AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000889-67.2025.4.03.0000
RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO
AGRAVANTE: SANTA CASA DE MISERICORDIA DE VALPARAISO
Advogado do(a) AGRAVANTE: ROBERTO MONSON QUATRINI NETO - SP417641-A
AGRAVADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000889-67.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: SANTA CASA DE MISERICORDIA DE VALPARAISO Advogado do(a) AGRAVANTE: ROBERTO MONSON QUATRINI NETO - SP417641-A AGRAVADO: PROCURADOR CHEFE DA DIVIDA ATIVA DA FAZENDA NACIONAL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): Trata-se de agravo de instrumento interposto por SANTA CASA DE MISERICÓRDIA DE VALPARAÍSO em face de decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 5034911-24.2024.4.03.6100 que indeferiu pedido de liminar visando, em síntese, afastar impedimento para a adesão a transação de débito fiscais a que se refere a Lei nº 13.988/2020. Narra a agravante que, possuindo débitos fiscais inscritos na dívida ativa, foi informada pelo sistema da impossibilidade de aderir à transação prevista no edital PGDAU 06/2024, o qual, segundo a recorrente, prevê, expressamente, em seu art. 2º, que são passíveis de inclusão os débitos cujo valor seja inferior a R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões de reais), e que estejam inscritos em dívida ativa, e ainda que tenha sido objeto de parcelamento anteriormente rescindido. Nesse contexto, argumenta que não há fundamento legítimo que lhe impeça de transacionar, devendo ser observadas as regras editadas pela própria Administração. Ressalta que se trata de instituição filantrópica, que presta serviços à população e que necessita de certidão de regularidade fiscal para o seu regular funcionamento, destacando ainda que o prazo para a adesão à transação se encerra no próximo dia 31 de janeiro. Com isso, pede a concessão da tutela recursal, nos termos do art. 1.019, inciso I c.c. o art. 932, inciso II, ambos do CPC, para que seja determinado o desbloqueio da adesão à transação tributária prevista e disciplinada nos termos do Edital PGDAU 6/2024. Ao final, pede o provimento deste recurso. Indeferido o pedido de tutela recursal, Apresentada contraminuta pela União. Manifestou-se o Ministério Público Federal pelo prosseguimento do feito. É o relatório.
AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) Nº 5000889-67.2025.4.03.0000 RELATOR: Gab. 06 - DES. FED. CARLOS FRANCISCO AGRAVANTE: SANTA CASA DE MISERICORDIA DE VALPARAISO Advogado do(a) AGRAVANTE: ROBERTO MONSON QUATRINI NETO - SP417641-A AGRAVADO: PROCURADOR CHEFE DA DIVIDA ATIVA DA FAZENDA NACIONAL EM SAO PAULO, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS FRANCISCO (Relator): É de se ressaltar que nenhuma das partes trouxe aos autos qualquer argumento apto a infirmar o entendimento já manifestado quando da apreciação do pedido de antecipação da tutela recursal, nos termos da decisão por mim proferida, que transcrevo: Para a antecipação da tutela recursal em agravo de instrumento é imprescindível a presença concomitante dos requisitos da relevância da fundamentação ("fumus boni iuris") e do perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação ("periculum in mora"). Os requisitos, contudo, não se encontram atendidos. Explico. Embora o perigo relacionado à demora na apreciação da tutela definitiva possa, eventualmente, causar lesão a direito da agravante, a sua antecipação também depende da demonstração do direito, o que não restou atendido no caso concreto. Pois bem. Porque as obrigações tributárias são regidas por leis orientadas por primados do Estado de Direito (notadamente a igualdade), o regular cumprimento das exigências legítimas impõe pagamento tempestivo de cada tributo devidamente lançado, razão pela qual a inadimplência coloca o contribuinte no âmbito da irregularidade. E mesmo que parcelamentos, remissões e transações também sejam regidos pela legalidade, essas medidas devem ser compreendidas como excepcionais em vista da regra geral do pagamento tempestivo de obrigações tributárias, daí porque não podem ser interpretadas para além do que o titular da competência normativa concedeu. Vale dizer, os inadimplentes e o agente administrativo executor não podem ditar as regras de parcelamentos, remissões e transações, e o direito subjetivo (que, porventura, possa derivar dos atos legislativos que preveem esses benefícios) terá a extensão restrita aos comandos do titular da competência normativa, ainda mais se implementadas com redução da dívida fiscal decorrente da concessão de anistia ou de remissão. Nos moldes das normas gerais do CTN, a transação é hipótese de extinção da obrigação tributária (art. 156, III) que, nas condições estabelecidas pelo legislador ordinário do ente estatal competente, permite que concessões mútuas ponham fim a litígio administrativo ou judicial (art. 171). Nesse contexto, foi editada a Lei nº 13.988/2020 dispondo sobre transação de dívidas junto ao Poder Público (tributárias ou não) pertinentes a litígios administrativos e judiciais, sobre a qual destaco as seguintes regras gerais e requisitos descritos no art. 1º e no art. 3º desse diploma legislativo: Art. 1º Esta Lei estabelece os requisitos e as condições para que a União, as suas autarquias e fundações, e os devedores ou as partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária. § 1º A União, em juízo de oportunidade e conveniência, poderá celebrar transação em quaisquer das modalidades de que trata esta Lei, sempre que, motivadamente, entender que a medida atende ao interesse público. § 2º Para fins de aplicação e regulamentação desta Lei, serão observados, entre outros, os princípios da isonomia, da capacidade contributiva, da transparência, da moralidade, da razoável duração dos processos e da eficiência e, resguardadas as informações protegidas por sigilo, o princípio da publicidade. § 3º A observância do princípio da transparência será efetivada, entre outras ações, pela divulgação em meio eletrônico de todos os termos de transação celebrados, com informações que viabilizem o atendimento do princípio da isonomia, resguardadas as legalmente protegidas por sigilo. § 4º Aplica-se o disposto nesta Lei: I - aos créditos tributários não judicializados sob a administração da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia; II - à dívida ativa e aos tributos da União, cujas inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos termos do art. 12 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993; e III - no que couber, à dívida ativa das autarquias e das fundações públicas federais, cujas inscrição, cobrança e representação incumbam à Procuradoria-Geral Federal, e aos créditos cuja cobrança seja competência da Procuradoria-Geral da União, nos termos de ato do Advogado-Geral da União e sem prejuízo do disposto na Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997. § 5º A transação de créditos de natureza tributária será realizada nos termos do art. 171 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). (...) Art. 3º A proposta de transação deverá expor os meios para a extinção dos créditos nela contemplados e estará condicionada, no mínimo, à assunção pelo devedor dos compromissos de: I - não utilizar a transação de forma abusiva, com a finalidade de limitar, de falsear ou de prejudicar, de qualquer forma, a livre concorrência ou a livre iniciativa econômica; II - não utilizar pessoa natural ou jurídica interposta para ocultar ou dissimular a origem ou a destinação de bens, de direitos e de valores, os seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários de seus atos, em prejuízo da Fazenda Pública federal; III - não alienar nem onerar bens ou direitos sem a devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigido em lei; IV - desistir das impugnações ou dos recursos administrativos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação e renunciar a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem as referidas impugnações ou recursos; e V - renunciar a quaisquer alegações de direito, atuais ou futuras, sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive as coletivas, ou recursos que tenham por objeto os créditos incluídos na transação, por meio de requerimento de extinção do respectivo processo com resolução de mérito, nos termos da alínea c do inciso III do caput do art. 487 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). § 1º A proposta de transação deferida importa em aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas nesta Lei e em sua regulamentação, de modo a constituir confissão irrevogável e irretratável dos créditos abrangidos pela transação, nos termos dos arts. 389 a 395 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). § 2º Quando a transação envolver moratória ou parcelamento, aplica-se, para todos os fins, o disposto nos incisos Ia VI do caput do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. § 3º Os créditos abrangidos pela transação somente serão extintos quando integralmente cumpridas as condições previstas no respectivo termo. A Lei nº 13.988/2020 previu três modalidades de transação: 1) na cobrança de exigências da União e de suas autarquias e fundações públicas federais (art. 10 ao art. 15), envolvendo créditos inscritos em dívida ativa, trazendo benefícios para o devedor na celebração (art. 11), cuja competência regulamentar foi confiada ao PGFN e ao AGU (art. 14 e art. 15); 2) por adesão no contencioso tributário e aduaneiro de relevante e disseminada controvérsia jurídica (art. 16), com reduções definidas (art. 17), e regulamentação pelo Ministro de Estado da Economia (art. 21) e, no que couber, pelo PGFN (art. 17) e pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil (art. 22); e 3) por adesão no contencioso tributário de pequeno valor (lançamento fiscal ou controvérsia não superior a 60 salários mínimos, art. 23), com benefícios (art. 25) e regulamentação pelo Ministro da Fazenda, e, no que couber, pelo PGFN e pelo Secretário Especial da Receita Federal do Brasil (art. 23 e art. 27). Há vários atos normativos regulamentares editados (dentre eles as Portarias PGFN nº 14.402/2020 e nº 9.924/2020) estabelecendo requisitos e condições para que a União Federal, suas autarquias e fundações e os devedores ou partes adversas realizem transação resolutiva de litígio relativo à cobrança de créditos da Fazenda Pública, de natureza tributária ou não tributária. No caso dos autos, a agravante alega que, ao tentar aderir a transação, foi informada, por meio do sistema respectivo, de sua impossibilidade, conforme mensagem transcrita nas razões deste recurso (id nº 312211926, pág. 05), qual seja: “Não existem modalidades de transação disponíveis para adesão no momento”. Por outro lado, a recorrente não deixa claro se já haviam sido rescindidos parcelamentos ou transações anteriormente realizadas. Contudo, em consulta aos autos de origem, constata-se, a partir das informações prestadas pela autoridade impetrada, que a agravante teve rescindida uma transação em 05/02/2024 (id nº 350502747, pág. 04 – autos de origem), o que se impõe como obstáculo para a realização de uma nova, no prazo de dois anos, conforme previsto no art. 4º, § 4º, da Lei nº 13.988/2020: Art. 4º Implica a rescisão da transação: I - o descumprimento das condições, das cláusulas ou dos compromissos assumidos; II - a constatação, pelo credor, de ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente à sua celebração; III - a decretação de falência ou de extinção, pela liquidação, da pessoa jurídica transigente; IV - a comprovação de prevaricação, de concussão ou de corrupção passiva na sua formação; V - a ocorrência de dolo, de fraude, de simulação ou de erro essencial quanto à pessoa ou quanto ao objeto do conflito; VI - a ocorrência de alguma das hipóteses rescisórias adicionalmente previstas no respectivo termo de transação; ou VII - a inobservância de quaisquer disposições desta Lei ou do edital. § 1º O devedor será notificado sobre a incidência de alguma das hipóteses de rescisão da transação e poderá impugnar o ato, na forma da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, no prazo de 30 (trinta) dias. § 2º Quando sanável, é admitida a regularização do vício que ensejaria a rescisão durante o prazo concedido para a impugnação, preservada a transação em todos os seus termos. § 3º A rescisão da transação implicará o afastamento dos benefícios concedidos e a cobrança integral das dívidas, deduzidos os valores já pagos, sem prejuízo de outras consequências previstas no edital. § 4º Aos contribuintes com transação rescindida é vedada, pelo prazo de 2 (dois) anos, contado da data de rescisão, a formalização de nova transação, ainda que relativa a débitos distintos. (destaquei) Tratando-se a transação de matéria sob reserva legal (CTN, art. 171), não cabe ao Poder Judiciário afastar eventuais impedimentos legítimos previstos em lei. Ademais, o impedimento para transacionar no período de 2 anos, desde a rescisão da última transação, é razoável, considerando a confiança depositada pela Administração no acordo firmado, que restou descumprido. Não seria justo impor à Administração que, uma vez quebrado o acordo anterior, fosse obrigada, em um curto espaço de tempo, a fazer novas concessões, sem a garantia de que seriam cumpridas. Ressalto, por fim, que as normas do Edital mencionado pela recorrente devem ser interpretadas segundo a lei de regência, não sendo possível concluir que, ao prever a possibilidade de transação de débitos objeto de parcelamento rescindido, teria excluído a limitação temporal legalmente imposta. Ademais, o art. 14, III, do mencionado Edital PGDAU Nº 6, DE 1º DE NOVEMBRO DE 2024, expressamente faz menção a esse limite: Art. 14. A rescisão da transação: I - implicará o afastamento dos benefícios concedidos e a cobrança integral das inscrições, deduzidos os valores pagos; II - autorizará a retomada do curso da cobrança dos créditos inscritos, com execução das garantias prestadas e prática dos demais atos executórios do crédito, judiciais ou extrajudiciais; e III - impede o sujeito passivo, pelo prazo de 2 (dois) anos contados da data de rescisão, de formalizar nova transação, ainda que relativa a inscrições distintas. (destaquei) Nesse contexto, ausente a verossimilhança das alegações, indefiro o pedido de tutela recursal. Comunique-se ao juízo de origem. Dê a Subsecretaria cumprimento ao disposto no artigo 1.019, inc. II, do CPC, intimando-se a agravada. P.I. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É o voto.
E M E N T A
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. TRANSAÇÃO. RESCISÃO DE TRANSAÇÃO ANTERIOR. IMPEDIMENTO DE NOVO ACORDO.
- Nos moldes das normas gerais do CTN, a transação é hipótese de extinção da obrigação tributária (art. 156, III) que, nas condições estabelecidas pelo legislador ordinário do ente estatal competente, permite que concessões mútuas ponham fim a litígio administrativo ou judicial (art. 171). Nesse contexto, foi editada a Lei nº 13.988/2020, dispondo sobre transação de dívidas junto ao Poder Público (tributárias ou não) pertinentes a litígios administrativos e judiciais.
- No caso dos autos, a agravante alega que, ao tentar aderir a transação, foi informada, por meio do sistema respectivo, de sua impossibilidade. Por outro lado, a recorrente não deixa claro se já haviam sido rescindidos parcelamentos ou transações anteriormente realizadas. Contudo, em consulta aos autos de origem, constata-se, a partir das informações prestadas pela autoridade impetrada, que a agravante teve rescindida uma transação em 05/02/2024, o que se impõe como obstáculo para a realização de uma nova, no prazo de dois anos, conforme previsto no art. 4º, § 4º, da Lei nº 13.988/2020.
- Tratando-se a transação de matéria sob reserva legal (CTN, art. 171), não cabe ao Poder Judiciário afastar eventuais impedimentos legítimos previstos em lei. Ademais, o impedimento para transacionar no período de 2 anos, desde a rescisão da última transação, é razoável, considerando a confiança depositada pela Administração no acordo firmado, que restou descumprido. Não seria justo impor à Administração que, uma vez quebrado o acordo anterior, fosse obrigada, em um curto espaço de tempo, a fazer novas concessões, sem a garantia de que seriam cumpridas.
-As normas do edital mencionado pela recorrente devem ser interpretadas segundo a lei de regência, não sendo possível concluir que, ao prever a possibilidade de transação de débitos objeto de parcelamento rescindido, teria excluído a limitação temporal legalmente imposta. Ademais, o art. 14, III, do mencionado Edital PGDAU nº 6, de 1º de novembro de 2024, expressamente faz menção a esse limite.
- Agravo de instrumento desprovido.