPROVADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PROVA TESTEMUNHAL AFASTADA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A pensão por morte é benefício previdenciário assegurado pelo artigo 201, inciso V, da Constituição da República (CR), consistente em prestação de pagamento continuado, independentemente de carência e, nos termos do artigo 74 da Lei n. 8.213, de 24/07/1991, Lei de Benefícios da Previdência Social (LBPS), “será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não”. 2. A concessão do benefício, em princípio, depende do reconhecimento da presença de três requisitos básicos: o óbito, a qualidade de segurado do falecido e a dependência econômica em relação a ele na data do falecimento. 3. A união estável é reconhecida constitucionalmente como entidade familiar (art. 226, § 3º da CR) e, na seara previdenciária, o artigo 16, I, e § 4º, da Lei n. 8.213/1991, estabelece a companheira e companheiro como beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, cuja dependência econômica é presumida, no entanto, a comprovação da qualidade de companheira do falecido na data do óbito é essencial para legitimá-la ao recebimento da pensão por morte. 4. O § 5º do artigo 16 da Lei n. 8.213/1991, após modificações empreendidas pela Medida Provisória (MP) n. 871/19, convertida na Lei n. 13.846, de 18/06/2019, passou a exigir início de prova material recente aos fatos que se pretendem evidenciar, para fins de comprovação da união estável, produzidas em período não superior aos 24 meses anteriores à data do óbito, vedada a produção de prova exclusivamente testemunhal. Desse modo, para os óbitos ocorridos até 17/06/2019, é possível aplicar o entendimento consagrado pela jurisprudência do E. Tribunal da Cidadania, no sentido de permitir a demonstração da dependência econômica mediante prova exclusivamente testemunhal. 5. Para ter a autora direito à concessão do benefício, há de ficar cabalmente demonstrada a existência de união estável, o que não se constata dos autos. Apesar de a regra vigente na data do passamento permitir a comprovação da união estável mediante a prova exclusivamente oral, tem-se que os depoimentos das testemunhas são isolados em relação aos demais documentos apresentados, inexistindo, nas declarações, a convicção de que a autora e o falecido possuíam união estável. 6. O pedido de oitiva da filha da autora com o falecido não tem espaço nesse momento processual, uma vez que sequer foi arrolada como testemunha no momento oportuno, inexistindo, nas razões recursais, um motivo para sua impossibilidade à época. 7. Diante das divergências das provas, tem-se que o conjunto probatório não demonstra, com eficácia, a existência de união estável entre o casal no dia do passamento, razão pela qual não há como agasalhar as razões recursais da autora, devendo ser mantida integralmente a r. sentença. 8. Apelação da parte autora não provida." (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL nº 5053331-27.2022.4.03.6301, Relator Desembargador Federal MARCOS MOREIRA DE CARVALHO, Julgamento: 09/04/2025, DJEN Data: 11/04/2025). Desse modo, somente após a alteração legislativa (Lei nº 13.846/2019), há exigência de início de prova material para a comprovação da união estável/dependência econômica, não sendo suficiente a prova exclusivamente testemunhal. Da qualidade de segurado(a) A condição de segurado do de cujus é requisito necessário ao deferimento do benefício de pensão por morte ao(s) seu(s) dependente(s). O artigo 15, inciso II, da Lei nº 8.213/1991 dispõe que o prazo para manutenção da qualidade de segurado é de até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, para o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração. A Lei de Benefícios disciplina, ainda, que o prazo do inciso II do artigo 15 da Lei nº 8.213/91 será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses "se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado" (§ 1º), e, observando no § 2º, que o prazo estipulado no § 1º, será acrescido de mais 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação em órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social, sendo certo que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça estabelece que o registro não pode ser tido como único meio de prova da condição de desemprego do segurado da Previdência Social (AgRg na Pet 8.694/PR, Relator Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, j. 26/9/2012, DJe 9/10/2012, AgInt no REsp 1967093 SP, Relator GURGEL DE FARIA, j. 09/05/2022, DJe 12/05/2022). A regra estabelecia no artigo 15 da Lei nº 8.213/1991 é excepcionada, na hipótese de o falecido ter preenchido, ainda em vida, os requisitos necessários à concessão de uma das espécies de aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, conforme decido pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Tema Repetitivo 21 (REsp 1110565/SE), Relator Ministro FELIX FISCHER, S3 - Terceira Seção, j. 27/05/2009, DJe 03/08/2009, RSSTJ vol. 39 p. 300, RSTJ vol. 216 p. 560) Dos prazos para pagamento da pensão por morte em relação a cônjuges ou companheiros(a) Em relação ao prazo para cessação do pagamento do benefício em relação ao cônjuge ou companheiros(a), dispõe o artigo 77, § 2º, inciso, V: "Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. (...) § 2º O direito à percepção da cota individual cessará: (...) V - para cônjuge ou companheiro: a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável: (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) 6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) VI - pela perda do direito, na forma do § 1º do art. 74 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019) Do caso dos autos A parte autora pleiteia a concessão do benefício de pensão por morte em virtude do óbito de Valter Rosa, ocorrido em 14/09/2020, conforme certidão de óbito (Id 317301074 - Pág.10). A qualidade de segurado do falecido está demonstrada, uma vez que ele esteve em gozo de benefício por incapacidade permanente até a data do óbito (NB 632.162.716-3 – Id 317301074 – Pág. 51). A questão controvertida nos autos é relativa à demonstração da condição de dependente da parte autora em relação ao segurado falecido. Verifica-se que o casamento da autora com o instituidor ocorreu em 15/07/1989, do qual adveio o nascimento de duas filhas, tendo sido decretado o divórcio do casal em 2017, conforme averbação constante da certidão de casamento. (Id 317301074– Pág. 9). Cumpre salientar que a separação, por si só, não impede a concessão do benefício postulado. Todavia, a dependência econômica com relação ao ex-marido não mais é presumida, devendo restar efetivamente demonstrada. O deferimento de pensão por morte à ex-esposa é possível desde que, após a separação ou divórcio, persista a dependência econômica em relação ao ex-marido, ou que o casal volte a conviver, estabelecendo uma união estável, que é o caso dos autos. De fato, há provas suficientes do alegado. Foram apresentados documentos, além daqueles produzidos na constância do casamento, que comprovam o endereço comum com o falecido em 2017, 2018, 2019 e 2020, como: nota fiscal de compra de móveis em nome da autora; faturas mensais de serviços de água e esgoto, em nome do falecido; recibos de pagamento de serviço de vigilância, em nome do falecido; faturas de cartão de crédito, em nome da autora; boletos de Imposto Predial e Territorial Urbano – IPTU, em nome da autora; e contas de energia elétrica, em nome de Valter Rosa (Id 317301074 – Págs. 10, 13/34, 49), todos indicando como endereço de ambos a Rua Machado de Assis, 82, em Bom Jesus dos Perdões/SP. E, sobretudo, os documentos médicos do período de tratamento da doença que o acometeu, a partir de 2017, nos quais a autora aparece como responsável, e como “esposa” em alguns deles (Id 317301074 – Pág. 32 e Id 317301097 – Págs. 1/24). As testemunhas ouvidas em audiência, devidamente compromissadas, afirmaram, de maneira bastante clara, que a autora e o falecido viveram juntos até a data do óbito, ressaltando que sequer souberam do divórcio (arquivo eletrônico – Id 317301101, Id 317301102 e Id 317301103). Com efeito, analisada a documentação apresentada em conjunto com a prova testemunhal produzida, resta demonstrada a união estável da autora com o segurado falecido, uma vez que se apresentavam e eram conhecidos como casal unido pelo matrimônio. Imperativo salientar que o entendimento em contrário exarado pelo juiz a quo no sentido de que não restaria configurada relação de união estável entre o de cujus e a parte autora se baseou primordialmente no depoimento pessoal desta (Id. 317301102). Senão, vejamos: "No caso concreto, o óbito e a qualidade de segurado do instituidor são elementos incontroversos nos autos. Logo, a única questão controversa diz respeito à existência de união estável entre o instituidor e a parte autora, contemporânea ao óbito. Em que pesem os documentos acostados aos autos, entendo que não há prova indene de dúvida no sentido de que a parte autora e o instituidor mantivessem relação afetiva contemporânea à data do óbito. Convém ressaltar que não basta que tais pessoas em alguma época tenham mantido alguma relação afetiva entre si, ainda que por tempo relevante; é estritamente necessário que tal relação existisse e se mantivesse à época do óbito, o que a prova dos autos não demonstrou – pelo contrário, indicou que já não subsistiria, como depreende-se do depoimento pessoal da parte autora e da certidão de óbito do instituidor, o qualificando como “divorciado”. Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS e o faço com julgamento de mérito, nos termos do CPC, 487, I. " (id. 317301105) Nesse sentido, temos que o referenciado depoimento pessoal da autora foi conduzido com base em indagações centradas na intimidade sexual do casal e em estereótipos de gênero. Durante a oitiva, o magistrado a quo questiona o motivo da separação pregressa do casal, ao que foi respondido pela autora que estaria ocorrendo um desentendimento entre os cônjuges. Não satisfeito com a resposta obtida, questiona se o de cujus a agredia, ao que a autora respondeu que não, bem como questiona se o de cujus bebia, ao que a autora respondeu que apenas socialmente. Ainda, questiona se quando o de cujus ”se embriagava prejudicava a parte autora”, ao que esta respondeu que não. Por fim, questiona se o de cujus possuía relações extraconjugais, ao que a parte autora novamente responde que não. Dando continuidade ao depoimento pessoal, ao partir do pressuposto de que, mesmo após a separação, o casal estaria de fato residindo na mesma residência, o magistrado de primeiro grau questiona se a autora habitaria o mesmo cômodo que o de cujus, tendo a parte respondido que eles dormiam em quartos diferentes (inclusive em face da enfermidade enfrentada pelo de cujus), e, mais uma vez não satisfeito, questiona se o casal mantinha relações sexuais, tendo a autora novamente respondido negativamente. Ora, tais questionamentos reiterados traduzem uma visão extremamente estigmatizante com relação ao papel e aos direitos da mulher dentro de uma relação conjugal, especialmente considerando que, para fins de concessão de pensão por morte, faz-se totalmente irrelevante para o magistrado conhecer os motivos da separação conjugal e da própria reconciliação, de foro íntimo do casal, e muito menos é cabível se entremear em detalhes referentes à sua vida sexual. Pela forma como foi conduzido o depoimento, pode-se dar a impressão equivocada de que os motivos justificáveis para que uma mulher pudesse desejar a separação de seu marido, ou até deixar de se reconciliar com ele, seriam: a um, porque era agredida; a dois, porque o cônjuge se embriagava; a três, porque o cônjuge a agredia quando “se embriagava”; ou, a quatro, porque o cônjuge mantinha relações extraconjugais. Outrossim, não se pode perder de perspectiva os direitos da autora à intimidade e à vida privada, consagrados no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, e corolários do princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, quaisquer indagações que traduzam uma visão discriminatória e estereotipada do comportamento feminino dentro de um relacionamento desviam-se por completo do procedimento probatório adequado à concessão da pensão por morte, que se funda nos requisitos legais da convivência pública, contínua e duradoura, bem como da dependência econômica. É notório que as relações conjugais se estruturam de diversas formas na vida íntima de cada lar, com coabitação de quartos ou não, com relações sexuais ou não, sendo tais detalhes completamente irrelevantes para quaisquer fins legais, quanto menos com relação aos requisitos para concessão de pensão por morte. O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, anexado à Recomendação CNJ n.º 128/2022, e aprovado pelo Grupo de Trabalho pela Portaria CNJ n.º 27/2021, visando implementar a Política Nacional ao Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário, estabelecida pela Resolução CNJ n.º 254/2020, instrui que o julgador se abstenha de perguntas calcadas em estereótipos de gênero ou em temas íntimos irrelevantes, devendo dirigir a instrução probatória aos elementos objetivos para caracterização da união estável— convivência pública, contínua e duradoura, e dependência econômica. Do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, em consonância com o caso abordado, vale transcrever as seguintes lições: Os estereótipos traduzem visões ou pré-compreensões generalizadas sobre atributos ou características que membros de um determinado grupo têm, ou sobre os papéis que desempenham ou devem desempenhar, pela simples razão de fazerem parte desse grupo em particular, independentemente de suas características individuais. A ideia de estereótipos de gênero é muito importante, na medida em que, quando permeiam – consciente ou inconscientemente – a atividade jurisdicional podem reproduzir inúmeras formas de violência e discriminação. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Recomendação n.º 128, de 15 de dezembro de 2022: Anexo – Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, n. 301, p. 2-5, 16 dez. 2022, pg. 27. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/compilado18063720220217620e8ead960f4.pdf) Por isso a importância da análise jurídica com perspectiva de gênero, com a finalidade de garantir processo regido por imparcialidade e equidade, voltado à anulação de discriminações, preconceitos e avaliações baseadas em estereótipos existentes na sociedade, que contribuem para injustiças e violações de direitos fundamentais das mulheres. (Ibid., p. 95) As instruções processuais podem se tornar verdadeiros tribunais morais para a mulher, em que sua vida íntima é devassada e seus comportamentos pessoais são julgados, como se fossem justificativas para que seus direitos fossem invisibilizados e/ou negados. As desigualdades históricas e vulnerabilidades que existem em razão do gênero em todas as relações sociais também se projetam para as relações íntimas e familiares. (Ibid., p. 96) Recorda-se que a obrigatoriedade da observância de tal Protocolo foi consolidada pela Resolução CNJ n.º 492/2023, que instituiu a capacitação interseccional de magistrados em direitos humanos, gênero, raça e etnia, e criou o Comitê de Acompanhamento e Capacitação sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero para fiscalizar seu cumprimento. Não obstante, embora a Lei n.º 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, discipline especificamente o rito penal, seus dispositivos consagram valores de preservação da integridade psicológica e de vedação de constrangimentos desnecessários que, por analogia, devem nortear a condução de atos processuais cíveis, coibindo inquirições desprovidas de relevância probatória. Vale destacar especialmente a alteração trazida por seu artigo 3º, que acresceu o artigo 400-A ao Código de Processo Penal, vedando “I - a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos; II - a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.” O Código de Processo Civil, por sua vez, em seus artigos 4º e 6º, estabelece o princípio da cooperação e do dever de respeito à dignidade das partes, impondo ao magistrado conduta colaborativa e limitando sua atuação a atos indispensáveis ao deslinde da demanda, de modo a não causar às partes o ônus de suportar constrangimentos indevidos ou exposições íntimas indevidas. Tal orientação processual harmoniza com o princípio constitucional da igualdade de gênero, trazido pelo artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, que disciplina que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, trazido pelo artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, consolidado como fundamento da República. Em síntese, temos que a condução da instrução processual foi deficiente em preservar não apenas a dignidade da parte autora, mas também a máxima efetivação dos princípios do julgamento com perspectiva de gênero, da isonomia processual e da cooperação. Ao invés de direcionar a instrução probatória a elementos objetivos como: endereço comum, documentação médica referida à “esposa”, contas conjuntas e depoimentos testemunhais sobre convivência pública e contínua; o depoimento pessoal da parte enveredou por inquirições que reforçam desigualdades históricas e estereótipos de gênero, além de constranger desnecessariamente mulheres que buscam tutela previdenciária. A manutenção, em quaisquer atos judiciais, de práticas eivadas de um machismo que, infelizmente, é estrutural e, ainda que inconscientemente, não isenta qualquer um de nós, afronta o caráter protetivo do benefício previdenciário e desvirtua a real finalidade do processo. Tal conduta macula a função jurisdicional e contraria o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e os valores constitucionais da igualdade de gênero e da dignidade da pessoa humana. Eis porque, cabe ao próprio sistema de justiça, e nesse sentido vêm as recomendações do Conselho Nacional de Justiça, corrigir eventuais distorções, inclusive em um sentido auto educativo e reflexivo que cabe a todos nós, magistradas e magistrados, para que as desigualdades e discriminações de gênero históricas que perpassam gerações não se perpetuem ainda mais em nossas instituições. Atendo-se, portanto, à prova que realmente importa nos autos, desconsiderando-se as perguntas desnecessárias efetuadas no depoimento pessoal da parte autora, verifica-se comprovado o relacionamento “more uxorio”, de modo que se presume, por conseguinte, a dependência econômica para fins previdenciários, nos termos do que dispõe o artigo 16, I e § 4° da Lei n° 8.213/91. Nesse sentido, ainda seguindo-se o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, ficou consignado, pelas declarações das testemunhas e da própria autora, que esta se manteve em uma relação de união estável com o "de cujus", assumindo a função de seus cuidados em razão da enfermidade - câncer - que culminou em seu falecimento. Não se pode ignorar que, na divisão sexual desigual do trabalho que se estabeleceu por séculos em nossa sociedade, as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados dos vulneráveis, incluindo crianças, idosos e enfermos. A própria Lei nº 15.069, de 23 de dezembro de 2024, reconhece expressamente em seu texto que as mulheres brasileiras são as principais responsáveis pelo trabalho não remunerado do cuidado, quando estabelece como um dos objetivos da Política Nacional de Cuidados “promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres” (artigo 4º, inciso VI) e, ainda, quando dispõe que o Poder Executivo deverá incluir em seu Plano Nacional de Cuidados a “estruturação de medidas para redução da sobrecarga de trabalho não remunerado que recai sobre as famílias, em especial sobre as mulheres, com a promoção da corresponsabilidade social e entre homens e mulheres” (artigo 9º, inciso V). Destarte, admitir que a mulher assuma uma função não remunerada de cuidar de seu companheiro enfermo, e ao mesmo tempo afirmar que tal responsabilidade não é suficiente para configurar a relação afetiva entre o casal, acaba por reforçar esse estereótipo de gênero extremamente discriminatório, como se a parte autora, no caso, fosse obrigada a cuidar do "de cujus", pelo simples fato de ser mulher. Ora, diante do conjunto probatório constante nos autos, conclui-se, com segurança, que, além do longo casamento, que gerou duas filhas, a parte autora viveu em regime de união estável com o falecido de 2017 até a data do óbito, em 14/09/2020, sendo presumida a sua dependência econômica, nos termos do artigo 16, inciso I da Lei nº 8.213/1991, motivo pelo qual tem direito a parte autora à concessão do benefício de pensão por morte, de forma vitalícia, nos termos dos artigos 74 e 77, §2º, inciso V, alínea "c", item "6", da Lei nº 8.213/91. O termo inicial do benefício é a data do óbito (14/09/2020), uma vez que o benefício foi requerido em 08/12/2000 (Id 317301074 – Pág. 54), no prazo do inciso I do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.846/2019. A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 do Conselho da Justiça Federal, que já contempla o disposto no artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença. Honorários advocatícios a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado. Por fim, a autarquia previdenciária está isenta do pagamento de custas e emolumentos, nos termos do artigo 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96, do artigo 24-A da Lei nº 9.028/95 (dispositivo acrescentado pela Medida Provisória nº 2.180-35/01) e do artigo 8º, § 1º, da Lei nº 8.620/93, o que não inclui as despesas processuais. Todavia, a isenção de que goza a autarquia não obsta a obrigação de reembolsar as custas suportadas pela parte autora, quando esta é vencedora na lide. Entretanto, no presente caso, não há falar em custas ou despesas processuais, por ser a autora beneficiária da assistência judiciária gratuita. Diante do exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a conceder-lhe o benefício de pensão por morte, com termo inicial, correção monetária, juros de mora e honorários advocatícios, nos termos da fundamentação. Independentemente do trânsito em julgado, comunique-se ao Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, a fim de que se adotem as providências cabíveis à imediata implantação do benefício de pensão por morte, em nome de MARINETE DOS SANTOS BARBOSA, com data de início - DIB em 14/09/2020 (data do óbito), e renda mensal inicial – RMI a ser calculada, com fundamento no artigo 497 do Código de Processo Civil. É o voto.
"Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado."
1. A jurisprudência desta Corte Superior tem prestigiado o entendimento de que, antes da Lei n. 13.846/2019, a legislação previdenciária não exigia início de prova material para a comprovação de união estável, para efeito de concessão de pensão por morte, considerando suficiente a apresentação de prova testemunhal, por não ser dado ao julgador adotar restrições não impostas pelo legislador.
2. Hipótese em que o Tribunal de origem, pautado no conjunto probatório dos autos, considerou indevida a concessão de pensão por morte, tendo em vista a falta de comprovação da união estável, até mesmo pela prova testemunhal, cuja inversão do julgado demandaria o reexame de prova, inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido." (AgInt no REsp 1854823/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Data do Julgamento:07/12/2020, DJe 17/12/2020);
1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem indeferiu o pedido de pensão por morte, porquanto não ficou comprovada a condição de dependente da autora em relação ao de cujus. Asseverou (fl. 160, e-STJ): "As testemunhas arroladas as fls. 81/82 e 103, foram uníssonas em comprovar que a autora vivia em união estável com o de cujus e ele custeava os gastos familiares, porem somente a prova testemunhal é insuficiente para comprovar o alegado".
2. No entanto, o entendimento acima manifestado está em confronto com a jurisprudência do STJ de que a legislação previdenciária não exige início de prova material para a comprovação de união estável, para fins de concessão de benefício de pensão por morte, sendo bastante, para tanto, a prova testemunhal, uma vez que não cabe ao julgador criar restrições quando o legislador assim não o fez.
3. Nesse sentido, os seguintes precedentes: AgRg no REsp.
1.536.974/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18.12.2015; AR 3.905/PE, Terceira Seção, Rel. Min. conv. Campos Marques, DJe 1.8.2013; AgRg no REsp. 1.184.839/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 31.5.2010; REsp. 783.697/GO, Sexta Turma, Rel. Min. Nilson Naves, DJU 9.10.2006, p. 372.
4. Recurso Especial de Cleuza Aparecida Balthazar provido para restabelecer a sentença de primeiro grau. Agravo do INSS prejudicado." (REsp 1824663/SP, Relator Ministro HERMAN BENJAMIN, Data do Julgamento:03/09/2019, DJe 11/10/2019).
E M E N T A
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 74 E SEGUINTES DA LEI 8.213/91. QUALIDADE DE SEGURADO. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. UNIÃO ESTÁVEL DEMONSTRADA. REQUISITOS PRESENTES. BENEFÍCIO DEVIDO. TERMO INICIAL.
- A pensão por morte é benefício previdenciário concedido aos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, nos termos do artigo 74 da Lei nº 9.213/91.
- Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, pacificada na Súmula 340, "a lei aplicável à concessão de pensão previdenciária por morte é aquela vigente na data do óbito do segurado".
- São requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte: a ocorrência do evento morte; a condição de dependente de quem objetiva a pensão; a comprovação da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito, ou, em caso de perda dessa qualidade, o preenchimento dos requisitos para a concessão da aposentadoria (artigos 15 e 102 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 416 do Superior Tribunal de Justiça).
- Demonstrada a qualidade de segurado do falecido, uma vez que ele estava em gozo de benefício por incapacidade permanente até a data do óbito.
- Imperativo salientar que o entendimento em contrário exarado pelo juiz a quo no sentido de que não restaria configurada relação afetiva entre o de cujus e a parte autora se baseou primordialmente no depoimento pessoal desta, que foi, por sua vez, conduzido com base em indagações centradas na intimidade sexual do casal e em estereótipos de gênero.
- Na condução do depoimento pessoal da parte autora, o magistrado a quo questiona o motivo da separação pregressa do casal, ao que foi respondido pela autora que estaria ocorrendo um desentendimento entre os cônjuges. Não satisfeito com a resposta obtida, questiona se o de cujus a agredia, ao que a autora respondeu que não, bem como questiona se o de cujus bebia, ao que a autora respondeu que apenas socialmente. Ainda, questiona se quando o de cujus ”se embriagava prejudicava a parte autora”, ao que esta respondeu que não. Por fim, questiona se o de cujus possuía relações extraconjugais, ao que a parte autora novamente responde que não.
- Dando continuidade ao depoimento pessoal, ao partir do pressuposto de que, mesmo após a separação, o casal estaria de fato residindo na mesma residência, o magistrado de primeiro grau questiona se a autora habitaria o mesmo cômodo que o de cujus, tendo a parte respondido que eles dormiam em quartos diferentes (inclusive em face da enfermidade enfrentada pelo de cujus), e, mais uma vez não satisfeito, questiona se o casal mantinha relações sexuais, tendo a autora novamente respondido negativamente.
- Tais questionamentos reiterados traduzem uma visão extremamente estigmatizante com relação ao papel e aos direitos da mulher dentro de uma relação conjugal, especialmente considerando que, para fins de concessão de pensão por morte, faz-se totalmente irrelevante para o magistrado conhecer os motivos da separação conjugal e da própria reconciliação, de foro íntimo do casal, e muito menos é cabível se entremear em detalhes referentes às suas relações sexuais.
- Pela forma como foi conduzido o depoimento, pode-se dar a impressão equivocada de que os motivos justificáveis para que uma mulher pudesse desejar a separação de seu marido, ou até deixar de se reconciliar com ele, seriam: a um, porque era agredida; a dois, porque o cônjuge se embriagava; a três, porque o cônjuge a agredia quando “se embriagava”; ou, a quatro, porque o cônjuge mantinha relações extraconjugais.
- O Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, anexado à Recomendação CNJ n.º 128/2022, e aprovado pelo Grupo de Trabalho pela Portaria CNJ n.º 27/2021, visando implementar a Política Nacional ao Enfrentamento à Violência contra as Mulheres pelo Poder Judiciário, estabelecida pela Resolução CNJ n.º 254/2020, instrui que o julgador se abstenha de perguntas calcadas em estereótipos de gênero ou em temas íntimos irrelevantes, devendo dirigir a instrução probatória aos elementos objetivos para caracterização da união estável — convivência pública, contínua e duradoura, e dependência econômica.
- Não obstante, embora a Lei n.º 14.245/2021, conhecida como Lei Mariana Ferrer, discipline especificamente o rito penal, seus dispositivos consagram valores de preservação da integridade psicológica e de vedação de constrangimentos desnecessários que, por analogia, devem nortear a condução de atos processuais cíveis, coibindo inquirições desprovidas de relevância probatória.
- O Código de Processo Civil, por sua vez, em seus artigos 4º e 6º, estabelece o princípio da cooperação e do dever de respeito à dignidade das partes, impondo ao magistrado conduta colaborativa e limitando sua atuação a atos indispensáveis ao deslinde da demanda, de modo a não causar às partes o ônus de suportar constrangimentos indevidos ou exposições íntimas indevidas.
- Tal orientação processual harmoniza com o princípio constitucional da igualdade de gênero, trazido pelo artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, que disciplina que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, e pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, trazido pelo artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, consolidado como fundamento da República.
- Em síntese, temos que a condução da instrução processual foi deficiente em preservar não apenas a dignidade da parte autora, mas também a máxima efetivação dos princípios do julgamento com perspectiva de gênero, da isonomia processual e da cooperação.
- A manutenção, em quaisquer atos judiciais, de práticas eivadas de um machismo que, infelizmente, é estrutural e, ainda que inconscientemente, não isenta qualquer um de nós, afronta o caráter protetivo do benefício previdenciário e desvirtua a real finalidade do processo. Tal conduta macula a função jurisdicional e contraria o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero e os valores constitucionais da igualdade de gênero e da dignidade da pessoa humana.
- Cabe ao próprio sistema de justiça, e nesse sentido vêm as recomendações do Conselho Nacional de Justiça, corrigir eventuais distorções, inclusive em um sentido auto educativo e reflexivo que cabe a todos nós, magistradas e magistrados, para que as desigualdades e discriminações de gênero históricas que perpassam gerações não se perpetuem ainda mais em nossas instituições.
- Ainda seguindo-se o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, ficou consignado, pelas declarações das testemunhas e da própria autora, que esta se manteve em uma relação de união estável com o "de cujus", assumindo a função de seus cuidados em razão da enfermidade - câncer - que culminou em seu falecimento. Não se pode ignorar que, na divisão sexual desigual do trabalho que se estabeleceu por séculos em nossa sociedade, as mulheres são as principais responsáveis pelos cuidados dos vulneráveis, incluindo crianças, idosos e enfermos.
- A própria Lei nº 15.069, de 23 de dezembro de 2024, reconhece expressamente em seu texto que as mulheres brasileiras são as principais responsáveis pelo trabalho não remunerado do cuidado, quando estabelece como um dos objetivos da Política Nacional de Cuidados “promover o reconhecimento, a redução e a redistribuição do trabalho não remunerado do cuidado, realizado primordialmente pelas mulheres” (artigo 4º, inciso VI) e, ainda, quando dispõe que o Poder Executivo deverá incluir em seu Plano Nacional de Cuidados a “estruturação de medidas para redução da sobrecarga de trabalho não remunerado que recai sobre as famílias, em especial sobre as mulheres, com a promoção da corresponsabilidade social e entre homens e mulheres” (artigo 9º, inciso V).
- Destarte, admitir que a mulher assuma uma função não remunerada de cuidar de seu companheiro enfermo, e ao mesmo tempo afirmar que tal responsabilidade não é suficiente para configurar a relação afetiva entre o casal, acaba por reforçar esse estereótipo de gênero extremamente discriminatório, como se a parte autora, no caso, fosse obrigada a cuidar do "de cujus", pelo simples fato de ser mulher.
- Diante do conjunto probatório constante nos autos, conclui-se, com segurança, que, além do longo casamento, que gerou duas filhas, a parte autora viveu em regime de união estável com o falecido de 2017 até a data do óbito, em 14/09/2020, sendo presumida a sua dependência econômica, nos termos do artigo 16, inciso I da Lei nº 8.213/1991, motivo pelo qual tem direito a parte autora à concessão do benefício de pensão por morte, de forma vitalícia, nos termos dos artigos 74 e 77, §2º, inciso V, alínea "c", item "6", da Lei nº 8.213/91.
- Termo inicial do benefício na data do óbito, uma vez que foi requerido no prazo do inciso I do artigo 74 da Lei nº 8.213/91, com a redação dada pela Lei nº 13.846/2019.
- A correção monetária deverá incidir sobre as prestações em atraso desde as respectivas competências e os juros de mora desde a citação, observada eventual prescrição quinquenal, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 784/2022 do Conselho da Justiça Federal, que já contempla o disposto no artigo 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, ou aquele que estiver em vigor na fase de liquidação de sentença.
- Honorários advocatícios a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, fixados nos termos do artigo 85, §§ 3º e 4º, inciso II, do Código de Processo Civil, e da Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça, devendo o percentual ser definido somente na liquidação do julgado.
- Sem custas ou despesas processuais, por ser a parte autora beneficiária da assistência judiciária gratuita.
- Apelação da parte autora provida.