RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5012861-03.2023.4.03.6338
RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP
RECORRENTE: IVAN DANTAS DE CARVALHO
Advogado do(a) RECORRENTE: RENATO DOS SANTOS - SP336817-A
RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
OUTROS PARTICIPANTES:
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5012861-03.2023.4.03.6338 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: IVAN DANTAS DE CARVALHO Advogado do(a) RECORRENTE: RENATO DOS SANTOS - SP336817-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de ação de conhecimento pela qual Ivan Dantas de Carvalho busca a revisão de seu benefício previdenciário de aposentadoria por idade urbana, com a conversão para aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento do labor rural exercido em regime de economia familiar nos períodos de 05/08/1970 a 31/12/1975 e de 27/07/1978 a 16/01/1985. Na petição inicial (id 312742559, pag. 1-10), o autor narra que, em 29/07/2021, foi concedido o benefício de aposentadoria por idade urbana (NB 41/202.188.394-3), com renda mensal inicial de R$ 1.341,18, calculada com base em 22 anos, 8 meses e 8 dias de contribuição. Alega que, com o reconhecimento dos períodos de labor rural, sua contribuição passará para 39 anos, 7 meses e 20 dias, o que resultaria na alteração do benefício e na majoração da renda mensal inicial para R$ 2.235,31. Para comprovar o trabalho rural, juntou certificado de reservista, certidão de casamento e certidão de nascimento da filha, além de requerer a produção de prova testemunhal. Em 14/12/2022, o autor formulou requerimento administrativo para revisão do benefício, que foi indeferido pelo INSS, conforme documentos do processo administrativo (id 312742563, pag. 1-49). Após regular distribuição, o juízo designou audiência de instrução (id 312742572, pag. 1-2), realizada em 24/09/2024, ocasião em que foram ouvidos o autor e duas testemunhas, Sr. Givaldo Dias Menezes e Sr. Edvaldo Alves dos Santos (id 312742581, pag. 1-2). O INSS, embora citado, não apresentou contestação. Em 08/11/2024, foi proferida sentença (id 312742636, pag. 1-7) julgando improcedentes os pedidos, sob o fundamento de que os documentos apresentados pelo autor não eram suficientes para comprovar o labor rural, pois a mera qualificação como "lavrador" em documentos oficiais não bastaria para definir os períodos em que houve efetivo trabalho rural em regime de economia familiar. Irresignado, o autor interpôs recurso inominado (id 312742637, pag. 1-9), sustentando que os documentos juntados aos autos constituem início de prova material do labor rural e que os depoimentos das testemunhas ouvidas em juízo foram consistentes em confirmar o efetivo exercício da atividade rural nos períodos pleiteados. Não foram apresentadas contrarrazões. É o relatório.
RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5012861-03.2023.4.03.6338 RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP RECORRENTE: IVAN DANTAS DE CARVALHO Advogado do(a) RECORRENTE: RENATO DOS SANTOS - SP336817-A RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Comprovação de atividade rural para a concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição Inicialmente, é necessário observar que o reconhecimento de períodos de atividade rural na contagem de tempo de contribuição para fins de aposentadoria é medida expressamente reconhecida na legislação, como se observa na leitura do art. 55, § 2º da Lei n. 8213/91, redigido nos seguintes termos: § 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento. Interpretando referido dispositivo legal, observamos que a lei trata genericamente de “trabalhador rural”, não especificando quais as categorias de segurado devem ser contempladas nesta expressão. Na ausência de outros fragmentos de textos legais que permitam interpretação diversa, devemos entender que o dispositivo legal faz referência a toda e qualquer pessoa que tenha realizado trabalho rural, independentemente da categoria de segurado a que estejam vinculados. Ademais, advém da literalidade do texto legal que o período de trabalho rural anterior à edição da Lei n. 8213/91 deve ser computado independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias. Nessa hipótese, contudo, o tempo de atividade rural reconhecido não poderá ser considerado para fins de carência. Por seu turno, a atividade rural posterior à edição da Lei n. 8213/91 somente poderá ser considerada para fins de aposentadoria por tempo de contribuição se houver o recolhimento de contribuições previdenciárias. Dessa afirmação não escapam os períodos de atividade rural em regime de economia familiar, conforme expressa previsão legal contida no art. 39, II da Lei n. 8213/91. Ressalte-se, contudo, que não é impedimento para o reconhecimento do tempo de trabalho rural, anterior ou posterior à edição da Lei n. 8213/91, a falta de recolhimento das contribuições previdenciárias atribuída aos empregadores rurais, em regime de substituição tributária. Nesses casos, a falta de cumprimento da obrigação tributária pelo empregador não pode ser oposta contra o empregado. Avançando na discussão, observamos que a comprovação de tempo de serviço para fins previdenciários, inclusive de natureza rural, tem seus regramentos básicos delineados pelos art. 55, § 3º e 108, ambos da Lei n. 8213/91, cuja redação é a seguinte: Art. 55. […] §3ºA comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. […] Art.108.Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público. Pelo teor do § 3º do art. 55, a comprovação de tempo de serviço não pode ser feita por prova exclusivamente testemunhal, salvo situações efetivamente comprovadas de força maior ou caso fortuito. A validade de referido dispositivo legal foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo objeto da Súmula n. 149, assim redigida: A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário. Contudo, a interpretação conjunta desses dois dispositivos de lei nos indica a desnecessidade de que a prova material abranja todo o período de trabalho cujo reconhecimento é pleiteado, ano a ano. De fato, o art. 108, ao admitir a justificação administrativa para suprir a falta de prova documental, indica que não há necessidade de apresentação de documentos relativos a cada um dos anos pleiteados pelo interessado. Assim sendo, a prova documental deve ser analisada pelo julgador de maneira razoável, em cotejo com o restante do conjunto probatório, a fim de determinar se é apta a comprovar todo o período de atividade discutido em juízo. Nesse sentido, é oportuno identificar o entendimento adotado pelo STJ no julgamento do tema repetitivo n. 554, ocasião na qual foi adotada a seguinte tese: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. Nesse contexto, anoto ainda a existência de entendimento consolidado na jurisprudência do STJ, segundo o qual “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”. (Súmula n. 577, Primeira Seção, j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016). Ainda em relação ao indispensável início de prova material para comprovação de períodos de atividade rural para fins previdenciários, pende regra de experiência que nos aponta para a dificuldade de sua produção por trabalhadores rurais, por inúmeras razões, tais como o grande tempo decorrido entre o exercício da atividade rural e a postulação perante o INSS e a baixa instrução formal observada entre os rurícolas. Por essas razões, tem-se admitido que o início de prova material seja realizado pela apresentação de documentos em nome de outros integrantes do núcleo familiar, em especial pais e maridos. Confira-se precedente que ilustra essa afirmação: AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO ONDE CONSTA O MARIDO LAVRADOR. EXTENSÃO DA QUALIDADE DE TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR À ESPOSA. PRECEDENTES. 1. Conforme consignado na análise monocrática, consta dos autos a certidão de casamento da autora com o Sr. Sebastião Maurilio da Silva, já falecido, e lá qualificado como lavrador que, aliada à prova testemunhal, dão conta do exercício de atividade rural exercido em regime de economia familiar. Tal fato é reconhecido pela própria Corte. 2. Ora, se o Tribunal de origem reconheceu que há documento público do qual se consta como profissão do marido da autora lavrador e que houve testemunha para corroborar o depoimento da recorrente, não poderia ter decidido que "o Plano de Benefícios da Previdência Social, Lei n.º 8.213/91, não admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação de tempo de serviço, dispondo em seu artigo 55, parágrafo 3º, que a prova testemunhal só produzirá efeito quando baseada em início de prova material." Isto, frise-se novamente, porque há certidão de casamento onde a profissão de seu falecido esposo como rurícola. 3. Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o documento probante da situação de camponês do marido é extensível à esposa, ainda que desenvolva tarefas domésticas, ante a situação de campesinos comum ao casal. 4. Saliente-se, por fim, que não há violação do enunciado da Súmula 7/STJ quando a decisão desta Corte se fundamenta nas próprias premissas traçadas pela Corte de origem para fundamentar sua decisão. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1448931/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 02/06/2014). Contudo, entendo que essa linha jurisprudencial não pode ser adotada de forma indiscriminada para todas as hipóteses em que exista prova documental do exercício de atividade rural por familiar da pessoa interessada, devendo ser submetida a limites. O primeiro desses limites deve ser a observância de que o entendimento jurisprudencial em questão, ainda que válido nos casos de segurado especial em regime de economia familiar, não pode ser admitido nas outras hipóteses de segurados rurícolas, como empregado rural, trabalhador rural eventual ou avulso. Isso porque, nessas hipóteses, o exercício de atividade rural é situação individual do trabalhador, cujas consequências jurídicas não se estendem obrigatoriamente a seus familiares. O segundo limite está relacionado aos marcos temporais existentes na legislação previdenciária. No caso, o art. 16, I da Lei n. 8213/91 indica que o vínculo familiar, em relação ao filho de segurado, é mantido apenas até que este complete 21 anos. Após essa idade, para fins previdenciários, há uma presunção absoluta de que o filho já não compõe o núcleo familiar. Assim sendo, é razoável que o interessado possa se valer de prova documental que indique seus genitores como rurícolas apenas até a ocasião em que tenha completado 21 anos de idade. Ainda em relação aos marcos temporais existentes na legislação previdenciária, e que devem ser necessariamente observados pelo julgador, observo que em sua redação original o art. 11, VII da Lei n. 8213/91 considerava como segurado apenas o filho maior de 14 anos de segurado especial, critério alterado para 16 anos com a edição da Lei n. 11.718/2008. Essa limitação temporal, contudo, submetida a análise de adequação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, foi considerada inválida, conforme comprova a ementa do julgamento em questão: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL POR CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ART. 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. I - O art. 7°, XXXIII, da Constituição Federal não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral. Regra constitucional que busca a proteção e defesa dos trabalhadores não pode ser utilizada para privá-los dos seus direitos, inclusive, previdenciários. Precedentes. II - Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa (art. 1.021, § 4°, do CPC). (RE 1225475 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022 DIVULG 04-02-2021 PUBLIC 05-02-2021). Referida decisão do STF serviu de fundamento para o julgamento do PEDILEF n. 5008955-78.2018.4.04.7202 pela TNU (julgado em 23/06/2022), culminando na adoção da seguinte tese: É possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino (Tema 219). Feitas essas considerações, a análise da pretensão de reconhecimento de atividade rural para a concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição deve observar as seguintes premissas: - todo o trabalho rural anterior à edição da Lei n. 8213/91 deve ser considerado, independentemente de recolhimento de contribuições previdenciárias, salvo para efeito de carência; - o trabalho rural posterior à edição da Lei n. 8213/91 somente será considerado, para qualquer efeito, mediante o recolhimento de contribuições previdenciárias, inclusive o trabalho rural exercido em regime de economia familiar; - a ausência de recolhimento de contribuições previdenciárias a cargo do empregador não é óbice para o reconhecimento do tempo de atividade rural, para todos os efeitos; - é indispensável o início de prova material para comprovação da atividade rural; - a prova material não precisa cobrir todo o período de postulado, desde que seja corroborada por outros elementos probatórios convincentes; - é possível a utilização de prova material em nome de parentes, quando o período de atividade rural alegado ocorreu em regime de economia familiar, devendo ser corroborada por prova testemunhal; - a prova documental em nome de genitores somente poderá ser utilizada se relativa a período no qual o interessado ainda não computava 21 anos de idade; - é possível o reconhecimento de trabalho em regime de economia familiar alegadamente desenvolvido com menos de 12 anos de idade. Discussão do caso concreto Devidamente discutidos todos os aspectos jurídicos que importam para o julgamento do recurso, passo a sua análise. O recurso comporta parcial acolhimento. A sentença foi assim redigida no ponto em questão: “Do caso concreto. No caso dos autos, a parte autora requer a revisão da aposentadoria por idade urbana (NB 41/202.188.394-3, DIB 29/07/2021), a fim de que seja convertida em aposentadoria por tempo de contribuição, ajustando-se a RMI, mediante reconhecimento de períodos de tempo rural. 1. Fazenda Santana – períodos de 05/08/1970 a 31/12/1975 e de 27/07/1978 a 16/01/1985 Com vistas a instruir o feito, o autor juntou cópia do processo administrativo de revisão da aposentadoria, com DER em 14/12/2022, em que constam os seguintes documentos comprobatórios da atividade rural: a) Certificado de Dispensa de Incorporação, expedido em 17/10/1975, em que o autor aparece qualificado como lavrador (ID 309916670, p. 11); b) Certidão de Inteiro Teor de Casamento, realizado em 27/07/1978, na cidade de Jeremoabo/BA, em que o autor consta qualificado como lavrador (ID 309916670, p. 12); c) Certidão de Inteiro Teor de Nascimento da filha Ivone de Matos Carvalho, expedida em 05/01/1979, em que o autor consta qualificado como lavrador (ID 309916670, p. 13). Com relação à prova oral, foi realizada audiência de instrução e julgamento no dia 24/09/2024, oportunidade em que foram tomados os depoimentos das testemunhas arroladas, reproduzidos abaixo: Givaldo Dias Menezes: narrou que conheceu o autor de Santana, lugar onde o autor nasceu; que ele mesmo nasceu na lagoa do mato, mas é perto; que ele possui mais ou menos a mesma idade do autor e que estudaram juntos; que se conheceram quando tinham cerca de 10 anos de idade; que sabe que o autor começou a trabalhar novo, com 10 anos; que o autor trabalhava na roça do pai dele, conhecido como Zé de Zumba; que era só a família do autor que trabalhava na roça, sem máquinas, só na enxada; que junto com o autor trabalhavam também seus irmãos; que a propriedade da terra era do pai do autor; que a produção era apenas para subsistência; que atualmente tem 67 anos; que sabe que o autor saiu na década de 90 da roça ou por volta de 85, ficou uns dois anos fora e depois voltou; que o autor tinha cerca de 20 e poucos anos quando veio definitivamente para São Paulo; que os filhos do autor nasceram na Pintada; que conhecia os filhos do autor, mas faz também que não os vê e não deve os conhecer mais não. Edvaldo Alves dos Santos: narrou que conhece o autor de Santana desde pequeno; que é mais novo do que o autor, mas o sítio de seu pai é perto do sítio do pai dele, então o via trabalhando; que o sítio do pai do autor ficava em Santana, no município de Jeremoabo, perto de Paulo Afonso; que conheceu o autor quando ele tinha 8 ou 9 anos e ele já trabalhava na roça com seu pais; que era só a família que trabalhava no sítio, não havia outros empregados; que plantava milho, feijão, que a plantação era pra comer, não sobrava pra vender; que trabalhava na fazenda vizinha; que sabe que o autor estudava, mas não era da época dele; que sabe que o autor foi para São Paulo, mas voltou e continuou trabalhando na roça, em 85 ou 86; que veio para São Paulo quando tinha mais ou menos 15 anos de idade e que, quando voltou para a Bahia em 1993, o autor estava lá; nessa época, tinha cerca de 17 anos; que naquela época não tinha maquinário, era mais enxada; que não fez serviço militar e não sabe se o autor fez; que o nome do pai do autor é Zé de Zumba e o nome da genitora do autor é Zefinha. Em vista de todo o exposto, não restou comprovado o período de trabalho rural, sob o regime de economia familiar. Em primeiro lugar, ainda que as testemunhas tenham afirmado que o autor trabalhou desde criança na propriedade de seu genitor, não houve a apresentação de documentos bastantes a subsidiar tal narrativa. Ora, não houve a juntada de nenhum dos documentos referidos no art. 106, da Lei 8.213/91, tais como contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural, bloco de notas do produtor rural, notas fiscais de mercadoria, entre outros. Ainda que não se trate de rol taxativo, é cediço que a mera qualificação do autor como “lavrador” em documentos oficiais não é bastante à comprovação do trabalho rural, sobretudo porque insuficiente para definir os períodos em que houve o efetivo labor, em regime de economia familiar. Sendo assim, não tendo havido a comprovação suficiente do período de trabalho rural, único fundamento do pedido de revisão, é improcedente o pedido de conversão da aposentadoria por idade em aposentadoria por tempo de contribuição, com ajuste da RMI”. Para comprovar o exercício de atividade rural nos períodos de 05/08/1970 a 31/12/1975 e 27/07/1978 a 16/01/1985, foram apresentados os seguintes documentos (id 312742565): - Certificado de Dispensa de Incorporação (pág. 11), expedido em 17/10/1975, no qual o autor é qualificado como lavrador em manuscrito, ao passo que todo o documento está datilografado; - Certidão de Casamento, celebrado em 27/07/1978, na cidade de Jeremoabo/BA, em que o autor consta qualificado como lavrador (pág. 12); - Certidão de Nascimento da filha Ivone de Matos Carvalho, ocorrido em 05/01/1979, em que o autor consta qualificado como lavrador (pág. 13). Quanto ao período de 05/08/1970 a 31/12/1975, ausente início de qualquer prova material do labor campesino. Isso porque o único documento relativo ao intervalo é o Certificado de Dispensa de Incorporação, expedido em 17/10/1975, não serve para comprovar o labor na lavoura, por ser todo datilografado e a qualificação do autor ter sido aposta em manuscrito. Em relação ao período de 27/07/1978 a 16/01/1985, em audiência foram colhidos os depoimentos: De Edvaldo que afirmou conhecer Ivan desde a infância, na Bahia, mais especificamente na região de Santana, perto de Paulo Afonso, que o sítio do pai do autor era do lado do sítio do pai da testemunha. Ele relatou que Ivan trabalhava desde os 8-9 anos na roça junto com seus pais, sem empregados, plantando milho, feijão e outros alimentos apenas para consumo próprio. Disse que trabalhava na fazenda vizinha e via o autor trabalhando, que não estudou com o autor. Falou que o Ivan foi para a cidade e que ele ficou na roça. Que com 15 anos (1981) Edvaldo (DN 14/11/1966) veio para SP trabalhar com o tio, porém, por dificuldades financeiras, voltou para a Bahia com 17 anos (1983), e que o Ivan estava lá trabalhando na roça junto com os pais dele, que o Ivan saiu da roça de novo, em 90-93. Descreveu o trabalho na fazenda, ressaltando a ausência de maquinário e a realização de todas as atividades manualmente, com enxadas. Ele não soube informar se Ivan prestou serviço militar e mencionou que os pais de Ivan eram conhecidos como "Zé de Zuba" e "Zéfinha", mas não soube o nome de registro do pai. Givaldo (nascido em 1957) relatou que conhece Ivan desde a infância, mencionando que ambos cresceram próximos em Santana, quando Ivan tinha cerca de 10 anos, que desde cedo, ambos trabalhavam na roça, cada um ajudando suas respectivas famílias, que foram colegas de escola. O pai de Ivan, conhecido como "Zé de Zumba" ou José Batista Dantas de Carvalho, possuía terras onde Ivan e seus irmãos trabalhavam para subsistência. Mencionou que Ivan saiu da roça por um período nos anos 80, ficando fora por cerca de 1 ano a 2 anos, antes de retornar. Ele também afirma que Ivan casou na região da Pintada, conhecida como "Saco Verde", e que os filhos de Ivan nasceram na mesma localidade. No caso, entendo que a prova testemunhal, acima reproduzida, permite no caso concreto a adoção do entendimento adotado pelo STJ no julgamento do Tema n. 554. De fato, o autor apresentou em audiência de instrução duas testemunhas, todas elas oferecendo relato consistente e seguro sobre o exercício de atividades rurais do autor, de 1978 a 1985. Nessas condições, entendo que a prova testemunhal produzida no curso da relação processual ostenta os atributos de idoneidade e robustez, previstos no Tema n. 554, fazendo-as aptas ao reconhecimento do tempo de atividade rural além dos limites do início de prova material produzida. Assim, entendo possível o reconhecimento, nos termos da fundamentação acima, do período de 27/07/1978 a 16/01/1985. Nessa esteira, a contagem de tempo do benefício ora postulado, desde a DER da aposentadoria por idade que aufere o autor, leva o seguinte resultado: Logo, preenchidos os requisitos para obtenção do benefício postulado. Face ao exposto, dou parcial provimento ao recurso da parte autora, para: a) condenar o INSS a reconhecer e averbar como tempo de atividade rural o período de 27/07/1978 a 16/01/1985; b) condenar o INSS à obrigação de fazer, consistente na conversão do benefício de aposentadoria por idade (NB 41/202.188.394-3) em aposentadoria por tempo de contribuição, conforme planilha acima; c) condenar o réu ao pagamento dos efeitos econômicos (prestações ou diferenças atrasadas) decorrentes desta decisão, corrigidos monetariamente e acrescidas de juros de mora, observado o Manual de Cálculos adotado pelo CJF, vigente ao tempo da liquidação do título executivo, descontados valores recebidos a título de tutela de urgência e/ou benefício previdenciário ou assistencial inacumulável (nos termos do Tema n. 195 da TNU), e observada a prescrição quinquenal; Sem condenação em verbas sucumbenciais, ante a ausência de recorrente totalmente vencida, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099/95. É o voto.
Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INOMINADO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO RURAL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
I. CASO EM EXAME
1. Recurso inominado interposto contra sentença que julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento de períodos de trabalho rural em regime de economia familiar (05/08/1970 a 31/12/1975 e 27/07/1978 a 16/01/1985) para fins de revisão de aposentadoria por idade urbana, com conversão para aposentadoria por tempo de contribuição.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
2. A questão em discussão consiste em verificar a suficiência do conjunto probatório para o reconhecimento do labor rural em regime de economia familiar nos períodos pleiteados, para fins de revisão do benefício previdenciário.
III. RAZÕES DE DECIDIR
3. Para a comprovação de atividade rural é necessário início de prova material, corroborado por prova testemunhal consistente, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, conforme o art. 55, § 3º da Lei nº 8.213/91 e a Súmula nº 149 do STJ.
4. Conforme entendimento do STJ (Tema nº 554), a apresentação de prova material sobre parte do lapso temporal pretendido não viola a Súmula nº 149/STJ, desde que complementada por idônea e robusta prova testemunhal.
5. No caso concreto, não há início de prova material válido para o período de 05/08/1970 a 31/12/1975, pois o Certificado de Dispensa de Incorporação apresenta qualificação profissional manuscrita, enquanto o restante do documento é datilografado.
6. Para o período de 27/07/1978 a 16/01/1985, há início de prova material representado pela certidão de casamento e certidão de nascimento da filha, nos quais o autor consta como lavrador, corroborado por depoimentos testemunhais consistentes e harmônicos.
IV. DISPOSITIVO E TESE
7. Recurso parcialmente provido para reconhecer o período de atividade rural de 27/07/1978 a 16/01/1985, determinar a conversão do benefício de aposentadoria por idade em aposentadoria por tempo de contribuição e condenar o INSS ao pagamento das diferenças devidas.
Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/91, arts. 11, VII, 16, I, 39, II, 55, §§ 2º e 3º, e 108. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula nº 149; STJ, Tema nº 554; STJ, Súmula nº 577; STF, RE 1225475 AgR; TNU, Tema nº 219.