Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001526-37.2019.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: DIOGENES ELEUTERIO DE SOUZA - SP148496-A, DIOGO NEVES PEREIRA - MG131027-A, JOAO VICTOR FERRARI PARREIRA DA SILVA - SP379168-A

APELADO: SELMA CRISTINA FERREIRA
PARTE RE: URBANIZEMAIS LOTEADORA E INCORPORADORA DE BAURU EIRELI, RESIDENCIAL VILLA FLORA SPE LTDA
CURADOR ESPECIAL: HILBERT LAUSMANN GOMES

Advogado do(a) PARTE RE: GUSTAVO DE LIMA CAMBAUVA - SP231383-A
Advogado do(a) APELADO: ANA CLARA BLAGITZ FERRAZ ENZ - SP430628-A
Advogados do(a) PARTE RE: HILBERT LAUSMANN GOMES - SC57067-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001526-37.2019.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: DIOGENES ELEUTERIO DE SOUZA - SP148496-A, DIOGO NEVES PEREIRA - MG131027-A, JOAO VICTOR FERRARI PARREIRA DA SILVA - SP379168-A

APELADO: SELMA CRISTINA FERREIRA
PARTE RE: URBANIZEMAIS LOTEADORA E INCORPORADORA DE BAURU EIRELI, RESIDENCIAL VILLA FLORA SPE LTDA
CURADOR ESPECIAL: HILBERT LAUSMANN GOMES

Advogado do(a) PARTE RE: GUSTAVO DE LIMA CAMBAUVA - SP231383-A
Advogado do(a) APELADO: ANA CLARA BLAGITZ FERRAZ ENZ - SP430628-A
Advogados do(a) PARTE RE: HILBERT LAUSMANN GOMES - SC57067-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de ação ordinária ajuizada por Selma Cristina Ferreira em face da Caixa Econômica Federal (CEF), Residencial Villa Flora SPE Ltda. e Urbanizemais Loteadora e Incorporadora de Bauru Eireli, objetivando a condenação das rés à obrigação de fazer consistente em entregar a unidade habitacional adquirida, com pedidos de indenização por danos materiais e morais em razão do atraso na entrega da obra.

Durante a instrução processual, sobreveio decisão que reconheceu a ilegitimidade passiva de Residencial Villa Flora SPE Ltda., declarando extinto o processo, em relação a ela, nos termos do art. 485, VI, do CPC. Condenou a autora ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor atribuído à causa, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.

A r. sentença julgou extinto o feito, pela perda superveniente de interesse de agir, em relação ao pedido de entrega do empreendimento, nos termos do art. 485, VI, do CPC; julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar as rés, solidariamente, à reparação dos: (a) lucros cessantes fixados no percentual de 0,04% sobre o valor atualizado do imóvel, devidos desde o decurso do prazo contratual (incluído o período de tolerância de seis meses), de agosto de 2018 até a data da entrega das chaves e disponibilização do imóvel à autora, devendo o montante ser apurado e atualizado em liquidação de sentença. Juros de mora desde o evento danoso e correção monetária, nos termos do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal; (b) danos morais arbitrados em R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos e remunerados exclusivamente pela variação da taxa SELIC, a partir da data da sentença, nos termos do artigo 406, do CC de 2002 e do Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal. Sucumbentes as requeridas, condenou-as, solidariamente, ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da condenação.

Irresignada, a CEF apresentou apelação, alegando, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, vez que atuou apenas como agente financeiro no caso concreto. No mérito, questiona o valor fixado a título de lucros cessantes; defende a legalidade da cobrança dos juros de obra durante a fase de construção; afirma que não foi responsável nem deu causa ao atraso na conclusão do empreendimento; alega a impossibilidade de devolver os valores relativos aos juros de obra, pois tais valores são pagos pela CEF à construtora.

Sem contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.

É o breve relatório. Passo a decidir.

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
2ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001526-37.2019.4.03.6108

RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO

APELANTE: CAIXA ECONOMICA FEDERAL

Advogados do(a) APELANTE: DIOGENES ELEUTERIO DE SOUZA - SP148496-A, DIOGO NEVES PEREIRA - MG131027-A, JOAO VICTOR FERRARI PARREIRA DA SILVA - SP379168-A

APELADO: SELMA CRISTINA FERREIRA
PARTE RE: URBANIZEMAIS LOTEADORA E INCORPORADORA DE BAURU EIRELI, RESIDENCIAL VILLA FLORA SPE LTDA
CURADOR ESPECIAL: HILBERT LAUSMANN GOMES

Advogado do(a) PARTE RE: GUSTAVO DE LIMA CAMBAUVA - SP231383-A
Advogado do(a) APELADO: ANA CLARA BLAGITZ FERRAZ ENZ - SP430628-A
Advogados do(a) PARTE RE: HILBERT LAUSMANN GOMES - SC57067-A,

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Inicialmente, observo que não houve condenação ao pagamento ou devolução dos valores referentes aos juros de obra, razão pela qual o apelo da CEF a esse respeito não merece ser conhecido.

Prosseguindo, lembro que contrato é um negócio jurídico bilateral na medida em que retrata o acordo de vontades com o fim de criar, modificar ou extinguir direitos, gerando obrigações aos envolvidos; vale dizer, o contrato estabelece relação jurídica entre credor e devedor, podendo aquele exigir o cumprimento da prestação por este assumida.

Há dois vetores que norteiam as relações contratuais: o primeiro é autonomia de vontade, que confere às partes liberdade para estabelecer ou não avenças, fixando seu conteúdo desde que em harmonia com as leis e a ordem pública; o segundo é obrigatoriedade, pois uma vez firmado o acordo de vontades, as partes devem cumprir o contratado (primado “pacta sunt servanda”), garantidor da seriedade e da segurança jurídica. Qualquer alteração do contrato deverá ocorrer de forma voluntária e bilateral, salvo em casos como mudanças decorrentes de atos normativos supervenientes (cuja eficácia se viabilize sem prejuízo ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido) ou situações imprevistas e extraordinárias que alterem o equilíbrio do que foi pactuado.

Dificuldades financeiras não são fundamentos jurídicos para justificar o inadimplemento de obrigações livremente assumidas pelo devedor-fiduciante, porque a alteração do contrato exige voluntário e bilateral acordo de vontade. Também não há legislação viabilizando que o devedor deixe de pagar as prestações avençadas por enfrentar desafios financeiros, do mesmo modo que essa circunstância unilateral não altera o equilíbrio do que foi pactuado (já que o objeto é o mútuo com alienação fiduciária de coisa imóvel). Ademais, contratos firmados com cláusula de alienação fiduciária de bem imóvel em garantia já desfrutam de previsões especiais nos termos da Lei nº 9.514/1997, integrando políticas públicas que atendem à proteção do direito fundamental à moradia, mesmo que não integrem operações do Programa Minha Casa - Minha Vida (Lei nº 11.977/2009), com recursos advindos da integralização de cotas no Fundo de Arrendamento Residencial (FAR).

Escorado pelo art. 3º e pelo art. 6º, ambos da Constituição Federal, o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV) foi instituído pela Lei nº 11.977/2009 (conversão da MP nº 459/2009), posteriormente reestruturado pela Lei nº 12.424/2011, chegando a uma nova face com a Lei nº 14.620/2023 (resultante da MP nº 1.162/2023). Em sua essência, o PMCMV é política pública de incentivo para produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais para famílias com baixa renda, bem como para promover o direito à cidade o desenvolvimento urbano, econômico, social e cultural, sustentabilidade, redução de vulnerabilidades e prevenção de riscos de desastres, geração de trabalho e de renda e elevação dos padrões de habitabilidade, de segurança socioambiental e de qualidade de vida da população.

O PMCMV compreende os seguintes subprogramas: Programa Nacional de Habitação Urbana (PNHU) e Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). Estados-Membros, Municípios e Distrito Federal poderão fixar outros critérios de seleção de beneficiários do PMCMV, previamente aprovados pelos respectivos conselhos locais de habitação, quando existentes, e em conformidade com as respectivas políticas habitacionais e as regras estabelecidas pelo Poder Executivo federal.

De acordo com o art. 5º, da Lei nº 14.620/2023, o PMCMV é escalonado por níveis de renda familiar: residentes em áreas urbanas podem ter renda bruta familiar mensal até R$ 8.000,00; e residentes em áreas rurais com renda bruta familiar anual de até R$ 96.000,00. O nível de renda familiar urbana é subdivido em: a) Faixa Urbano 1 - renda bruta familiar mensal até R$ 2.640,00; b) Faixa Urbano 2 - renda bruta familiar mensal de R$ 2.640,01 até R$ 4.400,00; c) Faixa Urbano 3 - renda bruta familiar mensal de R$ 4.400,01 até R$ 8.000,00. Já o nível de nível de renda rural tem: a) Faixa Rural 1 - renda bruta familiar anual até R$ 31.680,00; b) Faixa Rural 2 - renda bruta familiar anual de R$ 31.680,01 até R$ 52.800,00; c) Faixa Rural 3 - renda bruta familiar anual de R$ 52.800,01 até R$ 96.000,00. Os parâmetros das faixas urbanas e rurais são equivalentes, embora computados por padrões de tempo distintos.

A fim de integrar o PMCMV, o empreendimento também deverá obedecer a critérios legais (art. 5º-A da Lei nº 11.977/2009), especialmente localização do terreno, adequação ambiental do projeto, infraestrutura básica e equipamentos relacionados a educação, saúde, lazer e transporte público.

O art. 6º, da Lei nº 14.620/2023, prevê que o PMCMV será constituído pelos seguintes recursos financeiros: dotações orçamentárias da União; Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS); Fundo de Arrendamento Residencial (FAR); Fundo de Desenvolvimento Social (FDS); Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); Fundo Garantidor da Habitação Popular (FGHab); emendas parlamentares; operações de crédito de iniciativa da União firmadas com organismos multilaterais de crédito e destinadas à implementação do Programa; contrapartidas financeiras, físicas ou de serviços de origem pública ou privada; doações públicas ou privadas destinadas aos fundos; outros recursos destinados à implementação do Programa oriundos de fontes nacionais e internacionais; doações ou alienação gratuita ou onerosa de bens imóveis da União, observada legislação pertinente; recursos do Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap).

Com relação à responsabilidade da CEF no que tange a eventuais vícios de construção ou atraso na entrega da obra relacionados a imóveis financiados segundo as regras do Sistema Financeiro de Habitação, há que se distinguir entre duas situações: 1ª) nas hipóteses em opera como gestora de recursos e executora de políticas públicas federais para a promoção de moradia a pessoas de baixa renda (como é o caso do Programa Minha Casa Minha Vida), atuando na elaboração do projeto ou na fiscalização das obras, a CEF é parte legítima e pode responder por danos (materiais e/ou morais); 2ª) nos casos em que atua apenas como agente financeiro (financiando a aquisição de imóvel), essa instituição financeira não pode ser responsabilizada por vícios de construção e é parte ilegítima para compor lides a esse respeito. Esse é o entendimento consolidado no e.STJ (p. ex., AgInt no REsp 1609473/RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/02/2019, DJe 13/02/2019; AgInt no REsp 1700199/RN, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 20/02/2020, DJe 03/03/2020; AgInt no AREsp 1555150/SE, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/05/2020, DJe 20/05/2020), e também neste e.TRF (p. ex., 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000712-29.2017.4.03.6000, Rel. Desembargador Federal RENATA ANDRADE LOTUFO, julgado em 18/03/2024, DJEN DATA: 20/03/2024; 2ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5009428-90.2023.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 06/09/2023, DJEN DATA: 14/09/2023; 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5000572-80.2019.4.03.6143, Rel. Desembargador Federal HERBERT CORNELIO PIETER DE BRUYN JUNIOR, julgado em 14/03/2024, DJEN DATA: 20/03/2024).

No âmbito do PMCMV, quando o contrato está relacionado à Faixa 1, a CEF atua como verdadeira gestora de políticas públicas, subsidiando a aquisição de moradias para a população de baixa renda, por meio de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nas demais faixas de renda do PMCMV, também se configura a responsabilidade da CEF (e, consequentemente, sua legitimidade processual), pois a atuação da instituição financeira vai além da análise de risco de crédito, efetivamente fiscalizando e gerenciando a obra, além de verificar se o imóvel e o devedor cumprem os requisitos legais para enquadramento no Programa.

Ao examinar as cláusulas padrões desses contratos de adesão, observa-se que é permitido à CEF, p. ex., autorizar a prorrogação do prazo para conclusão da obra, substituir a construtora em casos de modificação do projeto, não conclusão da obra dentro do prazo contratual, retardamento ou paralisação da obra, dentre outras hipóteses. Ademais, como mencionado acima, o PMCMV é política pública habitacional (urbana e rural) destinada a garantir à população de baixa renda (Faixas 1, 2 e 3) o direito fundamental à moradia, que conta com subvenção econômica estatal e privada (p. ex., FNHIS, FAR, FGTS, FGHab e Funcap), cuja gestão operacional é realizada pela CEF, mediante pagamento de remuneração específica, conforme disposição expressa do art. 9º e parágrafo único, da Lei nº 11.977/2009, bem como do art. 6º, §20, da Lei nº 14.620/2023. Daí decorre a legitimidade processual da CEF em se tratando de PMCMV.

No caso dos autos, a parte autora celebrou contrato de compra e venda de terreno e mútuo para construção de unidade habitacional, alienação fiduciária em garantia e outras obrigações – Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV – Recursos do FGTS – Com utilização dos recursos da conta vinculada do FGTS do devedor fiduciante, em 15/07/2016, tendo por objeto a unidade habitacional ser construída no terreno constituído pelo lote 1 da quadra Q com frente para a Rua 16, sem numeração oficial, no loteamento Residencial Villa Flora (id 311091044).

Figuram, no referido contrato, como vendedora: Residencial Villa Flora SPE Ltda., como interveniente construtora e fiadora: Urbanizemais Loteadora e Incorporadora de Bauru Eireli ME; como compradora e devedora fiduciante: a autora, como credora fiduciária: a CEF.

Consta, no item D1 do quadro resumo, que foi autorizada a construção do conjunto de residências denominado Residencial Villa Flora, contendo unidades habitacionais, com os recursos do FGTS, por meio de mútuo junto à CEF. Referido empreendimento integra o Programa Apoio à Produção de Habitações FGTS, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), conforme normas do Conselho Curador do FGTS.

Verifica-se que se trata de empreendimento integrante do PMCMV que conta com recursos do FGTS. De acordo com a Resolução nº 702/2012, do Conselho Curador do FGTS (CCFGTS), a CEF é agente operador de tais recursos, com competências definidas no art. 7º da Lei nº 8.036/1990 e no art. 67 do Regulamento Consolidado do FGTS, aprovado pelo Decreto nº 99.684/1990.

O art. 67, do Regulamento Consolidado do FGTS, elenca expressamente as atribuições da CEF, na qualidade de agente operador do FGTS, dentre as quais destaco: definir os procedimentos operacionais necessários à execução dos programas de habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana e ao cumprimento das resoluções do Conselho Curador e dos atos normativos do Gestor da aplicação do FGTS; analisar, sob os aspectos jurídico e de viabilidade técnica, econômica e financeira, os projetos de habitação popular, infraestrutura urbana, e saneamento básico a serem financiados com recursos do FGTS; avaliar o desempenho e a capacidade econômico-financeira dos agentes envolvidos nas operações de crédito com recursos do FGTS.

Portanto, a atuação da CEF no caso concreto não se restringe à de agente financeiro, vez que financia a construção de um empreendimento habitacional que se enquadra nas regras de programa de habitação popular, com poderes para verificar os requisitos legais concernentes ao imóvel, à construtora e ao adquirente/beneficiário, além de fiscalizar o andamento da obra, atuando como executora de políticas públicas.

Logo, a CEF é parte legítima e solidariamente responsável pelo atraso na entrega da obra e pelas indenizações dele decorrentes, não tendo atuado como mero agente financeiro no caso concreto.

Prosseguindo, o C. STJ, em julgamento submetido ao rito dos recursos repetitivos (Tema 996), firmou as seguintes teses, para casos de atraso na entrega da obra relacionados a imóveis no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida:

 

RECURSO ESPECIAL CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO EM INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - IRDR. ART. 1.036 DO CPC/2015 C/C O ART. 256-H DO RISTJ. PROCESSAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. CRÉDITO ASSOCIATIVO. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL EM CONSTRUÇÃO. CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO OS EFEITOS DO ATRASO NA ENTREGA DO BEM. RECURSOS DESPROVIDOS.

1. As teses a serem firmadas, para efeito do art. 1.036 do CPC/2015, em contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção, no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida, para os beneficiários das faixas de renda 1,5, 2 e 3, são as seguintes:

1.1 Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

1.2 No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

1.3 É ilícito cobrar do adquirente juros de obra ou outro encargo equivalente, após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.

1.4 O descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

2. Recursos especiais desprovidos.

(REsp n. 1.729.593/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/9/2019, DJe 27/9/2019).

 

A jurisprudência deste E.TRF da 3ª Região tem acompanhado os entendimentos do C. STJ, como se pode observar das seguintes decisões: ApCiv 0001991-98.2014.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal Wilson Zauhy Filho, Primeira Turma, julgado em 09/06/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 11/06/2020; ApCiv 5001882-91.2017.4.03.6111, Rel. Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 13/05/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/05/2020; ,  ApCiv 5006089-75.2018.4.03.6119, Rel. Desembargador Federal Helio Egydio de Matos Nogueira, Primeira Turma, julgado em 14/02/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 18/02/2020; AI 5016162-62.2020.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Luiz Paulo Cotrim Guimarães, Segunda Turma, julgado em 15/10/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 20/10/2020; AI 5015754-08.2019.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal Valdeci dos Santos, Primeira Turma, julgado em 10/09/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 17/09/2020.

Verifica-se que, de acordo com a cláusula 12 do contrato celebrado entre as partes, o prazo para construção e legalização da unidade habitacional: o prazo para o término da construção e legalização do imóvel é aquele constante na Letra B.8.2 (19 meses), podendo ser prorrogado, uma única vez, em até 6 (seis) meses, quando restar comprovado caso fortuito, força maior ou outra situação excepcional superveniente à assinatura do contrato que tenha efetiva interferência no ritmo de execução da obra, mediante análise técnica e autorização da Caixa, sempre que a medida se mostrar essencial a viabilizar a conclusão do empreendimento. Assim, considerando-se o prazo de tolerância de 6 (seis) meses, a data final para entrega das unidades seria 08/2018.

Quando do ajuizamento da demanda, em 07/2019, a parte autora instruiu a inicial com documentos extraídos de inquérito civil instaurado em 04/04/2018 pela Promotoria de Justiça de Duartina, a fim de investigar a notícia de possíveis irregularidades no empreendimento Residencial Villa Flora. De acordo com despacho de 02/10/2018, a CEF havia informado que o empreendimento estaria com 95% da execução efetuada; a construtora esclareceu que finalizou a construção, contudo faltavam pendências administrativas, sendo que as chuvas atrapalharam a construção; a linha de drenagem e a pavimentação das ruas não haviam sido finalizadas (id 311091047).

Em contestação apresentada em 29/07/2019, a CEF afirma que “as obras realmente ficaram atrasadas por problemas pelos quais a empresa Ubanizemais Loteadora e Incorporadora passou, entretanto, a construtora tem buscado alternativas a conclusão das obras, de modo a evitar a substituição da construtora, alternativa que sempre se mostra mais prejudicial a todas as partes. As habitações estão com 100% concluídas, restando apenas uma intervenção solicitada pela SABESP para ligação da água, que deve ser concluída em aproximadamente 20 dias, permitindo finalmente a entrega das unidades aos compradores”.

Em contestação de 10/10/2019, Residencial Villa Flora aduz que as obras já estão acabadas, faltando somente questões burocráticas junto à Sabesp, e que, segundo informações, estão na iminência de resolução.

Dessarte, o atraso na entrega da obra é inconteste, de modo que tanto a CEF quanto a construtora deram causa aos infortúnios pelos quais passou a parte autora, descumprindo o prazo estipulado no contrato para que o imóvel adquirido lhe fosse entregue, sendo devida a reparação.

No tocante ao pedido de lucros cessantes, conforme tese fixada no Tema 996 do C. STJ, em caso de atraso na entrega da obra, o prejuízo da parte autora é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma. Observe-se que o valor fixado a título de lucros cessantes, correspondente a 0,04% sobre o valor atualizado do imóvel, não se mostra desproporcional ou desarrazoado, devendo ser mantido.

Quanto aos danos morais, primeiramente é necessário situar o problema posto nos autos no contexto de responsabilidade civil por danos, para o que se faz necessário lembrar que os bens e direitos de pessoas físicas ou jurídicas (Súmula 227 do E.STJ), assim como de universalidades e entes despersonalizados, abrangem itens de diversas naturezas e conteúdos, os quais, em linhas gerais, podem ser divididos em materiais e morais. Nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal, a proteção a esses bens e direitos tem atributos de garantia fundamental, de tal modo que o titular da prerrogativa indevidamente violada tem a faculdade de exigir o dever fundamental de reparação apropriada em face do responsável, sendo certa a possibilidade de cumulação da reparação da lesão material com o dano moral.

O objeto do dano material correspondente à lesão sofrida em bens tangíveis, intangíveis, móveis, imóveis, fungíveis e infungíveis, de modo que o ressarcimento é mensurado, em moeda, pela extensão do prejuízo (normalmente aferido pelo preço de mercado dos bens e direitos afetados), com o objetivo de recompor a perda sofrida. Já o objeto do dano moral (ou extrapatrimonial) diz respeito à lesão no âmbito da integridade psíquica, da intimidade, da privacidade, da imagem ou da personalidade (p. ex., dor, honra, tranquilidade, afetividade, solidariedade, prestígio, boa reputação e crenças religiosas), causada por um ato ou fato ou por seus desdobramentos, de modo que sua extensão é a proporção do injusto sofrimento, aborrecimento ou constrangimento; embora a lesão moral possa ser reparada por diversos meios (p. ex., nos moldes do art. 5º, V, da Constituição), a indenização financeira tem sido utilizada com o objetivo dúplice de repor o dano sofrido e de submeter (ordinária e sistematicamente) o responsável aos deveres fundamentais do Estado de Direito.

Ao mesmo tempo em que os sujeitos de direito são dotados de liberdade de escolha, todos devem responder por seus atos ou omissões quando violarem limites determinados pelo ordenamento jurídico, gerando responsabilidades de diversas espécies (dentre elas as criminais). Para o que importa a este feito, a atribuição da responsabilidade civil pode ser imputada a todo aquele que causar lesão, por fato ou ato praticado (in committendo), por omissão (in ommittendo), por pessoa que o representante (in vigilando), por empregado, funcionário ou mandatário (in eligendo) e por coisa inanimada ou por animal (in custodiendo).

É pela correta delimitação jurídica da responsabilidade civil que se torna possível estabelecer os parâmetros para avaliação do caso sub judice, motivo pelo qual é necessário também consignar que, quanto ao fato gerador, há a responsabilidade contratual (relacionada a negócio jurídico não cumprido, no todo ou em parte, nos termos do art. 389 e seguintes do Código Civil) e responsabilidade extracontratual ou aquiliana (casos de violação à lei e a primados de Direito, independentemente de negócio jurídico, conforme art. 186 e seguintes, também do Código Civil); acerca do fundamento, há a responsabilidade subjetiva (baseada em culpa) e a responsabilidade objetiva (baseada no risco, não exigindo culpa); e, considerando o agente, há a responsabilidade direta ou simples (se oriunda de ato da própria pessoa imputada) e responsabilidade indireta ou complexa (resultante de ato ou fato de terceiro, animal ou coisa inanimada vinculada ao imputado).

Friso que a culpa ou o dolo podem aparecer como causa da lesão, mas não são imprescindíveis para atribuição de responsabilidade civil (embora tenham utilidade no caso de fixação de reparação). Nessa linha, não se deve confundir a teoria objetiva da culpa (formulada em contraposição à teoria da culpa subjetiva), com a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou da culpa presumida).

Para a teoria da culpa objetiva, a culpa é apreciada in abstracto, nos moldes das pessoas comuns, sem considerar as condições subjetivas do agente ou seu estado de consciência (vale dizer, afastando elementos pessoais ou íntimos do agente causador do ato danoso), o que, por consequência, permite responsabilizar incapazes e dementes; já a teoria da culpa subjetiva se serve de abstrações, porém, em menor grau, pois verifica a intenção íntima e pessoal do agente para conferir a responsabilidade civil e o dever de reparar o injusto dano causado a outrem, vale dizer, culpa in concreto. 

Por sua vez, a teoria da responsabilidade objetiva (ou teoria do risco ou culpa presumida) vê o dever de reparar independentemente de dolo ou culpa do causador da lesão (excluída apenas se o prejuízo for exclusivamente gerado por ato ou omissão do lesado), opondo-se à responsabilidade subjetiva (baseada no elemento subjetivo de culpabilidade do causador do dano, observando também o nexo causal entre a conduta do agente e o dano a ser ressarcido). A responsabilidade objetiva gera o dever de indenizar por parte daquele que interagiu (direta ou indiretamente) com o lesado, ou com o meio no qual está inserido, e se baseia na injustiça do dano por circunstância que não pode ser imputada ao titular do bem ou direito prejudicado; por não depender de dolo ou culpa, a responsabilidade civil decorre do risco gerado por determinada atividade, bastando o ato ou fato, o dano e a relação de causalidade ente ambos.

Ademais, a narrativa acima demonstra que a falha na prestação do serviço, pelas rés, ultrapassou o mero dissabor, impondo-se reparação, notadamente em razão do atraso na entrega da obra, que causou apreensão e angústia à parte autora, especialmente quanto à incerteza de vir a residir no imóvel adquirido. Assim, entendo devida a indenização por dano moral.

Por fim, a indenização financeira por dano moral deve traduzir montante que sirva para a reparação da lesão (considerada a intensidade para o ofendido e a eventual caracterização de dolo ou grau da culpa do responsável) e também ônus ao responsável para submetê-lo aos deveres fundamentais do Estado de Direito, incluindo o desestímulo de condutas lesivas ao consumidor, devendo ser ponderada para não ensejar enriquecimento sem causa do lesado, mas também para não ser insignificante ou excessiva para o infrator. Esse dúplice escopo deve ser aferido por comedida avaliação judicial à luz do caso concreto, dialogando ainda com diversas outras matérias que reclamam indenização por dano moral, denotando coerência interdisciplinar na apreciação do magistrado.

Assim, considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, observo que o quantum indenizatório fixado na sentença (R$ 10.000,00) obedece a tais critérios, devendo ser mantido.

Esse montante deverá ser acrescido nos moldes do Manual de Cálculos da Justiça Federal, com juros moratórios contados do evento danoso por se tratar de responsabilidade extracontratual (Súmula 54, do E.STJ).

Pelas razões expostas, REJEITO A PRELIMINAR arguida e NEGO PROVIMENTO à apelação.

Tendo como base o decidido no Tema 1.059/STJ, e em vista o trabalho adicional desenvolvido na fase recursal e considerando o conteúdo da controvérsia, com fundamento no art. 85, § 11, do CPC, a verba honorária fixada em primeiro grau de jurisdição em face da apelante deve ser majorada em 10%, respeitados os limites máximos previstos nesse mesmo preceito legal, e observada a publicação da decisão recorrida a partir de 18/03/2016, inclusive (E.STJ, Agravo Interno nos Embargos de Divergência 1.539.725/DF, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, 2ª seção, DJe de 19/10/2017).

É o voto.



E M E N T A

 

 

 

APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. PMCMV. FAIXAS DE RENDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA CEF. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. LUCROS CESSANTES. DANOS MORAIS.

- No âmbito do PMCMV, quando o contrato está relacionado à Faixa 1, a CEF atua como verdadeira gestora de políticas públicas, subsidiando a aquisição de moradias para a população de baixa renda, por meio de recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nas demais faixas de renda do PMCMV, também se configura a responsabilidade da CEF (e, consequentemente, sua legitimidade processual), pois a atuação da instituição financeira vai além da análise de risco de crédito, efetivamente fiscalizando e gerenciando a obra, além de verificar se o imóvel e o devedor cumprem os requisitos legais para enquadramento no Programa.

- Ao examinar as cláusulas padrões desses contratos de adesão, observa-se que é permitido à CEF, p. ex., autorizar a prorrogação do prazo para conclusão da obra, substituir a construtora em casos de modificação do projeto, não conclusão da obra dentro do prazo contratual, retardamento ou paralisação da obra, dentre outras hipóteses. Ademais, o PMCMV é política pública habitacional (urbana e rural) destinada a garantir à população de baixa renda (Faixas 1, 2 e 3) o direito fundamental à moradia, que conta com subvenção econômica estatal e privada (p. ex., FNHIS, FAR, FGTS, FGHab e Funcap), cuja gestão operacional é realizada pela CEF, mediante pagamento de remuneração específica, conforme disposição expressa do art. 9º e parágrafo único, da Lei nº 11.977/2009, bem como do art. 6º, §20, da Lei nº 14.620/2023. Daí decorre a legitimidade processual da CEF em se tratando de PMCMV.

- A atuação da CEF no caso concreto não se restringe à de agente financeiro, vez que financia a construção de um empreendimento habitacional que se enquadra nas regras de programa de habitação popular, com poderes para verificar os requisitos legais concernentes ao imóvel, à construtora e ao adquirente/beneficiário, além de fiscalizar o andamento da obra, atuando como executora de políticas públicas.

- A CEF é parte legítima e solidariamente responsável pelo atraso na entrega da obra e pelas indenizações dele decorrentes, não tendo atuado como mero agente financeiro no caso concreto.

- O atraso na entrega da obra é inconteste, de modo que tanto a CEF quanto a construtora deram causa aos infortúnios pelos quais passou a parte autora, descumprindo o prazo estipulado no contrato para que o imóvel adquirido lhe fosse entregue.

- A narrativa acima demonstra que a falha na prestação do serviço, pelas rés, ultrapassou o mero dissabor, impondo-se reparação, notadamente em razão do atraso na entrega da obra, que perdurou por muitos anos, causando apreensão e angústia à parte autora, especialmente quanto à incerteza de vir a residir no imóvel adquirido. Assim, é devida a indenização por dano moral.

- Considerando as circunstâncias do caso concreto, a partir dos parâmetros de arbitramento adotados pela jurisprudência desta E. Segunda Turma em casos análogos, observo que o quantum indenizatório fixado na sentença (R$ 10.000,00) obedece a tais critérios, devendo ser mantido.

- Preliminar rejeitada. Apelação não provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Segunda Turma decidiu, por unanimidade, rejeitar a preliminar arguida e negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS FRANCISCO
Desembargador Federal