CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Nº 5000182-02.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO
SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 3ª VARA FEDERAL
SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 5ª VARA FEDERAL
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PARTE RE: RAFAEL ROBES ALVES DA SILVA
PARTE AUTORA: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL NO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL
CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Nº 5000182-02.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 3ª VARA FEDERAL SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): Trata-se de conflito negativo de jurisdição suscitado pela 3ª Vara Federal de Campo Grande/MS (juízo suscitante) em face da 5ª Vara Federal daquela mesma Subseção Judiciária (juízo suscitado), nos autos do Procedimento Investigatório Criminal nº 5012832-60.2024.4.03.6000, instaurado para a apuração de eventual prática dos crimes previstos no art. 334 do Código Penal e nos arts. 334-A do Código Penal c.c. o art. 3º do Decreto-Lei nº 399/1968, em concurso formal. Os autos foram distribuídos livremente, em 18.12.2024, para a 5ª Vara Federal de Campo Grande que, com o oferecimento da denúncia (ID 310960616, pp. 02/07), determinou sua redistribuição sob o seguinte fundamento (idem, pp. 72/73): Considerando o oferecimento de denúncia e, por conseguinte, o término da competência do juiz das garantias, redistribua-se o feito à 3ª Vara Federal de Campo Grande, nos termos do artigo 2º, § 3º, da Resolução CJF3R 117/2024. No ponto, tendo em vista os conflitos de jurisdição suscitados em processos análogos, com fundamento, especialmente, na ausência de “fase investigativa judicializada prévia”, apresento meu entendimento de forma mais detalhada. Observo, inicialmente, que o presente feito foi distribuído a este Juízo com a Classe Procedimento Investigatório Criminal e que a peça acusatória ampara-se em notícia de fato comunicada ao MPF. A denúncia, de fato, foi apresentada concomitantemente com os documentos derivados da investigação que a precedeu. Ocorre que isto se deu por uma opção do Parquet, possivelmente assentada em aspectos de natureza administrativa, os quais, a princípio, não reverberam na aplicação ou não da resolução ora invocada para justificar a alteração de competência. Na linha do julgado pelo STF na ADI 6298, a existência de investigação criminal – ou qualquer procedimento investigatório que tenha outra denominação – deve ser informada ao Poder Judiciário para fins de controle. No caso, é evidente que o procedimento pré-processual não foi registrado em juízo no mesmo dia em que iniciado no âmbito daquele órgão. Ou seja, é manifesto que houve um procedimento preliminar cuja existência só foi comunicada ao Judiciário no mesmo ato de oferecimento da denúncia, o que me parece equivocado. A “fase investigativa judicializada prévia” dependeria da atuação Ministério Público Federal, já que não é possível ao Judiciário ter conhecimento de investigações em curso até que elas sejam distribuídas pelos órgãos competentes, o que deixa claro que este aspecto não deve interferir na aplicação da Resolução CJF3R 117/2024. [...] Por tais razões, determino a remessa dos autos à 3ª Vara Federal de Campo Grande, com espeque no artigo 2º, § 3º, da Resolução CJF3R 117/2024. Redistribuídos os autos à 3ª Vara Federal de Campo Grande, esse juízo reconheceu sua incompetência e suscitou este conflito, nos seguintes termos (ID 310960615; destaques no original): No presente caso, tem-se que não houve comunicação ao Juízo da 5ª Vara Federal de uma investigação preliminar em curso, circunstância que tornaria aquele juízo prevento com relação aos fatos tratados na denúncia ofertada. E, com a denúncia, justificaria, dentro da lógica da regulamentação do sistema do juiz das garantias no Eg. TRF3, o deslocamento da competência, dada a ratio objetivamente definida entre a investigação e a fase de processo instaurada com o oferecimento da peça de acusação. Não foi o que aconteceu. Inclusive, ao receber a representação fiscal para fins penais n. 19715.722394/2023-27 - encaminhada pela Receita Federal, após a sua conclusão na esfera administrativo-fiscal -, o Ministério Público Federal entendeu haver elementos suficientes de autoria e materialidade para o ajuizamento da denúncia criminal. E o fez de plano. Assim sendo, o primeiro contato da Justiça Federal com o caso deu-se já com a denúncia, o que torna absolutamente ilógica a redistribuição (da denúncia) a outro juízo. Caso tivesse havido a comunicação da instauração do PIC ou da NF, e ulterior oferecimento da denúncia, estaria justificada a redistribuição ao juiz das garantias. Assim não sendo, e já chegando ao Poder Judiciário o feito denunciado, não há sentido (ou fundamento, concessa maxia venia) em que o Juízo a quem se distribuiu o feito já com a denúncia desloque a competência à unidade jurisdicional que com ela mantém relação de paridade no sistema do juiz das garantias, pois, na prática, não é que tenha havido decisão judicial sujeita a cláusula de reserva de jurisdição ou não: é que não houve fase investigativa judicializada prévia. [...] Mais ainda: nos autos de n. 5013038-74.2024.4.03.6000, o Ministério Público Federal informa que, por força da ORIENTAÇÃO CONJUNTA N.º 01/2024 das 2ª, 4ª, 5ª e 7ª CÂMARAS DE COORDENAÇÃO E REVISÃO do MPF, balizada em precedentes do STF, não há dever de promover a distribuição judicial de Notícias de Fato, para controle judicial (juiz das garantias), porquanto não configura, esta espécie, procedimento investigatório, mas sim destinado à eventual colheita de informações preliminares imprescindíveis para deliberar sobre a instauração do procedimento próprio, sendo vedada a expedição de requisições, conforme disposições da Resolução 174/2017 do CNMP, notadamente os artigos 1º a 3º. (Negritei) Diante desse cenário, SUSCITO CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA em face do Juízo da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS. Distribuído o conflito, o juízo suscitante foi designado para resolver eventuais medidas urgentes (ID 313222553). A Procuradoria Regional da República opinou pela procedência do conflito, fixando-se a competência do juízo suscitado (ID 314069676). É o relatório. Dispensada a revisão.
CONFLITO DE JURISDIÇÃO (325) Nº 5000182-02.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 40 - DES. FED. NINO TOLDO SUSCITANTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 3ª VARA FEDERAL SUSCITADO: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CAMPO GRANDE/MS - 5ª VARA FEDERAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL NINO TOLDO (Relator): A questão cinge-se à definição do juízo competente para o exame da denúncia oferecida no Procedimento Investigatório Criminal nº 5012832-60.2024.4.03.6000 e, caso recebida, para processar e julgar a ação penal correspondente. O juízo suscitado determinou a redistribuição dos autos, tendo em vista o oferecimento da denúncia e o disposto no art. 2º, § 3º, da Resolução CJF3R nº 117, de 31.01.2024. O juízo suscitante, porém, não reconheceu sua competência e suscitou o presente conflito, por entender que não houve prévia fase investigativa, sendo o primeiro contato com a Justiça Federal a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF). Tem razão o juízo suscitante. O art. 2º, § 3º, da Resolução CJF3R nº 117/2024, citado pelo juízo suscitado ao determinar a redistribuição do feito, tem a seguinte redação: Art. 2º Nas subseções judiciárias onde houver duas ou mais varas com competência criminal, cumulativa ou não, o juiz das garantias funcionará junto ao juízo para o qual for distribuída a comunicação de prisão em flagrante, o inquérito policial, o procedimento investigatório criminal, a representação da autoridade policial ou o requerimento do Ministério Público Federal em que haja reserva de jurisdição. [...] § 3º Após o oferecimento da denúncia ou queixa, o juiz das garantias determinará a redistribuição dos autos para outra vara com competência criminal na mesma subseção judiciária. O caso em exame, todavia, não se insere nessa disposição. Explico. Ao alterar o Código de Processo Penal, o legislador definiu como competência do juiz das garantias a atuação no controle da legalidade de toda investigação criminal, exceto as de menor potencial ofensivo. A intenção do legislador foi dividir a competência entre a fase investigatória e e a fase processual da persecução penal. É o que se extrai do art. 3º-B do Código de Processo Penal: É o que se extrai do art. 3º-B do CPP: O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário (...) Do que se verifica a partir do exame dos autos, em nenhum momento houve qualquer comunicação prévia sobre o procedimento investigativo baseado na representação fiscal para fins penais encaminhada pela Receita Federal ao MPF, que ofereceu diretamente a denúncia, não havendo, no caso, nenhum tipo de controle sobre a investigação, de modo que a 5ª Vara Federal de Campo Grande não chegou a atuar como juízo das garantias. Por essa razão, isto é, por não ter atuado como juízo das garantias ou realizado qualquer controle de legalidade da investigação ou tutela de direitos individuais dos investigados, não há como falar em redistribuição do feito com base na Resolução CJF3R nº 117/2024, ainda que o feito originário tenha sido distribuído, por sorteio, após a a implantação do juiz das garantias na Terceira Região (04.3.2024). A propósito, destaco o seguinte trecho do parecer subscrito pelo Procurador Regional da República Rafael Siqueira de Pretto (ID 314069676): Volvendo ao caso concreto, a documentação enviada ao órgão ministerial – e autuada como notícia de fato – revelou-se suficiente quanto à prova da materialidade e aos indícios de autoria, permitindo que fosse oferecida, de pronto, a proposta acusatória, sem necessidade de diligências investigatórias, procedimento de todo legítimo e não equivocado (ID 310960616, p. 73). Insista-se: a ação penal teve início sem qualquer diligência investigatória criminal, seja por autoridade de polícia judiciária, seja pelo Ministério Público, isto é, a denúncia respaldou-se exclusivamente em documentação (peças de informação) encaminhada pela Receita Federal ao órgão ministerial. Em arremate, não deve prevalecer a premissa do juízo suscitado de que houve uma investigação que precedeu a denúncia e sobre a qual seria necessária a supervisão, conforme previsão da Resolução CJF3R nº 117, de 31 de janeiro de 2024. Deveras, não existiu investigação criminal. À míngua de diligências investigatórias prévias que devessem ser supervisionadas por juiz das garantias, não há substrato jurídico para que se proceda à redistribuição do feito. Esse, ademais, foi o entendimento adotado recentemente pela Quarta Seção, na sessão de 20.02.2025, dos Conflitos de Jurisdição nº 5027814-37.2024.4.03.0000 e nº 5027588-32.2024.4.03.0000, conforme voto condutor proferido pelo e. Desembargador Federal Fausto De Sanctis, cujo teor transcrevo abaixo: A Resolução CJF3R n.º 117, de 31 de janeiro de 2024, regulamentou a implantação do juiz das garantias na Justiça Federal de Primeiro Grau da 3ª Região, em conformidade com o artigo 3º da Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019. De acordo com o artigo 2º, caput, da referida Resolução, o juiz das garantias funcionará junto ao juízo para o qual for distribuída a comunicação de prisão em flagrante, o inquérito policial, o procedimento investigatório criminal, a representação da autoridade policial ou o requerimento do Ministério Público Federal em que haja reserva de jurisdição. Já o § 3º do mesmo artigo dispõe que, após o oferecimento da denúncia ou queixa, o juiz das garantias determinará a redistribuição dos autos para outra vara com competência criminal na mesma subseção judiciária. Por fim, conforme o artigo 6º, a Resolução entrou em vigor em 4 de março de 2024. No caso subjacente, o Procedimento de Investigação Criminal n.º 5010377-25.2024.403.6000, instaurado para a apuração dos delitos de descaminho e contrabando, foi distribuído ao Juízo Federal da 5ª Vara da Subseção Judiciária de Campo Grande/MS (Juízo Suscitado), em 09.10.2024, juntamente com a denúncia. Em razão disso, o Juízo Suscitado determinou a redistribuição dos autos, com supedâneo no artigo 2º, § 3º, da Resolução CJF3R n.º 117, uma vez que a distribuição dos autos se operou depois de 04.03.2024. Todavia, em que pese a data da distribuição do Procedimento de Investigação Criminal, em nenhum momento houve qualquer comunicação prévia ao Juízo Suscitado acerca da investigação que culminou com o oferecimento da denúncia. O artigo 3º-B, caput, do Código de Processo Penal, esclarece que o juiz das garantias é aquele responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário. Portanto, considerando que a denúncia foi apresentada juntamente com o procedimento investigatório, o Juízo Federal da 5ª Vara Federal de Campo Grande/MS não exerceu qualquer função como juiz das garantias, uma vez que não realizou qualquer controle sobre a legalidade da investigação criminal nem atuou na tutela de direitos individuais dos investigados. Ante o exposto, voto no sentido de JULGAR PROCEDENTE o conflito de Jurisdição e declarar a competência do Juízo Federal da 5ª Vara da Subseção Judiciária de Campo Grande/MS. Posto isso, JULGO PROCEDENTE o conflito de jurisdição para declarar a competência da 5ª Vara Federal de Campo Grande para examinar a denúncia oferecida a partir do PIC nº 5012832-60.2024.4.03.6000 e, caso recebida, processar e julgar a ação penal. É o voto.
Autos: | CONFLITO DE JURISDIÇÃO - 5000182-02.2025.4.03.0000 |
Requerente: | Subseção Judiciária de Campo Grande/MS - 3ª Vara Federal |
Requerido: | Subseção Judiciária de Campo Grande/MS - 5ª Vara Federal |
Ementa: Processual penal. Conflito de jurisdição. Juiz das Garantias. Resolução CJF3R nº 117/2024. Conflito procedente.
I. Caso em exame
1. Trata-se de conflito de jurisdição suscitado pela 3ª Vara Federal de Campo Grande em face da 5ª Vara Federal de Campo Grande, visando à definição do juízo competente para examinar denúncia oferecida diretamente pelo Ministério Público Federal, a partir de procedimento investigatório criminal que não havia sido comunicado previamente. O juízo suscitante argumenta que não houve fase investigatória prévia com participação judicial, sendo a denúncia o primeiro contato do caso com a Justiça Federal.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em definir se a redistribuição dos autos ao juiz das garantias é cabível quando não houve atuação judicial prévia na fase investigativa.
III. Razões de decidir
3. Do que se verifica a partir do exame dos autos, em nenhum momento houve qualquer comunicação prévia sobre o procedimento investigativo baseado na representação fiscal para fins penais encaminhada pela Receita Federal ao MPF, que ofereceu diretamente a denúncia, não havendo, no caso, nenhum tipo de controle sobre a investigação, de modo que a 5ª Vara Federal de Campo Grande não chegou a atuar como juízo das garantias.
4. Por essa razão, isto é, por não ter atuado como juízo das garantias ou realizado qualquer controle de legalidade da investigação ou tutela de direitos individuais dos investigados, não há como falar em redistribuição do feito com base na Resolução CJF3R nº 117/2024, ainda que o feito originário tenha sido distribuído, por sorteio, após a a implantação do juiz das garantias na Terceira Região.
5. Esse, ademais, foi o entendimento adotado recentemente pela Quarta Seção, na sessão de 20.02.2025, dos Conflitos de Jurisdição nº 5027814-37.2024.4.03.0000 e nº 5027588-32.2024.4.03.0000.
IV. Dispositivo e tese
6. Conflito de jurisdição julgado procedente, declarando-se competente a 5ª Vara Federal de Campo Grande para examinar a denúncia oferecida e, caso recebida, processar a ação penal.
Tese de julgamento: "1. A redistribuição dos autos ao juízo das garantias, nos termos do art. 2º, § 3º, da Resolução CJF3R nº 117/2024, exige que o juízo tenha previamente atuado na fase investigativa. 2. Inexistindo qualquer controle judicial prévio sobre a investigação, não há razão para redistribuição, devendo a competência permanecer com o juízo originário da distribuição da denúncia."
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Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 3º-B; Resolução CJF3R nº 117/2024, art. 2º, § 3º.
Jurisprudência relevante citada: TRF3, CJ 5027814-37.2024.4.03.0000, Rel. Des. Federal Fausto De Sanctis, Quarta Seção, j. 20.02.2025; TRF3, CJ 5027588-32.2024.4.03.0000, Rel. Des. Federal Fausto De Sanctis, Quarta Seção, j. 20.02.2025.