APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000105-26.2017.4.03.6122
RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA
APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO - CREA SP
Advogados do(a) APELANTE: HOLMES NOGUEIRA BEZERRA NASPOLINI - DF49968-A, RICARDO GARCIA GOMES - SP239752-A
APELADO: FRANCISCO YUTAKA KURIMORI, LUIZ ROBERTO SEGA
Advogado do(a) APELADO: RICARDO CAMPOS - SP176819-A
OUTROS PARTICIPANTES:
INTERESSADO: NIZIO JOSE CABRAL
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000105-26.2017.4.03.6122 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO - CREA SP Advogados do(a) APELANTE: HOLMES NOGUEIRA BEZERRA NASPOLINI - DF49968-A, RICARDO GARCIA GOMES - SP239752-A APELADO: FRANCISCO YUTAKA KURIMORI, LUIZ ROBERTO SEGA Advogado do(a) APELADO: RICARDO CAMPOS - SP176819-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de recurso de apelação e de remessa necessária, em Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, proposta pelo CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DE ESTADO DE SÃO PAULO (CREA-SP) em face de FRANCISCO YUTAKA KURIMORI, LUIZ ROBERTO SEGA e NIZIO JOSÉ CABRAL, em que se pleiteou a condenação dos corréus às penas dos incisos II e III, do art. 12, da Lei nº 8.429/92 (LIA). Alega o autor que os corréus teriam autuado de forma a utilizar a máquina administrativa para a materialização de fraude, no sentido de gerar substrato jurídico à contratação de obras e serviços de engenharia agregada à aquisição e instalação de equipamentos em afronta aos regramentos vigentes, com prejuízo ao Erário. Narra que a apuração dos fatos narrados na inicial teve início a partir de determinação do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA), em razão de denúncia de irregularidades cometidas em quase 30 procedimentos licitatórios e respectivas contratações realizadas durante a gestão dos requeridos. Aponta que as denúncias afetavam ao Processo L - 00160/2015 (que objetivava a realização de certame licitatório, na modalidade Menor Preço - "Global") e seu decorrente Contrato C - 0059/2015, que tinham como objeto a contratação de empresa para “a execução dos serviços e obras de engenharia para edificação de espaço destinado à instalação da Unidade de Atendimento Operacional do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado de São Paulo – CREA-SP, localizada na Rua Yutaka Abe, s/n, Jardim Júlia, Osvaldo Cruz, SP, conforme projeto básico constante do Edital de Concorrência n° 002/2015..." (ID Num. 178720766 - Pág. 6). Aduz que, instaurado o Processo interno C 000956/2016 para apurar os fatos denunciados, foram encontradas inúmeras irregularidades. Destaca que o objeto licitado já foi concluído pela empresa PHAS, sendo que o CREA-SP honrou pagamentos no R$ 1.676.433,09. Contudo, em estudo recente, houve lesão ao Erário, já que o valor de avaliação do bem seria R$ 802.300,00. Concluiu que as condutas do réu se subsomem aos tipos legais de improbidade administrativa tipificados no caput dos arts. 10 e 11, da LIA. Após descrever as condutas ímprobas praticadas pelos corréus em cada uma das supracitadas violações, formulou os seguintes pedidos (ID Num. 178720767 - Pág. 15): 5) após regular processamento do feito, determinar a INTEGRAL PROCEDÊNCIA da demanda, reconhecendo os atos de improbidade administrativa apontados e ocorridos na promoção e gestão do procedimento licitatório em apreço e na subsequente execução do objeto licitado, reconhecendo-se a nulidade de todos os atos praticados (art. 49, § 2°, da Lei n°. 8.666/93), condenando os Réus ao ressarcimento do prejuízo econômico efetivado em desfavor do Erário em decorrência dos atos ímprobos perpetrados (art. 5° c/c art. 12, da LIA), impondo-lhes as sanções (graduadas e não graduadas) previstas na Lei de Improbidade Administrativa, entre estas a perda dos direitos políticos, multa civil, proibição de contratar com o Poder Público, perda de função pública, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores eventualmente acrescidos ilicitamente aos seus patrimônios, levando-se em conta a mensuração de penalidades exigida pela norma, analisando-se a magnitude do dano, a gravidade da conduta e/ou a forma de cometimento do ato, em homenagem ao disposto no art. 12, da LIA; Em decisão ID Num. 178722516 - Pág. 3, o r. Juízo Singular determinou a emenda da petição inicial “a fim de individualizar a responsabilidade de cada um dos profissionais constantes do polo passivo, especificando a conduta atribuída, o nexo de causalidade e os documentos correlatos”. Após a apresentação de emenda da petição inicial (ID Num. 178722517 – ID Num. 178722519 - Pág. 1), foi deferido parcialmente o pedido de indisponibilidade de bens dos corréus FRANCISCO YUTAKA e LUIZ ROBERTO. Apresentadas as defesas preliminares, a petição inicial foi recebida tão somente em face dos corréus FRANCISCO YUTAKA e LUIZ ROBERTO, sendo determinada a exclusão de NIZIO JOSÉ CABRAL. Em decisão ID Num. 178722606 - Pág. 3, foi determinada a produção da prova pericial para o esclarecimento dos fatos alegados na petição inicial. O laudo pericial foi juntado no ID Num. 178722662. Após a regular tramitação processual, sobreveio a r. sentença que julgou improcedente o pedido, nos termos do art. 487, I, do CPC (ID Num. 178722729). A sentença foi submetida ao reexame necessário. Não houve condenação em honorários advocatícios. Inconformado, apela o CREA-SP alegando, em síntese: a) os Apelados exerceram cargos de gestão na Autarquia Apelante, e, por esse fato, estão inseridos no disposto do art. 2º da LIA, tendo sido responsáveis diretos pela promoção e gestão do procedimento licitatório onde materializados os atos de improbidade aventados na presente ação; b) os Apelados possuem comprovada formação em Engenharia, sendo perfeitamente lógico afirmar que possuíam conhecimento técnico prévio sobre os aspectos apontados pelo Conselho-Apelante através dos presentes autos e que ensejaram a prática de atos ímprobos, decorrentes única e exclusivamente de suas posturas, perpetradas enquanto exercentes de cargos de decisão; c) o conjunto das atividades efetivadas pelos Apelados ao longo da gestão do Procedimento Licitatório e da execução do contrato daquele decorrente acabaram por ensejar, ao menos, manifesta lesão ao Erário (art. 10 da LIA); d) o procedimento licitatório em questão foi iniciado sem qualquer estudo preliminar, planejamento anterior ou justificativa para a realização de uma obra (denominada “Casa da Engenharia”) na cidade de Osvaldo Cruz/SP; e) houve superdimensionamento do objeto e superfaturamento da obra; f) o edital de licitação lançado pelos Apelados contém inúmeros vícios; g) o objeto licitado foi concluído pela empresa PHAS, pelo valor total de R$1.676.433,09, sendo que o valor de mercado do imóvel está muito aquém desse montante, tal qual destacado pelo perito judicial. Com as contrarrazões, subiram os autos a esta E. Corte Federal. Em parecer, o representante da Procuradoria Regional da República da 3ª Região opinou pelo desprovimento da apelação e do reexame necessário (ID Num. 183044589). Em despacho ID Num. 313439254, determinei a manifestação das partes em razão das alterações substanciais da Lei nº 8.429/92, promovidas pela Lei nº 14.230/21. É o relatório.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 0000105-26.2017.4.03.6122 RELATOR: Gab. 14 - DES. FED. MARCELO SARAIVA APELANTE: CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA E AGRONOMIA DO ESTADO DE SAO PAULO - CREA SP Advogados do(a) APELANTE: HOLMES NOGUEIRA BEZERRA NASPOLINI - DF49968-A, RICARDO GARCIA GOMES - SP239752-A APELADO: FRANCISCO YUTAKA KURIMORI, LUIZ ROBERTO SEGA Advogado do(a) APELADO: RICARDO CAMPOS - SP176819-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Da remessa necessária Quando do julgamento do EREsp 1.220.667/MG, a C. Primeira Seção do E. Superior Tribunal de Justiça entendeu que seria cabível a incidência da remessa necessária em Ação Civil de Improbidade Administrativa, por aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular), o qual possui a seguinte redação: Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. Posteriormente, contudo, o mesmo C. Órgão, em sessão eletrônica iniciada em 11/12/2019 e finalizada em 17/12/2019, afetou o julgamento dos REsp. 1.604.804/TO, REsp. 1.605.586/DF, REsp. 1.502.635/PI e REsp. 1.553.124/SC ao rito dos recursos repetitivos previsto no art. 1.036 do CPC, para apreciar o seguinte Tema (nº 1.042): Definir se há - ou não - aplicação da figura do reexame necessário nas ações típicas de improbidade administrativa, ajuizadas com esteio na alegada prática de condutas previstas na Lei 8.429/1992, cuja pretensão é julgada improcedente em primeiro grau; Discutir se há remessa de ofício nas referidas ações típicas, ou se deve ser reservado ao autor da ação, na postura de órgão acusador - frequentemente o Ministério Público - exercer a prerrogativa de recorrer ou não do desfecho de improcedência da pretensão sancionadora. No entanto, em consulta ao andamento processual eletrônico do Tema nº 1.042, verifica-se a seguinte informação (grifei): Em sessão realizada em 26/4/2023, a Primeira Seção, por unanimidade, cancelou a afetação do Tema 1.042, para que os recursos especiais afetados prossigam em normal trâmite, em seus ulteriores termos, bem como os casos eventualmente suspensos em virtude da afetação, nos termos da questão de ordem proposta pelo Sr. Ministro Relator. Assim, a análise da incidência da remessa oficial deve ser feita com base no CPC e no entendimento jurisprudencial vigente na época da sentença. O art. 14 do CPC positiva a teoria do isolamento dos atos processuais: Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada. Aplicando-se a teoria do isolamento dos atos processuais no instituto da remessa necessária, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o Enunciado nº 311: A regra sobre remessa necessária é aquela vigente ao tempo da publicação em cartório ou disponibilização nos autos eletrônicos da sentença ou, ainda, quando da prolação da sentença em audiência, de modo que a limitação de seu cabimento no CPC não prejudica as remessas determinadas no regime do art. 475 do CPC/1973. No REsp nº 1.108.542/SC, a C. Segunda Turma do E. Superior Tribunal de Justiça assentou que, “por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário” (Relator Ministro Castro Meira, julgado em 19/5/2009, DJe de 29/5/2009). O entendimento foi posteriormente estendido para as ações civis públicas por improbidade administrativa, conforme se verifica, por exemplo, no AgRg no REsp nº 1.219.033/RJ, Relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 17/3/2011, DJe de 25/4/2011. Por fim, no EREsp 1.220.667/MG, julgado em 24/5/2017, a C. Primeira Seção daquela E. Corte Superior, analisando a divergência entre suas Turmas, pacificou a orientação de que seria cabível a incidência do reexame necessário em Ação Civil de Improbidade Administrativa, por aplicação analógica do art. 19 da Lei da Ação Popular. No caso dos autos, a r. sentença foi publicada em 27/04/2021, ou seja, quando já vigorava o posicionamento da C. Primeira Seção daquela E. Corte Superior. Assim, mostra-se processualmente válido submeter o presente feito à remessa necessária, conforme aplicação analógica do já citado art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular). Recentemente, o E. Superior Tribunal de Justiça adotou expressamente o raciocínio ora exposto: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PRECEDENTES. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE QUANDO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA. TEORIA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS. DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. É cabível o reexame necessário na ação civil pública por improbidade administrativa, seja porque incidente o art. 475 do Código de Processo Civil de 1973, seja por aplicação analógica do art. 19 da Lei 4.717/1965 às sentenças extintivas ou de improcedência. Precedentes. 2. Sucessão legislativa. Entrada em vigor da Lei 14.230/2021. Expresso afastamento da figura da remessa obrigatória no corpo da Lei 8.429/1992. Inaplicabilidade ao caso concreto. 3. É eminentemente processual a questão ligada ao cabimento ou não do reexame necessário. Aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais. O regime de impugnação das decisões judiciais é aquele vigente quando da publicação da decisão recorrida, isolando-se, assim, os atos considerados perfeitamente realizados sob a égide de uma determinada legislação processual. 4. A sentença que extingue o processo sem resolução de mérito, ou julga improcedentes os pedidos antes das alterações processuais trazidas pela Lei 14.230/2021 está, pois, submetida ao regime até então vigorante no microssistema das ações coletivas de proteção aos direitos e interesses difusos, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Cabimento do reexame necessário. 5. Recurso especial provido. (REsp n. 1.502.635/PI, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 12/12/2023, DJe de 18/12/2023.) Do ARE nº 843.989 No dia 25/10/2021, foi promulgada a Lei nº 14.230/21 promovendo alterações na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Dentre as modificações trazidas pelo novo Diploma, algumas possuem natureza extremamente benéfica para os acusados da prática de atos ímprobos (por exemplo, a extinção da improbidade culposa; a revogação dos incisos I, II, IX e X do art. 11; a exigência de dolo específico; a prescrição intercorrente, etc.), o que, invariavelmente, acarreta a discussão acerca de sua possível incidência retroativa. O E. Supremo Tribunal Federal, em sessão de julgamento do dia 24/02/22, reconheceu a repercussão geral quanto à incidência das modificações trazidas pela Lei nº 14.230/2021 nas ações de improbidade administrativa, especialmente quanto ao dolo e a prescrição (Tema nº 1.199). Na ocasião, a ementa ficou assim redigida: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. LEI 14.230/2021. APLICAÇÃO RETROATIVA DAS DISPOSIÇÕES SOBRE O DOLO E A PRESCRIÇÃO NA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. 1. Revela especial relevância, na forma do art. 102, § 3º, da Constituição, a definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: (I) A necessidade da presença do elemento subjetivo dolo para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e (II) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente. 2. Repercussão geral da matéria reconhecida, nos termos do art. 1.035 do CPC. (ARE 843989 RG, Relator Ministro Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 24/02/2022, Processo Eletrônico DJe-041 DIVULG 03-03-2022 PUBLIC 04-03-2022) Posteriormente, em sessão de julgamento realizada no dia 18/08/2022, a E. Corte Suprema, ao finalizar a análise do ARE 843.989 RG, fixou as seguintes teses de repercussão geral: 1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente. 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. Para o caso em julgamento, a superveniência da Lei nº 14.230/21 acarretou modificações pontuais que serão feitas oportunamente. Do caso concreto Segundo a capitulação trazida pelo CREA-SP, cinge-se a questão apresentada nos autos com relação à possibilidade de se enquadrar as condutas praticadas pelos corréus como atos de improbidade administrativa que importaram prejuízo ao erário (art. 10) e violaram princípios administrativos (art. 11). Alega o Parquet que, à época dos acontecimentos, o Presidente do CREA-SP (Francisco Yutaka Kurimori), o seu Superintendente de Fiscalização (Luiz Roberto Sega) e o seu Superintendente de Fiscalização em substituição (Nizio José Cabral) foram responsáveis diretos pela irregularidades constatadas no procedimento licitatório - Processo L - 00160/2015 e seu decorrente Contrato C - 0059/2015, que tinha por objetivo a contratação de empresa para a execução dos serviços e obras de engenharia referentes à edificação da unidade de atendimento operacional do CREA-SP em Osvaldo Cruz/SP. No referido certame, foram apuradas diversas irregularidades, assim sintetizadas (ID Num. 178720766 - Págs. 7-8): 1) o Edital de Licitação contém vícios como, por exemplo, exigir para a habilitação dos concorrentes atestados de capacitação técnico-profissional em estruturas metálicas e "dry-wall" (gesso), gerando odiosa e injustificada restrição à participação de eventuais interessados no certame, eis que a obra em comento notadamente detém como elementos de relevância suas estruturas metálicas e concretagem, o que realmente impediu a efetiva competitividade entre os licitantes; 2) o Edital de Licitação requer, além de obras e serviços de engenharia, o fornecimento e instalação de equipamentos e de materiais, congregando ou aglutinando serviços de modo verdadeiramente infundado, em afronta à Súmula TCU n° 247; 3) nesse diapasão, o Edital de Licitação exigiu, sem qualquer justificativa plausível, fossem adotados para o sistema de águas frias equipamentos da marca "TIGRE" e, para "Rack Padrão Fechado", da marca "GARRA", sem permitir a adoção de equipamentos de qualidade similar ou análoga, afrontando ao quanto disposto no § 5°, do art. 7º e o § 7°, inciso I, do art. 15, ambos da Lei n° 8.666/1993; 4) o Edital de Licitação adota como parâmetro das propostas a serem ofertadas Planilha Executiva com valor de R$ 2.035.009,51 (dois milhões, trinta e cinco mil, nove reais e cinquenta e um centavos), com previsão de BDI superfaturado já na lareada, na ordem de 28,61%, sendo que o Tribunal de Contas da União — TCU determina que o BDI para serviços e obras de engenharia deve ser parametrizado entre 20,34% e 25,00% e para o fornecimento de equipamentos (conforme contemplado no referido certame) seja parametrizado entre 11,1% e 16,8% (cf Acórdão n° 2.622-37/13); 5) sem qualquer justificativa, o Edital de Licitação exige a adoção de técnica construtiva denominada como "seca", fato reconhecidamente incomum no mercado brasileiro, tornando a execução do contrato mais custosa ao Erário; 6) mesmo diante desses fatos, mais de 100 (cem) interessados surgiram para acorrer ao certame, sendo que APENAS OITO (8) APRESENTARAM PROPOSTAS técnicas e comerciais, evidenciando de modo induvidoso que as exigências de capacitação dispostas no Edital eram realmente mais do que restritivas’ (...) 7) com arrimo no disposto no art. 44, da Lei Complementar 123/2006, foi conferido prazo para a empresa PHAS apresentar nova proposta, o que foi realizado no valor de RS 1.754.000,00 (um milhão, setecentos e cinquenta e quatro mil reais), com item "BDI" de 28,61%; (...) 8) mesmo diante desse fato, os Réus houveram por declarar como vencedora do "certame" essa nova proposta da empresa PHAS, adjudicando o objeto licitado em favor daquela "concorrente", proposta aquela que, além de conter manifesto jogo de planilhas para o atingimento de suposto menor preço global, apresentava-se superfaturada, na medida em que o item "BDI" havia sido ofertado em descompasso com o quanto determinado pelo TCU; 9) ademais, verificou-se a inexistência de prévia Avaliação de Custos e Benefícios referente ao método para a determinação do bem, serviço, atividade, projeto ou programa, que robustecesse o processo de avaliação para norteamento das decisões a serem efetivadas no uso do Erário, que englobasse avaliação econômica capaz de quantificar os benefícios e custos incrementais e marginais, a avaliação da destinação ou incidência dos benefícios decorrentes da obra e serviços contratados, já que obras públicas não podem ser examinadas apenas sob o ponto de vista de seu custo total mas, também, com relação aos benefícios resultantes de sua execução; 10) estudo preliminar realizado pelo CREA-SP identificou a presença de inegável indício de superfaturamento dos serviços e obras de engenharia e equipamentos contratados, seja na Planilha de Referência, seja na Planilha de Proposta Orçamentária, sendo que a sua execução, no que concerne aos seus quantitativos e quantitativos, não atende ao quanto estipulado no certame, conforme será comprovado no curso da demanda. Após analisar detidamente os supracitados vícios, o r. Juízo Singular entendeu que não haveriam provas de cometimento dos atos ímprobos descritos na exordial: A incidência do art. 10 da Lei 8.429/92 impõe a verificação da ocorrência dos seguintes elementos: efetivo dano ao erário e o elemento volitivo (dolo ou culpa grave). Já o art. 11 da Lei 8.429/92 exige a violação dolosa aos princípios norteadores da administração pública, no caso, aponta o autor, em especial os princípios da honestidade, legalidade, moralidade e lealdade à instituição em que trabalhavam. No caso, como demonstrado, os requeridos não negam a prática das condutas imputadas. Ambos ocupavam cargos no CREA/SP: FRANCISCO KURIMORI foi Presidente entre 01.01.2012 a 11.09.2016 e LUIZ ROBERTO SEGA era Superintendente de Fiscalização no período de 09.02.2012 a 13.09.2016, tendo aquele determinado a abertura do processo para contratação de empresa para edificação do imóvel em Osvaldo Cruz e este assinado nota de empenho de compra e serviço para a execução do objeto. Todavia, não há nenhum indício de que tais condutas tenham sido praticadas em violação aos princípios administrativos ou mesmo causado dano ao erário de maneira dolosa ou culposa. Cabe consignar que mesmo que se adote a conclusão do laudo pericial acerca de prejuízo ao erário, em vista da divergência do valor do metro quadrado adotado conforme a classificação de padrão do imóvel (tabela IBAPE – método C.U.B.), a hipótese é de evidente quebra do nexo causal pela contratação de empresa responsável pela elaboração dos projetos de engenharia que subsidiaram a licitação para constrição da sede, o que afasta a responsabilidade aos requeridos. Saliente-se que a instrução não revelou a obtenção de nenhum benefício em favor destes, seja na contratação original da empresa DIRETÓRIO DA ARQUITETURA E URBANISMO S/S LTDA, seja no procedimento licitatório e execução do contrato correspondente à construção da UOP de Osvaldo Cruz com a empresa P.H.A.S – ENGENHARIA, CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. Aliás, a autarquia autora nem ao menos procedeu a juntada aos autos do procedimento licitatório original de contratação da empresa para elaboração de projeto, o que corrobora ausência de demonstração de fatos constitutivos de seu direito a ensejar, por consequência, eventual responsabilidade dos requeridos. Dessa forma, não demonstrado dolo ou culpa no resultado prejudicial noticiado, deve ser confirmada a improcedência da demanda. Da imputação genérica dos atos ímprobos Inicialmente, cumpre destacar que, embora tenha havido a determinação para que o CREA/SP emendasse a petição inicial “a fim de individualizar a responsabilidade de cada um dos profissionais constantes do polo passivo, especificando a conduta atribuída, o nexo de causalidade e os documentos correlatos” (ID Num. 178722516 - Pág. 3), tenho que a autarquia não conseguiu demonstrar, a contento, qual seria a contribuição individual de cada corréu para a concretização dos vícios indicados na exordial. Ao que parece, a inclusão dos corréus teve por fundamento exclusivo o fato de atuarem em cargos diretivos do CREA-SP, respectivamente Presidente e Superintendente de Fiscalização, e que, por estarem na cúpula da estrutura hierárquica administrativa, responderiam objetivamente pelos fatos questionados. É o que se verifica, por exemplo, das seguintes passagens da petição inicial: ID Num. 178720767 - Pág. 1 No caso, é mesmo evidente que os Réus são coautores dos atos ímprobos demonstrados, já que, enquanto agentes gestores do CREA-SP e, especialmente, do Procedimento Licitatório em apreço, influenciaram, auxiliaram, colaboram e participaram daqueles. ID Num. 178720767 - Pág. 4 No exercício de suas atribuições, como gestores do Conselho-Autor e do procedimento licitatório em comento, deveriam os Réus terem agido no sentido de impedir que tais acontecimentos se materializassem, especialmente por se tratarem de agentes com comprovada formação profissional nos ramos de Engenharia, o que tornaria facilitada a percepção sobre essas questões, não fosse a evidente má-fé que norteou todo o certame. Mesmo na emenda da petição inicial, o Conselho apelante reiterou a necessidade de condenação dos corréus por força dos cargos diretivos que ocupavam à época: ID Num. 178722517 - Pág. 4 É assente, portanto, que os Réus dessa demanda exerceram cargos de gestão na Autarquia Autora, estando inseridos no disposto do art. 2” da LIA, tendo, ainda, sido responsáveis diretos pela promoção e gestão do procedimento licitatório onde materializados os atos de improbidade aventados. ID Num. 178722517 - Pág. 5 Destarte, observa-se que o Réu FRANCISCO KURIMORI, no exercício da Presidência do Conselho-Autor, era o responsável legal pela gestão da Entidade e, consequente e regimentalmente, pela promoção e gestão do procedimento licitatório tratado nesses autos, devendo garantir, no exercício de suas atividades, o respeito inconteste ao Princípio da Legalidade. E no exercício das atividades decorrentes da Presidência do CREA-SP é que o aludido Réu realizou ações positivas, ordenando pagamentos, transferindo ou conferindo aos demais Corréus poderes para influírem no referido procedimento licitatório. Ocorre que a imputação por ato de improbidade administrativa ostenta os atributos da responsabilidade subjetiva, ou seja, não basta a constatação do dano e a comprovação do nexo de causalidade para que os agentes sejam condenados, sendo imprescindível demonstrar o elemento volitivo de cada um dos agentes na concretização da violação ao erário público (art. 10) ou aos princípios administrativos (art. 11). A individualização das condutas pressuposto essencial para que a parte demandada possa se defender adequadamente. No caso, a imputação trazida na peça acusatória volta-se precipuamente às atividades ordinárias que os corréus exerciam enquanto ocupantes de cargos diretivos da entidade. Contudo, não demonstra, no caso concreto, qual seria a violação por eles perpetradas. Neste sentido, ao se manifestar pela improcedência do pedido, aduziu o Parquet que (ID Num. 178722726 - Pág. 6): Além disso, embora à época dos fatos os réus integrassem o corpo da gestão do CREA-SP, isso, por si só, não é suficiente para atribuir a estes a responsabilidade pela possível prática de atos de improbidade administrativa, vez que faz-se necessário que de fato tenham praticado atos de improbidade, tenham cooperado para tal (com dolo ou culpa) ou, ao menos, conhecendo ilicitudes no processo licitatório, tenham se mantido omissos diante desta, o que não é o caso, pois podemos verificar que o Edital de Abertura do Processo Licitatório consta assinatura de pessoa diversa dos réus (Id. 17149215, p.01 a 17149236, p. 02), ademais, os corréus não participaram da Comissão de Compras e Licitações (Id. 17149954, p. 10). Acerca do indeferimento da petição inicial, antes da edição da Lei nº 14.230/2021, previa o § 6º, do art. 17, da LIA, que: Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar. § 6º A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil. Com a referida Lei, esta previsão foi realocada para o inciso II, do § 6º, do art. 17: Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei. § 6º A petição inicial observará o seguinte: II - será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil). Assim, em termos processuais, dada a ausência de descrição fática específica da atuação individual de cada corréu para a consecução dos atos descritos na exordial, seria a hipótese de indeferimento da petição inicial. No entanto, como houve análise do mérito, restando, ao final, improcedente o pedido autárquico, prossigo no julgamento do recurso de apelação. Do elemento subjetivo No que tange ao elemento subjetivo, antes da edição da Lei nº 14.230/2021, era pacífico o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça de que, “para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas prescrições da Lei de improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos artigos 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do artigo 10” (AgInt no REsp 1570402/SE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 03/04/2018, DJe 23/04/2018). Por dolo genérico, a mesma E. Corte Superior definia como sendo “a simples vontade consciente de aderir à conduta, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica - ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria -, sendo despiciendo perquirir acerca de finalidades específicas” (AgRg no REsp 1.539.929/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16/06/2016, DJe 02/08/2016). Com a promulgação da Lei nº 14.230/2021, no entanto, o legislador conceituou o dolo no § 2º, do art. 1º (grifei): § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente. Ao tratar do dolo, ensina Marçal Justen Filho: Um dos núcleos da reforma promovida pela Lei 14.230/2021 consistiu em afirmar que a improbidade somente se configura nos casos de conduta dolosa. O elemento subjetivo do tipo da improbidade é o dolo. Isso significa a consciência do sujeito quanto à antijuridicidade de sua conduta e a vontade de praticar a ação ou a omissão necessária à consumação da infração. (...) O dolo se configura não apenas como a vontade livre de praticar um ato subsumível à tipificação material prevista em lei. É indispensável a consciência quanto à ilicitude e a vontade de produzir o resultado reprovado pela ordem jurídica. (in Reforma da lei de improbidade administrativa comentada e comparada: Lei 14.230, de 25 de outubro de 2021, 1ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 2022, comentários ao art. 1º, itens 13.2 e 14.1) Sobre a necessidade do dolo específico para fins de improbidade administrativa, assim já decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DAS CONDUTAS PREVISTAS NO ART. 9º, CAPUT, E INCISO XII E ART. 10, CAPUT, E INCISO I, DA LEI n. 8.429/1992. APLICAÇÃO RETROATIVA DA LEI N. 14.230/2021. INVIABILIDADE. DOLO ESPECÍFICO AFIRMADO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IRRETROATIVIDADE. TEMA N. 1199 DO STF. e ART. 11, CAPUT, E INCISO I, DA MESMA LEI. NÃO ENQUADRAMENTO EM NENHUMA DAS CONDUTAS PREVISTAS NO ARTIGO. CONDENAÇÃO AFASTADA. ART. 17 § 10-D DA LIA. RETROATIVIDADE. DESCABIMENTO. NATUREZA PROCESSUAL DA NORMA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS PARCIALMENTE. 1. A imputação da prática de ato de improbidade administrativa, com as alterações legislativas trazidas pela Lei n. 14.230/21, passou a exigir a constatação de dolo específico na conduta do agente, como se observa pela redação do § 2º do art. 1º da Lei n. 8.429/92. E, conforme a orientação do STF trazida no Tema de Repercussão Geral n. 1.199, é possível a aplicação desta inovação aos processos em curso, respeitando-se a coisa julgada. 2. No caso, as instâncias ordinárias afirmaram a presença do dolo específico, o que afasta a possibilidade de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021, quanto às condutas tipificadas no art. 9º, caput e inciso XII e no art. 10, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/1992. 3. Nos termos da jurisprudência firmada por este Tribunal, em razão da vigência da Lei n. 14.230/2021, a condenação com base em violação a princípios administrativos, nos termos do art. 11, caput, e incisos I e II, da Lei n. 8.429/1992, exige, além do dolo específico, que a conduta se enquadre em alguma daquelas previstas nos incisos do referido artigo, o que não ocorre no caso concreto. 4. Segundo o entendimento desta Corte Superior, o art. 17, § 10-D da Lei n. 8.429/1992, acrescido pela Lei n. 14.230/2021, possui natureza processual, motivo pelo qual não procede a pretensão de que seja aplicado retroativamente. 5. Embargos de declaração acolhidos parcialmente, para afastar a condenação tão-somente no tocante ao art. 11, caput, e inciso I, da Lei n. 8.429/1992, devendo os autos retornar ao Tribunal de origem, a fim de que promova a redução proporcional das penas. (EDcl no AgInt no AREsp n. 1.725.566/SP, Relator Ministro Teodoro Silva Santos, Segunda Turma, julgado em 3/12/2024, DJe de 10/12/2024.) Em suma, na lição de Marçal Justen Filho, para se responsabilizar o agente, não basta apenas que se demonstre a vontade de praticar o ato ímprobo, sendo “indispensável a consciência quanto à ilicitude e a vontade de produzir o resultado reprovado pela ordem jurídica” (item 14.1). Partindo-se destas lições, passo à análise dos atos ímprobos imputados aos corréus. Da imputação quanto ao art. 10 da LIA Segundo consta da emenda da petição inicial, os corréus teriam infringido o disposto nos incisos IX, X e XI, do art. 10, da LIA (ID Num. 178722518 - Pág. 1). Em sua redação originária, o art. 10, caput, e o inciso X, apresentavam a seguinte redação: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: (...) X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; Com a edição da Lei nº 14.230/2021, os mencionados dispositivos foram alterados, passando a assim dispor: Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...) X - agir ilicitamente na arrecadação de tributo ou de renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público; Com relação ao caput, percebe-se que, ao excluir a palavra “culposa”, o legislador ordinário teve a clara intenção de apenas considerar as condutas dolosas como aptas a ensejar a configuração de ato de improbidade administrativa que cause prejuízo ao erário. Tal conclusão também é reforçada pela alteração na redação do inciso X, que antes previa o termo “negligentemente”, o qual remete a uma das espécies do ato culposo. A sua substituição pelo termo “ilicitamente” se mostra condizente com a nova diretriz de apenas responsabilizar o agente que demonstrar a vontade e a consciência de praticar o ato ímprobo. Quanto aos incisos IX e XI, não houve alteração legislativa, estando assim redigidos: IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento; (...) XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; Na exordial, o apelante enumerou as supostas irregularidades verificadas no Processo L - 00160/2015, já anteriormente transcritas (ID Num. 178720766 - Págs. 7-8). Em uma destas irregularidades, a autarquia questionou a exigência “para a habilitação dos concorrentes atestados de capacitação técnico-profissional em estruturas metálicas e "dry-wall" (gesso), gerando odiosa e injustificada restrição à participação de eventuais interessados no certame”. Em princípio, o fato de o edital exigir esta habilitação, por si só, não acarreta a necessária restrição à participação de interessados no certame. Na defesa prévia, FRANCISCO YUTAKA justificou a utilização do drywall nos seguintes termos (ID Num. 178722543 - Pág. 1, grifei): Outro ponto que merece destaque reside sistema construtivo adotado, também recomendado pelo escritório de arquitetura que venceu o primeiro certame. Toda a concepção do projeto foi focada no conceito de tecnologia sustentável. Este conceito foi adotado desde a escolha do método construtivo, no caso o sistema denominado "obra seca". Tal escolha, que compreende a utilização de estrutura metálica, painéis de drywall e de placas cimentícias, garantiu maior agilidade na execução da obra e o menor desperdício possível de materiais e recursos naturais. Assim, em princípio, dadas as características arquitetônicas da edificação, não vislumbro indícios de irregularidade na escolha de profissional que possua capacidade técnica em estruturas metálicas e drywall. Já quanto à violação à Súmula nº 247/TCU, esta apresenta a seguinte redação: É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade. Segundo o enunciado, a adjudicação por item é obrigatória desde que não haja “prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala”. Ocorre que a autarquia não demonstrou qual foi o prejuízo causado pela adoção da modalidade menor preço ao invés da adjudicação por item para o certame discutido. Com relação à exigência do sistema de águas frias equipamentos da marca "TIGRE" e do "Rack Padrão Fechado" da marca "GARRA", também não há vislumbre de ilicitude. Em sua contestação, LUIZ ROBERTO SEGA afirma que a menção das marcas Tigre e Garra serviram apenas como marcas de referência ou de indicação (ID Num. 178722584 - Pág. 9): Trata-se, diga-se, de conduta de praxe na administração pública indicar marcas de referência para efeito de definição do padrão de qualidade de objetos simples, como é o caso de canos de PVC. Não é outra a situação dos autos. As marcas indicadas o foram de forma meramente referencial. Não há uma única linha no Edital exigindo tais marcas, ou ainda, prevendo a desclassificação de empresa que ofertasse marca diversa. Mais uma vez o Conselho-Autor se furtou de demonstrar o prejuízo decorrente de tal indicação, se limitando a apresentar nova alegação vazia, desprovida de substrato. De fato, assiste razão ao corréu no sentido de que estas marcas foram utilizadas apenas como referência do material a ser empregado. Com efeito, no Memorial Descritivo sobre as Instalações Hidráulicas, no tópico referente às especificações dos materiais, assim restou descrito (ID Num. 178720777 - Pág. 4): 6. ESPECIFICAÇÕES DOS MATERIAIS: Os materiais empregados deverão ser de boa qualidade, dentro dos padrões estabelecidos pelas Normas da ABNT. A instaladora deverá submeter qualquer material ou equipamento ao exame e aprovação da Fiscalização antes de utilizá-lo na obra. Ora, se fosse obrigatória a utilização apenas das marcas "TIGRE" e "GARRA", não haveria necessidade de obrigar o contratado a submeter estes materiais para “aprovação da Fiscalização”. Quanto à alegação de superfaturamento, sustenta o autor que houve utilização de BDI (Bonificação e Despesas Indiretas) em percentual de 29,03%, sendo que o Tribunal de Contas da União (TCU) determina que o BDI para serviços e obras de engenharia deve ser parametrizado entre 20,34% e 25,00%. O Tribunal de Contas da União editou o Manual sobre Obras Públicas que estabelece “Recomendações Básicas para a Contratação e Fiscalização de Obras de Edificações Públicas”. Na 3ª edição deste Manual, ao apontar a fórmula a ser utilizada para calcular o BDI, a Corte de Contas assim esclarece: 5.2.5.3 Taxa de benefício e despesas indiretas Finalmente, para a obtenção do preço final estimado para o empreendimento, é preciso aplicar sobre o custo direto total da obra a taxa de Benefício e Despesas Indiretas (BDI ou LDI). Essa taxa, calculada por meio da fórmula abaixo apresentada, contempla o lucro da empresa construtora e seus custos indiretos, isto é, garantia, risco e seguros, despesas financeiras, administração central e tributos. Ela é um percentual que, aplicado sobre o custo da obra, eleva-o ao preço final dos serviços. Seu valor deve ser avaliado para cada caso específico, dado que seus componentes variam em função do local, tipo de obra e sua própria composição. Ao defender o superfaturamento, o autor menciona o Acórdão n° 2.622/2013, do Plenário do TCU, em cujo acordão constou expressamente o objetivo deste julgado: VISTOS, relatados e discutidos estes autos que tratam do estudo desenvolvido por grupo de trabalho constituído por membros de várias unidades técnicas especializadas deste Tribunal, com coordenação da Secretaria de Fiscalização de Obras Aeroportuárias e de Edificação – SecobEdif, em atendimento ao Acórdão 2369/2011-TCU-Plenário, com o objetivo de definir faixas aceitáveis para valores de taxas de Benefícios e Despesas Indiretas (BDI) específicas para cada tipo de obra pública e para aquisição de materiais e equipamentos relevantes, bem como efetuar o exame detalhado da adequabilidade dos percentuais para as referidas taxas adotados em dois julgados desta Corte de Contas (Acórdãos ns.325/2007 e 2.369/2011), ambos do Plenário, com utilização de critérios contábeis e estatísticos e controle da representatividade das amostras selecionadas. É certo que, como destacado pela autarquia, para serviços de construção de edifícios, o BDI estabelecido entre 20,34% e 25%. Contudo, no próprio julgado restou firmada uma importante ressalva: No entanto, sendo o BDI parte integrante do preço final de uma obra, a análise a ser realizada deve considerar o preço total da obra, composto por custos diretos mais taxa de BDI, está sendo praticado de forma compatíveis com os valores de mercado. Essa análise deve ser feita por meio do confronto entre preço orçado/contratado e preço de mercado, conforme ilustrado a seguir: a) Preço orçado/contratado <= Preço de mercado; ou b) Custo orçado/contratado + BDI orçado/contratado <= Custo paradigma + BDI paradigma Nesse sentido, a análise isolada de apenas um dos componentes do preço (custo direto ou BDI) não é suficiente para imputação de sobrepreço. A análise de preços deve se dar sempre mediante a comparação de preço contratado/orçado com o preço de mercado (ou paradigma), visto que uma taxa de BDI elevada pode ser compensada por custos diretos inferiores aos do orçamento paradigma, desde que o preço total contratado esteja abaixo do preço de mercado. Por isso as taxas referenciais não têm por objetivo limitar o BDI das propostas de preços das empresas licitantes, já que os valores do BDI podem oscilar de empresa para empresa, de acordo com as suas características particulares, tais como: remuneração desejável, situação econômico-financeira, localização e porte da empresa, estrutura administrativa, número de obras em execução, nível de competitividade do mercado etc. In casu, a parte autora alega que o BDI foi estabelecido em 28,61%, o que indicaria o superfaturamento. E, segundo laudo de avaliação realizado por empresa particular, o montante seria de R$ 802.300,00. Ocorre que, ao dispor sobre a metodologia empregada, a empresa contratada pelo CREA-SP afirma no item 9 (ID Num. 178722515 - Pág. 2): 9. Realizamos nosso trabalho com base nas informações fornecidas a nós pelo cliente, que assumimos como corretas e completas; Trata-se de premissa que já coloca em dúvidas a imparcialidade do estudo. Além disso, consta apenas a análise estrutural do imóvel, bem como a comparação de seu valor com outros imóveis da região. Não há qualquer menção a irregularidades ou equívocos no emprego nas técnicas e nos materiais adotados. Acrescento à supracitada fundamentação, a análise do laudo pericial feita na r. sentença, a qual assim concluiu: O perito do juízo, em detalha demonstração de cálculo neste ponto, apontou o seguinte: Em realidade o BDI aplicado sobre o valor total estimado de R$ 2.035009,51 seria de R$ 582.216,22 e não os R$ 452.741,21 planilhado, representando de fato não 28,61% do custo base, mas sim 36.7963% do custo base, promovendo assim um desconto no custo base da obra, ou seja com um custo base final de R$ 1.452.793,29 e não R4 1582.268,29 (sic) (id. 32814963 - Pág. 29/30). Ou seja, ao contrário do que pretende fazer crer a parte autora, o BDI para a execução da obra ainda foi subestimado e não superestimado. O Conselho autor pretende, ainda, demonstrar a lesão ao erário com base em “Laudo de Avaliação” (id. 17155139), que avaliou o imóvel em R$ 802.300,00. Há indicação, porém, de que o avaliador não ingressou no imóvel e não levou em conta toda a estrutura do local, edificada segundo extenso memorial descritivo da empresa Diretório Arquitetura e Urbanismo (id. 17155139 - Pág. 4). O perito do juízo, por sua vez, apontou que o valor de mercado do imóvel poderia estar compreendido entre R$ 800.000,00 a R$ 1.300.000,00, todavia, ponderou a necessidade de uma perícia de avaliação, em vista da existência de equipamentos específicos (e caros) no imóvel como sistema de captação e reuso de água pluvial e sistema fotovoltaico (Quesito 14 – id. 32814963 - Pág. 54). Utilizou como referência o cálculo referencial do método quadrado disposto na tabela IBAPE/Sinape-CUB da época (máximo de R$ 2.092,11/m²), conforme classificação do imóvel (padrão superior a médio), o que acarretou divergência com o valor contratado para construção do imóvel (R$ 4.550,80/m²). Consigne-se, todavia, que a aferição do valor de mercado é prova insuficiente para que se chegue a indene conclusão do prejuízo, uma vez que tal valor estar submetido às vicissitudes da oferta e da demanda. Em suma, não restou demonstrado o efetivo prejuízo ao erário do CREA-SP, de modo que não há como responsabilizar os corréus pelas condutas tipificadas no art. 10 da LIA. E ainda que houvesse tal prejuízo, a autarquia não demonstrou que os corréus teriam agido com o dolo específico de lesar o erário público. Destarte, não é possível vislumbrar elementos que evidenciem o equívoco do entendimento adotado pelo r. Juízo Singular. Da imputação quanto ao art. 11 da LIA Segundo a exordial, “resta evidente que os Réus atuaram no sentido afrontar aos preceitos da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, deixando de garantir a licitude do procedimento licitatório, impedindo a real competividade entre os ‘concorrentes’ e o surgimento de efetiva melhor proposta ao Erário, tornando cristalina a prática de atos de improbidade administrativa também sob esse enfoque, afrontando ao disposto no art. 4° da LIA” (ID Num. 178720767 - Pág. 5). O caput do art. 11, na redação originária da LIA, possuía a seguinte redação (grifei): Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: A Lei nº 14.230/2021, ao modificar da LIA, alterou a redação do caput do art. 11 (grifei): Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: Percebe-se que, ao substituir no caput a palavra “notadamente” pela expressão “caracterizada por uma das seguintes condutas”, o legislador ordinário teve a clara intenção de arrolar taxativamente as condutas que configuram os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública. Em outros termos, a violação aos princípios da Administração Pública, por si só, não configura improbidade administrativa, sendo necessário que o ato imputado ao agente causador esteja previsto nos incisos do art. 11. É o que defendem, por exemplo, Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira: Em sua redação originária, o caput do art. 11 da LIA utilizava a expressão “notadamente”, que também constava (e ainda consta) nos arts. 9º e 10 da LIA. Ocorre que a reforma introduzida pela Lei 14.230/2021 suprimiu a citada expressão no dispositivo legal e inseriu no seu lugar a expressão “caracterizada por uma das seguintes condutas”. A alteração legislativa não é singela. Ao revés, restringe a aplicação do art. 11 da LIA às condutas descritas taxativamente nos seus incisos, sendo insuficiente a violação aos princípios da Administração Pública para caracterização da improbidade administrativa. A ausência da improbidade, é oportuno destacar, não afasta, naturalmente, a aplicação de sanções disciplinares aos agentes públicos envolvidos. (in Comentários à reforma da lei de improbidade administrativa: Lei 14.230, de 25.10.2021 comentada artigo por artigo, Rio de Janeiro: Forense, 2022, livro digital, comentários ao art. 11) Ocorre que, in casu, a pretensão da autarquia está fundada tão somente no caput do art. 11. Quanto às consequências da modificação do caput, entendo que deve ser aplicada a mesma ratio decidendi adotada quando da extinção da modalidade culposa no Tema nº 1.199. No Tema nº 1.199, o E. Supremo Tribunal Federal analisou os efeitos processuais da revogação da modalidade culposa da improbidade administrativa pela edição da Lei nº14.230/2021. Na ocasião, o Exmo. Ministro Relator ALEXANDRE DE MORAES assim aduziu (grifei): A alteração legislativa significativa, portanto, diz respeito à revogação da previsão legal de ato de improbidade administrativa culposo, anteriormente previsto na redação originária do artigo 10 da LIA, e suas consequências em relação aos atos anteriormente praticados e decisões judiciais já proferidas; uma vez que, a partir da edição da Lei – 25 de outubro de 2021 – não há mais, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa. A opção do legislador em alterar a lei de improbidade administrativa com a supressão da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa – independentemente da concordância ou não com seu mérito – foi clara e plenamente válida, uma vez que é a própria Constituição Federal que delega à legislação ordinária a forma e tipificação dos atos de improbidade administrativa e a gradação das sanções constitucionalmente estabelecidas (CF, art. 37, §4º). E ao discorrer especificamente sobre os efeitos jurídicos desta revogação para os processos já julgados e para os que estão em tramitação, o Exmo. Ministro Relator realizou a seguinte distinção (grifei): Ao revogar a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, entretanto, a Lei 14.230/2021, não trouxe qualquer previsão de “anistia” geral para todos aqueles que, nesses mais de 30 anos de aplicação da LIA, foram condenados pela forma culposa de artigo 10; nem tampouco determinou, expressamente, sua retroatividade ou mesmo estabeleceu uma regra de transição que pudesse auxiliar o intérprete na aplicação dessa norma – revogação do ato de improbidade administrativa culposo – em situações diversas como ações em andamento, condenações não transitadas em julgado e condenações transitadas em julgado. (...) A análise conjunta desses vetores interpretativos nos conduz à conclusão de que o princípio da retroatividade da lei penal, consagrado no inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”) não tem aplicação automática para a responsabilidade por atos ilícitos civis de improbidade administrativa, por ausência de expressa previsão legal e sob pena de desrespeito à constitucionalização das regras rígidas de regência da Administração Pública e responsabilização dos agentes públicos corruptos com flagrante desrespeito e enfraquecimento do Direito Administrativo Sancionador. O inciso XL deve ser interpretado em conjunto com o inciso XXXVI, ambos do artigo 5º da Constituição Federal. (...) A norma mais benéfica prevista pela Lei nº 14.230/2021 – revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa –, portanto, não é retroativa e, consequentemente, não tem incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; uma vez que, nos termos do artigo 5º, XXXVI: (...) Ressalte-se, entretanto, que apesar da irretroatividade, em relação a redação anterior da LIA, mais severa por estabelecer a modalidade culposa do ato de improbidade administrativa em seu artigo 10, vige o princípio da não ultra-atividade, uma vez que não retroagirá para aplicar-se a fatos pretéritos com a respectiva condenação transitada em julgado, mas tampouco será permitida sua aplicação a fatos praticados durante sua vigência mas cuja responsabilização judicial ainda não foi finalizada. Isso ocorre pelo mesmo princípio do tempus regit actum, ou seja, tendo sido revogado o ato de improbidade administrativa culposo antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, não é possível a continuidade de uma investigação, de uma ação de improbidade ou mesmo de uma sentença condenatória com base em uma conduta não mais tipificada legalmente, por ter sido revogada. Não se trata de retroatividade da lei, uma vez que todos os atos processuais praticados serão válidos, inclusive as provas produzidas – que poderão ser compartilhadas no âmbito disciplinar e penal –; bem como a ação poderá ser utilizada para fins de ressarcimento ao erário. Entretanto, em virtude ao princípio do tempus regit actum, não será possível uma futura sentença condenatória com base em norma legal revogada expressamente. Trazendo estas premissas ao caso em tela, a mesma ratio decidendi deve ser aplicada. Ora, se não se mostra possível a condenação do réu por ato de improbidade administrativa culposo, sob o fundamento de que, nas palavras do eminente Relator, “não há mais, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa”, idêntica constatação pode ser feita quanto à modificação do caput, do art. 11, da LIA. O Poder Legislativo, ao inovar o ordenamento jurídico em sua atuação típica, deve zelar pelos princípios e pelos valores constitucionais, precipuamente àqueles descritos no art. 37 da Carta Magna, e, especificamente quanto aos atos de improbidade administrativa, às balizas previstas em seu § 4º: § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível. No caso, a alteração do caput do art. 11, em princípio, não vulnera o espectro protetivo da probidade administrativa, inserindo-se em legítima opção do legislador em deixar de reprimir a hipótese anteriormente tipificada. É o que defendem Daniel Amorim Assumpção Neves e Rafael Carvalho Rezende Oliveira: Com a revogação dos mencionados incisos e a partir da taxatividade das condutas descritas nos incisos do art. 11 da LIA, com a reforma introduzida pela Lei 14.230/2021, revela-se possível a retroatividade da lei mais benéfica para impedir a continuidade das ações de improbidade administrativa ou para desfazer as condenações judiciais por improbidade com fundamento nos incisos agora revogados. Aplica-se, aqui, o mesmo raciocínio apresentado nos comentários ao art. 1º da LIA, com a incidência dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador no sistema da improbidade administrativa (art. 1º, § 4º, da LIA), especialmente do princípio da retroatividade da lei mais benéfica previsto no art. 5º, XL, da CRFB. Logo, deve ser mantida a r. sentença para afastar a possibilidade de imputação dos corréus à prática dos atos de improbidade administrativa tipificados no art. 11, caput e inciso I, da LIA. Em caso análogo, esta C. Quarta Turma assim já decidiu: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. PRELIMINAR. JULGAMENTO EXTRA PETITA. REJEITADA. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 14.230/2021. EXIGÊNCIA DA CONDUTA DOLOSA. DOLO ESPECÍFICO. APLICAÇÃO NÃO RETROATIVA DA NORMA. ARE 843.989 RG/RP. REVOGAÇÃO DOS INCISOS I E II DO ARTIGO 11 DA LIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO COM BASE NO TEXTO REVOGADO. RESPONSABILIDADE DOS EMPREGADOS PÚBLICOS PELA LESÃO. AFASTADA. CONDUTA DOLOSA DO REPRESENTANTE LEGAL E PESSOA JURÍDICA CONTRATADA. CARACTERIZADA. APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PREVISTAS NA LEI Nº 8.666/93. INCABÍVEL. DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZADO. PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DO MPF. RECURSO DOS ACUSADOS PROVIDO EM PARTE. (...) - A mesma norma eliminou o rol exemplificativo do artigo 11 e passou a estabelecer que o ato de improbidade, que atenta contra os princípios da administração pública, é caracterizado pela ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade e por uma das condutas descritas nos incisos do dispositivo (rol taxativo). Segundo Marçal Justen Filho: “o elenco dos incisos deixou de apresentar cunho exemplificativo. Há um conjunto exaustivo de situações tipificadas. Uma conduta que não se subsuma às hipóteses dos incisos é destituída de tipicidade” (Ibidem, p. 118). Precedentes. (...) - Os incisos I e II do artigo 11 da LIA, na redação anterior, estabeleciam como atos de improbidade, que atentavam contra os princípios da administração pública, a prática de ato: “visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência” e "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício". Entretanto, os dispositivos foram revogados pela Lei nº 14.230/2021. A abolição dos dispositivos está em consonância com as alterações legislativas, segundo as quais: “A ilegalidade sem a presença de dolo que a qualifique não configura ato de improbidade” (artigo 17-C, § 1º). Ademais, como previsto no § 1º do artigo 10: “Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei”. Portanto, fica afastada a condenação por improbidade sem a presença do dolo, ainda que configurada a ilegalidade do ato. Assim, a conduta considerada negligente, culposa ou ilegal não autoriza a aplicação da LIA. Precedentes. (...) - Na inicial, o MPF tipificou as condutas dos réus, de forma subsidiária, no artigo 11, incisos I e II, da Lei nº 8.429/92 (Id. 126752855 – fls. 19/27). Entretanto, com o advento Lei nº 14.230/2021, que promoveu alterações na lei de improbidade, descabe a imputação subsidiária, porquanto o § 10-D do artigo 17 da LIA estabelece que: "Para cada ato de improbidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei". Há que se ressaltar que, à vista da revogação dos incisos I e II do artigo 11 da LIA pela Lei nº 14.230/2021 e da impossibilidade de condenação com base no texto revogado, os atos enquadrados no dispositivo tornaram-se atípicos pela abolição da figura ímproba, o que torna inviável a pretensão sancionatória. Precedentes. (...) (ApCiv 0005714-08.2012.4.03.6108, Rel. Desembargador Federal Andre Nabarrete, julgado em 14/12/2022, DJEN DATA: 16/12/2022) (grifei) Cabe destacar que o C. Plenário do E. Supremo Tribunal Federal já decidiu consoante a tese ora exposta: Ementa: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA NO SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIDADE POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ADVENTO DA LEI 14.231/2021. INTELIGÊNCIA DO ARE 843989 (TEMA 1.199). INCIDÊNCIA IMEDIATA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 11 DA LEI 8.429/1992 AOS PROCESSOS EM CURSO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROVIDOS PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. 1. A Lei 14.231/2021 alterou profundamente o regime jurídico dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública (Lei 8.249/1992, art. 11), promovendo, dentre outros, a abolição da hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios discriminados no caput do art. 11 da Lei 8.249/1992 e passando a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, discriminada exaustivamente nos incisos do referido dispositivo legal. 2. No julgamento do ARE 843989 (Tema 1.199), o Supremo Tribunal Federal assentou a irretroatividade das alterações da introduzidas pela Lei 14.231/2021 para fins de incidência em face da coisa julgada ou durante o processo de execução das penas e seus incidentes, mas ressalvou exceção de retroatividade para casos como o presente, em que ainda não houve o trânsito em julgado da condenação por ato de improbidade. 3. As alterações promovidas pela Lei 14.231/2021 ao art. 11 da Lei 8.249/1992 aplicam-se aos atos de improbidade administrativa praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado. 4. Tendo em vista que (i) o Tribunal de origem condenou o recorrente por conduta subsumida exclusivamente ao disposto no inciso I do do art. 11 da Lei 8.429/1992 e que (ii) a Lei 14.231/2021 revogou o referido dispositivo e a hipótese típica até então nele prevista ao mesmo tempo em que (iii) passou a prever a tipificação taxativa dos atos de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da administração pública, imperiosa a reforma do acórdão recorrido para considerar improcedente a pretensão autoral no tocante ao recorrente. 5. Impossível, no caso concreto, eventual reenquadramento do ato apontado como ilícito nas previsões contidas no art. 9º ou 10º da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.249/1992), pois o autor da demanda, na peça inicial, não requereu a condenação do recorrente como incurso no art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa e o próprio acórdão recorrido, mantido pelo Superior Tribunal de Justiça, afastou a possibilidade de condenação do recorrente pelo art. 10, sem que houvesse qualquer impugnação do titular da ação civil pública quanto ao ponto. 6. Embargos de declaração conhecidos e acolhidos para, reformando o acórdão embargado, dar provimento aos embargos de divergência, ao agravo regimental e ao recurso extraordinário com agravo, a fim de extinguir a presente ação civil pública por improbidade administrativa no tocante ao recorrente. (ARE 803568 AgR-segundo-EDv-ED, Relator(a): LUIZ FUX, Relator(a) p/ Acórdão: GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 22-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 05-09-2023 PUBLIC 06-09-2023) Em suma, a partir da Lei nº 14.230/2021, não existe mais a possibilidade de condenar o agente público tão somente pela simples violação a princípios da Administração Pública enumerados no caput do art. 11, devendo a sua conduta ímproba estar expressamente prevista em algum dos incisos deste dispositivo. E, como a imputação está fundamentada apenas no caput, resta inviabilizado o reconhecimento da prática de qualquer ato improbo. Dos honorários advocatícios Com relação aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, tal como ocorre com a parte autora, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DISSENSO CONFIGURADO ENTRE O ARESTO EMBARGADO E ARESTO PARADIGMA ORIUNDO DA QUARTA TURMA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA INTENTADA PELA UNIÃO. CONDENAÇÃO DA PARTE REQUERIDA EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. DESCABIMENTO. ART. 18 DA LEI N. 7.347/1985. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Trata-se de recurso interposto em ação civil pública, de que é autora a União, no qual pleiteia a condenação da parte requerida em honorários advocatícios, sob o fundamento de que a regra do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 apenas beneficia o autor, salvo quando comprovada má-fé. 2. O acórdão embargado aplicou o princípio da simetria, para reconhecer que o benefício do art. 18 da Lei n. 7.347/1985 se aplica, igualmente, à parte requerida, visto que não ocorreu má-fé. Assim, o dissenso para conhecimento dos embargos de divergência ocorre pelo confronto entre o aresto embargado e um julgado recente da eg. Quarta Turma, proferido nos EDcl no REsp 748.242/RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 12/4/2016, DJe 25/4/2016. 3. Com efeito, o entendimento exposto pelas Turmas, que compõem a Primeira Seção desta Corte, é no sentido de que, "em favor da simetria, a previsão do art. 18 da Lei 7.347/1985 deve ser interpretada também em favor do requerido em ação civil pública. Assim, a impossibilidade de condenação do Ministério Público ou da União em honorários advocatícios - salvo comprovada má-fé - impede serem beneficiados quando vencedores na ação civil pública" (STJ, AgInt no AREsp 996.192/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 30/8/2017). No mesmo sentido: AgInt no REsp 1.531.504/CE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 21/9/2016; AgInt no REsp 1.127.319/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 18/8/2017; AgInt no REsp 1.435.350/RJ, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 31/8/2016; REsp 1.374.541/RJ, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 16/8/2017. 4. De igual forma, mesmo no âmbito da Terceira e Quarta Turmas do Superior Tribunal de Justiça, ainda que o tema não tenha sido analisado sob a óptica de a parte autora ser ente de direito público - até porque falece, em tese, competência àqueles órgãos fracionários quando num dos polos da demanda esteja alguma pessoa jurídica de direito público -, o princípio da simetria foi aplicado em diversas oportunidades: AgInt no REsp 1.600.165/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 20/6/2017, DJe 30/6/2017; REsp 1.438.815/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/11/2016, DJe 1º/12/2016; REsp 1.362.084/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 16/5/2017, DJe 1º/8/2017. 5. Dessa forma, deve-se privilegiar, no âmbito desta Corte Especial, o entendimento dos órgãos fracionários deste Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que, em razão da simetria, descabe a condenação em honorários advocatícios da parte requerida em ação civil pública, quando inexistente má-fé, de igual sorte como ocorre com a parte autora, por força da aplicação do art. 18 da Lei n. 7.347/1985. 6. Embargos de divergência a que se nega provimento. (EAREsp 962.250/SP, Rel. Ministro Og Fernandes, Corte Especial, julgado em 15/08/2018, DJe 21/08/2018) Cumpre destacar que, com a vigência da Lei nº 14.230/21, o entendimento acima descrito encontra-se agora positivado no § 2º, do art. 23-B, da LIA: Art. 23-B. Nas ações e nos acordos regidos por esta Lei, não haverá adiantamento de custas, de preparo, de emolumentos, de honorários periciais e de quaisquer outras despesas. (..) § 2º Haverá condenação em honorários sucumbenciais em caso de improcedência da ação de improbidade se comprovada má-fé. No caso, embora não tenha conseguido demonstrar a prática de condutas ímprobas pelos corréus, o CREA/SP não atuou de má-fé ao propor esta demanda, já que embasou sua linha argumentativa nos estudos realizados por empresa contratada e na análise valorativa das cláusulas previstas no procedimento licitatório L - 00160/2015. Do dispositivo Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa necessária. É como voto.
E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CREA-SP. IRREGULARIDADES NA LICITAÇÃO. PREJUÍZO AO ERÁRIO NÃO DEMONSTRADO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. LEI Nº 14.230/2021. AUSÊNCIA DE PROVAS DE CONDUTAS DOLOSAS. RECURSO IMPROVIDO.
1. Está submetida à remessa oficial a sentença que julgar improcedente o pedido formulado em Ação Civil Pública, conforme aplicação analógica do art. 19 da Lei nº 4.717/1965 (Lei da Ação Popular).
2. A inclusão dos corréus teve por fundamento exclusivo o fato de atuarem em cargos diretivos do CREA-SP, respectivamente Presidente e Superintendente de Fiscalização, e que, por estarem na cúpula da estrutura hierárquica administrativa, responderiam objetivamente pelos fatos questionados.
3. Ocorre que a imputação por ato de improbidade administrativa ostenta os atributos da responsabilidade subjetiva, ou seja, não basta a constatação do dano e a comprovação do nexo de causalidade para que os agentes sejam condenados, sendo imprescindível demonstrar o elemento volitivo de cada um dos agentes na concretização da violação ao erário público (art. 10) ou aos princípios administrativos (art. 11).
4. Com relação ao caput do art. 10, percebe-se que, ao excluir a palavra “culposa”, o legislador ordinário teve a clara intenção de apenas considerar as condutas dolosas como aptas a ensejar a configuração de ato de improbidade administrativa que cause prejuízo ao erário. Tal conclusão também é reforçada pela alteração na redação do inciso X, que antes previa o termo “negligentemente”, o qual remete a uma das espécies do ato culposo. A sua substituição pelo termo “ilicitamente” se mostra condizente com a nova diretriz de apenas responsabilizar o agente que demonstrar a vontade e a consciência de praticar o ato ímprobo.
5. Não restou demonstrado o efetivo prejuízo ao erário do CREA-SP, de modo que não há como responsabilizar os corréus pelas condutas tipificadas no art. 10 da LIA.
6. A Lei nº 14.230/2021, ao modificar da LIA, alterou a redação do caput do art. 11. Percebe-se que, ao substituir no caput a palavra “notadamente” pela expressão “caracterizada por uma das seguintes condutas”, o legislador ordinário teve a clara intenção de arrolar taxativamente as condutas que configuram os atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública.
7. Em outros termos, a violação aos princípios da Administração Pública, por si só, não configura improbidade administrativa, sendo necessário que o ato imputado ao agente causador esteja previsto nos incisos do art. 11.
8. Com relação aos honorários advocatícios, a C. Corte Especial do E. Superior Tribunal de Justiça, nos autos do EAREsp 962.250/SP, consolidou o entendimento de que, em Ação Civil Pública, por força do princípio da simetria, não há condenação em honorários advocatícios da parte requerida quando inexistente a má-fé, tal como ocorre com a parte autora, conforme o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/85.
9. Apelação e remessa necessária não providas.