APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003833-55.2023.4.03.6000
RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO
APELANTE: UNIÃO FEDERAL
APELADO: ELZA PEREIRA BATISTOTE
Advogado do(a) APELADO: RENE OCAMPOS ALVES - MS21266-A
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003833-55.2023.4.03.6000 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: ELZA PEREIRA BATISTOTE Advogado do(a) APELADO: RENE OCAMPOS ALVES - MS21266-A OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Trata-se de apelação, com efeito suspensivo, interposta pela UNIÃO FEDERAL objetivando a reforma da r. sentença e a exclusão da parte autora, ELZA PEREIRA BATISTOTE, do Sistema Médico-Hospitalar do Exército Brasileiro (SAMMED/FUSEX). Na origem (ID 289883046), a parte autora, ora apelada, idosa, ajuizou ação ordinária, com pedido de tutela provisória de urgência, em face da União, a fim de reverter a determinação de sua exclusão como beneficiária nos planos SAMMED/FUSEX. Relata ter sido casada com Carlos Maciel Batistite, militar do Exército, e que, em 09/11/1994, dele se separou. Explica que, na separação judicial, por mútuo consentimento, ficou estipulado que receberia pensão alimentícia para si e seus filhos menores. Conta que, com o falecimento do militar em 14/05/2016, passou a receber pensão por morte, juntamente com uma filha. Demonstra, por meio de comprovante mensal de rendimentos, o desconto de valor relativo ao FUSEX (ID 289883058). Narra a autora que, em 25/05/2022, recebeu o Ofício nº 59 e no qual constava a informação de indeferimento de seu recadastramento na assistência médico-hospitalar do Exército, “por não possuir vínculo de dependência com o militar instituidor da pensão, nos termos do que prescreve a letra e), do inciso IV do §§ 2º e 3º, do Art 50 da Lei 6880/80”. Expõe que, após recurso administrativo, a exclusão foi mantida. Custas recolhidas (ID 289883078). Proferida decisão de deferimento do pedido de tutela de urgência para compelir a União a prestar assistência médico-hospitalar à autora, reincluindo-a no plano de saúde do qual foi excluída (ID 289883079). Documento da Administração Militar informando que a autora não havia sido excluída do FUSEX e continuará na qualidade de beneficiária, nos termos de decisão judicial (ID 289883140). Contestação pela União (ID 289883151). Réplica à contestação (ID 289883266). Em sentença (ID 289883271), o juízo a quo julgou procedente o pedido para, ratificando a decisão que deferiu a tutela de urgência, condenar a requerida a reincluir a autora no FUSEX. Condenou a requerida ao pagamento de honorários aos representantes da autora, fixados nos percentuais mínimos estabelecidos no art. 85, §3º, I a VI, do Código de Processo Civil, sobre o valor atualizado da causa e a reembolsar as custas adiantadas pela autora, ficando isenta das custas remanescentes. Sentença não sujeita a reexame necessário. Em razões recursais (ID 289883282), requer a União a suspensão do feito até o julgamento do tema repetitivo nº 1.080 do STJ. No mérito, alega que pensionista por morte não é dependente do militar falecido; que, com o óbito do ex-marido, a autora passou a ter relação de pensão estatutária com a Administração. Ressalta que, desde 2017, com o Parecer nº 773/2017 da CONJUR do Ministério da Defesa, passou a haver distinção entre dependência estatutária, para fins de assistência médico-hospitalar, e dependência para fins de habilitação à pensão militar, sendo, possível, assim, a exclusão de pensionistas já beneficiários dos sistemas de assistência médico-hospitalares, mas sem dependência econômica, nos termos do art. 50 da Lei nº 6.880/1980. Nesse mesmo sentido, foi editada a Portaria nº 244-DGP, de 07/10/2019. Sustenta a União que a decisão que concede a reinclusão de ex-esposa de militar na qualidade de beneficiária do FUSEX ofende o princípio da legalidade, por carência de fundamento legal, ante o não enquadramento como dependente para fins de SAMMED/FUSEX. Aduz que o art. 50 da Lei nº 6.880/1980 cuida do regime jurídico dos servidores militares, não sendo norma de natureza previdenciária e não havendo que se falar em aplicação das normas vigentes à época do falecimento do militar, em atenção ao princípio do tempus regit actum. Defende que inexiste direito adquirido a regime jurídico e argumenta pela possibilidade de revisão do ato de concessão, com fundamento no princípio da legalidade e no poder-dever de autotutela. Afirma que não se trata de decadência a revisão dos beneficiários do SAMMED/FUSEX, procedimento de rotina administrativa, pois atos ilegais não se convalidam. Salienta que o recadastramento “não tem o condão de interromper nenhum tratamento em andamento”. Alega, ainda, que a saúde é dever do Estado, a ser prestado pelos entes da Federação, notadamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), nos termos dos arts. 196 e 198 da Constituição Federal. Alega inexistir, no caso, lesão ao direito constitucional à saúde, pois os sistemas de saúde se complementam. Evoca o princípio da reserva do possível. Observa a União que a percepção de rendimentos pela parte autora não está em discussão, de modo que a pensão militar “não se presta a definir qualquer pretenso direito da parte”. Requer a concessão de efeito suspensivo ao apelo. Pleiteia a revogação da tutela de urgência e o julgamento improcedente dos pedidos, com a condenação da parte autora/apelada ao pagamento de custas e honorários de sucumbência. Com contrarrazões apresentadas pelo autor (ID 289883285), foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal. É o relatório. avl
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5003833-55.2023.4.03.6000 RELATOR: Gab. 45 - DES. FED. ANTONIO MORIMOTO APELANTE: UNIÃO FEDERAL APELADO: ELZA PEREIRA BATISTOTE Advogado do(a) APELADO: RENE OCAMPOS ALVES - MS21266-A OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL ANTONIO MORIMOTO (RELATOR): Primeiramente, julgo prejudicado o pedido de concessão de efeito suspensivo ao apelo, haja vista o julgamento da apelação nesta oportunidade. Passo à análise do mérito. Cinge-se a controvérsia à possibilidade de manutenção da parte apelada como beneficiária do FUSEX, na condição de “ex-esposa com direito a pensão alimentícia”, conforme homologado por sentença de separação judicial, tendo em vista as alterações introduzidas pela Lei nº 13.954/2019, que reduziu o rol de beneficiários previstos na Lei nº 6.880/1980. Consta dos autos que a parte autora, ora apelada, é pensionista do instituidor do benefício (seu ex-marido), falecido em 14/05/2016. Demonstra, por meio de comprovante mensal de rendimentos, o desconto de valor relativo ao FUSEX (ID 289883058). Após revisão da condição de beneficiária da assistência médico-hospitalar, a cargo da Administração Militar e com fundamento na Portaria nº 244-DGP, de 07.10.2019, foi determinada a exclusão da autora do FUSEX. Deferido o pedido de tutela de urgência para compelir a União a prestar assistência médico-hospitalar à autora (ID 289883079). Proferida sentença que confirmou a tutela concedida (ID 289883271). Pois bem. De início, importa consignar que como a separação judicial e o falecimento do instituidor do benefício ocorreram, respectivamente, em 09/11/1994 e em 14/05/2016, a situação da autora deve ser analisada conforme o Estatuto dos Militares com redação prévia às alterações promovidas pela Lei nº 13.954, de 16/12/2019. O art. 50 da Lei nº 6.880/1980 estabelece, dentre os direitos dos militares estendidos aos dependentes, a assistência médico-hospitalar. Elenca, no §2º, como dependente do militar, a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio: Art. 50. São direitos dos militares: (...) IV - nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas: (...) e) a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários; (...) § 2° São considerados dependentes do militar: I - a esposa; II - o filho menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou interdito; III - a filha solteira, desde que não receba remuneração; IV - o filho estudante, menor de 24 (vinte e quatro) anos, desde que não receba remuneração; V - a mãe viúva, desde que não receba remuneração; VI - o enteado, o filho adotivo e o tutelado, nas mesmas condições dos itens II, III e IV; VII - a viúva do militar, enquanto permanecer neste estado, e os demais dependentes mencionados nos itens II, III, IV, V e VI deste parágrafo, desde que vivam sob a responsabilidade da viúva; VIII - a ex-esposa com direito à pensão alimentícia estabelecida por sentença transitada em julgado, enquanto não contrair novo matrimônio. (grifos acrescidos) O Decreto nº 92.512, de 02 de abril de 1986, que estabelece normas, condições de atendimento e indenizações para a assistência médico-hospitalar ao militar e seus dependentes, e dá outras providências, prevê: Art. 1º O militar da Marinha, do Exército e da Aeronáutica e seus dependentes têm direito à assistência médico-hospitalar, sob a forma ambulatorial ou hospitalar, conforme as condições estabelecidas neste decreto e nas regulamentações específicas das Forças Singulares. Art. 2º A assistência médico-hospitalar, a ser prestada ao militar e seus dependentes, será proporcionada através das seguintes organizações de saúde: (...) Art. 3º Para os efeitos deste decreto, serão adotadas as seguintes conceituações: (...) XI - Dependentes de Militar - são os assim definidos no Estatuto dos Militares; (...) XXVII - Pensionista - é o beneficiário do Militar das Forças Armadas, falecido ou extraviado quando na situação da ativa ou na inatividade, que, em conformidade com os dispositivos da legislação específicas e do Estatuto dos Militares, torna-se habilitado à Pensão Militar; (...) Art. 4º A organização de saúde de um Ministério Militar destina-se a prestar assistência médico-hospitalar aos militares da ativa ou na inatividade - a ele vinculados - e respectivos dependentes. Ainda, a título argumentativo, a Lei nº 13.954/2019, que, dentre outras providências, trata do Sistema de Proteção Social dos Militares, dispõe: Art. 23. Os dependentes de militares regularmente declarados e inscritos nos bancos de dados de pessoal das Forças Armadas, ou aqueles que se encontrem em processo de regularização de dependência na data de publicação desta Lei permanecerão como beneficiários da assistência médico-hospitalar prevista na alínea "e" do inciso IV do caput do art. 50 da Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares), conforme estabelecido no regulamento de cada Força Armada. A partir de uma análise conjunta das normas acima destacadas, observo que a parte apelada não perdeu a sua condição de dependente, pois pensionista do militar falecido, nem de beneficiária do FUSEX, uma vez que as alterações à legislação militar, realizadas em 2019, a ela não se estendem. Observo que não consta notícia sobre novo casamento ou constituição de união estável pela autora. Nesse sentido, já decidiu a Primeira Turma desta Corte Regional: ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MILITAR. DEPENDENTE. EX-ESPOSA. INCLUSÃO NO FUSEX. SEPARAÇÃO CONSENSUAL. PENSÃO ALIMENTÍCIA. MANUTENÇÃO DA DEPENDÊNCIA. ART. 50, §2º, VIII, LEI Nº 6.880/80. PORTARIA 653/2005. LIMITE REGULAMENTADOR NÃO OBSERVADO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. O direito da autora de continuar beneficiária do plano de saúde decorre da própria condição de dependente do militar, pois divorciou-se com direito a receber pensão alimentícia, estabelecida por sentença judicial em 07.12.2004, na ação de alimentos nº 019.04.002470-7. Noutro lado, tem-se que a sentença homologatória do divórcio consensual, proferida em 05.05.2010, nos autos n° 019.09.006875-9, estabeleceu que a autora continuaria beneficiária do FUSEX. 2. O Estatuto dos Militares é claro ao prever como dependente para fins de assistência médico-hospitalar a ex-esposa, com direito à pensão alimentícia (art. 50, IV, "e", parágrafo 2º, VIII, da Lei nº 6.880/80). (...) 6. Considerando que não é possível a alteração de lei por decreto ou ato normativo inferior, a pretendida exclusão dos ex-cônjuges prevista na IG 30-32, não subsiste, na medida em que se revela o desrespeito ao contido no art. 50, IV, "e", parágrafo 2º, VIII, da Lei nº 6.880/80. 7. Devidamente comprovado o divórcio com direito à pensão alimentícia, bem como não tendo a autora contraído novas núpcias, restou demonstrada a manutenção da condição de dependente do ex-cônjuge militar, de tal sorte que faz jus à reinclusão como beneficiária do FUSEX. 8. De rigor a manutenção da r. sentença, que determinou a reinclusão da autora no Fundo de Saúde do Exército - FUSEX. 9. Apelação não provida. (TRF 3ª Região, 1ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 0000871-42.2017.4.03.6005, Rel. Juiz Federal Convocado NOEMI MARTINS DE OLIVEIRA, v.u., julgado em 26/03/2020, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 01/04/2020) Outrossim, a assistência à saúde do militar e de seus dependentes, por meio de contribuição específica, conquanto não previsto no art. 142 da Constituição Federal, não só é dever das Forças Armadas como, por intermédio dessa obrigação, é possível a concretização do direito universal à saúde, nos termos do art. 196 da CF/88: Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Assim, de rigor a manutenção da autora no Sistema Médico-Hospitalar do Exército Brasileiro (SAMMED/FUSEX). A sentença não merece reparos. Dos honorários advocatícios Em razão da sucumbência recursal, instituída no artigo 85, §11, do CPC/2015, desprovido o apelo, os honorários fixados na sentença devem, no caso, ser majorados em 2%. Conclusão Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação, observada a majoração da verba honorária acima exposta. Consigno que a oposição de embargos declaratórios infundados pode ensejar aplicação de multa nos termos do art. 1.026, § 2°, do CPC. É como voto.
E M E N T A
DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA MÉDICO-HOSPITALAR. EX-ESPOSA PENSIONISTA DE MILITAR. EXCLUSÃO DO FUSEX. LEI Nº 6.880/80. ALTERAÇÕES DA LEI Nº 13.954/2019. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO RETROATIVA. RECURSO NÃO PROVIDO.
I. Caso em exame
Trata-se de apelação cível interposta pela União contra sentença que confirmou tutela de urgência e reconheceu o direito da autora, ex-esposa e pensionista de militar falecido, de permanecer como beneficiária do Fundo de Saúde do Exército (FUSEX), indevidamente excluída com base em portaria administrativa editada após o falecimento do instituidor da pensão.
II. Questão em discussão
A questão em discussão consiste em saber se a autora, ex-esposa com pensão alimentícia judicialmente fixada e sem novo casamento, mantém a condição de dependente para fins de assistência médico-hospitalar após a entrada em vigor da Lei nº 13.954/2019.
III. Razões de decidir
A autora, separada judicialmente desde 1994 e pensionista desde o falecimento do ex-marido em 2016, deve ter sua situação analisada conforme a redação da Lei nº 6.880/80 anteriormente às alterações promovidas pela Lei nº 13.954/2019, vigente à época do óbito.
O art. 50, §2º, VIII, do Estatuto dos Militares assegura assistência médico-hospitalar à ex-esposa pensionista enquanto não contrair novo matrimônio, condição que permanece inalterada.
A Portaria nº 244-DGP/2019 e a Lei nº 13.954/2019 não podem retroagir para prejudicar direito adquirido da autora.
Jurisprudência consolidada reconhece o direito de ex-esposa pensionista à manutenção no FUSEX.
A assistência à saúde dos militares e seus dependentes, ainda que não prevista no art. 142 da CF/88, é garantida pelo art. 196 da CF/88 como direito fundamental à saúde.
Majoração dos honorários advocatícios em 2%, nos termos do art. 85, §11, do CPC/2015.
IV. Dispositivo e tese
Recurso não provido. Sentença mantida.
Tese de julgamento:
“1. A ex-esposa com direito à pensão alimentícia judicialmente fixada, não tendo contraído novo matrimônio ou constituído união estável, mantém a condição de dependente para fins de assistência médico-hospitalar conforme o art. 50, §2º, VIII, da Lei nº 6.880/80. 2. A exclusão de beneficiária do FUSEX com base em norma posterior ao óbito do instituidor do benefício ofende o direito adquirido e não subsiste.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, arts. 142 e 196; CPC/2015, arts. 85, §11, e 1.026, §2º; Lei nº 6.880/1980, art. 50; Lei nº 13.954/2019, art. 23; Decreto nº 92.512/1986.
Jurisprudência relevante citada: TRF 3ª Região, ApCiv 0000871-42.2017.4.03.6005, 1ª Turma, Rel. Juiz Fed. Conv. Noemi Martins de Oliveira, j. 26.03.2020.