RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001237-06.2021.4.03.6312
RELATOR: 31º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: CAIO VINICIUS LOPES
Advogado do(a) RECORRENTE: RAYSSA FERNANDA PREDIN E SILVA - SP400555-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
PODER JUDICIÁRIO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001237-06.2021.4.03.6312 RELATOR: 31º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: CAIO VINICIUS LOPES Advogado do(a) RECORRENTE: RAYSSA FERNANDA PREDIN E SILVA - SP400555-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: RELATÓRIO Trata-se de ação de conhecimento pela qual a parte autora pleiteia a condenação do réu a implantar em seu favor benefício assistencial de prestação continuada, nos termos do art. 20 Lei nº 8.742/93. Em sentença, o pedido foi julgado improcedente. Recorre a parte autora sustentando a nulidade da sentença e determinando-se o retorno dos autos à origem para resposta aos quesitos socioeconômicos do autor e esclarecimentos periciais apresentados e, quanto ao mérito, sustentou ter sido comprovado nos autos a hipossuficiência financeira do grupo familiar. É o relatório.
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001237-06.2021.4.03.6312 RELATOR: 31º Juiz Federal da 11ª TR SP RECORRENTE: CAIO VINICIUS LOPES Advogado do(a) RECORRENTE: RAYSSA FERNANDA PREDIN E SILVA - SP400555-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: VOTO Parâmetros para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada O benefício assistencial de prestação continuada está previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93, atualmente redigido nos seguintes termos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) § 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) No tocante à legislação que rege o benefício em questão, interessa também o disposto no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003): Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas. Assim sendo, são requisitos legais para a percepção do referido benefício: ser o requerente idoso (contar ao menos 65 anos de idade) ou portador de deficiência que o torna incapaz para a vida independente e para o trabalho e não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família (miserabilidade). Em relação ao deficiente, há que se observar a jurisprudência consolidada na TNU, no Tema n. 173, cuja tese prescreve: Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade laborativa, é imprescindível a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2 (dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde a data do início da sua caracterização. Em relação ao critério da miserabilidade, tratado pelo art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 e art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/2003, decidiu o Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalização no tempo do primeiro dispositivo citado, e pela inconstitucionalidade por omissão parcial do segundo, em julgamento que recebeu a seguinte ementa: Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou a Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou a Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional. 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE n. 580.963, Relator Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013) Na esteira dessa conclusão, deve-se considerar como critérios de aferição do requisito da miserabilidade os seguintes parâmetros objetivos: apuração da renda per capita na fração de ½ salário-mínimo (em analogia ao disposto no art. 5º, I, da Lei nº 9.533/97) e exclusão do cálculo da renda per capita de todo o benefício de valor mínimo, de natureza assistencial ou previdenciária. A adoção de tais parâmetros objetivos não exclui, conforme se reafirmou reiteradamente nos debates mantidos pelos Ministros do STF em tal julgamento, a consideração de aspectos subjetivos trazidos à juízo no caso concreto, aptos a fundamentar a concessão do benefício assistencial em questão. Ademais, para aferição da renda per capita, deve-se observar os estritos termos legais, conforme decidiu a TNU no julgamento do Tema n. 73, nos seguintes termos: O grupo familiar deve ser definido a partir da interpretação restrita do disposto no art. 16 da Lei n. 8.213/91 e no art. 20 da Lei n. 8.742/93, esta última na sua redação original. Discussão do caso concreto Devidamente discutidos todos os aspectos jurídicos que importam para a solução da ação proposta, passo a analisar o caso concreto. A parte autora postula a concessão de benefício assistencial de prestação continuada ao portador da deficiência. Não há controvérsia quanto ao critério da deficiência. O laudo socioeconômico trouxe as seguintes informações (ID 289902100): Apresentamos o seguinte cálculo da renda per capita: • Componentes do grupo familiar: 03 • Renda bruta mensal: R$ 1.512,00 • Renda per capita familiar: R$ 504,00 VII – CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÃO Este documento objetivou compreender a realidade social, as conexões e determinações mais amplas e expressões particularizas que se insere o requerente. Neste contexto reforça-se a necessidade de refletir sobre o fato de que o estudo realizado envolve seres humanos que vivem em condições objetivas, as quais afetam sua subjetividade e são por ela afetadas. Esclarecemos que orientamos a família que caso o requerente tenha como deferido o benefício, ele não é uma aposentadoria, mas um benefício assistencial, não vitalício, com concessão revista a cada dois anos para avaliação da sua continuidade. O caso trata-se de um jovem que foi diagnosticado com Esclerose Múltipla em 02/2021, que devido a este diagnostico necessita de maiores recursos para viver dignamente, pois vê nesse recurso a possibilidade de melhorar suas condições financeiras e, consequentemente, melhorar sua alimentação e os cuidados com sua saúde com: poder se alimentar melhor, não depender de terceiros, entre outras... A genitora e seu padrasto são presentes e afetivos, porém sem condições financeiras para custear essas necessidades apontadas. Em que pesem tais considerações, entendo que o ponto controvertido foi amplamente analisado na sentença recorrida, cujos fundamentos adoto como razão de decidir, conforme autorização do art. 46 da Lei n. 9099/95. Transcrevo o trecho pertinente: Contudo, o requisito legal de vulnerabilidade socioeconômica não restou comprovado. De acordo com as informações registradas no laudo socioeconômico (ID 299152038), a família em análise é composta pelo autor, Gabriel (9 anos, estudante) e sua mãe, Sônia (44 anos, manicure, ensino médio). Residem em imóvel próprio, em ótimas condições de habitação. A mãe do autor possui motocicleta. O pai do autor se faz presente na vida do filho e custeia escola particular e plano de saúde. O autor não faz uso de nenhum medicamento. Os meios de sobrevivência são obtidos através do trabalho informal da genitora do autor, como manicure, no valor médio de R$ 600,00 mensais e do auxílio Brasil, no valor de R$ 600,00 (que não pode ser computado para aferição da renda familiar, a teor da fundamentação supra). Dessa forma, ainda que a renda familiar per capita seja inferior ao limite de 1/2 salário mínimo, adotado como parâmetro objetivo para aferição da vulnerabilidade socioeconômica, entendo que a situação de miserabilidade não restou comprovada nos presentes autos, tendo em vista que o autor não faz uso de medicamentos, tem acesso a tratamentos de saúde e educação, bem como que o genitor é presente e presta ajuda constante. Destaque-se, por fim, que o benefício assistencial em exame se destina àqueles que não possuem renda suficiente para suprir necessidades básicas, como alimentação, moradia e saúde, seja por si ou com ajuda de familiares. No presente feito, apesar das dificuldades relatadas à perita social, não é legalmente cabível a concessão do benefício em questão, por não haver previsão para a hipótese de complementação da renda. Conclui-se, pois, que a parte autora não se desincumbiu satisfatoriamente do ônus de comprovar a vulnerabilidade socioeconômica alegada, motivo pelo qual não há como acolher seu pleito. A fundamentação da sentença questionada encontra amparo na doutrina. Conforme explica a Exma. Desembargadora Federal Marisa Ferreira dos Santos, “o BPC é benefício destinado a pessoas extremamente carentes, que nem sempre têm moradia ou família” (SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário. 14. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2024, p. 127), o que definitivamente não é o caso dos autos. Assim sendo, ausente a caracterização da miserabilidade, o benefício não é devido e a sentença não comporta reforma nesta oportunidade. Ressalte-se, ainda, que a ausência de resposta expressa aos quesitos formulados pela parte autora na perícia socioeconômica não configura, por si só, cerceamento de defesa, pois o laudo foi elaborado de forma lógica e coesa, permitindo a aferição indireta das informações essenciais ao deslinde da causa, sem deixar questionamentos pendentes. Face ao exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso da parte autora. Condeno o recorrente vencido ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa. Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, o pagamento dos valores mencionados ficará suspenso nos termos do artigo 98, § 3º do CPC. É o voto. FLÁVIA SERIZAWA E SILVA JUÍZA FEDERAL RELATORA
PROCURADOR: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
DECLARAÇÃO DE VOTO
Divirjo do voto da E. Relatora, para dar provimento ao recurso da parte autora e determinar a concessão do benefício assistencial por entender que, ao que se constata dos autos, o autor preenche os requisitos da incapacidade/deficiência, com impedimento de longo prazo, e da hipossuficiência econômica.
Luciana Melchiori Bezerra
Juíza Federal
PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001237-06.2021.4.03.6312
RELATOR: 31º Juiz Federal da 11ª TR SP
RECORRENTE: CAIO VINICIUS LOPES
Advogado do(a) RECORRENTE: RAYSSA FERNANDA PREDIN E SILVA - SP400555-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
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OUTROS PARTICIPANTES:
EMENTA
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. PROVA PERICIAL. OMISSÃO NA RESPOSTA A QUESITOS FORMULADOS PELA PARTE. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA.