Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de São Paulo
3ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001336-48.2023.4.03.6330

RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: EUNICE APARECIDA DA SILVA PAULA

Advogados do(a) RECORRENTE: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N, CRISTINA PAULA DE SOUZA - SP245450-N, JOAO GABRIEL CRISOSTOMO SANTOS - SP444105-N, MARCIA DE OLIVEIRA MAIA - SP472944-A, MARINA PENINA TEIXEIRA DE AZEVEDO - SP444184-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001336-48.2023.4.03.6330

RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: EUNICE APARECIDA DA SILVA PAULA

Advogados do(a) RECORRENTE: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N, CRISTINA PAULA DE SOUZA - SP245450-N, JOAO GABRIEL CRISOSTOMO SANTOS - SP444105-N, MARCIA DE OLIVEIRA MAIA - SP472944-A, MARINA PENINA TEIXEIRA DE AZEVEDO - SP444184-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

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R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de ação de conhecimento pela qual EUNICE APARECIDA DA SILVA PAULA busca a concessão de aposentadoria por idade rural em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Na petição inicial, a autora argumenta que completou os requisitos para a obtenção da aposentadoria por idade rural, quais sejam: 55 anos de idade e 180 meses de labor rural. Relata que protocolou requerimento administrativo em 23/06/2021 (NB 200.357.179-0), que foi indeferido sob o fundamento de não ter comprovado o efetivo exercício da atividade rural por período suficiente. A autora apresentou recurso administrativo ao CRPS (Conselho de Recursos da Previdência Social), que reconheceu o exercício de atividade rural na qualidade de segurada especial apenas pelo período de 1980 a 25/05/1985, mantendo o indeferimento do benefício por entender que os documentos referentes ao período de 12/07/2007 em diante não poderiam ser considerados por estarem em nome do esposo, que possui cadastro como empresário e recebe benefício com valor superior ao salário mínimo. A autora argumenta que possui mais de 180 meses de labor rural e solicita o reconhecimento dos períodos de 1980 a 25/05/1985 e de 12/07/2007 até a atualidade.

Em resposta à determinação judicial, a autora informa que nunca realizou a emissão de CTPS por sempre ter sido trabalhadora rural de maneira informal, pelos períodos de 1980 a 25/05/1985 e de 12/07/2007 até a data da manifestação.

Na contestação, o INSS argumenta que a autora não faz jus à concessão do benefício por não ter trazido aos autos o indispensável início de prova material, não ter colacionado prova material datada do período imediatamente anterior ao preenchimento dos requisitos legais, e por seu cônjuge possuir diversos vínculos privados/públicos no período de carência, com percepção de salário incompatível com a agricultura de subsistência. Afirma que o marido da autora era empregado do Auto Posto Lagoinha LTDA com vínculo iniciado em 01/04/1995 e última remuneração em 02/2014, com valor superior ao salário mínimo, e que desde 2014 recebe benefícios por incapacidade na condição de trabalhador urbano também com valores superiores ao salário mínimo, o que descaracterizaria a qualidade de segurada especial.

Na réplica à contestação, a autora sustenta que trouxe documentos que comprovam seu desempenho no labor campesino por período superior ao exigido, destacando que alguns documentos estão em seu próprio nome, como declarações e atestados de vacinação de rebanho, notas fiscais de compra de insumos agrícolas e de compra de gado. Argumenta também que o marido da autora exerceu atividades urbanas concomitantemente com as atividades rurícolas, e invoca a Súmula 41 da TNU, que estabelece que a circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial.

Foi realizada audiência de instrução, com a coleta de depoimento pessoal da autora e de duas testemunhas: Edna Maria Leite de Souza e Lucrecia de Campos.

Na sentença, o magistrado julgou improcedente o pedido. Reconheceu que administrativamente já foi reconhecido o período rural de 1980 a 25/02/1985, mas entendeu que os documentos apresentados em nome do esposo Pedro Vicente de Paula não poderiam ser considerados válidos para homologação do labor rural em regime de economia familiar para o período a partir de 12/07/2007. Fundamentou que o fato de o esposo ter sido empregado do Auto Posto Lagoinha LTDA, com vínculo iniciado em 01/04/1995 e última remuneração em 02/2014 com valor superior ao salário mínimo, além de receber, a partir de 2014, aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária com valor superior ao salário mínimo, descaracterizaria o alegado trabalho rural em regime de economia familiar, considerando que o exercício de atividade urbana pelo marido tornaria dispensável a atividade rural para a subsistência do grupo familiar.

A autora interpôs recurso inominado, argumentando que: 1) as atividades do esposo sempre foram exercidas de maneira concomitante às atividades rurícolas desenvolvidas no imóvel rural; 2) diversos documentos estão em nome próprio da autora, sendo suficientes a comprovar a continuidade do labor rurícola; 3) a Súmula 41 da TNU estabelece que a circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural; 4) o caso deve ser analisado sob a perspectiva de gênero, conforme o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero instituído pela Portaria nº 27/2021 do CNJ; 5) os depoimentos das testemunhas corroboram que a autora sempre exerceu unicamente o trabalho rural, sem empregados.

Não foram apresentadas contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
JUIZADO ESPECIAL FEDERAL  DA 3ª REGIÃO
TURMAS RECURSAIS DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

 

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº 5001336-48.2023.4.03.6330

RELATOR: 7º Juiz Federal da 3ª TR SP

RECORRENTE: EUNICE APARECIDA DA SILVA PAULA

Advogados do(a) RECORRENTE: ANA BEATRIS MENDES SOUZA GALLI - SP266570-N, ANA MARTA SILVA MENDES SOUZA - SP199301-N, CRISTINA PAULA DE SOUZA - SP245450-N, JOAO GABRIEL CRISOSTOMO SANTOS - SP444105-N, MARCIA DE OLIVEIRA MAIA - SP472944-A, MARINA PENINA TEIXEIRA DE AZEVEDO - SP444184-A

RECORRIDO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

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V O T O

 

Da aposentadoria por idade  

Inicialmente, analiso o ordenamento jurídico que vigorou até a promulgação da EC n. 103/2019.  

Nesse momento, a matriz legal do benefício de aposentadoria por idade é o art. 48, caput da Lei n. 8213/91, redigido nos seguintes termos: 

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.   

Dessa forma, o requisito essencial para a obtenção do benefício é o atendimento à idade exigida em lei, desde que cumprido o período de carência legalmente previsto (180 contribuições mensais, nos termos do art. 25, II da Lei n. 8213/91, observada a tabela progressiva objeto da norma transitória prevista no art. 142 da mesma lei).   

Além dessa normativa fundamental, denominada pela doutrina e jurisprudência como aposentadoria por idade urbana, a lei prevê, no art. 48, § 1º da Lei n. 8213/91, a denominada aposentadoria por idade rural, nos seguintes termos:  

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11.    

 

Assim sendo, a aposentadoria por idade rural difere da sua congênere urbana no tocante ao requisito etário, reduzido em 5 anos para aqueles que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, nos termos do art. 48, § 2º da Lei n. 8213/91, que conta com a seguinte redação: 

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.  

Importante relembrar, em relação à aposentadoria por idade rural, a tese estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça em regime de recursos repetitivos (Tema n. 642). Naquela oportunidade, interpretando a expressão “imediatamente anterior ao requerimento administrativo”, o STJ fixou a seguinte interpretação: 

O segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Ressalvada a hipótese do direito adquirido, em que o segurado especial, embora não tenha requerido sua aposentadoria por idade rural, preenchera de forma concomitante, no passado, ambos os requisitos carência e idade. 

 

Ainda em relação à aposentadoria por idade rural, necessário ressaltar que o requisito da imediatidade não coincide com continuidade. Em outros termos, para o atendimento ao tempo de labor rural exigido, não é necessário que ele seja contínuo, admitindo-se a interrupção da condição de segurado rural. O que é indispensável é a condição de segurado rural por ocasião da contingência etária.  

Nesse sentido é a jurisprudência da TNU, que adotou a seguinte tese: 

Cômputo do Tempo de Trabalho Rural I. Para a aposentadoria por idade do trabalhador rural não será considerada a perda da qualidade de segurado nos intervalos entre as atividades rurícolas. Descaracterização da condição de segurado especial II. A condição de segurado especial é descaracterizada a partir do 1º dia do mês seguinte ao da extrapolação dos 120 dias de atividade remunerada no ano civil (Lei 8.213/91, art. 11, § 9º, III). III. Cessada a atividade remunerada referida no item II e comprovado o retorno ao trabalho de segurado especial, na forma do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, o trabalhador volta a se inserir imediatamente no inciso VII, do art. 11, da Lei 8.213/91, ainda que no mesmo ano civil. (Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0501240-10.2020.4.05.8303, FABIO DE SOUZA SILVA - TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, 16/09/2022.). 

 

O tema também é objeto de enunciado de Súmula n. 46 da TNU, assim redigida: “O exercício de atividade urbana intercalada não impede a concessão de benefício previdenciário de trabalhador rural, condição que deve ser analisada no caso concreto”. 

 

Por fim, os dois regimes de aposentadoria por idade (urbana e rural) diferem, ainda, no tocante à carência exigida do segurado especial, dispensada nas hipóteses disciplinadas no art. 39, I da Lei n. 8213/91, conforme expressamente previsto no art. 26, III, do mesmo diploma legal.  

Em síntese, são estas as condições para a concessão do benefício: 

- aposentadoria por idade urbana: idade de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e atendimento do período de carência (para tanto considerado apenas o período de trabalho urbano); 

- aposentadoria por idade rural: idade de 60 anos, se homem, e 55 anos, se mulher, e atendimento do período de carência (para tanto considerado apenas o período de trabalho rural). 

 

Esse regramento original, contudo, acabava por implicar a ocorrência de situações de injustiça, nas quais o segurado, contando com períodos de atividade rural e urbana que somados atenderiam ao período de carência exigido, não poderiam obter o benefício se considerados os períodos rural e urbano de forma isolada.  

Essa lacuna restou suprida pela edição da Lei n. 11.718/2008, que incluiu os §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei n. 8213/91, nos seguintes termos: 

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.    

§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.  

  

Com essa inovação legislativa, a jurisprudência passou a reconhecer a existência de uma terceira modalidade de aposentadoria por idade, denominada “híbrida”, prestigiando aquele que exerceu atividades rurais, mas condicionando a concessão do benefício ao critério etário exigido para o regime urbano.  

A consideração concomitante de períodos de trabalho rural e urbano para a concessão de benefício não era estranha ao regime originariamente previsto na Lei n. 8213/91, conforme demonstra seu art. 55, § 2º. Dessa forma, não haveria qualquer inovação trazida pela Lei n. 11.718/2008. Contudo, nos termos do referido dispositivo legal, o trabalho rural anterior a 1991, exercido sem o recolhimento de contribuições previdenciárias, não era válido para o atendimento da carência exigida para a concessão de benefícios previdenciários.  

Assim sendo, a melhor interpretação a ser dada aos §§ 3º e 4º do art. 48 da Lei n. 8213/91 é que esses dispositivos legais alteraram os efeitos do trabalho rural para fins de carência do benefício de aposentadoria por idade.  

Nesse sentido, o exercício de atividade rural sob regime de economia familiar, exercido em qualquer época, deve ser considerado para efeito de carência, independentemente do recolhimento de contribuições previdenciárias, a teor do que dispõem os arts. 26, III, e 39, I, ambos da Lei n. 8213/91.  

Por seu turno, também são aptos a suprirem a carência exigida para a concessão da aposentadoria por idade os períodos de trabalho como empregado rural e trabalhador rural eventual, ocorridos até 31/12/2010, independentemente de recolhimento de contribuições previdenciárias, conforme interpretação decorrente da análise do art. 143 da Lei n. 8213/91 c/c o art. 2º da Lei n. 11.718/2008.  

Em relação ao empregado rural, ressalte-se ainda que, por não ser sua a obrigação de recolhimento das contribuições previdenciárias, mas sim do empregador, deve ser considerado como período apto a suprir a carência do benefício o trabalho exercido após 31/12/2010, mesmo sem o recolhimento das contribuições devidas.  

Por fim, em relação ao empresário rural (art. 11, V, “a” da Lei n. 8213/91) o cômputo do tempo de trabalho para fins de carência demanda, a qualquer tempo, o recolhimento de contribuições previdenciárias.  

No sentido do entendimento ora adotado decidiu o Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa no seguinte precedente: 

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADA. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL. CONTRIBUIÇÕES. DESNECESSIDADE. 

1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo era trabalhadora urbana, sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência. 

2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3o Os trabalhadores rurais de que trata o § 1o deste artigo que não atendam ao disposto no § 2o deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher." 3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991). 

4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, as idades são reduzidas em cinco anos e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei 8.213/1991). 

5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência. 

6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividades laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário. 

7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre a evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário. 

8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois, além de exigir idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não exige. 

9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural, em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais. 

10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui analisada. 

11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991). 

12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação. 

14. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras. 

15. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, não sendo, portanto, exigível o recolhimento das contribuições. 

[…] 

17. Recurso Especial não provido. 

(REsp 1407613/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/10/2014, DJe 28/11/2014). 

  

Também de interesse para a análise da aposentadoria por idade híbrida é a tese adotada em julgamento de recursos repetitivos pelo Superior Tribunal de Justiça (Tema n. 1007), admitindo-se o reconhecimento e contagem de tempo rural remoto para possibilitar a referida modalidade de aposentação. Confira-se: 

O tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. 

  

Em síntese, a aposentadoria por idade híbrida é devida quando: atingida a idade de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher, e atendida a carência exigida (para tanto sendo considerados períodos de atividade urbana ou rural, ainda que remotos, independentemente de recolhimento de contribuições previdenciárias nos casos de segurado especial rural, empregado rural e trabalhador rural eventual, este até 31/12/2010).  

   

Da aposentadoria por idade a partir da EC n. 103/2019 

A concessão da aposentadoria por idade a partir da promulgação da EC n. 103, em 13/11/2019 (data na qual passou a ser identificada como modalidade de aposentadoria programada), deverá observar as novas alterações, em especial o disposto no art. 201, § 7º da CF, assim redigido: 

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: 

I - 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, observado tempo mínimo de contribuição; 

II - 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. 

  

Outrossim, devem ser observados os artigos 18 e 19 da referida emenda constitucional, que prescrevem normas de transição, nos seguintes termos: 

Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos: 

I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e 

II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos. 

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de 60 (sessenta) anos da mulher, prevista no inciso I do caput, será acrescida em 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade. 

§ 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei. 

Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem. 

[…] 

  

Observadas as alterações promovidas por esses dispositivos constitucionais, todas as demais considerações lançadas nesta decisão são plenamente aplicáveis, seja para o direito adquirido previamente à edição da emenda constitucional, seja nas hipóteses de atendimento dos requisitos para aposentação apenas após as alterações constitucionais acima referidas.  
 

Comprovação de atividade rural para a concessão de aposentadoria por idade 

A comprovação de tempo de serviço para fins previdenciários, inclusive de natureza rural, tem seus regramentos básicos delineados pelos art. 55, § 3º e 108, ambos da Lei n. 8213/91, cuja redação é a seguinte: 

Art. 55. […]  

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.  

[…]  

   

Art. 108. Mediante justificação processada perante a Previdência Social, observado o disposto no § 3º do art. 55 e na forma estabelecida no Regulamento, poderá ser suprida a falta de documento ou provado ato do interesse de beneficiário ou empresa, salvo no que se refere a registro público. 

   

Pelo teor do § 3º do art. 55, a comprovação de tempo de serviço não pode ser feita por prova exclusivamente testemunhal, salvo situações efetivamente comprovadas de força maior ou caso fortuito.  

A validade de referido dispositivo legal foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo objeto da Súmula n. 149, assim redigida:  

A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.  

Contudo, a interpretação conjunta desses dois dispositivos de lei nos indica a desnecessidade de que a prova material abranja todo o período de trabalho cujo reconhecimento é pleiteado, ano a ano. De fato, o art. 108, ao admitir a justificação administrativa para suprir a falta de prova documental, indica que não há necessidade de apresentação de documentos relativos a cada um dos anos pleiteados pelo interessado. Assim sendo, a prova documental deve ser analisada pelo julgador de maneira razoável, em cotejo com o restante do conjunto probatório, a fim de determinar se é apta a comprovar todo o período de atividade discutido em juízo. Nesse sentido, é oportuno identificar o entendimento adotado pelo STJ no julgamento do tema repetitivo n. 554, ocasião na qual foi adotada a seguinte tese: 

Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 

 

Nesse contexto, anoto ainda a existência de entendimento consolidado na jurisprudência do STJ, segundo o qual “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”. (Súmula n. 577, Primeira Seção, j. 22/06/2016, DJe 27/06/2016). 

 

Ainda em relação ao indispensável início de prova material para comprovação de períodos de atividade rural para fins previdenciários, pende regra de experiência que nos aponta para a dificuldade de sua produção por trabalhadores rurais, por inúmeras razões, tais como o grande tempo decorrido entre o exercício da atividade rural e a postulação perante o INSS e a baixa instrução formal observada entre os rurícolas. Por essas razões, tem-se admitido que o início de prova material seja realizado pela apresentação de documentos em nome de outros integrantes do núcleo familiar, em especial pais e maridos. Confira-se precedente que ilustra essa afirmação: 

AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO ONDE CONSTA O MARIDO LAVRADOR. EXTENSÃO DA QUALIDADE DE TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR À ESPOSA. PRECEDENTES. 

1. Conforme consignado na análise monocrática, consta dos autos a certidão de casamento da autora com o Sr. Sebastião Maurilio da Silva, já falecido, e lá qualificado como lavrador que, aliada à prova testemunhal, dão conta do exercício de atividade rural exercido em regime de economia familiar. Tal fato é reconhecido pela própria Corte. 

2. Ora, se o Tribunal de origem reconheceu que há documento público do qual se consta como profissão do marido da autora lavrador e que houve testemunha para corroborar o depoimento da recorrente, não poderia ter decidido que "o Plano de Benefícios da Previdência Social, Lei n.º 8.213/91, não admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação de tempo de serviço, dispondo em seu artigo 55, parágrafo 3º, que a prova testemunhal só produzirá efeito quando baseada em início de prova material." Isto, frise-se novamente, porque há certidão de casamento onde a profissão de seu falecido esposo como rurícola. 

3. Com efeito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que o documento probante da situação de camponês do marido é extensível à esposa, ainda que desenvolva tarefas domésticas, ante a situação de campesinos comum ao casal. 

4. Saliente-se, por fim, que não há violação do enunciado da Súmula 7/STJ quando a decisão desta Corte se fundamenta nas próprias premissas traçadas pela Corte de origem para fundamentar sua decisão. 

Agravo regimental improvido. 

(AgRg no REsp 1448931/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/05/2014, DJe 02/06/2014). 

  

 Contudo, entendo que essa linha jurisprudencial não pode ser adotada de forma indiscriminada para todas as hipóteses em que exista prova documental do exercício de atividade rural por familiar da pessoa interessada, devendo ser submetida a limites.  

O primeiro desses limites deve ser a observância de que o entendimento jurisprudencial em questão, ainda que válido nos casos de segurado especial em regime de economia familiar, não pode ser admitido nas outras hipóteses de segurados rurícolas, como empregado rural, trabalhador rural eventual ou avulso. Isso porque, nessas hipóteses, o exercício de atividade rural é questão individual do trabalhador, cujas consequências jurídicas não se estendem obrigatoriamente a seus familiares.  

O segundo limite está relacionado aos marcos temporais existentes na legislação previdenciária. No caso, o art. 16, I da Lei n. 8213/91 indica que o vínculo familiar, em relação ao filho de segurado, é mantido apenas até que este complete 21 anos. Após essa idade, para fins previdenciários, há uma presunção absoluta de que o filho já não compõe o núcleo familiar. Assim sendo, é razoável que o interessado possa se valer de prova documental que indique seus genitores como rurícolas apenas até a ocasião em que tenha completado 21 anos de idade.  

Ainda em relação aos marcos temporais existentes na legislação previdenciária, e que devem ser necessariamente observados pelo julgador, observo que em sua redação original o art. 11, VII da Lei n. 8213/91 considerava como segurado apenas o filho maior de 14 anos de segurado especial, critério alterado para 16 anos com a edição da Lei n. 11.718/2008. 

Essa limitação temporal, contudo, submetida a análise de adequação constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, foi considerada inválida, conforme comprova a ementa do julgamento em questão: 

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE LABORAL POR CRIANÇA OU ADOLESCENTE. ART. 7º, XXXIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NORMA PROTETIVA QUE NÃO PODE PRIVAR DIREITOS. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO, COM APLICAÇÃO DE MULTA. I - O art. 7°, XXXIII, da Constituição Federal não pode ser interpretado em prejuízo da criança ou adolescente que exerce atividade laboral. Regra constitucional que busca a proteção e defesa dos trabalhadores não pode ser utilizada para privá-los dos seus direitos, inclusive, previdenciários. Precedentes. II - Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa (art. 1.021, § 4°, do CPC). 

(RE 1225475 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 21/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-022  DIVULG 04-02-2021  PUBLIC 05-02-2021). 

 

Essa decisão do STF serviu de fundamento para o julgamento do PEDILEF n. 5008955-78.2018.4.04.7202 pela TNU (julgado em 23/06/2022), culminando na adoção da seguinte tese: É possível o cômputo do tempo de serviço rural exercido por pessoa com idade inferior a 12 (doze) anos na época da prestação do labor campesino (Tema 219). 

Feitas essas considerações, a análise da pretensão de reconhecimento de atividade rural para a concessão de aposentadoria por idade deve observar as seguintes orientações: 

- é indispensável o início de prova material;  

- a prova material não precisa cobrir todo o período de carência, desde que seja corroborada por outros elementos probatórios;  

- é possível a utilização de prova material em nome de parentes, quando o período de atividade rural alegado ocorreu em regime de economia familiar, devendo ser corroborada por prova testemunhal;  

- a prova documental em nome de genitores somente poderá ser utilizada se relativa a período no qual o interessado ainda não computava 21 anos de idade;  

- é possível o reconhecimento de trabalho em regime de economia familiar alegadamente desenvolvido com menos de 12 anos de idade.  

  

Reconhecimento de tempo comum de contribuição 

Inicialmente, observo que o reconhecimento do tempo de contribuição decorre dos dados existentes no CNIS, nos termos do art. 29-A e seus parágrafos, da Lei n. 8213/91.  

A melhor intepretação desse dispositivo legal indica que os dados constantes do CNIS gozam de presunção de veracidade, que cede apenas se o segurado postula e demonstra a necessidade de sua retificação (§2º), ou se há fundada dúvida por parte do INSS (§ 5º). Nesse sentido: 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE REMUNERADA. COMPENSAÇÃO DE VALORES. FORÇA PROBANTE DAS INFORMAÇÕES CONSTANTES DO CADASTRO NACIONAL DE INFORMAÇÕES SOCIAIS-CNIS-. ARTIGO 29-A DA LEI 8.213/1991. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS. PRESUNÇÃO RELATIVA. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA CONTRÁRIA. RECURSO ESPECIAL DO INSS CONHECIDO E PROVIDO. 1. Discute-se no caso a força probante das informações constantes no Cadastro Nacional de Informações Sociais-CNIS-, nos termos do artigo 29-A da Lei 8.213/1991. 

2. A Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei Complementar 128/2008, trata do CNIS em seu artigo 29-A, o qual impõe ao Instituto Nacional do Seguro Social o dever de utilizar a base de dados ali constante, que goza de presunção de veracidade, mercê do princípio da presunção de veracidade dos atos administrativos, para fins de cálculo do salário de benefício; comprovação de filiação ao Regime Geral de Previdência Social; contagem de tempo de contribuição; recolhimentos da contribuição previdenciária; relações de emprego do trabalhador segurado. 

3. A presunção de veracidade das informações constantes no CNIS é relativa, podendo ser ilidida por outros meios de prova, em momento processual a ser oportunizado à parte interessada, o que no caso concreto não ocorreu. 

4. Recurso especial conhecido e provido, para reformar o acórdão recorrido e determinar o retorno dos autos ao Tribunal de Justiça da Bahia, para que converta o julgamento da apelação do INSS em diligência, a fim de oportunizar ao segurado a produção de provas que afastem a veracidade das informações constantes do CNIS. 

(REsp 1573943/BA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/10/2018, DJe 24/10/2018). 

  

Outrossim, o segurado pode demonstrar a existência de tempo de contribuição não inserido no CNIS, mediante o procedimento previsto no art. 55, § 3º da Lei n. 8213/91, segundo o qual “A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento”.    

Nesse contexto, a anotação do vínculo em Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS goza de presunção relativa quanto à veracidade do que nela se contém. Com efeito, não se pode exigir do segurado empregado mais do que a exibição de sua CTPS para a comprovação dos vínculos empregatícios, atuais ou pretéritos, ainda que esses vínculos não constem do CNIS. Ao se negar valor probatório à CTPS, ante a ausência de contribuições ou de referência no CNIS, o INSS parte do princípio de que o segurado age de má-fé, utilizando documentos fraudulentamente preenchidos para a obtenção do benefício previdenciário. 

 À evidência, constatando-se a existência de fraude, a autarquia pode e deve apontar esse fato para, concretamente, desconstruir o documento como fonte de prova do tempo de serviço. Contudo, simplesmente negar o reconhecimento do vínculo empregatício anotado em CTPS é recusar o efeito que lhe é próprio de comprovar o tempo de serviço e demais termos do contrato de trabalho. 

Outro não é o entendimento do Supremo Tribunal Federal favorável à presunção relativa de veracidade das anotações em CTPS, conforme se observa na leitura de seu verbete de Súmula n. 225, pelo qual “Não é absoluto o valor probatório das anotações da carteira profissional”.  

No mesmo sentido, confira-se a Súmula nº 75 da TNU: “A Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) em relação à qual não se aponta defeito formal que lhe comprometa a fidedignidade goza de presunção relativa de veracidade, formando prova suficiente de tempo de serviço para fins previdenciários, ainda que a anotação de vínculo de emprego não conste no Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS)”. 

  

 

Discussão do caso concreto

Devidamente discutidos todos os aspectos jurídicos que importam para a solução da ação proposta, passo a analisar o caso concreto.

O recurso da parte autora não comporta acolhimento.

A sentença foi assim redigida no ponto em questão:

 

Ab initio, verifico que resta comprovado o atendimento do requisito da idade mínima, uma vez que a autora nasceu em 27/10/1965 e contava com 56 anos à época do requerimento administrativo (DER 23/06/2021).

Considerando que administrativamente já foi reconhecido o período rural de 1980 a 25/02/1985 (id 281238460), passo a verificar o efetivo exercício de atividade rural em regime de economia familiar pela parte autora a partir de12/07/2007.

Observo que, para comprovar o tempo de labor rural, a autora juntou diversos documentos em nome do esposo Pedro Vicente de Paula (fls. 29 e seguintes do id 281238454, id 281238455, fls. 01/37 do id 281238456) que comprovam o exercício de atividade rural. No entanto, tais documentos não podem ser considerados válidos para homologação do labor rural em regime de economia familiar.

Explico. Pelo documento acostado no id  311286354, verifica-se que Pedro era empregado do Auto Posto Laginha Ltda, com vínculo iniciado em  01/04/1995 e última remuneração em 02/2014 com valor superior ao salário mínimo. A partir de 2014 passou a perceber benefícios por incapacidade temporária e desde 19/08/2018 recebe aposentadoria por incapacidade permanente previdenciária com valor superior ao salário mínimo. Tais fatos descaracterizam o alegado trabalho rural em regime de economia familiar, considerando que o exercício de atividade urbana pelo marido tornou dispensável a atividade rural para a subsistência do grupo familiar. 

Antes, resta evidente que a atividade rural da autora é que se mostra subsidiária, em termos de renda, àquela desenvolvida por seu marido. Mais importante é constatar que a atividade do marido da autora, de per si, é suficiente para a subsistência do grupo familiar, pelo que se mostra ausente a condição para que a autora viesse a ser qualificada como segurada especial, nos termos da legislação de regência e do precedente de observância obrigatória do STJ. Nessas condições, para que pudesse contar o tempo de atividade rural para fins previdenciários, deveria a autora ter procedido ao recolhimento das respectivas contribuições. Não o fazendo, não lhe é cabível a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural, benefício esse destinado primacialmente à proteção social dos trabalhadores rurais que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica patente.

Esse é o entendimento que se consolidou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento de recurso especial submetido ao sistema dos recursos repetitivos e, portanto, de observância obrigatória. Confira-se o precedente:

“RECURSO ESPECIAL. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TRABALHO RURAL. ARTS. 11, VI, E 143 DA LEI 8.213/1991. SEGURADO ESPECIAL. CONFIGURAÇÃO JURÍDICA. TRABALHO URBANO DE INTEGRANTE DO GRUPO FAMILIAR. REPERCUSSÃO. NECESSIDADE DE PROVA MATERIAL EM NOME DO MESMO MEMBRO. EXTENSIBILIDADE PREJUDICADA. 1. Trata-se de Recurso Especial do INSS com o escopo de desfazer a caracterização da qualidade de segurada especial da recorrida, em razão do trabalho urbano de seu cônjuge, e, com isso, indeferir a aposentadoria prevista no art. 143 da Lei 8.213/1991. 2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não evidencia ofensa ao art. 535 do CPC. 3. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ). 4. Em exceção à regra geral fixada no item anterior, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana. 5. No caso concreto, o Tribunal de origem considerou algumas provas em nome do marido da recorrida, que passou a exercer atividade urbana, mas estabeleceu que fora juntada prova material em nome desta em período imediatamente anterior ao implemento do requisito etário e em lapso suficiente ao cumprimento da carência, o que está em conformidade com os parâmetros estabelecidos na presente decisão. 6. Recurso Especial do INSS não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ.” (RESP - RECURSO ESPECIAL - 1304479 2012.00.11483-1, HERMAN BENJAMIN, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJE DATA:19/12/2012)”.

 

Para comprovar o exercício de atividade rural após 2007, foram apresentados os seguintes documentos:

 

Na verdade, o cenário descrito nos autos não é de exercício de atividade em regime de economia familiar, tampouco de economia de subsistência, mas sim de produtor rural de gado, que deveria contribuir para a previdência social como contribuinte individual. Ademais, a atividade rural sempre foi exercida em concomitância com a atividade urbana do marido da autora, o que permite a conclusão de que a renda dela provinda era apenas complementar à renda familiar, o que afasta a caracterização do regime de economia familiar alegado pela autora. 

Assim, fica mantido o resultado da sentença que julgou improcedente o pedido formulado nos autos.

 

Face ao exposto, nego provimento ao recurso da parte autora.

Condeno o recorrente ao pagamento de honorários sucumbenciais, que fixo no patamar de 10% do valor da causa, observado o disposto no art. 98, § 3º do CPC.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



 

Ementa: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO INOMINADO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCARACTERIZAÇÃO. ATIVIDADE URBANA DO CÔNJUGE. RECURSO DESPROVIDO.

I. Caso em exame

  1. Recurso inominado contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural, formulado por segurada que buscava o reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar para o período a partir de 12/07/2007.

II. Questão em discussão

  1. A questão em discussão consiste em saber se o exercício de atividade urbana pelo cônjuge da autora, com remuneração superior ao salário mínimo, descaracteriza o regime de economia familiar para fins de reconhecimento de tempo de serviço rural e concessão de aposentadoria por idade rural.

III. Razões de decidir

  1. O Superior Tribunal de Justiça, em julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, fixou entendimento de que o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar.
  2. Contudo, a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
  3. No caso concreto, o marido da autora exercia atividade urbana desde 1995, com remuneração superior ao salário mínimo, além de receber, a partir de 2014, aposentadoria por incapacidade permanente de valor superior ao salário mínimo, o que descaracteriza o alegado trabalho rural em regime de economia familiar.
  4. Os documentos apresentados em nome do marido da autora, que comprovam o exercício de atividade rural, não podem ser considerados válidos para homologação do labor rural em regime de economia familiar, considerando que o exercício de atividade urbana pelo marido tornou dispensável a atividade rural para a subsistência do grupo familiar.

IV. Dispositivo e tese

  1. Recurso desprovido.

Dispositivos relevantes citados: Lei nº 8.213/1991, arts. 11, VI, 55, § 3º, 108 e 143.

Jurisprudência relevante citada: STJ, REsp 1.304.479, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 19/12/2012 (Tema Repetitivo); Súmula nº 149/STJ; Súmula nº 577/STJ; TNU, Tema 219, PEDILEF nº 5008955-78.2018.4.04.7202, j. 23/06/2022.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEONARDO JOSE CORREA GUARDA
Juiz Federal