Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5012236-04.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: QUANTA CENTRO DE PRODUC CINEMATOGRAF DE SAO PAULO LTDA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: FATIMA PACHECO HAIDAR - SP132458-A, SANDRO MERCES - SP180744-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, QUANTA CENTRO DE PRODUC CINEMATOGRAF DE SAO PAULO LTDA

Advogados do(a) APELADO: FATIMA PACHECO HAIDAR - SP132458-A, SANDRO MERCES - SP180744-A

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
JUIZO RECORRENTE: SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO/SP - 1ª VARA FEDERAL CÍVEL
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA (1728) Nº 5012236-04.2023.4.03.6100

RELATOR: Gab. 08 - DES. FED. CARLOS DELGADO

APELANTE: QUANTA CENTRO DE PRODUC CINEMATOGRAF DE SAO PAULO LTDA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: FATIMA PACHECO HAIDAR - SP132458-A, SANDRO MERCES - SP180744-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, QUANTA CENTRO DE PRODUC CINEMATOGRAF DE SAO PAULO LTDA

Advogados do(a) APELADO: FATIMA PACHECO HAIDAR - SP132458-A, SANDRO MERCES - SP180744-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela UNIÃO e por QUANTA CENTRO DE PRODUÇÕES CINEMATOGRÁFICAS DE SÃO PAULO LTDA., em mandado de segurança impetrado por este último DELEGADOS DA DELEGACIA ESPECIAL DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA (DERAT), objetivando:

 

[...] Ante o exposto, restam demonstrados o direito líquido e certo da Impetrante e a presença dos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, de forma que a Impetrante pleiteia, com fundamento no artigo 7º, inciso III, da Lei nº 12.016/09, e nos artigos 5º, inciso XXXV e LXIX da CF, seja concedida medida liminar, inaudita altera parte, para o fim de suspender a exigibilidade do PIS, da COFINS, do IRPJ e da CSLL no que se refere à fruição do benefício fiscal de alíquota zero instituído pelo artigo 4º da Lei nº 14.148 PERSE para o CNAE 77.39-0-99 (Aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais não especificados anteriormente, sem operador) – previsto no Anexo I da Portaria nº 7.163/21 – até 17.3.2027, nos termos do artigo 151, inciso IV, do CTN, afastando-se a Portaria nº 11.266/22, a partir do fato gerador de janeiro de 2023, bem como afastando quaisquer atos tendentes à cobrança de tais valores, especialmente no que se refere à lavratura de autos de infração com imposição de multa e juros, inscrição dos débitos na dívida ativa da União e posterior ajuizamento de Execução

Fiscal; óbice à expedição de suas certidões de regularidade fiscal, nos termos do artigo 206 do CTN e a inclusão da razão social da Impetrante em órgãos de proteção ao crédito (tais como CADIN, SPC, SERASA).

Após a intimação das autoridades aqui apontadas como coatoras para que prestem as informações que entenderem convenientes, nos termos do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 12.016/2009, e da União Federal (Fazenda Nacional), por meio de seu representante legal (Procuradoria Regional da Fazenda Nacional da 3ª Região) para ciência do feito, facultado seu ingresso na lide, conforme artigo 7º, inciso II, da Lei nº 12.016/2009, bem como do membro do Ministério Público, requer seja CONCEDIDA A SEGURANÇA, nos termos artigo 5º, inciso LXIX, da CF, e artigos 1º e seguintes da Lei nº 12.016/2009, para que, ratificando-se a medida liminar concedida, seja reconhecido o direito líquido e certo da Impetrante:

- à manutenção do direito à fruição dos benefícios fiscais de alíquota zero de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL sobre as receitas auferidas de forma vinculada ao código CNAE do Anexo I da Portaria 7.163/21 para os fatos geradores de janeiro de 2023 até 17.03.2027 (término da vigência do benefício), conforme previsto no artigo 4º, da Lei nº 14.148/21, afastando-se a ilegal e inconstitucional Portaria nº 11.266/2022, por ofensa ao artigo 178 do CTN e princípios constitucionais indicados acima e, consequentemente, de reaver eventuais valores recolhidos no trâmite/após o curso da presente ação, decorrentes de pagamentos indevidos de PIS, COFINS, IRPJ e CSLL, devidamente atualizados, na forma prevista na Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021 (ou outra legislação que vier a substitui-la), aplicando-se a taxa SELIC ou outro indexador que venha a

substituí-la, ressalvando-se evidente o direito fiscalizatório da RFB. [...]”

 

A r. sentença ID 283423799 concedeu parcialmente a segurança para garantir à impetrante o direito à manutenção dos benefícios fiscais de alíquota zero do PERSE, referente ao CNAE CNAE 77.39-0-99, até 1.4.2023 para CSLL, PIS e COFINS e 31.12.2023 para o IRPJ, bem como o direito de reaver eventuais valores recolhidos no trâmite/após o curso da presente ação, decorrentes de pagamentos indevidos dos referidos tributos, pela via administrativa, após o trânsito em julgado, no termos no art. 74, da Lei 9.430/96, com redação dada pela Lei n. 10.637/02, c/c o art. 26-A da Lei n. 11.457/2007; cujos valores deverão ser atualizados unicamente pela taxa Selic (STJ, Segunda Turma, RESP n. 769.474/SP, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, j. 6.12.2005, DJ 22.3.2006, p. 161). Por conseguinte, julgo extinto o processo, com resolução do mérito, na forma do inciso I do artigo 487 do Código de Processo Civil. Sem condenação em honorários advocatícios.  

 

A União, em seu recurso (ID 283423808), postula a reforma do julgado, sob o fundamento, em síntese, de que “a supressão do CNAE da impetrante da lista de atividades enquadradas no programa não configura ilegalidade, tampouco se molda à majoração indireta de alíquotas ou de base de cálculo de tributo a se submeterem ao princípio previsto no art. 151, inciso IV, do CTN”.

 

Sustenta que “as alterações que foram promovidas pela Portaria ME nº 11.266/2022, especialmente a revogação de norma que diminuiu alíquota das contribuições não é considerada pela jurisprudência do STF como majoração, mas sim alteração de um benefício fiscal, de modo que não se submete à anterioridade nonagesimal ou anual, uma vez que se referem a tributos já existentes”, figurando como mero reestabelecimento.

 

Aduz que interpretação em sentido contrário violaria os “arts. 2º; 5º, caput, I; 60, §4º, III e 150, II, §6º da CF; os arts. 97, inciso VI e 155-A do CTN; os arts. 2º, §2º e 3º, §2º, I da Lei 14.148/2021; os arts. 21, 22, 33, I, 34 e 36 da Lei 11.771/2008; art. 1º, caput e §4º da LINDB e o art. 1º, §2º da Portaria ME 7.163/2021”.

 

Em suas razões recursais (ID 282427962), a parte impetrante argumenta que a Portaria nº 7.163/21 incluiu em seu Anexo I o CNAE nº 77.39-0-99, sendo posteriormente excluído pela Portaria de nº 11.266/2022, com ofensa ao art. 178 do CTN, por se tratar o benefício do Perse de isenção onerosa, sendo irrevogável até a data fixada em lei para a cessação do benefício.

 

Afirma que cumpria todos os requisitos previstos na Lei nº 14.148/21 e teve suas atividades impactadas pela paralisação das produções cinematográficas e dos eventos, não podendo ser excluída, de forma repentina, do Perse. Sustenta que a exclusão, pela Portaria nº 11.266/22, de CNAE’s inicialmente previstos pela Portaria nº 7.163/21 viola os princípios da segurança jurídica, a boa-fé e a lealdade da Administração Pública, bem como a proteção da confiança legítima do contribuinte, bem como da isonomia tributária, da livre concorrência e do livre exercício de atividade econômica.

 

Devidamente processado o feito, com contrarrazões (ID 282427967 e ID 282427969), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. 

 

O Ministério Público Federal, não vislumbrando interesse público que justificasse sua intervenção, manifestou-se pelo regular processamento do feito (ID 282607702). 

 

É o relatório.

 

 


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APELANTE: QUANTA CENTRO DE PRODUC CINEMATOGRAF DE SAO PAULO LTDA, UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

Advogados do(a) APELANTE: FATIMA PACHECO HAIDAR - SP132458-A, SANDRO MERCES - SP180744-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL, QUANTA CENTRO DE PRODUC CINEMATOGRAF DE SAO PAULO LTDA

Advogados do(a) APELADO: FATIMA PACHECO HAIDAR - SP132458-A, SANDRO MERCES - SP180744-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

  

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO (RELATOR):

 

A Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu ações emergenciais e temporárias destinadas ao setor de eventos para compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19.

 

Instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública.

 

Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos, verbis:

 

Redação decorrente de promulgação da parte originariamente vetada: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 2º desta Lei

I - Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição PIS/Pasep);

II - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins);

III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); e

IV - Imposto sobre a Renda das Pessoas Juridicas (IRPJ).”

 

Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia:

 

Redação alterada pela MP 1.147/22: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas em ato do Ministério da Economia: [...]”

 

A fim de delimitar as pessoas jurídicas do denominado setor de eventos, a Lei n.º 14.148/2021 estabeleceu:

 

“Art. 2º Fica instituído o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos possa mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

§ 1º Para os efeitos desta Lei, consideram-se pertencentes ao setor de eventos as pessoas jurídicas, inclusive entidades sem fins lucrativos, que exercem as seguintes atividades econômicas, direta ou indiretamente:

I - realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, sociais, promocionais ou culturais, feiras de negócios, shows, festas, festivais, simpósios ou espetáculos em geral, casas de eventos, buffets sociais e infantis, casas noturnas e casas de espetáculos;

II - hotelaria em geral;

III - administração de salas de exibição cinematográfica; e

IV - prestação de serviços turísticos, conforme o art. 21 da Lei nº 11.771, de 17 de setembro de 2008.

§ 2º Ato do Ministério da Economia publicará os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que se enquadram na definição de setor de eventos referida no § 1º deste artigo.” (g.n.)

 

Com vistas à regulamentação da lei destacada, com amparo no § 2º, do artigo 2º, da Lei n.º 14.148/2021, em 23.01.2021, foi publicada a Portaria do Ministério da Economia n.º 7.163/21, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para determinação das empresas destinatárias da benesse fiscal. 

  

Diante da modificação do artigo 4º da Lei do PERSE pelo advento da Medida Provisória n.º 1.147/22, em 02.01.2023, por orientação do § 4º do mesmo dispositivo, em substituição à Portaria ME n.º 7.163/21, foi publicada nova Portaria do Ministério da Economia, de n.º 11.266/22, que excluiu alguns códigos CNAE do benefício fiscal previsto.

 

Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023 e vigente desde então (artigo 15), alterou em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021 e passou a prever expressamente os códigos CNAE enquadrados no PERSE:

 

Redação alterada pela Lei 14.592/23: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); albergues, exceto assistenciais (5590-6/01); campings (5590-6/02), pensões (alojamento) (5590-6/03); outros alojamentos não especificados anteriormente (5590-6/99); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); produtora de filmes para publicidade (5911-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); serviço de transporte de passageiros - locação de automóveis com motorista (4923-0/02); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, municipal (4929-9/01); transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/02); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, municipal (4929-9/03); organização de excursões em veículos rodoviários próprios, intermunicipal, interestadual e internacional (4929-9/04); transporte marítimo de cabotagem - passageiros (5011-4/02); transporte marítimo de longo curso - passageiros (5012-2/02); transporte aquaviário para passeios turísticos (5099-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de museus e de exploração de lugares e prédios históricos e atrações similares (9102-3/01); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): [...]”

 

Após, foi editada a Medida Provisória n.ª 1.202/2023, publicada em 29.12.2023, que, submetida aos princípios da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e da anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social, revogou expressamente o benefício fiscal relativo à redução a zero das alíquotas dos tributos previstos no PERSE (artigo 6º, I).

 

Contudo, referido inciso I, do artigo 6º, da Medida Provisória n.º 1.202/2023 foi expressamente revogado pelo artigo 5º da Lei n.º 14.859/2024, publicada em 23.05.2024 e vigente desde então (artigo 6º), a qual, em seu artigo 1º, modificou a redação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, inclusive quanto ao rol de códigos CNAE enquadrados no PERSE, prevendo expressamente:

 

Redação alterada pela Lei 14.859/24: “Art. 4º Ficam reduzidas a 0% (zero por cento) pelo prazo de 60 (sessenta) meses, contado do início da produção de efeitos desta Lei, as alíquotas dos seguintes tributos, incidentes sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos abrangendo as seguintes atividades econômicas, com os respectivos códigos da CNAE: hotéis (5510-8/01); apart-hotéis (5510-8/02); serviços de alimentação para eventos e recepções - bufê (5620-1/02); atividades de exibição cinematográfica (5914-6/00); criação de estandes para feiras e exposições (7319-0/01); atividades de produção de fotografias, exceto aérea e submarina (7420-0/01); filmagem de festas e eventos (7420-0/04); agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas (7490-1/05); aluguel de equipamentos recreativos e esportivos (7721-7/00); aluguel de palcos, coberturas e outras estruturas de uso temporário, exceto andaimes (7739-0/03); serviços de reservas e outros serviços de turismo não especificados anteriormente (7990-2/00); serviços de organização de feiras, congressos, exposições e festas (8230-0/01); casas de festas e eventos (8230-0/02); produção teatral (9001-9/01); produção musical (9001-9/02); produção de espetáculos de dança (9001-9/03); produção de espetáculos circenses, de marionetes e similares (9001-9/04); atividades de sonorização e de iluminação (9001-9/06); artes cênicas, espetáculos e atividades complementares não especificadas anteriormente (9001-9/99); gestão de espaços para artes cênicas, espetáculos e outras atividades artísticas (9003-5/00); produção e promoção de eventos esportivos (9319-1/01); discotecas, danceterias, salões de dança e similares (9329-8/01); restaurantes e similares (5611-2/01); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, sem entretenimento (5611-2/04); bares e outros estabelecimentos especializados em servir bebidas, com entretenimento (5611-2/05); agências de viagem (7911-2/00); operadores turísticos (7912-1/00); atividades de jardins botânicos, zoológicos, parques nacionais, reservas ecológicas e áreas de proteção ambiental (9103-1/00); parques de diversão e parques temáticos (9321-2/00); atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte (9493-6/00): [...]

 

Ressalte-se que a Lei n.º 14.859/2024, em seu artigo 3º, possibilitou a repetição das contribuições sociais eventualmente recolhidas por força da produção de efeitos da Medida Provisória n.º 1.202/2023, nos seguintes termos:

 

“Art. 3º A Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Contribuição para o PIS/Pasep), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) eventualmente recolhidas tendo como base de cálculo os resultados e as receitas obtidos diretamente das atividades do setor de eventos pelas pessoas jurídicas de que trata o art. 4º da Lei nº 14.148, de 3 de maio de 2021, em virtude do disposto no art. 6º da Medida Provisória nº 1.202, de 28 de dezembro de 2023, poderão ser compensadas com débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, ou ressarcidas em espécie mediante solicitação, observada a legislação específica aplicável às matérias.” (g.n.)

 

Dado este arcabouço normativo, passo à análise da possibilidade de revogação do benefício fiscal, inclusive quanto à exclusão de determinados códigos de atividade. 

 

O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal.

 

Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos.

 

É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade.

 

Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação.

 

A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos.

 

O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos.

 

Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração.

 

A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço de tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária.

 

Assim, a Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), conforme entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Confira-se:

 

“DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. INCENTIVO FISCAL. REVOGAÇÃO. MAJORAÇÃO INDIRETA. ANTERIORIDADE.

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal concebe que não apenas a majoração direta de tributos atrai a eficácia da anterioridade nonagesimal, mas também a majoração indireta decorrente de revogação de benefícios fiscais. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento, com aplicação da multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015”

(RE 1053254 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 13.11.2018).”

 

“REINTEGRA – DECRETO Nº 9.393/2018 – BENEFÍCIO – REDUÇÃO DO PERCENTUAL – ANTERIORIDADE – PRECEDENTES.

Alcançado aumento indireto de tributo mediante redução da alíquota de incentivo do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras – Reintegra, cumpre observar o princípio da anterioridade, geral e nonagesimal, versado nas alíneas “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal. Precedente: medida cautelar na ação direta de inconstitucionalidade nº 2.325/DF, Pleno, relator ministro Marco Aurélio, acórdão publicado no Diário da Justiça de 6 de outubro de 2006.”

(STF, 1ª Turma, Ag.Reg.RE 1,263,840/RS, Rel.: Min. Marco Aurélio, Data de Julg.: 05.08.2020)

 

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO DE IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – PRAZO MÍNIMO – MEDIDA PROVISÓRIA N.º 1.034/21 – ANTERIORIDADE NONAGESIMAL.

1. A Lei Federal n.º 8.989/95 estabelece a isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados com relação aos automóveis de passageiros de fabricação nacional, adquiridos por pessoas com deficiência física, visual, auditiva e mental severa ou profunda e pessoas com transtorno do espectro autista, diretamente ou por intermédio de seu representante legal (artigo 1º, inciso IV).

2. A reutilização do benefício fiscal implica, em regra, a observância do interregno mínimo de dois anos (artigo 2º). Contudo, em 1º de março de 2021, foi editada a Medida Provisória n.º 1.034, que alterou o parágrafo único do artigo 2º da lei, ampliando para quatro anos o prazo mínimo de reutilização do benefício fiscal por pessoas com deficiência. A regra entrou em vigor na data de publicação (artigo 5º, inciso I). Posteriormente, por ocasião da conversão na Lei Federal n.º 14.183/21, o prazo foi reduzido para três anos.

3. É pertinente considerar que, em hipóteses de majoração indireta de tributo decorrente da revogação de benefícios fiscais, o C. Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessária observância do princípio da anterioridade nonagesimal, estabelecida no artigo 150, inciso III, alínea “c”, da Constituição Federal.

4. Em decorrência da alteração perpetrada pela Medida Provisória, a autoridade coatora proferiu despacho indeferindo o requerimento de isenção, sob o fundamento de inobservância do interregno mínimo de quatro anos. A negativa fundamentada na aplicação imediata da nova regra configura afronta à anterioridade nonagesimal, constitucionalmente assegurada.

5. Remessa necessária desprovida.

(TRF 3ª Região, 6ª Turma, RemNecCiv - REMESSA NECESSÁRIA CÍVEL - 5000372-68.2021.4.03.6122, Rel. Desembargador Federal PAULO SERGIO DOMINGUES, julgado em 25/03/2022, Intimação via sistema DATA: 29/03/2022)”

 

 

Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas.

 

As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte.

 

Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”).

 

Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário.

 

Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos.

 

Na mesma linha argumentativa, são precisas as lições de Leandro Paulsen, no Curso de Direito Tributário Completo, 13ª edição – 2022, editora Saraiva:

 

“Quanto aos requisitos e condições, vale distingui-los, porquanto se prestam para a classificação das isenções em simples ou onerosas. O estabelecimento de requisitos remete à caracterização do objeto ou do sujeito alcançado pela norma em face de uma situação preexistente ou atual, que lhe é inerente, exigida como mero critério de enquadramento na sua hipótese de incidência. Já a fixação de condições induz à conformação da situação ou da conduta futura do sujeito ao que é pretendido pelo legislador e que deve ser cumprido para que os efeitos jurídicos prometidos sejam aplicados” (p. 313).

 

 

Figura como requisito legal (e não condição de caráter oneroso) para a obtenção das benesses fiscais o exercício de atividades no setor de eventos na data de publicação da Lei instituidora do PERSE.

 

A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).

 

Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei.

 

Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais para que as pessoas jurídicas façam jus à redução a zero da alíquota tributária.

 

No caso concreto, o contribuinte tem como ocupação principal a de CNAE “77.39-0-99 – Aluguel de outras máquinas e equipamentos comerciais e industriais não especificados anteriormente, sem operador”.

 

Referida atividade, embora constasse da Portaria ME n.º 7.163/2021, foi excluída do rol de atividades da Portaria ME n.º 11.266/2022, não constando dos róis posteriormente contemplados nas Leis n.ºs 14.592/2023 e 14.854/2024.  

 

Na medida em que tal atividade não se insere, obrigatoriamente, no setor de eventos, não foge à razoabilidade e proporcionalidade sua exclusão do rol taxativo de códigos CNAE para fins de fruição do benefício fiscal previsto no PERSE, haja vista que referido Programa visou à recuperação de determinados setores da economia, especialmente afetados pela pandemia da Covid-19, e que, justamente, visou ao princípio da isonomia. De sorte que, sob pena de ofensa à separação dos Poderes, não cabe ao Judiciário substituir os demais Poderes no âmbito da discricionariedade que lhes é própria. 

 

Assim, a parte impetrante faz jus à fruição do benefício fiscal até que observado, em relação à Portaria ME nº 11.266/22, o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social.

 

Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e às apelações da União e da impetrante, mantendo integralmente a r. sentença de 1º grau de jurisdição.

 

É como voto.



E M E N T A

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERSE. POSTERIOR EXCLUSÃO DO CNAE. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIOS FISCAL. POSSIBILIDADE. ISENÇÃO SIMPLES. NECESSIDADE DE OBSERVÂNICAS DOS PRINCÍPIOS DA IRRETROATIVIDADE E ANTERIORIDADE. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÕES DESPROVIDAS.

1 - A Lei n.º 14.148/2021 instituiu o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – PERSE, com o objetivo de criar condições para que o setor de eventos pudesse mitigar as perdas oriundas do estado de calamidade pública. Dentre os benefícios do Programa foi prevista, inicialmente, a redução a zero 0% (zero por cento), pelo prazo de 60 (sessenta) meses, das alíquotas da tributação de PIS, COFINS, CSLL e IRPJ, incidentes sobre as receitas e o resultado auferido pelas pessoas jurídicas do setor de eventos. Ressalta-se que, posteriormente, com a vigência da Medida Provisória n.º 1.147/2022, convertida na Lei n.º 14.592/2023, referida redução a zero 0% (zero por cento) das alíquotas tributárias passou a incidir, restritivamente, sobre o resultado auferido pelas pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos nas atividades relacionadas no ato do Ministério da Economia.

2 - Com vistas à regulamentação da lei destacada, com amparo no § 2º, do artigo 2º, da Lei n.º 14.148/2021, em 23.01.2021, foi publicada a Portaria do Ministério da Economia n.º 7.163/21, que definiu os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) para determinação das empresas destinatárias da benesse fiscal. Diante da modificação do artigo 4º da Lei do PERSE pelo advento da Medida Provisória n.º 1.147/22, em 02.01.2023, por orientação do § 4º do mesmo dispositivo, em substituição à Portaria ME n.º 7.163/21, foi publicada nova Portaria do Ministério da Economia, de n.º 11.266/22, que excluiu alguns códigos CNAE do benefício fiscal previsto.

3 - Posteriormente, a Lei n.º 14.592/2023, publicada em 30.05.2023 e vigente desde então (artigo 15), alterou em parte as disposições da Lei n.º 14.148/2021 e passou a prever expressamente os códigos CNAE enquadrados no PERSE. Após, foi editada a Medida Provisória n.ª 1.202/2023, publicada em 29.12.2023, que, submetida aos princípios da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ (produção de efeitos a partir de 1º de janeiro de 2025 – artigo 6º, I, a) e da anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social (produção de efeitos a partir de 1º de abril de 2024 – artigo 6º, I, b), revogou expressamente o benefício fiscal relativo à redução a zero das alíquotas dos tributos previstos no PERSE (artigo 6º, I). Contudo, referido inciso I, do artigo 6º, da Medida Provisória n.º 1.202/2023 foi expressamente revogado pelo artigo 5º da Lei n.º 14.859/2024, publicada em 23.05.2024 e vigente desde então (artigo 6º), a qual, em seu artigo 1º, modificou a redação do artigo 4º da Lei n.º 14.148/2021, inclusive quanto ao rol de códigos CNAE enquadrados no PERSE. Ressalte-se que a Lei n.º 14.859/2024, em seu artigo 3º, possibilitou a repetição das contribuições sociais eventualmente recolhidas por força da produção de efeitos da Medida Provisória n.º 1.202/2023.

4 - O poder constituinte originário conferiu ao Estado o poder de tributar os contribuintes, para obter recursos para financiar suas atividades. A fim de que o exercício desse poder estatal seja legítimo, contudo, deve-se observar não só os limites da competência atribuída pela Constituição Federal a cada ente da federação, como também as imunidades e as garantias individuais do contribuinte previstas principalmente no artigo 150 da Constituição Federal.

5 - Na seara tributária, isso se reflete na vedação do Estado de promover modificações legislativas repentinas, com efeitos concretos imediatos, que elevem a carga tributária. Assegura, ainda, ao contribuinte, um tempo mínimo para conhecer a modificação na legislação tributária e planejar a atividade econômica para suportar seus efeitos. É justamente para impedir tais “surpresas”, que o artigo 150, III, da Constituição Federal confere ao contribuinte a proteção dos princípios da anterioridade. Em sua modalidade genérica, o princípio da anterioridade veda que a lei que institua ou majore tributo produza efeitos no mesmo exercício financeiro em que ela foi publicada, nos termos do artigo 150, III, alínea ‘b’ da Constituição Federal. Já de acordo com o princípio da anterioridade nonagesimal, a lei que institui ou majora tributos só produz efeitos após 90 (noventa) dias da data de sua publicação.

6 - A matéria em questão, inicialmente, foi apenas tratada como limitação ao poder de tributar, consoante decorre explicitamente do texto constitucional. No entanto, passou-se também a questionar a aplicação principiológica para os benefícios fiscais concedidos. O debate faz sentido na medida em que a retirada de benesses fiscais - tal como a criação ou aumento dos tributos –, da mesma forma, é passível de gerar surpresa aos contribuintes, caracterizando, na realidade, espécie de majoração indireta de tributos.

7 - Não se questiona a possibilidade de eventual alteração legislativa ou mesmo da reedição de atos infralegais que tenham por consequência a supressão de benefícios, seja pela alteração do entendimento do Parlamento ou mesmo por diversa compreensão da Administração. A bem da verdade, compreende-se com naturalidade que se sucedam modificações normativas, inclusive, em curto espaço de tempo, o que decorre de novos cenários e demandas. Todavia, preza-se, apenas, pela aplicação dos mesmos princípios constitucionais para situação equivalente, isto é, de exasperação da carga tributária.

8 - A Lei que estabelece restrição a benefício fiscal, que implique na sua redução ou revogação, está sujeita ao princípio da anterioridade, seja a anterioridade de exercício (artigo 150, III, b, da CF), seja a anterioridade nonagesimal (alínea c), de acordo com o respectivo tributo (§ 1º), entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Precedentes.

9 - Por seu turno, dispõe o artigo 178 do Código Tributário Nacional que “a isenção, salvo se concedida por prazo certo ou em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei a qualquer tempo, observado o disposto no inc. III do CTN, art. 104”. Exsurgem, portanto, duas modalidades de isenção: as simples e as onerosas. As isenções simples são passíveis de revogação a qualquer tempo, apenas sendo de rigor a observância dos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, entendimento atualmente respaldado tanto no Supremo Tribunal Federal como nesta E. Corte. Já as isenções onerosas, por sua vez, são concedidas por um lapso temporal definido e, necessariamente, para a sua caracterização, devem vir acompanhadas de determinadas ações do seu beneficiário para que possam dela usufruir (“em função de determinadas condições”). Em razão de tais características, isto é, tempo determinado e contrapartida do contribuinte, não é possível se falar em revogação da isenção onerosa, devido à proteção conferida ao direito adquirido de seu beneficiário. Como elemento chave na caracterização das isenções onerosas e com conceito jurídico bem definido no ordenamento pátrio, as condições não são diferentes na esfera tributária e também se caracterizam como eventos futuros e incertos.

10 - Figura como requisito legal (e não condição de caráter oneroso) para a obtenção das benesses fiscais o exercício de atividades no setor de eventos na data de publicação da Lei instituidora do PERSE. A rigor, não foi estabelecido na legislação discutida qualquer ônus às empresas para a fruição dos benefícios previstos, o que implica em reconhecer a ausência de violação do artigo 178 do CTN e de distinção da situação abrangida pela Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”).

11 - Importante ressaltar que a fruição dos benefícios fiscais previstos para as pessoas jurídicas que preenchem os requisitos legais independe de qualquer ato formal de adesão ao Programa. Enquadrada na hipótese legal do PERSE, nasce para o contribuinte, de imediato, o direito à redução a zero da alíquota tributária e, para o Fisco, exsurge a impossibilidade de exigir qualquer tributo em descompasso com a Lei. Ausente condição relativa à adesão ao PERSE, incabível a exigência de sua comprovação para fruição dos benefícios do Programa, bastando o cumprimento dos requisitos legais.

12  - No caso concreto, o contribuinte exerce atividade que , embora constasse da Portaria ME n.º 7.163/2021, foi excluída do rol de atividades da Portaria ME n.º 11.266/2022, não constando dos róis posteriormente contemplados nas Leis n.ºs 14.592/2023 e 14.854/2024

13 - A atividade do contribuinte não se insere, obrigatoriamente, no setor de eventos, razão pela qual não foge à razoabilidade e proporcionalidade sua exclusão do rol taxativo de códigos CNAE para fins de fruição do benefício fiscal previsto no PERSE, haja vista que referido Programa visou à recuperação de determinados setores da economia, especialmente afetados pela pandemia da Covid-19, e que, justamente, visou ao princípio da isonomia. De sorte que, sob pena de ofensa à separação dos Poderes, não cabe ao Judiciário substituir os demais Poderes no âmbito da discricionariedade que lhes é própria. 

14 - O contribuinte faz jus à fruição do benefício fiscal até que observado, Portaria ME nº 11.266/22, o critério da anterioridade de exercício em relação ao IRPJ e à anterioridade nonagesimal quanto às contribuições à seguridade social.  

15 - Custas na forma da lei. Sem condenação em honorários advocatícios, conforme disposição do artigo 25 da Lei n.º 12.016/09.

16 - Remessa necessária e apelações desprovidas.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à remessa necessária e às apelações da União e da impetrante, mantendo integralmente a r. sentença de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CARLOS DELGADO
Desembargador Federal