Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013290-29.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: NOVATRADE IMPORTACAO, EXPORTACAO, DISTRIBUICAO, REPRESENTACAO E COMERCIO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GILSON JOAO DE SOUZA - SP261024-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013290-29.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: NOVATRADE IMPORTACAO, EXPORTACAO, DISTRIBUICAO, REPRESENTACAO E COMERCIO LTDA

Advogado do(a) APELANTE: GILSON JOAO DE SOUZA - SP261024-A

APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

 

 

Trata-se de apelação interposta pela imperante contra sentença que denegou a segurança, concernente à seguinte pretensão: anulação do Auto de Infração lavrado pela autoridade coatora que aplicou o perdimento, com a liberação definitiva das mercadorias amparadas pela Declaração de Importação (DI) nº 17/1139504-0, objeto do Processo Fiscal nº 19482-720.052/2017-13, decorrente da lavratura do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal nº 0817700/00243/17. Não houve condenação em honorários advocatícios, tendo em vista o disposto no art. 25 da Lei 12.016/2009.

 

Em suas razões, a impetrante alega, em síntese, que:

(a) a fiscalização se apegou à questão de uma suposta ocultação do real adquirente das mercadorias, sem, contudo, apontar qualquer indício relevante de fraude propriamente que pudesse ensejar a aplicação da pena de perdimento, presumindo, uma prática de simulação/falsidade, fazendo meras alegações acerca dos documentos instrutivos do despacho e apresentados no curso do procedimento especial;

(b) não há fundamento legal para se aplicar a pena de perdimento das mercadorias por mera presunção, a pretexto de ter ocorrido falsidade ou simulação na importação, como pretende a fiscalização no caso em apreço -, é preciso que a fraude esteja comprovada, o que não ocorreu no caso da Impetrante;

(c) os documentos contábeis juntados aos autos (fls 334/350 PAF) quando da impugnação revelam montantes suficientes para a impetrante fazer frente ao menos em relação aos tributos incidentes na importação, bem como as demais despesas, vez que, o pagamento do câmbio(fornecedor) teve seu prazo financiado direto pelo exportador em 360 dias, conforme consta dos documentos; COMMERCIAL INVOICE 2578 (fls 70 PAF);

(d) a decretação do perdimento pelas vias da INTERPOSTA PESSOA por presunção em razão da falta de disponibilidade de recursos, está afastada, vez que, ficou demonstrado pelos documentos contábeis, o contribuinte apresentou resultados positivos e condizentes com as importações que realiza. Não havendo de se falar em falta de recursos financeiros(origem, disponibilidade e aplicação);

(e) se fosse o caso de aplicar alguma sanção por eventual Interposição fraudulenta pela não comprovação, origem e disponibilidade de recursos aplicados nas operações de importação em debate, é caso de multa, conforme artigo 33 da Lei 11.488/07. Por equiparação a cessão do nome para realização de operações de comércio exterior de terceiros com vistas ao acobertamento de seus reais intervenientes ou beneficiários. Jamais o perdimento;

(f) Para a aplicação da pena de perdimento com fulcro no art. 689, VI, necessário faz-se a caracterização do dolo do agente. Tal exigência se abstrai em razão dos verbos "falsificar" e "adulterar", integrando o ilícito administrativo e inerentes ao núcleo do tipo Infracional;

(g) as irregularidades constatadas em relação a fatura comercial não ensejam a pena de perdimento, mas no máximo aplicação de multa administrativa, ainda mais considerando que a fiscalização não reconheceu a existência de falsa declaração de conteúdo, hipótese que autorizaria a decretação de pena de perdimento (art. 689, inc. XII, do RA).

 

Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

 

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular prosseguimento.

 

É o relatório.

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
3ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5013290-29.2019.4.03.6105

RELATOR: Gab. 10 - DES. FED. CONSUELO YOSHIDA

APELANTE: NOVATRADE IMPORTACAO, EXPORTACAO, DISTRIBUICAO, REPRESENTACAO E COMERCIO LTDA

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OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

 

 

 

A sentença será mantida.

 

De acordo com o Termo de Verificação Fiscal e Descrição dos Fatos, que integra o processo administrativo fiscal (PAF) 19482.720052/2017-13 (ID 155529241), houve apreensão da mercadoria informada na Declaração de Importação (DI) 17/1139504-0 em razão da conclusão fiscal pela ocorrência de: (i) interposição fraudulenta de terceiros com a ocultação do real adquirente; (ii) falsidade ideológica documental na operação de comércio exterior.

 

A identificação de tais infrações pelo controle aduaneiro ensejou a aplicação da pena de perdimento, por se considerar evidenciado o Dano ao Erário, decorrente da infração prevista no art. 689, incisos VI e XXII, § 3º-A do Decreto 6.759/2009; arts. 94, 95, 96, inciso II do Decreto-Lei nº 37/66; art. 23, inciso V, § 1º do Decreto-Lei nº 1.455/76, regulamentados pelos arts. 673, 674, 675, inciso II, 701 e 774 do Decreto nº 6.759/09 (ID 155529241, p. 5).

 

Para melhor entendimento dos fundamentos que nortearam a ação fiscal, pertinente transcrever os seguintes excertos do documento em apreço:

 

A princípio chamou a atenção da fiscalização o fato de que, apesar da importadora NOVATRADE possuir uma denominação que induz a acreditar que esta trata-se de uma empresa do tipo “TRADING”, a importação aqui tratada foi declarada em sua respectiva DI como do tipo “CONSUMO”, não havendo indicação de adquirente(s) diverso(s) para a mercadoria nesta importação.

O conhecimento de carga aérea nº 202 4359 4250/00196865 informa a empresa norte-americana CLOUDFLARE INC como exportador, a empresa NOVATRADE IMPORTAÇÃO, EXPORTAÇÃO, DISTRIBUIÇÃO, REPRESENTAÇÃO E COMÉRCIO LTDA como consignatário de 01 volume que perfaz um peso bruto de 187 kg. O valor total do frete prepaid informado é de USD 767,25.

[...]

No entanto, ainda no momento da conferência física da carga, chamou a atenção da fiscalização aduaneira a seguinte etiqueta, afixada no volume referente à DI nº 17/1139504-0, que indica outra empresa como consignatária das mercadorias:

[...]

Causa extrema estranheza a esta fiscalização o fato de que empresas localizadas em países distintos e que, conforme veremos a seguir neste Termo de Verificação Fiscal, não possuem nenhum vínculo e nenhum histórico de transações comerciais (trata-se da primeira operação de compra/venda entre a NOVATRADE e ambas as exportadoras) realizem operações de comércio internacional de maneira tão informal.

[...]

Além de não deixar claro como se dá o funcionamento da NOVATRADE em um “escritório virtual”, não houve a comprovação do pagamento dos aluguéis, conforme solicitado neste item 8.

[...]

Quanto ao “Contrato de Armazenagem de Mercadoria e Prestação de Serviços” apresentado, também não houve a comprovação do pagamento dos serviços de armazenagem do período solicitado, portanto, sequer há como afirmar que o contrato apresentado ainda esteja valendo já que este foi firmado em 08/06/2015 com prazo de vigência de 12 (doze) meses.

Cabe ainda frisar que o local supostamente contratado para o armazenamento das mercadorias localiza-se no município de Guarulhos, no Estado de São Paulo, e a NOVATRADE encontra-se, ainda que virtualmente, estabelecida no Estado do Rio de Janeiro. Tal fato mostra uma logística um tanto incomum para empresas que atuam no ramo do comércio, com a revenda de mercadorias importadas.

[...]

Ou seja, a despeito de não ser possível precisar a data correta em que ocorreram as compras das mercadorias aqui citadas, uma vez que a intimada não apresentou as documentações correspondentes às negociações para as importações em comento, solicitadas no item 2 do Termo de Intimação Fiscal nº 001/2017, nos meses imediatamente anteriores às operações (em 30/04/2017, 30/05/2017 e 30/06/2017), os saldos em conta bancária da empresa eram de R$ 217,80, R$ 60.440,55 e R$ 155.771,43, respectivamente e, portanto, insuficientes para arcar com os custos das importações realizadas no mês de julho de 2017.

[...]

Cabe frisar que a Fatura Comercial nº 2578 informa no campo “Terms of Payment” (em tradução livre: termos de pagamento), um prazo de 360 dias para o pagamento das mercadorias. Apesar deste prazo mostrar-se um tanto “generoso” para com uma empresa com quem a exportadora realiza negócios pela primeira vez, restam, desta forma, incongruentes as remessas de valores para a empresa CLOUDFLARE poucos dias após o registro da DI para o desembaraço da mercadoria.

[...]

As informações prestadas pela intimada em resposta ao presente item corroboram com as colocações feitas no item anterior, acerca de um prazo demasiadamente longo e incomum para pagamento de mercadorias adquiridas no mercado internacional, sem que haja qualquer vínculo entre as empresas envolvidas e considerando-se que trata-se da primeira operação realizada entre as partes.

[...]

Difícil imaginar que uma única pessoa atue em compras no mercado externo e na revenda no mercado interno de tão diversificados e distintos produtos, cujos nichos de mercado, por óbvio, são totalmente opostos entre si. Ressalte-se que para que a revenda ocorra, fazem-se necessários, no mínimo: o conhecimento técnico acerca dos produtos, a propaganda/marketing e o local adequado para armazenamento e demonstração do funcionamento dos produtos a pretensos clientes.

[...]

Novamente a empresa reforça a informação de que as negociações relativas às compras no mercado internacional deram-se apenas de maneira verbal, método este tão informal a ponto de sequer a importadora dispor de comprovação documental da negociação que realizou. Ressalte-se que trata-se da primeira operação de compra/venda entre importador/exportador. Claramente, vê-se na resposta acima retratada a intenção da intimada em não fornecer os dados que verdadeiramente correspondem às negociações realizadas, provavelmente porque nem os tem, uma vez que não foi a responsável pela compra das mercadorias. Como veremos a seguir neste Termo de Verificação Fiscal, a NOVATRADE operou por conta e ordem de terceiros, apenas atuou na logística da importação da mercadoria, não sendo sua adquirente de fato e, portanto, real interessada no negócio tratado.

[...]

Primeiramente, no que se refere ao fato da empresa EQUINIX ser apenas o local de entrega da mercadoria e não ser o importador desta, tal afirmação não teria outra assertiva senão o fato de que a exportadora quer, de todas as maneiras, justificar o injustificável: a EQUINIX é a real adquirente da carga em comento. Não teria o menor cabimento que esta se tratasse apenas do local de entrega, já que a importadora NOVATRADE encontra-se estabelecida em um Estado da Confederação diverso daquele para onde se pretendia entregar a mercadoria.

[...]

Quanto às justificativas apresentadas para o fato da identificação da EQUINIX estar afixada no volume importado, de que a CLOUDFLARE seria uma cliente da intimada e que o equipamento importado seria para o uso desta na prestação de serviços contratados pela empresa norte-americana, não há nenhuma razoabilidade nas explicações fornecidas, uma vez que estas não eximem a EQUINIX do fato de ser a real adquirente e destinatária da carga importada.

Ainda que tais alegações fossem verdadeiras e que a EQUINIX tivesse a intenção de fazer uso de um equipamento cuja propriedade fosse de um cliente estrangeiro, apenas para executar a prestação de serviços para este cliente sem a intenção de adquirir tal bem, a via correta seria através do registro de uma Declaração de Importação sob o regime aduaneiro especial de admissão temporária desta mercadoria, regulamentado pelos arts. 307 a 314 e 353 a 379 do Decreto nº 6.759/2009 e pela IN RFB nº 1.600/2015, o que, ainda assim, não eximiria a EQUINIX de possuir habilitação para operar no comércio internacional de mercadorias no sistema SISCOMEX da Receita Federal do Brasil (RADAR) e registrar a operação em seu próprio nome ou constando como adquirente em operações realizadas por conta e ordem de terceiros.

Entretanto, em consulta aos sistemas da RFB verifica-se que a EQUINIX nunca possuiu autorização para atuar no comércio exterior de mercadorias, fato que enseja um motivo bastante relevante para que a empresa tenha se utilizado de uma terceira pessoa para realizar a operação em análise:

[...]

Comprova-se portanto, de forma cabal, que a NOVATRADE agiu apenas como intermediária na operação de importação amparada pela DI nº 17/1139504-0, ocultando de forma fraudulenta o real adquirente da mercadoria.

[...]

Através de consultas ao sítio eletrônico (site) da NOVATRADE na internet, www.novatradebrasil.com, é possível obter-se a comprovação de todas as suspeições até aqui levantadas acerca da empresa fiscalizada: a NOVATRADE oferece seu RADAR para realizar operações de comércio exterior aos seus clientes, os quais mantém-se ocultos nas operações, haja vista que no histórico de Declarações de Importação ou Exportação registradas pela empresa todas as operações são declaradas como diretas, ou seja, nunca houve a informação de adquirentes/vendedores diversos para as mercadorias que importa ou exporta.

[...]

Cabe aqui frisar que a localização da empresa NOVATRADE em locais denominados “escritórios virtuais” apenas reforça o entendimento de que a importadora não dispõe de capacidade operacional comprovada para exercer o papel de real adquirente das mercadorias que importa. Ora, no presente caso, resta óbvio que foram identificadas todas as características pertinentes a uma empresa prestadora de serviços e não as de uma revendedora atacadista de mercadorias dos mais variados tipos, como alega ser a empresa fiscalizada.

[...]

Embora não constitua infração à legislação a importação de produtos por encomenda ou por conta e ordem de terceiros, a ocultação do verdadeiro comprador é irregularidade gravíssima, punida com a pena de perdimento das mercadorias, por conter em sua gênese o intuito de ludibriar o Fisco pela prática fraudulenta de simulação do negócio jurídico, causando prejuízo ao Erário e evidente prejuízo ao exercício dos controles aduaneiros.

[...]

Quando o encomendante ou adquirente não aparece na importação, a incidência do IPI na saída dos produtos de seu estabelecimento não ocorre, situação que acaba por ser agravada pelo fato de que, em regra, nessa terceira incidência há maior agregação de valor aos produtos.

A aplicação da pena de perdimento das mercadorias na hipótese de ocultação do sujeito passivo está prevista no Decreto 6.759/2009, art. 689, XXII, e no Decreto-Lei nº 1.455/1976, art. 23, V.

[...]

Ao apresentar a Fatura Comercial, documento instrutivo obrigatório no despacho de importação, omitindo a informação do verdadeiro adquirente da carga, a NOVATRADE realizou a simulação do negócio jurídico, pois, como importador ostensivo, declarou a operação como sendo para si, quando, na realidade, é por conta e ordem de terceiros. Dessa forma, há a caracterização da ocultação do real adquirente da importação aqui tratada.

Caracteriza-se, portanto, a falsidade ideológica do documento necessário ao embarque e desembaraço da mercadoria importada – a Fatura Comercial -, na importação tratada neste relatório, na medida em que esta omite o real adquirente da mercadoria importada.

Essas informações formam para a fiscalização evidência importante de falsidade ideológica da Fatura Comercial nº 2578, a qual manteve oculto o real adquirente da mercadoria importada. Tal irregularidade é caracterizada como dano ao Erário, punível com a pena de perdimento, conforme arts. 1º e 2º, I, da IN RFB 1.1.69/2011:

[...]

Convém destacar que o Dano ao Erário, assim definido explicitamente pela legislação em comento, traduz-se não apenas em seu aspecto arrecadatório e tributário, mas o transcende, atingindo também aspectos importantes relacionados ao controle sobre o comércio exterior – atividade precípua da Receita Federal do Brasil, tais como a remessa de divisas, os limites das operações das empresas que trabalham no comércio exterior (definidos em função dos valores declarados nas importações), a concorrência desleal com os demais importadores; além da formação de caixa dois e a omissão de receitas de vendas no mercado interno.

 

Consoante observado no minucioso relatório fiscal, o contribuinte, sob a alegação de que o negócio teria sido firmado de maneira informal, não apresentou os documentos relativos à negociação, os quais poderiam comprovar eventual participação regular da impetrante na operação que culminou na aplicação da pena de perdimento.

 

Combinado à hipótese de interposição fraudulenta, restou firmado entendimento pela falsidade da fatura comercial, consubstanciada na ausência de indicação do verdadeiro interessado na carga.

 

Vale observar, nesse ponto, que o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que as hipóteses previstas no art. 23 do DL n. 1.455/1976 e no art. 105 do DL n. 37/1966, que permitem a aplicação da pena de perdimento, veiculam presunção de ocorrência de prejuízo à fiscalização e/ou de dano ao erário, a qual pode ser ilidida pelo investigado no decorrer do processo administrativo fiscal (REsp n. 1.417.738/PE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 9/5/2019, DJe de 15/5/2019).

 

Entretanto, conforme bem demonstra o relatório fiscal, a apreensão da mercadoria e a posterior aplicação da pena de perdimento foram precedidas de ampla e regular discussão na esfera administrativa, na qual foi identificada a existência de robustos indícios de irregularidades que não foram infirmadas pelo contribuinte.

 

Considerando a via processual escolhida – mandado de segurança –, deveriam ter sido juntados com a exordial documentos capazes de se contrapor categoricamente às conclusões lançadas no percuciente trabalho da fiscalização aduaneira. Na hipótese vertente, todavia, os documentos e as alegações trazidos aos autos pela impetrante/apelante, que já haviam sido detalhadamente analisados na esfera administrativa, não são suficientes para tal finalidade.

 

Em tais situações, prevalece a conclusão pela caracterização da interposição fraudulenta, em razão da não indicação do verdadeiro destinatário da mercadoria (que foi identificado pela fiscalização a partir da etiqueta afixada na carga objeto da DI 7/1139504-0), bem como pela consequente falsidade ideológica documental na respectiva fatura comercial.

 

Cabe assinalar que a conclusão pela ocultação do real adquirente não se deu somente pelo fato de existir uma etiqueta na mercadoria com o nome de outra empresa (Equinix), estando também amparada nos demais indícios constatados pela fiscalização.

 

Com efeito, a impetrante não se desincumbiu do ônus de esclarecer as questões levantadas pela fiscalização, as quais culminaram, consoante assinalado no Parecer da Seção de Assessoramento Técnico Aduaneiro, nas seguintes conclusões fiscais: (a) ausência de capacidade logística para armazenar o volume de mercadorias que importa (não apresentação de contratos capazes de comprovar as operações logísticas e operacionais que afirmar realizar); (b) anúncio em seu sítio eletrônico acerca da cessão do nome para realização de operações de comércio exterior; (c) ausência de verossimilhança (sobretudo em se tratando da primeira operação realizada com a exportadora) na suscitada realização de transações comerciais de maneira informal (via Skype), sem manutenção de documentos relativos à negociação; (d) amplo espectro de atividades que queriam desenvolvidas por uma entidade empresarial cujo único prestador de serviço é o próprio sócio (ID 155529241, p. 297).

 

Em síntese, a ação fiscal não teve sua presunção de legitimidade infirmada pelo contribuinte.

 

Diante desse cenário, resta caracterizado o Dano ao Erário, mostrando-se regular a aplicação da pena de perdimento, por estar a ação do Fisco em consonância com a legislação que rege a matéria, em especial no que concerne ao disposto no art. 689, VI e XXII, do Decreto 6.759/2009, bem como no art. 23, V, e § 1º, do Decreto-Lei 1.455/1976:

 

Art. 689.  Aplica-se a pena de perdimento da mercadoria nas seguintes hipóteses, por configurarem dano ao Erário (Decreto-Lei nº 37, de 1966, art. 105; e Decreto-Lei nº 1.455, de 1976, art. 23, caput § 1º, este com a redação dada pela Lei no 10.637, de 2002, art. 59):

[...]

VI - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado;

[...]

XXII - estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.

 

Art 23. Consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias:

[...]

V - estrangeiras ou nacionais, na importação ou na exportação, na hipótese de ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros.(Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

§ 1o O dano ao erário decorrente das infrações previstas no caput deste artigo será punido com a pena de perdimento das mercadorias. (Incluído pela Lei nº 10.637, de 30.12.2002)

 

A propósito da questão em debate, cumpre destacar precedente da Quarta Turma deste Tribunal, que se refere a situação semelhante à debatida nos presentes autos, além de tratar de penalidade aplicada à mesma empresa que impetrou o presente mandado de segurança (ora apelante):

 

PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PENA DE PERDIMENTO. APREENSÃO DE MERCADORIAS. IMPORTAÇÃO IRREGULAR. DANO AO ERÁRIO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO NÃO COMPROVADO.

I - Trata-se o mandado de segurança de uma ação de natureza constitucional (art. 5º, inciso LXIX, CF/88), que tem como pressuposto a certeza e liquidez do direito, sujeitando-se a rito especial e célere, exigindo, para tanto, prova pré-constituída, aferível de plano, não sendo compatível, assim, dilação probatória para comprovação de matéria de fato não demonstrada logo na exordial.

II - Em conformidade com esse dispositivo constitucional, dispõe a Lei nº 12.016/09, em seu art. 1º, que “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. (Vide ADIN 4296)”.

III - Portanto, o direito a ser tutelado pela via do mandamus deve ser líquido e certo, assim entendido aquele decorrente de fatos incontroversos, demonstrados por meio de prova pré-constituída, apta a demonstrar a existência de direito passível de violação. Ou seja, se os fatos alegados na inicial dependerem de prova a demandar instrução no curso do processo, não se pode afirmar que o direito para o qual se busca proteção seja líquido e certo. Desse modo, se pairar dúvidas sobre a questão, sendo necessária a dilação probatória, inviável a impetração de mandado de segurança para sua discussão.

IV – No caso dos autos, foi acostada aos autos cópia integral do Processo Administrativo Fiscal nº 19482.720055/2017-49 (ID 155407650, pp. 1/323), corroborando o que consta nas informações prestadas pela autoridade impetrada.

V - Analisando a documentação acostada aos autos, bem como as informações prestadas neste feito, o MM. Juízo a quo concluiu que a impetrante não se desincumbiu do ônus de comprovar de plano o direito alegado, impossibilitando, assim, o afastamento das conclusão da autoridade fiscal de que as mercadorias apreendidas foram introduzidas no país irregularmente, configurando o intuito de burlar o Fisco, bem como que a apelante praticou o ilícito de interposição fraudulenta de pessoas.

VI - Ademais, a alegação da apelante de que o Fisco teria aplicado a pena de perdimento por ser o beneficiário da alienação dessas mercadorias, uma vez que, nos termos dos arts. 27 a 30 do Decreto-Lei nº 1.455/76, a maior parte do total percebido com essa alienação é destinado ao Fundo de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento da Fiscalização – FUNDAF, atinge diretamente a moralidade administrativa, sem qualquer prova nesse sentido, não sendo passível, portanto, de análise em sede mandamental.

VII - Assim, de rigor a manutenção da sentença, face à deficiência de elementos comprobatórios, porquanto as alegações da apelante não se fizeram acompanhar de documentação apta a comprovar tudo quanto foi dito.

VIII - Recurso de apelação da impetrante improvido.

(TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001475-98.2020.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 22/02/2022, Intimação via sistema DATA: 25/02/2022)

 

Em face do exposto, nego provimento à apelação da impetrante.

 

É como voto.



E M E N T A

DIREITO ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO. INTERPOSIÇÃO FRAUDULENTA DE TERCEIROS. FALSIDADE IDEOLÓGICA DOCUMENTAL. CONCLUSÕES DA FISCALIZAÇÃO NÃO INFIRMADAS PELO CONTRIBUINTE. PENA DE PERDIMENTO REGULARMENTE APLICADA. APELAÇÃO DA IMPETRANTE IMPROVIDA.

1. De acordo com o Termo de Verificação Fiscal e Descrição dos Fatos, que integra o processo administrativo fiscal (PAF) 19482.720052/2017-13, houve apreensão da mercadoria informada na Declaração de Importação (DI) 17/1139504-0 em razão da conclusão fiscal pela ocorrência de: (i) interposição fraudulenta de terceiros com a ocultação do real adquirente; (ii) falsidade ideológica documental na operação de comércio exterior.

2. A identificação de tais infrações pelo controle aduaneiro ensejou a aplicação da pena de perdimento, por se considerar evidenciado o Dano ao Erário, decorrente da infração prevista no art. 689, incisos VI e XXII, § 3º-A do Decreto 6.759/2009; arts. 94, 95, 96, inciso II do Decreto-Lei nº 37/66; art. 23, inciso V, § 1º do Decreto-Lei nº 1.455/76, regulamentados pelos arts. 673, 674, 675, inciso II, 701 e 774 do Decreto nº 6.759/09.

3. Transcrição de excertos do Termo de Verificação Fiscal e Descrição dos Fatos.

4. Consoante observado no minucioso relatório fiscal, o contribuinte, sob a alegação de que o negócio teria sido firmado de maneira informal, não apresentou os documentos relativos à negociação, os quais poderiam comprovar eventual participação regular da impetrante na operação que culminou na aplicação da pena de perdimento.

5. Combinado à hipótese de interposição fraudulenta, restou firmado entendimento pela falsidade da fatura comercial, consubstanciada na ausência de indicação do verdadeiro interessado na carga.

6. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que as hipóteses previstas no art. 23 do DL n. 1.455/1976 e no art. 105 do DL n. 37/1966, que permitem a aplicação da pena de perdimento, veiculam presunção de ocorrência de prejuízo à fiscalização e/ou de dano ao erário, a qual pode ser ilidida pelo investigado no decorrer do processo administrativo fiscal (REsp n. 1.417.738/PE, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 9/5/2019, DJe de 15/5/2019).

7. Entretanto, conforme bem demonstra o relatório fiscal, a apreensão da mercadoria e a posterior aplicação da pena de perdimento foram precedidas de ampla e regular discussão na esfera administrativa, na qual foi identificada a existência de robustos indícios de irregularidades que não foram infirmadas pelo contribuinte.

8. Considerando a via processual escolhida – mandado de segurança –, deveriam ter sido juntados com a exordial documentos capazes de se contrapor categoricamente às conclusões lançadas no percuciente trabalho da fiscalização aduaneira. Na hipótese vertente, todavia, os documentos e as alegações trazidos aos autos pela impetrante/apelante, que já haviam sido detalhadamente analisados na esfera administrativa, não são suficientes para tal finalidade.

9. Em tais situações, prevalece a conclusão pela caracterização da interposição fraudulenta, em razão da não indicação do verdadeiro destinatário da mercadoria (que foi identificado pela fiscalização a partir da etiqueta afixada na carga objeto da DI 7/1139504-0), bem como pela consequente falsidade ideológica documental na respectiva fatura comercial.

10. A conclusão pela ocultação do real adquirente não se deu somente pelo fato de existir uma etiqueta na mercadoria com o nome de outra empresa (Equinix), estando também amparada nos demais indícios constatados pela fiscalização.

11. A impetrante não se desincumbiu do ônus de esclarecer as questões levantadas pela fiscalização, as quais culminaram, consoante assinalado no Parecer da Seção de Assessoramento Técnico Aduaneiro, nas seguintes conclusões fiscais: (a) ausência de capacidade logística para armazenar o volume de mercadorias que importa (não apresentação de contratos capazes de comprovar as operações logísticas e operacionais que afirmar realizar); (b) anúncio em seu sítio eletrônico acerca da cessão do nome para realização de operações de comércio exterior; (c) ausência de verossimilhança (sobretudo em se tratando da primeira operação realizada com a exportadora) na suscitada realização de transações comerciais de maneira informal (via Skype), sem manutenção de documentos relativos à negociação; (d) amplo espectro de atividades que queriam desenvolvidas por uma entidade empresarial cujo único prestador de serviço é o próprio sócio.

12. Em síntese, a ação fiscal não teve sua presunção de legitimidade infirmada pelo contribuinte.

13. Diante desse cenário, resta caracterizado o Dano ao Erário, mostrando-se regular a aplicação da pena de perdimento, por estar a ação do Fisco em consonância com a legislação que rege a matéria, em especial no que concerne ao disposto no art. 689, VI e XXII, do Decreto 6.759/2009, bem como no art. 23, V, e § 1º, do Decreto-Lei 1.455/1976.

14. Precedente da Quarta Turma deste Tribunal, que se refere a situação semelhante à debatida nos presentes autos, além de tratar de penalidade aplicada à mesma empresa que impetrou o presente mandado de segurança (TRF 3ª Região, 4ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5001475-98.2020.4.03.6105, Rel. Desembargador Federal MARCELO MESQUITA SARAIVA, julgado em 22/02/2022, Intimação via sistema DATA: 25/02/2022).

15. Apelação da impetrante improvida.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
CONSUELO YOSHIDA
Desembargadora Federal