Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5019616-44.2024.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: B&F DIAS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

Advogados do(a) APELADO: RAPHAEL PIRES DO AMARAL - SP391751-A, RENAN BINOTTO ZARAMELO - SP391164-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5019616-44.2024.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDENCIA REGIONAL DO TRABALHO DE SÃO PAULO, SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO E EMPREGO NO ESTADO DE SÃO PAULO, UNIÃO FEDERAL

APELADO: B&F DIAS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

Advogados do(a) APELADO: RAPHAEL PIRES DO AMARAL - SP391751-A, RENAN BINOTTO ZARAMELO - SP391164-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora): 

Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta pela UNIÃO em mandado de segurança impetrado por B&F DIAS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA. no qual objetiva a concessão de liminar para impedir a publicação do “Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios” da Impetrante na plataforma digital do Ministério do Trabalho e Emprego, bem como exigir da Impetrante a publicação em site ou rede social; suspender a publicação do “Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios” pela autoridade coatora, na plataforma digital do Ministério do Trabalho e Emprego, e nos sites e redes sociais da impetrante, sem a observância do devido processo legal, assegurando-se o direito de defesa prévia em regular processo administrativo e determinando a retificação do relatório com aposição de ressalvas ou notas explicativas antes de sua publicação, nos casos de desigualdades salariais ou de critérios remuneratórios decorrentes das hipóteses do artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho ou de qualquer outra fundamentação baseada em critérios jurisprudenciais ou legislativos cabíveis; e determinar o atendimento ao direito de defesa em processo administrativo regular previamente à notificação para implementação do “Plano de Ação para Mitigar a Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens”, bem como dispensar a implementação do referido “Plano de Ação” nos casos de desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios amparadas nas hipóteses do artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho ou em qualquer outra fundamentação baseada em critérios jurisprudenciais ou legislativos cabíveis.

Foram prestadas informações pela autoridade impetrada.

A r. sentença concedeu parcialmente a segurança, nos seguintes termos (ID 318680038):

“Diante do exposto, confirmo a liminar outrora deferida e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO e CONCEDO PARCIALMENTE A SEGURANÇA para permitir a não divulgação da remuneração e critérios remuneratórios de empregados conforme relatório de transparência previsto no art. 2º  Decreto nº 11.795/2023, bem como afastar a exigência de publicação do referido relatório em site ou rede social (§ 3º do art. 2º do Decreto nº 11.795/2023) e, ainda, a obrigatoriedade de depósito do plano e a aplicação do Decreto nº 11.795/2023 e da Portaria MTE nº 3.714/2023, no que concerne ao objeto desta demanda. Em consequência, JULGO EXTINTO O PROCESSO, COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com amparo no artigo 487, I, do Código de Processo Civil. 

Comunique-se o teor desta sentença à 4ª Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, nos autos do Agravo de Instrumento n.º 5025942-84.2024.4.03.0000, instruindo com cópia do presente julgado.

Incabível a condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.1016/09.

As custas são de responsabilidade da União, visto que a impetrante sucumbiu de parte mínima do pedido. 

Sentença sujeita ao reexame necessário, conforme art. 14, §1º, da Lei  nº 12.1016/09.”

Em razões recursais, a União sustenta, em preliminar, o reconhecimento da incompetência da Justiça Federal para julgar o presente caso, determinando-se a remessa dos autos à Justiça do Trabalho, órgão competente para processamento e julgamento da causa, nos termos do artigo 114 da CR.

No mérito, alega que a Lei n. 14.611/2023 estabelece a obrigatoriedade da igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função, bem como o Decreto Presidencial n. 11.795/2023 e a Portaria MTE n. 3.714/2023 não extrapolaram a Lei n. 14.611/2023.

Aduz a legalidade do Relatório de Transparência Salarial e Critérios de Remuneração, uma vez que o tratamento dos dados e a elaboração do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios tem sido realizados nos termos do que dispõe a LGPD, e em total conformidade com os princípios éticos e legais estabelecidos. 

Salienta que a publicação do Relatório de Transparência Salarial e Critérios Remuneratórios não permite a divulgação dos salários dos empregados, não afrontando as disposições constitucionais de proteção à intimidade, privacidade ou proteção de dados.

Afirma que “não há a publicação de estruturas de cargos e salários, estrutura operacional da empresa, modelo de negócio da empresa, estratégias salariais ou quaisquer outras informações concorrencialmente sensíveis, não havendo, portanto, ofensa ao princípio da livre concorrência, previsto no art. 170, inciso IV, da CF/1988. Já o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens representa, de fato, uma oportunidade de regularização de situações contrárias à lei.”

Prequestiona a matéria para fins de futura interposição de recurso às instâncias superiores e requer a concessão de efeito suspensivo, ao final, provimento integral de seu recurso.

Com contrarrazões, vieram os autos a esta E. Corte Regional.

O DD. Ministério Público Federal opinou pelo regular prosseguimento do feito. 

É o relatório. 

stm

 

 

 

 


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4ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5019616-44.2024.4.03.6100

RELATOR: Gab. 47 - DES. FED. LEILA PAIVA

APELANTE: SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDENCIA REGIONAL DO TRABALHO DE SÃO PAULO, SUPERINTENDENTE DA SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DO TRABALHO E EMPREGO NO ESTADO DE SÃO PAULO, UNIÃO FEDERAL

APELADO: B&F DIAS INDUSTRIA E COMERCIO LTDA

Advogados do(a) APELADO: RAPHAEL PIRES DO AMARAL - SP391751-A, RENAN BINOTTO ZARAMELO - SP391164-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

V O T O

 

 

A Senhora Desembargadora Federal Leila Paiva (Relatora): 

O cerne da questão recai sobre a legalidade das exigências previstas no Decreto n. 11.795/2023 e na Portaria MTE n. 3.714/2023, que regulamentam a Lei n. 14.611/2023.

De início, rejeito a preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal.

O artigo 109 da CR, ao tratar da competência dos juízes federais, estabelece: 

“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: 

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;” 

Por sua vez, no que toca à competência da Justiça do Trabalho, o artigo 114 da CR estabelece:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)        (Vide ADIN 3392)      (Vide ADIN 3432)

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

II as ações que envolvam exercício do direito de greve;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.  

Com efeito, depreende-se que a hipótese dos autos não está insculpida nas atribuições jurisdicionais previstas no artigo 114 da CR, uma vez que o objeto da presente ação não impugna a relação de trabalho ou de emprego, mas os encargos de caráter administrativo perante os órgãos da Administração Pública Federal em decorrência da Lei n. 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.

Assim, por não tratar a lei ora em discussão de relações de trabalho, falece competência para a Justiça do Trabalho julgar o feito subjacente, consoante decisão monocrática do C. STJ, relatoria do Ministro Sérgio Kukina, no CC n. 208.035, DJe de 27/09/2024.

No mesmo sentido, os precedentes deste c. Tribunal:

PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DISCUSSÃO SOBRE O DECRETO Nº. 11.795/2023 E A PORTARIA MTE Nº. 3.714/2023, QUE REGULAMENTARAM A LEI DE IGUALDADE SALARIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1- Em atenção aos princípios da colegialidade e da instrumentalidade processual, ressalvo entendimento pessoal para reconhecer a competência federal para julgamento da matéria na esteira do entendimento majoritário desta Corte Regional.

2- Reconhecida a competência federal, de rigor a imediata comunicação do Juízo de origem para obstar a remessa processual.

3- Não é viável a imediata análise da regularidade da normação, dado que o Juízo de origem não se pronunciou sobre a mesma, evitando-se assim a supressão de instancia.

4- Agravo de instrumento provido em parte. Prejudicados o agravo interno e a questão de ordem.

 (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5010538-90.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal GISELLE DE AMARO E FRANCA, julgado em 18/11/2024, DJEN DATA: 25/11/2024)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. OBRIGAÇÃO DE DIVULGAR RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL E DE CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS. LEI 14.611/2023, REGULAMENTADA PELO DECRETO 11.795/2023 E PELA PORTARIA MTE 3.714/2023. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REGULAMENTAÇÃO COM VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, AO DEVIDO PROCESSO LEGAL E A LGPD. RECURSO PROVIDO.

- A Constituição prevê, dentre os direitos sociais assegurados a todos os cidadãos e residentes no país, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei (art. 6º, XX).

- A competência da Justiça Federal insurge-se no julgamento de causas de políticas públicas estabelecidas pelo Governo Federal através de legislação federal (leis, decretos, portarias, instruções normativas etc.), por terem interesse social nacional.

- A Constituição Federal estabelece que compete à Justiça Federal processar e julgar as causas em que a União for interessada na condição de autora, ré, assistente ou oponente (art. 109, I); e nas causas fundadas em tratado internacional.

- Do Decreto nº 11.795/2023 e da Portaria MTE nº 3.714/2023 constata-se que há exigências não previstas na Lei nº 14.611/2023, surgindo várias indagações sobre sua legalidade e legitimidade.

- A previsão normativa dos atos administrativos é de serem praticadas publicações nas páginas do Governo, no Diário Oficial; determinaram o Decreto e a Portaria, sem previsão na lei, a obrigação das empresas privadas de publicação do relatório de transparência nos sites das próprias empregadoras ou em suas redes sociais, além da obrigação de enviar cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade social (aqui, ainda, para que o sindicato participe “na elaboração e na implementação” do referido plano).

- Os atos normativos citados não apresentam critérios objetivos e circunstanciados que são exigíveis para a avaliação dos dados pelo Ministério do Trabalho, não diz como  vai utilizar as informações prestadas, o relatório da desigualdade social não está objetivo, não se esclarece qual a função e legitimidade do relatório de transparência salarial.

- Acrescente-se que a Lei n. 14.611/2023 determinou que os dados serão anonimizados (art. 5º, §1º); todavia, a possibilidade de identificação das pessoas não foi plenamente assegurada principalmente nas empresas menores (microempresas - ME e empresas de pequeno porte EPP), em que poucos dados servem para identificar um(a) trabalhador(a) e sua função, violando o dever de anonimato e as normas protetivas da privacidade constantes da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD (Lei n. 13.709/2018).

- O devido processo legal possui status constitucional, sendo assegurado, em processo judicial ou administrativo, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV, da CF).

- Não obstante a obrigatoriedade constitucional de obediência ao devido processo legal e à legalidade, as empresas estão sendo obrigadas a publicar dados sensíveis em seus sítios eletrônicos e redes sociais os relatórios, sem oportunidade de refutá-los ou corrigi-los previamente, o que pode acarretar graves danos aos seus interesses jurídicos quanto ao sigilo de informações negociais sensíveis, ao dever de privacidade e até à obrigação de atenção às normas da LGPD.

- Sem que haja previsão normativa garantindo a participação da Empresa nos resultados dos relatórios, só por isso já poderá resultar em prejuízo à imagem, à marca e de perda de mercados.

- Agravo de instrumento provido. Prejudicado o agravo interno interposto em face da decisão liminar.

 (TRF 3ª Região, 6ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5007982-18.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal LUIZ ALBERTO DE SOUZA RIBEIRO, julgado em 11/10/2024, Intimação via sistema DATA: 21/10/2024)

No mérito, a Lei n. 14.611, de 03 de julho de 2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, prevê:

“Art. 2º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função é obrigatória e será garantida nos termos desta Lei.

(...)

Art. 4º A igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens será garantida por meio das seguintes medidas:

I – estabelecimento de mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios;

II – incremento da fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens;

III – disponibilização de canais específicos para denúncias de discriminação salarial;

IV – promoção e implementação de programas de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho que abranjam a capacitação de gestores, de lideranças e de empregados a respeito do tema da equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho, com aferição de resultados; e

V – fomento à capacitação e à formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Art. 5º Fica determinada a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

§ 1º Os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados e informações que permitam a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por mulheres e homens, acompanhados de informações que possam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades decorrentes de raça, etnia, nacionalidade e idade, observada a legislação de proteção de dados pessoais e regulamento específico.

§ 2º Nas hipóteses em que for identificada desigualdade salarial ou de critérios remuneratórios, independentemente do descumprimento do disposto no art. 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a pessoa jurídica de direito privado apresentará e implementará plano de ação para mitigar a desigualdade, com metas e prazos, garantida a participação de representantes das entidades sindicais e de representantes dos empregados nos locais de trabalho.

§ 3º Na hipótese de descumprimento do disposto no caput deste artigo, será aplicada multa administrativa cujo valor corresponderá a até 3% (três por cento) da folha de salários do empregador, limitado a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das sanções aplicáveis aos casos de discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.

§ 4º O Poder Executivo federal disponibilizará de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, observada a proteção de dados pessoais de que trata a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), além das informações previstas no § 1º deste artigo, indicadores atualizados periodicamente sobre mercado de trabalho e renda desagregados por sexo, inclusive indicadores de violência contra a mulher, de vagas em creches públicas, de acesso à formação técnica e superior e de serviços de saúde, bem como demais dados públicos que impactem o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres e que possam orientar a elaboração de políticas públicas.

Art. 6º Ato do Poder Executivo instituirá protocolo de fiscalização contra a discriminação salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens.”

O Decreto n. 11.795/2023, que regulamenta a Lei n. 14.611/2023, em relação aos mecanismos de transparência salarial e de critérios remuneratórios, e que serão aplicadas às pessoas jurídicas de direito privado com cem ou mais empregados que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, assim dispõe:

“(...)

Art. 2º  O Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios de que trata o inciso I do caput do art. 1º tem por finalidade a comparação objetiva entre salários, remunerações e a proporção de ocupação de cargos e deve contemplar, no mínimo, as seguintes informações:

(...)

§ 1º  Ato do Ministério do Trabalho e Emprego estabelecerá as informações que deverão constar do Relatório de que trata o caput e disporá sobre o formato e o procedimento para o seu envio.

(...)

§ 3º  O Relatório de que trata o caput deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, garantida a ampla divulgação para seus empregados, colaboradores e público em geral.

§ 4º  A publicação dos Relatórios deverá ocorrer nos meses de março e setembro, conforme detalhado em ato do Ministério do Trabalho e Emprego.

§ 5º  Para fins de fiscalização ou averiguação cadastral, o Ministério do Trabalho e Emprego poderá solicitar às empresas informações complementares às contidas no Relatório.

Art. 3º  Verificada a desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens pelo Ministério do Trabalho e Emprego, as empresas com cem ou mais empregados deverão elaborar e implementar Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, que deverá estabelecer:

(...)

§ 1º  Na elaboração e na implementação do Plano de Ação de que trata o caput, deverá ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados, preferencialmente, na forma definida em norma coletiva de trabalho. 

§ 2º  Na ausência de previsão específica em norma coletiva de trabalho, a participação referida no § 1º se dará, preferencialmente, por meio da comissão de empregados estabelecida nos termos dos art. 510-A a art. 510-D da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.

§ 3º  Na hipótese do § 2º, a empresa que tiver entre cem e duzentos empregados poderá promover procedimento eleitoral específico para instituir uma comissão que garanta a participação efetiva de representantes dos empregados. 

Art. 4º  Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego:

I - disponibilizar ferramenta informatizada para:

a) o envio dos Relatórios de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelas empresas; e

b) a divulgação  dos Relatórios e de outros dados e informações sobre o acesso ao emprego e à renda pelas mulheres;

II - notificar, quando verificada desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, por meio da Auditoria-Fiscal do Trabalho, as empresas para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens;

(...)”

Por sua vez, a Portaria MTE n. 3.714/2023, que estabelece os procedimentos administrativos para atuação do Ministério do Trabalho e Emprego em relação aos mecanismos de transparência salarial e critérios remuneratórios, dispondo sobre o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios e sobre o Plano de Ação para a Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, prevê:

“(...)

Art. 4º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser feita pelos empregadores em seus sítios eletrônicos, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, garantida a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.

Art. 5º O Ministério do Trabalho e Emprego coletará os dados inseridos no eSocial pelos empregadores, bem como as informações complementares por eles prestadas e publicará o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos meses de março e setembro de cada ano, na plataforma do Programa de Disseminação das Estatísticas do Trabalho.

Parágrafo único. As informações complementares a que se refere o caput serão prestadas pelos empregadores, em ferramenta informatizada disponibilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, nos meses de fevereiro e agosto de cada ano, relativas ao primeiro e ao segundo semestres, respectivamente.

Art. 6º A publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, será obrigatória após a disponibilização da aba Igualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios a ser implementada na área do empregador do Portal Emprega Brasil.

DO PLANO DE AÇÃO PARA MITIGAÇÃO DA DESIGUALDADE SALARIAL E DE CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS ENTRE MULHERES E HOMENS

Art. 7º Após a publicação do Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, nos termos do Decreto nº 11.795, de 2023, verificada a desigualdade salarial e de critérios de remuneração, os empregadores serão notificados, pela Auditoria-Fiscal do Trabalho, para que elaborem, no prazo de noventa dias, o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens.

(...)

§ 4º Uma cópia do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens deverá ser depositada na entidade sindical representativa da categoria profissional.

(...)”.

Da leitura do artigo 5º da Lei n. 14.611/2023, depreende-se que “a publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados” deverá observar a proteção de dados pessoais prevista na Lei n. 13.709/2018 - Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), que dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

O artigo 5º da Lei n. 14.611/2023, em seu § 1º, ainda estabelece que os relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios conterão dados anonimizados, bem como em seu § 4º informa que o Poder Executivo Federal disponibilizará, de forma unificada, em plataforma digital de acesso público, as informações contidas no § 1º do aludido artigo, observada a proteção de dados pessoais previstas na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

Nessa senda, o artigo 2º, § 3º, do Decreto n. 11.795/2023 e o artigo 4º da Portaria MTE n. 3.714/2023 ao preverem que o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, assim como a obrigação do depósito de uma cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade sindical prevista no artigo 7º, § 4º, da Portaria MTE n. 3.714/2023, extrapolam as diretrizes fixadas pela Lei n. 14.611/2023.

Com efeito, a Lei n. 14.611/2023 (Lei de Igualdade Salarial) tem a finalidade, com a transparência salarial, de incentivar a igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função e fiscalizar a discriminação de gênero e raça.

Contudo, a não observação dos termos legais, com a divulgação de determinados dados das empresas em redes sociais ou em instrumentos similares, sem a prevenção do risco de publicidade como exposição pública, pode causar violação aos direitos constitucionais à privacidade e à intimidade.

Dessarte, a divulgação dos relatórios de transparência não aparenta cumprir os fins naturais da publicidade, revelando-se como um instrumento de exposição das informações sensíveis de empresas com 100 (cem) ou mais funcionários, podendo caracterizar indevido constrangimento público e gerar danos irreparáveis à imagem das empresas.

Nesse sentido, colhem-se os julgamentos proferidos por esta E. Quarta Turma:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL. LEI Nº 14.611/2023. DECRETO Nº 11.795/2023 E PORTARIA MTE Nº 3.714/23.
1. A questão discutida nos autos versa sobre os limites regulamentares do Decreto 11.795/2023 e da Portaria MTE 3.714/2023 em relação à Lei 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.
2. Em um exame perfunctório, entendo que alguns dispositivos da portaria e do decreto extrapolam as diretrizes fixadas pela Lei 14.611/2023, tais como a obrigação de publicação do relatório de transparência nos sites das próprias empregadoras ou em suas redes sociais (art. 2º, §3º do Decreto 11.795/23) e o depósito de uma cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade sindical (art. 7º, §4º da Portaria MTE 3.714/23).
3. A determinação contida na Lei n. 14.611/2023, de “publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados”, expressamente garante que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais seja observada, bem como que referidos relatórios - de transparência salarial e de critérios remuneratórios – apenas contenham dados anonimizados.
4. Há de se destacar a importância ímpar da finalidade da norma legal no sentido de promover a necessária a equiparação salarial de gênero, no entanto, a divulgação de determinados dados das empresas, principalmente em redes sociais, e sem a transparência necessária da forma utilizada para a elaboração dos relatórios ou, ainda, retirados de seu contexto, pode causar danos irreparáveis aos diretamente envolvidos.
5. Desse modo, a princípio, entendo que a divulgação dos relatórios de transparência não aparenta cumprir os fins naturais da publicidade, mas sim o de expor abertamente as empresas com 100 (cem) ou mais funcionários, podendo caracterizar indevido constrangimento público.
6. Agravo de instrumento improvido.                                     

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5024843-79.2024.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 24/02/2025, DJEN DATA: 06/03/2025)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL. LEI Nº 14.611/2023. DECRETO Nº 11.795/2023 E PORTARIA MTE Nº 3.714/23.
1. A questão discutida nos autos versa sobre os limites regulamentares do Decreto 11.795/2023 e da Portaria MTE 3.714/2023 em relação à Lei 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.
2. Em um exame perfunctório, entendo que alguns dispositivos da portaria e do decreto extrapolam as diretrizes fixadas pela Lei 14.611/2023, tais como a obrigação de publicação do relatório de transparência nos sites das próprias empregadoras ou em suas redes sociais (art. 2º, §3º do Decreto 11.795/23) e o depósito de uma cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade sindical (art. 7º, §4º da Portaria MTE 3.714/23).
3. A determinação contida na Lei n. 14.611/2023, de “publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados”, expressamente garante que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais seja observada, bem como que referidos relatórios - de transparência salarial e de critérios remuneratórios – apenas contenham dados anonimizados.
4. Há de se destacar a importância ímpar da finalidade da norma legal no sentido de promover a necessária a equiparação salarial de gênero, no entanto, a divulgação de determinados dados das empresas, principalmente em redes sociais, e sem a transparência necessária da forma utilizada para a elaboração dos relatórios ou, ainda, retirados de seu contexto, pode causar danos irreparáveis aos diretamente envolvidos.
5. Desse modo, a princípio, entendo que a divulgação dos relatórios de transparência não aparenta cumprir os fins naturais da publicidade, mas sim o de expor abertamente as empresas com 100 (cem) ou mais funcionários, podendo caracterizar indevido constrangimento público.
6. Agravo de instrumento improvido.
(TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5013577-95.2024.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 18/12/2024, Intimação via sistema DATA: 20/01/2025)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL. LEI Nº 14.611/2023. DECRETO Nº 11.795/2023 E PORTARIA MTE Nº 3.714/23.

1. A questão discutida nos autos versa sobre os limites regulamentares do Decreto 11.795/2023 e da Portaria MTE 3.714/2023 em relação à Lei 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.

2. Em um exame perfunctório, entendo que alguns dispositivos da portaria e do decreto extrapolam as diretrizes fixadas pela Lei 14.611/2023, tais como a obrigação de publicação do relatório de transparência nos sites das próprias empregadoras ou em suas redes sociais (art. 2º, §3º do Decreto 11.795/23) e o depósito de uma cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade sindical (art. 7º, §4º da Portaria MTE 3.714/23).

3. A determinação contida na Lei n. 14.611/2023, de “publicação semestral de relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios pelas pessoas jurídicas de direito privado com 100 (cem) ou mais empregados”, expressamente garante que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais seja observada, bem como que referidos relatórios - de transparência salarial e de critérios remuneratórios – apenas contenham dados anonimizados.

4. Há de se destacar a importância ímpar da finalidade da norma legal no sentido de promover a necessária a equiparação salarial de gênero, no entanto, a divulgação de determinados dados das empresas, principalmente em redes sociais, e sem a transparência necessária da forma utilizada para a elaboração dos relatórios ou, ainda, retirados de seu contexto, pode causar danos irreparáveis aos diretamente envolvidos.

5. Desse modo, a princípio, entendo que a divulgação dos relatórios de transparência não aparenta cumprir os fins naturais da publicidade, mas sim o de expor abertamente as empresas com 100 (cem) ou mais funcionários, podendo caracterizar indevido constrangimento público.

6. No entanto, não se pode afastar genericamente as penalidades pelo não cumprimento das obrigações estabelecidas no Decreto nº 11.795/2023 e na Portaria nº 3.714/2023, eis que tratam de outras obrigações não previstas na presente decisão. 

7. Agravo de instrumento parcialmente provido.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 5009475-30.2024.4.03.0000, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 26/11/2024, Intimação via sistema DATA: 10/12/2024)

No mesmo contexto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO CONSTITUCIONAL. RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL. LEI Nº 14.611/2023. DECRETO Nº 11.795/2023 E PORTARIA MTE Nº 3.714/23. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR O FEITO. DISPOSITIVOS REGULAMENTARES QUE EXTRAPOLAM AS BALIZAS DA LEI. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO.

- Pretende a parte recorrente fazer valer, no caso concreto, as obrigações previstas no artigo 2º, §§ 3º e 4º, artigo 3º §§ 1º a 3º e artigo 4º, I, “b” e II, do Decreto 11.795/2023 e nos artigos 4º, 5º, 6º e 7º da Portaria MTE 3.714/2023.

- A ora debatida matéria não se inscreve nas atribuições jurisdicionais insculpidas no art. 114 da Constituição Federal, uma vez que a presente impugnação não tem relação direta com emprego ou trabalho, mas com encargos de índole administrativa perante órgãos da Administração Pública Federal ou em razão de exigências feitas por eles. Portanto, o caso dos autos se inscreve na competência da Justiça Federal, conforme os ditames do art. 109, I e VIII, da nossa Carga Magna. Com efeito, a competência para a análise do mandado de segurança, na espécie, é da Justiça Federal, uma vez indicado como autoridade coatora o Superintendente Regional do Trabalho de São Paulo, cargo no âmbito da Administração Pública Federal. Preliminar rejeitada. 

- Em cognição sumária, verifica-se que alguns dispositivos da portaria e do decreto extrapolam as balizas fixadas pela Lei 14.611/2023, tais como a obrigação de publicação do relatório de transparência nos sites das próprias empregadoras ou em suas redes sociais (art. 2º, §3º do Decreto 11.795/23) e o depósito de uma cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade sindical (art. 7º, §4º da Portaria MTE 3.714/23).

- Além das inovações acima apontadas, em primeira análise, cabe reflexão acerca da legitimidade e pertinência funcional da publicação do relatório de transparência salarial. É certo que a publicidade de atos jurídicos está associada à ideia de transparência e conhecimento geral, naquilo que possa interessar a terceiros, proporcionando segurança jurídica e estabilidade das relações sociais. Contudo, há que se prevenir o risco de a publicidade ser utilizada como simples ferramenta de exposição pública, conversível em mera execração, com todas as consequências que isso pode acarretar, violando os direitos constitucionais à privacidade e à intimidade.  

- Ainda que muito louvável e necessária a equiparação salarial de gênero e raça, a sua implementação poderia ocorrer com os instrumentos ordinários ao alcance do Poder Público e das pessoas eventualmente interessadas, inclusive na forma de sanções pecuniárias rigorosas, como já preveem os apontados textos normativos.

- Não se antevê ilegalidade na obrigação de apresentação do plano de ação para mitigar a desigualdade, pois devidamente previsto no art. 5º, §2º, da Lei 14.611/23 e aparentemente coerente com o objetivo da norma.

- Agravo de instrumento parcialmente provido. 

(TRF 3ª Região, 3ª Turma, AI nº 5007991-77.2024.4.03.0000, Relator: Desembargador Federal RUBENS ALEXANDRE ELIAS CALIXTO, data do julgamento: 23/08/2024, Intimação via sistema DATA: 27/08/2024)

Assim, é de rigor a manutenção da r. sentença.

Ante o exposto, rejeito a preliminar e nego provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação supra.

É o voto.



E M E N T A

 

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE DIVULGAR RELATÓRIO DE TRANSPARÊNCIA SALARIAL E DE CRITÉRIOS REMUNERATÓRIOS. DECRETO N. 11.795/2023 E PORTARIA MTE N. 3.714/2023, QUE REGULAMENTARAM A LEI DE IGUALDADE SALARIAL.

1. O cerne da questão recai sobre a legalidade das exigências previstas no Decreto n. 11.795/2023 e na Portaria MTE n. 3.714/2023, que regulamentam a Lei n. 14.611/2023.

2. A hipótese dos autos não está insculpida nas atribuições jurisdicionais previstas no artigo 114 da CR, uma vez que o objeto da presente ação não impugna a relação de trabalho ou de emprego, mas os encargos de caráter administrativo perante os órgãos da Administração Pública Federal em decorrência da Lei n. 14.611/2023, que dispõe sobre a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre homens e mulheres.

3. Por não tratar a lei ora em discussão de relações de trabalho, falece competência para a Justiça do Trabalho julgar o feito subjacente, consoante decisão monocrática do C. STJ, relatoria do Ministro Sérgio Kukina, no CC n. 208.035, DJe de 27/09/2024.

4. Preliminar de incompetência absoluta rejeitada.

5. O artigo 2º, § 3º, do Decreto n. 11.795/2023 e o artigo 4º da Portaria MTE n. 3.714/2023 ao preveem que o Relatório de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios deverá ser publicado nos sítios eletrônicos das próprias empresas, nas redes sociais ou em instrumentos similares, bem como a obrigação do depósito de uma cópia do plano de ação para mitigar a desigualdade na entidade sindical prevista no artigo 7º, § 4º, da Portaria MTE n. 3.714/2023, extrapolam as diretrizes fixadas pela Lei n. 14.611/2023.

6. A Lei n. 14.611/2023 (Lei de Igualdade Salarial) tem a finalidade, com a transparência salarial, incentivar a igualdade salarial entre homens e mulheres na mesma função e fiscalizar a discriminação de gênero e raça.

7. A não observação dos termos legais, com a divulgação de determinados dados das empresas, em redes sociais ou em instrumentos similares, sem a prevenção do risco de publicidade como exposição pública, pode causar violação aos direitos constitucionais à privacidade e à intimidade.

8. A divulgação dos relatórios de transparência não aparenta cumprir os fins naturais da publicidade, revelando-se como um instrumento de exposição das informações sensíveis de empresas com 100 (cem) ou mais funcionários, podendo caracterizar indevido constrangimento público e gerar danos irreparáveis à imagem das empresas. Precedentes desta e. Quarta Turma.

9. Preliminar rejeitada. Remessa necessária e apelação não providas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Quarta Turma, à unanimidade, decidiu rejeitar a preliminar e negar provimento à remessa necessária e ao recurso de apelação, nos termos do voto da Des. Fed. LEILA PAIVA (Relatora), com quem votaram o Des. Fed. ANDRÉ NABARRETE e a Des. Fed. MÔNICA NOBRE. Ausente, justificadamente, por motivo de férias, o Des. Fed. WILSON ZAUHY , nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
LEILA PAIVA
Desembargadora Federal