Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001080-66.2022.4.03.6128

RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: WIL KENDY THEODORE, MARIE YVES DOR

Advogado do(a) APELADO: ALINE JAMILE BUENO NOSSABEIN - PR82481-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001080-66.2022.4.03.6128

RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: WIL KENDY THEODORE, MARIE YVES DOR

Advogado do(a) APELADO: ALINE JAMILE BUENO NOSSABEIN - PR82481-A

OUTROS PARTICIPANTES:

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL contra sentença que julgou procedente o pedido deduzido por WIL KENDY THEODORE e MARIE YVES DOR, haitianos, para autorizar o ingresso de Marie Yves Dor no território brasileiro, sem necessidade de apresentação de visto, para fins de reunião familiar. Condenou a União no pagamento de honorários de sucumbência, fixados nos percentuais mínimos previstos no art. 85, §§ 3º e 5º, do CPC.

Nas razões recursais, a União sustenta, em preliminar, a necessidade de concessão de efeito suspensivo ao recurso, tendo vista a decisão do STJ no âmbito da Suspensão de Liminar e de Sentença nº 3092/SC, suspendendo as decisões de concessão de tutela ou liminar autorizando o ingresso de haitianos no Brasil, sem necessidade de visto, ou determinando a análise do pedido de visto, sem observância das exigências legais e regulamentares. Destacou, no mais, (i) a inexistência de respaldo legal para a dispensa de visto de entrada de estrangeiros, no território nacional, além de violação do princípio da isonomia; (ii) que o procedimento para obtenção do visto está previsto na Lei nº 13.445/2017 (art. 37) e Portarias Interministeriais nº 12, de 13/07/2018 e 13/2020 e visam aferir a autenticidade de documentos, e evitar a frequente prática de falsificação de documentos; e (iii) que o visto não é o único requisito para ingresso no país, conferindo apenas expectativa de entrada do estrangeiro no território nacional (art. 6º, da Lei nº 13.445/2017) por fim, iv) a presença de periculum in mora inverso. Requereu, assim, o provimento do recurso, para julgar improcedente o pedido.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

Manifestando-se nos atos, o Ministério Público Federal opinou pelo não provimento da apelação.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


A Desembargadora Federal Giselle França:

Trata-se de ação pelo procedimento comum destinada a viabilizar a reunião familiar (acolhida humanitária), sem a necessidade de apresentação de visto, de genitora de haitiano residente regular no Brasil. O pedido inicial foi assim formulado (fls. 58/59, ID 271047698):

“c. Deferimento da liminar com o fim de permitir o ingresso, em território nacional, sem a necessidade de visto de: MARIE YVES DOR

d. Como pedido suplementar, caso não seja possível a entrada sem visto, que a união seja intimada a fornecer o visto para a autora;

e. citação do requerido para contestar a ação;

f. Seja o réu condenado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios;

g. Pretende-se provar o alegado pelos meios de prova admitidos, em especial, a documental”.

O pedido de antecipação de tutela foi deferido (ID 263474042).

A r. sentença (ID 263474057) julgou o pedido procedente “para autorizar o ingresso no território brasileiro de MARIE YVES DOR, haitiana, passaporte MG4595912,  mãe de WIL KENDY THEODORE, sem que lhe seja exigida a apresentação de visto, devendo a União e a DPF se absterem de exigir a apresentação de visto”. Condenou a União ao pagamento de honorários advocatícios nos percentuais mínimos do artigo 85, §§ 3º e 5º, do Código de Processo Civil.

Apelação da União (ID 263474067), na qual suscita preliminar de suspensão do feito em decorrência da determinar do Superior Tribunal de Justiça na SLS 3.092/SC. No mérito, afirma a regularidade da exigência de visto para ingresso no território nacional. Defende que a limitação de vagas para atendimento diz com o excesso de procura e, também, com os limites materiais locais. Argumenta, no ponto, com o princípio da isonomia. Anota, ainda, que o imediato cumprimento da liminar esvazia por completo o objeto da demanda.

A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do recurso.

O E. Relator apresentou voto no sentido de dar parcial provimento à apelação “a fim de determinar que a União receba e processe a documentação necessária à concessão do visto para fins de reunião familiar à apelada Marie Yves Dor, assegurando às autoridades consulares a prerrogativa de análise da decisão acerca da pretensão que encontra inclusive regulamentação normativa específica”, fixando a sucumbência recíproca”.

Divirjo, respeitosamente, pelas razões que passo a expor.

A Lei Federal nº. 13.445/17 regulamenta a migração no território nacional. Explicita que o visto é o documento que dá a seu titular expectativa de ingresso no Brasil (artigo 6º), prevendo 5 modalidades de visto (artigo 12), dentre as quais se destaca, porque pertinente à solução do caso concreto, a concessão de visto temporário.

Segundo o artigo 12, § 3º, da Lei Federal nº. 13.445/17, o visto temporário para acolhida humanitária poderá ser concedido ao apátrida ou ao nacional de qualquer país em situação de grave ou iminente instabilidade institucional, de conflito armado, de calamidade de grande proporção, de desastre ambiental ou de grave violação de direitos humanos ou de direito internacional humanitário, ou em outras hipóteses, na forma de regulamento” (grifei).

Regra geral, a concessão de vistos observa o procedimento ordinário previsto no Decreto nº. 9.199/17, sem prejuízo da simplificação do procedimento pelo Ministério das Relações Exteriores na forma do artigo 24 do Regulamento.

De fato, foi editada a Portaria Interministerial nº. 12, de 14/06/2018, dispondo especificamente sobre o visto temporário e sobre a autorização de residência para reunião familiar. E, após, a Portaria Interministerial nº. 13, de 16/12/2020, específica sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Também específica para oriundos do Haiti: Portaria Interministerial nº. 37, de 30/03/2023 e Portaria Interministerial nº. 38, de 10/04/2023.

O que se observa é que o Poder Executivo, ciente do contexto humanitário grave e, mais, do afluxo relevante de haitianos para o Brasil, elaborou normação específica, como forma de conciliar as necessidades dos estrangeiros com a necessidade local de organização e preparo para recebê-los.

Paralelamente, no âmbito do Judiciário, verificou-se a multiplicação de medidas judiciais tanto para viabilização de ingresso de pessoas independentemente de visto ou com redução do prazo regulamentar ou, ainda, para controle de legalidade da atuação administrativa a partir da normativa existente.

Diante desse contexto de multiplicidade de orientações, foi solicitada a atuação do Superior Tribunal de Justiça, na sua função homogeneizadora da jurisprudência.

A partir de provocação da União, em suspensão de segurança (SLS 3.092/SC), a Presidência do Superior Tribunal de Justiça, em análise monocrática, determinou a suspensão de acórdãos do TRF-4 nos quais garantido o ingresso de haitianos no território nacional, na condição de imigrante, sem a necessidade de visto. Após provocação da União, tal suspensão foi estendida a todas Cortes Regionais.

Tal liminar foi cassada na sessão de 07/12/2022 da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, ocasião em que restou sedimentada a “permissão às instâncias inferiores para o exame concreto e individualizado de cada caso que lhes é trazido, exigindo-se que, com prudência e com cautela, diante da inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social no Brasil , deliberem sobre a concessão ou não das medidas liminares”.

Após, em julgamento de embargos de declaração, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça explicitou que o “2. Comando contido na parte dispositiva do Voto que foi inequívoco ao estipular, de forma cogente e imperativa, que as instâncias inferiores devem exigir, antes do eventual deferimento de medidas liminares nos casos tratados na SLS — admissão da entrada de haitianos —, cumulativamente, que haja (a) o esgotamento das possibilidades administrativas; e (b) a adoção prévia das medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social no Brasil. 3. Descumprimento dessas prescrições que poderá ensejar a propositura de Reclamação para a preservação da autoridade da decisão do Superior Tribunal de Justiça, e, eventualmente, de Reclamação Disciplinar perante os órgãos correcionais contra os recalcitrantes, mas não de Embargos de Declaração que objetivem dar destaque, na ementa, a aspectos que a parte considera relevantes. 4. A ementa é simples extrato dos pontos essenciais do Voto e não pode e nem deve conter todos os seus fundamentos e estipulações. Inviabilidade do manejo de Embargos de Declaração que objetivem a sua complementação”.

De fato, a análise concreta não pode ser desconectada do contexto de crise humanitária, em que há um afluxo grande de pedidos, uma urgência inerente e reforçada e, no caso específico dos haitianos, a adoção de uma política pública específica e direcionada.

Nesse contexto, as Turmas desta Corte Regional tem reconhecido a legalidade das exigências regulamentares, bem como a necessidade de observância dos prazos e filas, única forma de assegurar o atendimento isonômico:

DIREITO ADMINISTRATIVO E INTERNACIONAL. INGRESSO DE ESTRANGEIRO EM TERRITÓRIO NACIONAL. DIREITO À REUNIÃO FAMILIAR. EXIGÊNCIA DE VISTO. LEGALIDADE. RECURSO DESPROVIDO.

1. A Lei nº 13.445/17 (Lei de Migração) prevê a exigência de visto para ingresso de estrangeiros no Brasil e traz em seu bojo os requisitos necessários à concessão de tal documento.

2. O artigo 14 da Lei de Migração discorre especificamente sobre o visto temporário, a ser "concedido ao imigrante que venha ao Brasil com o intuito de estabelecer residência por tempo determinado", nos casos de acolhida humanitária (alínea c) e reunião familiar (alínea i), dentre outros.

3. Especificamente no que toca à concessão do visto temporário e à autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti, foram editadas sucessivas Portarias Interministeriais, pelo Ministério de Estado da Justiça e Segurança Pública e pelo Ministério das Relações Exteriores, sendo a mais recente a de nº 37/2023.  Deste último ato normativo consta que o visto temporário, concedido a quem se encontra no Haiti, possui prazo de 365 dias (art. 2º, §1º), bem assim que a autorização de residência, concedida a quem já se encontra no Brasil, possui prazo de dois anos (art. 5º, § 1º).  Entretanto, é mister observar o quanto disposto no artigo 3º, o qual estabelece requisitos para a concessão do visto.

4. Diante da normatização de regência da matéria, conclui-se ser mister a apresentação de visto para ingresso no país, sendo certo que a atuação do Poder Judiciário deve se limitar ao controle de legalidade, sendo indevido adentrar no mérito das opções políticas adotadas pelo Poder Executivo sob pena de indevida interferência na atividade administrativa. Inteligência do art. 5º, caput, da Constituição Federal.

5. Agravo de instrumento desprovido.

(TRF-3, 6ª Turma, AI 5009940-73.2023.4.03.0000, Intimação via sistema DATA: 17/08/2023, Rel. Des. Fed.  MAIRAN GONCALVES MAIA JUNIOR).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. TUTELA DE URGÊNCIA. INGRESSO DE ESTRANGEIRO (HAITIANO) NO BRASIL SEM VISTO. IMPOSSIBILIDADE DO AFASTAMENTO DE REGRAS DE IMIGRAÇÃO. COBRANÇA DE PROPINA PELAS AUTORIDADES CONSULARES BRASILEIRAS: AUSÊNCIA DE PROVA. CONCESSÃO DE VISTO: COMPETÊNICA DO PODER EXECUTIVO. PERIGO DE IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA (ART. 300, §3º DO CPC). RECURSO IMPROVIDO.

1. Em primeiro lugar, não há prova de que a tal propina é cobrada pelas autoridades consulares do Brasil, na medida em que o Itamaraty é um setor de excelência do serviço público desde o tempo do Visconde do Rio Branco (pai do Barão do Rio Branco) no século XIX. É temerário acusar, sem provas e apenas tendo como fonte notícias de imprensa, de corrupção as autoridades consulares, o que torna irrelevante o argumento trazido na minuta.

2. O caos que ocorre em Porto Príncipe não é devido a qualquer atitude do governo brasileiro que, ressalte-se, tem sido muito generoso com o Haiti. No ponto, o lamentável assassinato do presidente democraticamente eleito e a onda de violência, como problemas internos de um país soberano, por si só não suportam a pretensão do haitiano que deseja estar no Brasil sem visto.

3. Sucede que, mesmo nos casos de reunião familiar, a concessão do visto é, primordialmente, da competência do Poder Executivo, nos termos do artigo 7º da Lei nº 13.445/2017 (embaixadas, consulados-gerais, consulados, vice-consulados e, quando habilitados pelo órgão competente do Poder Executivo, por escritórios comerciais e de representação do Brasil no exterior). A única forma legal do estrangeiro ingressar no Brasil é por meio do visto (Lei nº 6.815/, art. 4º) cujos requisitos e exigências são previstos em leis e regulamentos que o Ministério das Relações Exteriores pode perfeitamente emitir (art. 19); isso está longe de ser um atentado contra direitos humanos ou de ser uma discriminação contra qualquer povo.

4. Em alguns feitos – como por exemplo no AI nº 5023054-50.2021.4.03.0000 – há transcrição de declaração do cônsul brasileiro no Haiti, divulgada no Youtube, no sentido de que o mesmo se desdobra – até mesmo pessoalmente – para atender os haitianos que querem abandonar seu país com destino ao Brasil; ou seja, as autoridades brasileiras estão realizando todo o possível para atender os estrangeiros, mas há limites, inclusive para o Poder Judiciário. Aliás, há muito tempo o STJ já acentuou os limites de atuação jurisdicional em sede de políticas de imigração e relações exteriores (REsp 1174235/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/11/2010, DJe 28/02/2012 - MS 9.901/DF, Rel. Ministro CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/03/2008, DJe 05/05/2008).

5. Esta Sexta Turma já decidiu que “é oportuno lembrar que o Brasil é reconhecido internacionalmente, de longa data, como País defensor e praticante de uma das mais generosas políticas de imigração do mundo” (ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5018774-40.2019.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal TORU YAMAMOTO, julgado em 28/05/2021, Intimação via sistema DATA: 01/06/2021), mas para tudo – e para todos – há limites.

6. Por fim, o pedido dos agravantes esbarra no § 3º do art. 300 do CPC: “A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão”.

7. Agravo de instrumento não provido.

(TRF-3, 6ª Turma, AI 5003329-07.2023.4.03.0000, j. 01/06/2023, Intimação via sistema DATA: 04/06/2023, Rel. Des. Fed. LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO).

ESTRANGEIRO. HAITI. INGRESSO NO TERRITÓRIO NACIONAL SEM VISTO. REUNIÃO FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SLC Nº 3062/SC STJ. 

1. A presente ação foi proposta com o intuito de obter autorização para que ISAULA CHERY ingresse no território nacional sem a necessidade de apresentação de visto, com base em reunião familiar, uma vez que seu pai já reside no Brasil.

2. Determina a Portaria Interministerial nº 29, dos Ministérios da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores: "O visto temporário previsto nesta Portaria terá prazo de validade de 180 (cento e oitenta) dias e será concedido exclusivamente pela Embaixada do Brasil em Porto Príncipe."

3. O único órgão com competência para a concessão do visto é a Embaixada brasileira na capital do Haiti, mesmo porque trata-se de atribuição do Poder Executivo, de forma que a interferência do Judiciário configuraria uma violação ao Princípio da Separação dos Poderes, do devido processo legal e da isonomia com os outros estrangeiros que corretamente aguardam o desenrolar dos procedimentos administrativos, sem solicitar a interferência do Poder Judiciário.

4. No recente julgamento do SLC Nº 3062/SC, o STJ decidiu suspender liminares em processos ajuizados por cidadãos haitianos em desfavor da União com o objetivo de obter o deferimento de decisões que lhes garantam o ingresso no território nacional, na condição de imigrante, sem a necessidade de visto, justificando que, na quase totalidade dos casos, os migrantes não formularam prévio requerimento administrativo de visto perante a embaixada de Porto Príncipe, buscando, via judicial, ultrapassar a etapa consular para ingressarem no Brasil.

5. "As determinações judiciais que obrigam a União a garantir o ingresso de migrantes haitianos sem visto, determinando o imediato processamento e a análise do pedido de visto, bem como a admissão excepcional dos migrantes ou o imediato processamento e a análise do pedido de admissão, além de irem contra as normas legais previstas para o ingresso no País, têm gerado um risco de comprometimento da política migratória nacional."

6. Reformada a sentença, fica prejudicada a apelação da parte autora e invertem-se os honorários sucumbenciais, condenando o autor ao pagamento de honorários advocatícios fixados nos termos da r. sentença. No entanto, a exigibilidade de tal verba ficará suspensa em razão da concessão da justiça gratuita ao autor.

7. Apelação da parte autora prejudicada.

8. Apelação e remessa oficial providas.

(TRF-3, 4ª Turma, ApelRemNec 5001743-88.2021.4.03.6115, Intimação via sistema DATA: 11/04/2023, Rel. Des. Fed.  MARLI MARQUES FERREIRA).

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE DE DECISÃO UNIPESSOAL, AINDA QUE NÃO SE AMOLDE ESPECIFICAMENTE AO QUANTO ABRIGADO NO NCPC. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DAS EFICIÊNCIA (ART. 37, CF), ANÁLISE ECONÔMICA DO PROCESSO E RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO (ART. 5º, LXXVIII, CF - ART. 4º NCPC). ACESSO DA PARTE À VIA RECURSAL (AGRAVO). QUESTÃO DE FUNDO: ESTRANGEIRO. REQUERIMENTO DE NATURALIZAÇÃO. EXIGÊNCIA DE CERTIDÕES DE ANTECEDENTES CRIMINAIS OU DOCUMENTO EQUIVALENTE EMITIDO PELA AUTORIDADE JUDICIAL COMPETENTE DE ONDE TENHA RESIDIDO NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA CONDUTA DA AUTORIDADE IMPETRADA. RECURSO DESPROVIDO.

1. A possibilidade de maior amplitude do julgamento monocrático - controlado por meio do agravo - está consoante os princípios que se espraiam sobre todo o cenário processual, tais como o da eficiência (art. 37, CF; art. 8º do NCPC) e da duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF; art. 4º do NCPC). O ponto crucial da questão consiste em, à vista de decisão monocrática, assegurar à parte acesso ao colegiado. O pleno cabimento de agravo interno - AQUI UTILIZADO PELA PARTE - contra o decisum, afasta qualquer alegação de violação ao princípio da colegialidade e de cerceamento de defesa; ainda que haja impossibilidade de realização de sustentação oral, a matéria pode, desde que suscitada, ser remetida à apreciação da Turma, onde a parte poderá acompanhar o julgamento colegiado, inclusive valendo-se de prévia distribuição de memoriais.

2.    A atual legislação aplicável de estrangeiros é a Lei nº 13.445/2017, cujo artigo 71, caput determina observância dos termos do seu regulamento, no caso, artigos 219, 233, IV e 234, inciso IV e V (especialmente), do Decreto nº 9.199/2017, que prevê que para instruir o pedido de naturalização, o imigrante deverá apresentar, sem prejuízo de outros documentos, “atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem”. A exigência de apresentação de certidão de antecedentes criminais (ou documento equivalente) é expressamente exigida para requerimento de naturalização (Portaria nº 623, de 13/11/2020 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Anexo I, editado com base nos artigos 219 e 222, do Decreto nº 9.199/2017).

3. Não é dado ao Judiciário – que não é legislador positivo e deve controlar seus impulsos ativistas – desfazer o que o legislador e o Poder Público realizam de modo correto, legal e constitucional.

4. Agravo interno improvido.

(TRF-3, 6ª Turma, AI 5028485-31.2022.4.03.0000, j. 24/03/2023, Intimação via sistema DATA: 28/03/2023, Rel. Des. Fed. LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO).

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ESTRANGEIRO. AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA. REUNIÃO FAMILIAR. DOCUMENTOS NECESSÁRIOS. LEGALIDADE.

1. Cinge-se a controvérsia na possibilidade de acolhimento do pedido do autor de autorização de residência com base em reunião familiar, sem a apresentação de passaporte, certidão consular e declaração de antecedentes criminais emitida no país de origem.

2. Para que seja assegurado ao estrangeiro autorização de residência, no Brasil, faz-se mister o preenchimento dos requisitos legais constantes da Lei Federal nº 13.445/2017.

3. A Polícia Federal, ao exigir a apresentação dos documentos estipulados no Decreto, está agindo dentro do princípio da legalidade e não extrapola sua competência.

4. Agravo provido.

(TRF-3, 6ª Turma, ApCiv 5020672-20.2021.4.03.6100, Intimação via sistema DATA: 28/10/2022, Rel. Des. Fed. PAULO SERGIO DOMINGUES).

Pois bem.

No caso concreto, os autores formularam, na petição inicial, pedido de ingresso no território nacional sem visto ou, subsidiariamente, o fornecimento de visto pela União.

A entrada sem visto ou, ainda, a concessão do mesmo mediante prazo diferenciado, sem que se prove o descumprimento em concreto do regulamento, não encontra guarida no nosso sistema jurídico.

Também parece fugir à cautela reclamada pelo Superior Tribunal de Justiça a determinação de conclusão da análise do processo administrativo em prazo diferenciado. Rememora-se, aqui, que o procedimento administrativo é feito a partir da representação nacional no Haiti, num contexto de notória crise. Paralelamente, não consta dos autos qualquer exigência ilegal por parte da União ou, ainda, prova de que o processo administrativo tenha ficado parado exclusivamente por inércia do Poder Público.

Ante o exposto, dou provimento à apelação.

Condeno a parte autora ao pagamento de verba honorária no percentual mínimo escalonado aplicável à espécie, considerado o valor atribuído à causa. A exigibilidade da condenação fica, contudo, suspensa, nos termos do artigo 98, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil.

É o voto.


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001080-66.2022.4.03.6128

RELATOR: Gab. 48 - DES. FED. SOUZA RIBEIRO

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: WIL KENDY THEODORE, MARIE YVES DOR

Advogado do(a) APELADO: ALINE JAMILE BUENO NOSSABEIN - PR82481-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

V O T O    V E N C I D O

 

 

No caso, cinge-se a controvérsia à possibilidade de intervenção judicial para autorizar o ingresso de cidadãos haitianos no território brasileiro, sem necessidade de prévia obtenção de visto ou qualquer outro procedimento administrativo, para promover reunião familiar, nos termos da Lei nº 13.445/2017 e Portarias Interministeriais nºs. 12/2018 e 13/2020, então vigentes.

Pois bem. No que respeita às relações internacionais do Brasil, a Constituição Federal dispõe que:

 

“Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

(...)

II - prevalência dos direitos humanos;

(...)

X - concessão de asilo político.”

 

Em cumprimento ao comando constitucional, a Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) prescreve em seu art. 37 sobre a concessão de visto ou autorização de residência para fins de reunião familiar, nos seguintes termos:

 

“Art. 37. O visto ou a autorização de residência para fins de reunião familiar será concedido ao imigrante:

I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma;

II - filho de imigrante beneficiário de autorização de residência, ou que tenha filho brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência;

III - ascendente, descendente até o segundo grau ou irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência; ou

IV - que tenha brasileiro sob sua tutela ou guarda.”

 

E, sobre a concessão de visto para fins de reunião familiar, a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 12, de 14/06/2018, vigente quando da propositura da ação, assim dispunha em seus arts. 2º e 3º:

 

“Art. 2º O visto temporário para reunião familiar poderá ser concedido ao imigrante:

I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma, nos termos do ordenamento jurídico brasileiro;

II - filho de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência;

III - enteado de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência, desde que menor de dezoito anos de idade, ou até os vinte e quatro anos de idade, se comprovadamente estudante, ou de qualquer idade, se comprovada a dependência econômica em relação ao chamante;

IV - que tenha filho brasileiro;

V - que tenha filho imigrante beneficiário de autorização de residência;

VI - ascendente até o segundo grau de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência;

VII - descendente até o segundo grau de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência;

VIII - irmão de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência, desde que menor de dezoito anos de idade, ou até os vinte e quatro anos de idade, se comprovadamente estudante, ou de qualquer idade, se comprovada a dependência econômica em relação ao chamante; ou

IX - que tenha brasileiro sob a sua tutela, curatela ou guarda.

 

Art. 3º O requerimento de visto temporário para reunião familiar deverá ser apresentado à Autoridade Consular e instruído com os seguintes documentos:

I - documento de viagem válido;

II - certificado internacional de imunização, quando assim exigido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Anvisa;

III - comprovante de pagamento de emolumentos consulares, quando aplicável;

IV - formulário de solicitação de visto preenchido;

V - comprovante de meio de transporte de entrada no território nacional;

VI - atestado de antecedentes criminais expedido pelo país de origem, ou, a critério da autoridade consular, atendidas às peculiaridades do país onde o visto foi solicitado, documento equivalente;

VII - certidão de nascimento ou casamento para comprovação do parentesco entre o requerente e o brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência ou documento hábil que comprove o vínculo;

VIII - certidão ou documento hábil que comprove vínculo de união estável entre o requerente e o brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência;

IX - declaração conjunta de ambos os cônjuges ou companheiros, sob as penas da lei, a respeito da continuidade de efetiva união e convivência;

X - documento de identidade do brasileiro ou imigrante beneficiário de autorização de residência com o qual o requerente deseja a reunião;

XI - declaração, sob as penas da lei, de que o chamante reside ou passará a residir no Brasil;

XII - documentos que comprovem a dependência econômica, quando for o caso; e

XIII - documentos que comprovem a tutela, curatela ou guarda de brasileiro, quando for o caso.” (g. n.)

 

Na espécie, verifica-se que WIL KENDY THEODORE e MARIE YVES DOR, de nacionalidade haitiana, ajuizaram a presente ação requerendo o ingresso da coautora Marie Yves, genitora de Wil Kendy no território brasileiro, sem necessidade de apresentação de visto, para fins de reunião familiar, em razão da grave crise social, política e humanitária que acomete aquele país, e também da impossibilidade de obtenção do visto junto à Embaixada do Brasil em Porto Príncipe.

Consoante elementos probatórios carreados aos autos, verifica-se que Wil Kendy Theodore se encontra residindo no Brasil desde o ano de 2016, pelo menos, possui cédula de identidade de estrangeiro, RNM nº 622443-4, emitida em 19/06/2021, na classificação de “residente” por prazo indeterminado, além de possuir CPF, emprego com registro em CTPS, e residência fixa em Cajamar/SP Jordanésia (Id 271047722) e (Id 263474037, fls. 01/02, 03/04, 05/07 e fls. 12).

Além disso, existentes também prova do vínculo familiar entre os coautores, uma vez que nos documentos pessoais de Wil Kendy, consta na respectiva filiação o nome de Marie Yvez Dor, como sua genitora.

Todavia, cumpre observar, que a política de imigração é atribuição do Poder Executivo, de maneira que a intervenção do Poder Judiciário deve se restringir a casos excepcionais.

E, quanto a esse aspecto, cabe destacar que o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, na SLS nº 3092-SC, versando sobre o ingresso no Brasil dos imigrantes haitianos sob motivação humanitária, em julgamento com efeitos estendidos a todos os processos análogos, assentou que os Juízes devem decidir as controvérsias sobre direito imigratório com cautela, reforçando a necessidade de demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias para o deferimento de liminares e tutelas nos casos de ingresso sem apresentação de visto no território nacional. Veja-se a propósito, ementa extraída do referido julgado, verbis:

 

“AGRAVO INTERNO EM SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. ESTRANGEIROS MENORES DE IDADE AFASTADOS DOS GENITORES. ACOLHIDA HUMANITÁRIA DE HAITIANOS. EFEITO MULTIPLICADOR. SUSPENSÃO GENÉRICA DE TODAS E QUALQUER MEDIDA LIMINAR SOBRE O TEMA, PRESENTE OU FUTURA. PONDERAÇÃO DE VALORES E RAZOABILIDADE. EXAME INDIVIDUALIZADO DE CADA SITUAÇÃO.

1. A intervenção do Poder Judiciário em atos executivos deve ficar restrita a hipóteses excepcionalíssimas, em observância ao postulado constitucional da divisão de poderes.

2. O indesejado efeito multiplicador deve ser sopesado e examinado em harmonia com o dever de cumprimento das estipulações constitucionais e com a proteção dos direitos fundamentais da pessoa, em ponderação de valores e sob o critério da razoabilidade, sem tolher o exercício da jurisdição e o direito de obtenção de decisões judiciais, in genere, pelos cidadãos.

3. Primazia da proteção da criança e do adolescente, da tutela da família como base da sociedade e do direito ao convívio familiar.

4. Salvaguarda da possibilidade de os cidadãos se dirigirem ao tribunal para a declaração e a efetivação dos seus direitos, obtendo o exame individual da sua situação e os remédios previstos na legislação, inclusive a obtenção de medidas liminares. Direito fundamental da pessoa que tem de receber, em Estado de Direito, a proteção jurisdicional.

5. A Segunda Turma do E. STF, ao julgar o Habeas Corpus 216.917, impetrado contra a Presidência do Superior Tribunal de Justiça em decorrência da Suspensão de Liminar e de Sentença ora em exame, concedeu, de ofício, a ordem, para restabelecer a decisão liminar proferida, com base em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário e na proteção de direitos fundamentais.

6. Permissão às instâncias inferiores para o exame concreto e individualizado de cada caso que lhes é trazido, exigindo-se que, com prudência e com cautela, diante da inequívoca demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis, inclusive perícia social no Brasil, deliberem sobre a concessão ou não das medidas liminares.

7. Agravos Internos providos para reformar a decisão objurgada e reestabelecer as liminares de origem.”

(AgInt na SLS 3092/SC, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, j. 07/12/2022, DJe 15/12/2022)

 

Vê-se, portanto, que a questão relativa à entrada de haitianos no território brasileiro para fins de reunião familiar não se encontra suspensa, uma vez que foi autorizado pelo Superior Tribunal de Justiça, que as instâncias inferiores, no exame do caso concreto, podem deliberar sobre a possibilidade de acolhimento do pedido, observando-se com critério e cautela, se houve exaurimento das possibilidades administrativas e medidas instrutórias de informação viáveis.

Por outro lado, constata-se que a própria União não está estática em relação à situação dos haitianos que objetivam a concessão de visto temporário com vistas à reunião familiar, tanto que editada a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 38, de 10/04/2023, que dispôs “sobre a concessão de autorização de residência prévia e a respectiva concessão de visto temporário para fins de reunião familiar para nacionais haitianos e apátridas, com vínculos familiares no Brasil”, e prescreve no art. 4º, que:

 

“Art. 4º Poderão ser chamados, nos termos desta Portaria Interministerial, os seguintes nacionais haitianos ou apátridas residentes na república do Haiti:

I - cônjuge ou companheiro, sem discriminação alguma, nos termos do ordenamento jurídico brasileiro;

II – filho de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência;

III - enteado de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência, desde que menor de dezoito anos de idade, ou até os vinte e quatro anos de idade, se comprovadamente estudante, ou de qualquer idade, se comprovada a dependência econômica em relação ao chamante;

IV - que tenha filho brasileiro;

V - que tenha filho imigrante beneficiário de autorização de residência;

VI - ascendente até o segundo grau de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência;

VII - descendente até o segundo grau de brasileiro ou de imigrante beneficiário de autorização de residência;

VIII – irmão de imigrante beneficiário de autorização de residência, desde que menor de dezoito anos de idade, ou até os vinte e quatro anos de idade, se comprovadamente estudante, ou de qualquer idade, se comprovada a dependência econômica em relação ao chamante; ou

IX - que tenha brasileiro sob a sua tutela, curatela ou guarda.”

 

Entretanto, a despeito de o ato normativo supracitado ter simplificado o procedimento para concessão de visto aos nacionais haitianos e apátridas que possuam vínculos familiares no Brasil, não se pode desconsiderar que a presente ação foi ajuizada antes da edição da aludida Portaria, impondo-se, assim, a resolução da controvérsia de acordo com os procedimentos administrativos até então em vigor, mas à luz também desta norma legal superveniente e da decisão do egrégio Superior Tribunal de Justiça acima referenciada.

Assim, analisados os autos e considerando restar evidenciada a existência de vínculos familiares entre os coautores, o que lhes garante o direito à reunião familiar, na forma prescrita na Lei nº 13.445/2017 (art. 37), havendo, contudo, necessidade de exaurimento das possibilidades administrativas e das medidas instrutórias para propiciar, ou não a outorga do visto pretendido, entendo que o pedido deve ser acolhido parcialmente, a fim de determinar que a União receba e processe a documentação necessária à concessão do visto para fins de reunião familiar à apelada Marie Yves Dor, assegurando às autoridades consulares a prerrogativa de análise da decisão acerca da pretensão que encontra inclusive regulamentação normativa específica.

Nesse sentido, julgado deste Tribunal assim ementado:

 

“ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. ESTRANGEIRO. HAITI. AUTORIZAÇÃO DE VIAGEM. VISTO HUMANITÁRIO PARA REUNIÃO FAMILIAR. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

- A questão do ingresso dos haitianos com vista à reunião familiar, consoante decisão proferida pelo STJ, no SLS 3092-SC não está suspensa, tendo sido autorizada às instâncias inferiores a análise das liminares e tutelas com critério e cautela, desde que se observem se houve exaurimento das possibilidades administrativas de e medidas instrutórias de informação viáveis. A análise do pleito, em sede de apelação, é possível.

- A autora, menor de idade, busca o ingresso em território nacional, proveniente do Haiti, por via aérea, para reunião com seu pai. No caso concreto, está demonstrado nos autos que JACKY SAINT JULIAN ingressou no Brasil em 30/07/2016 e possui cédula de identidade de estrangeiro na classificação de permanente (ID 264747179, página 01/02), além de possuir CPF (ID 264747178), residência fixa no município de Guarulhos/SP e carteira de trabalho com vínculo empregatício (ID 264747180, páginas 01/03).

- A prova do vínculo de K. M. S. J. para com o residente no Brasil está registrada em seu passaporte haitiano exibido nos autos, no qual consta a observação de que a emissão foi autorizada pelo pai SAINT-JULIEN, JACKY (ID 264747177).

- Não se afigura razoável, nem proporcional, o não recebimento do pedido dos vistos, mormente quando a parte se propuser a regularizar os documentos, nos termos do art. 37, da Lei de Imigração nº 13.445/2017. Precedente jurisprudencial.

- Por outro lado, a União não está inerte quanto à situação dos haitianos que objetivam acolhida humanitária, tanto que foi editada a Portaria Interministerial MJSP/MRE nº 33, de 29 de dezembro de 2022, que dispõe sobre a concessão do visto temporário e a autorização de residência, para fins de acolhida humanitária, a nacionais haitianos e apátridas afetados por calamidade de grande proporção ou situação de desastre ambiental na República do Haiti, ratificando os objetivos norteadores da política migratória.

- Cabe destacar que o Superior Tribunal de Justiça, no precedente supracitado (SLS Nº 3092-SC) ponderou que a intervenção do Poder Judiciário deve ficar restrita a hipóteses excepcionalíssimas e reforçou a necessidade de demonstração de que foram exauridas as possibilidades administrativas e as medidas instrutórias de informação viáveis inclusive perícia social no Brasil, para que sejam deferidas as liminares e tutelas nos casos de ingresso sem visto dos haitianos.

- Desta forma, levando-se em conta todas estas considerações, bem como o acervo probatório constante nos autos, que não traz elementos que comprovem o exaurimento da via administrativa, a melhor solução é o deferimento parcial do pedido, para determinar à União que receba e processe a documentação necessária à concessão do visto humanitário com base na reunião familiar.

- Apelação parcialmente provida.”

(TRF3, ApCiv 5007590-59.2021.403.6119, Quarta Turma, Relator Desembargador Federal ANDRÉ NABARRETE, Relatora p/acórdão Desembargadora Federal MÔNICA NOBRE, maioria, j. 18/05/2023, DJe 02/06/2023).

 

Anote-se que a parcial procedência do pedido acarreta a sucumbência recíproca, devendo os honorários ser mantidos no percentual de 10% sobre o valor atribuído à causa e distribuídos proporcionalmente entre as partes, nos termos do ar. 86, do CPC, aplicando-se quanto à parte autora o disposto no art. 98, § 3º, do Estatuto Processual, visto ser beneficiária da gratuidade da justiça, nos termos constantes da sentença.

Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação da União Federal, reconhecendo a ocorrência de sucumbência recíproca, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


E M E N T A

 

 

CONSTITUCIONAL - ESTRANGEIRO - HAITIANO- INGRESSO NO TERRITÓRIO NACIONAL - REUNIÃO FAMILIAR - EXIGÊNCIA DE VISTO - REGULARIDADE

1- A Lei Federal nº. 13.445/17 regulamenta a migração no território nacional. Explicita que o visto é o documento que dá a seu titular expectativa de ingresso no Brasil (artigo 6º), prevendo 5 modalidades de visto (artigo 12), dentre as quais se destaca, porque pertinente à solução do caso concreto, a concessão de visto temporário.

2- Regra geral, a concessão de vistos observa o procedimento ordinário previsto no Decreto nº. 9.199/17, sem prejuízo da simplificação do procedimento pelo Ministério das Relações Exteriores na forma do artigo 24 do Regulamento.

3- De fato, foi editada a Portaria Interministerial nº. 12, de 14/06/2018, dispondo especificamente sobre o visto temporário e sobre a autorização de residência para reunião familiar. E, após, a Portaria Interministerial nº. 13, de 16/12/2020, específica sobre a concessão do visto temporário e da autorização de residência para fins de acolhida humanitária para nacionais haitianos e apátridas residentes na República do Haiti. Também específica para oriundos do Haiti: Portaria Interministerial nº. 37, de 30/03/2023 e Portaria Interministerial nº. 38, de 10/04/2023.

4- O que se observa é que o Poder Executivo, ciente do contexto humanitário grave e, mais, do afluxo relevante de haitianos para o Brasil, elaborou normação específica, como forma de conciliar as necessidades dos estrangeiros com a necessidade local de organização e preparo para recebê-los.

5- A análise concreta não pode ser desconectada do contexto de crise humanitária, em que há um afluxo grande de pedidos, uma urgência inerente e reforçada e, no caso específico dos haitianos, a adoção de uma política pública específica e direcionada.

6- Nesse contexto, as Turmas desta Corte Regional têm reconhecido a legalidade das exigências regulamentares, bem como a necessidade de observância dos prazos e filas, única forma de assegurar o atendimento isonômico.

7- Apelação provida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, prosseguindo no julgamento, proferiu seu voto a Des. Fed. Marisa Santos, acompanhando o voto da Des. Fed. Giselle França. Assim, a Sexta Turma, em julgamento realizado nos moldes do art. 942 do CPC, por maioria, deu provimento apelação, nos termos do voto da Des. Fed. Giselle França, acompanhada pelos votos dos Des. Fed. Mairan Maia e Marisa Santos. Vencidos o Relator e o Des. Fed. Valdeci dos Santos, que lhe davam parcial provimento. Lavrará o acórdão a Des. Fed. Giselle França, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
GISELLE FRANÇA
Desembargadora Federal