Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007092-87.2021.4.03.6110

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA

APELANTE: JOSUEL CORREIA MILANI

Advogados do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A, FERNANDA COUTINHO NUNES - SP301288-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:

FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007092-87.2021.4.03.6110

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA

APELANTE: JOSUEL CORREIA MILANI

Advogados do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A, FERNANDA COUTINHO NUNES - SP301288-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

 

Cuida-se de demanda previdenciária ajuizada aos 13.10.2021 por JOSUEL CORREIA MILANI em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, visando à concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência por tempo de contribuição desde a DER (06.07.2020), mediante o reconhecimento da deficiência do autor.

A r. sentença julgou improcedente a pretensão autoral e condenou o autor ao pagamento da verba honorária, observada a gratuidade de justiça (ID 307243021).

Apela o autor. Em suas razões recursais, afirma ser pessoa com deficiência auditiva desde meados de 2000. Afirma equivocadas as conclusões da perícia médica realizada nos autos. Pede a reforma da r. sentença e a total procedência dos pedidos iniciais, com a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição da pessoa com deficiência desde a DER e a inversão do ônus de sucumbência.

Sem contrarrazões, subiram os autos a este E. Tribunal.

O Ministério Público Federal deixou de opinar sobre o mérito recursal (ID 317509033).

É o relatório. 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
10ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5007092-87.2021.4.03.6110

RELATOR: Gab. 36 - DES. FED. MARCOS MOREIRA

APELANTE: JOSUEL CORREIA MILANI

Advogados do(a) APELANTE: ANDERSON DE OLIVEIRA BARBOZA - SP244097-A, FERNANDA COUTINHO NUNES - SP301288-A

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

 

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

 

Tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursal, passo ao exame da matéria objeto de devolução.

DA APOSENTADORIA À PESSOA COM DEFICIÊNCIA SEGUNDO A LC 142/2013

No caso dos autos, discute-se a caracterização da parte autora enquanto pessoa com deficiência nos moldes definidos pela Lei Complementar n. 142/2013, a fim de lhe conceder o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição à pessoa com deficiência.

A Lei Complementar nº 142, de 8 de maio de 2013, regulamentou o § 1º do art. 201 da Constituição Federal, no que toca à aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social – RGPS e incorporou, em seu art. 2º, a definição aportada pela já aludida Convenção:

“Art. 2º Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”

Os requisitos para a jubilação específica às pessoas com deficiência estão elencados no art. 3º da LC 142/2013, que estabelece que:

“Art. 3o É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições:

I - aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave;

II - aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada;

III - aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou

IV - aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.

Parágrafo único. Regulamento do Poder Executivo definirá as deficiências grave, moderada e leve para os fins desta Lei Complementar”

Em oposição à invalidez, em que o segurado não tem mais condições de exercer atividade laborativa, a LC nº 142/2013 exige que o segurado efetivamente trabalhe com a existência da sua deficiência para que cumpra com os requisitos necessários à aposentadoria.

Nos artigos 6º e seguintes são estabelecidas regras para a contagem do tempo de contribuição, para a hipótese de alteração do grau de deficiência, renda mensal do benefício, entre outras questões.

De se destacar a possibilidade de se computar proporcionalmente o tempo em que o segurado desempenhou atividade com e sem deficiência, nos termos do art. 7º da LC nº 142/2013:

“Art. 7º. Se o segurado, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no art. 3º serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, nos termos do regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 3o desta Lei Complementar”.

 A LC nº 142/2013 dispõe, ainda, em seu art. 10:

 “A redução do tempo de contribuição prevista nesta Lei Complementar não poderá ser acumulada, no tocante ao mesmo período contributivo, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”.

O Decreto nº 3.048/1999, na Subseção IV-A, incluída pelo Decreto nº 8.145/2013, regulamentou a Lei Complementar 142/2013 e, em seus artigos 70-E e 70-F, §1º, trouxe as tabelas de conversão para fins de aposentadoria por tempo de contribuição do segurado com deficiência.

Da fundamentação acima exarada, em especial sobre a conversão dos tempos de contribuição, convém detalhar de forma minudente, que exsurgem duas espécies de aposentadoria do segurado por deficiência: por tempo de contribuição e por idade.

A modalidade consistente na aposentadoria do segurado por deficiência por idade, (art. 3º, IV, da LC 142/2013, e art. 70-C, §§ 1º e 2º, do Regulamento), será concedida aos 60 anos de idade, se homem, e 55 anos, se mulher, independentemente do grau de deficiência do segurado, e requer o cumprimento do período de carência de 15 (quinze) anos de contribuição, comprovada a existência de deficiência pelo mesmo período.

Por sua vez, a aposentadoria do segurado por deficiência por tempo de contribuição, (art. 3º, I a III, da LC 142/2013, e art. 70-B, I a III, e parágrafo único do Regulamento), depende do estrito cumprimento do tempo mínimo de contribuição, conforme o grau de deficiência para homem e mulher.

É importante frisar, desde logo, as diretrizes que conduzem a interpretação no que diz respeito à conversão dos tempos de contribuição.

A primeira, decorre do precedente obrigatório emanado do C. STJ, que cristalizou o entendimento no sentido de que o direito à conversão deve submeter-se à legislação vigente no momento do respectivo requerimento administrativo, conforme a tese do Tema 546: "A lei vigente por ocasião da aposentadoria é a aplicável ao direito à conversão entre tempos de serviço especial e comum, independentemente do regime jurídico à época da prestação do serviço", (Recurso Especial repetitivo nº 1.310.034/PR Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Primeira Seção, julgado em 24/10/2012, DJe 19/12/2012; e EDcl no REsp 1310034/PR, j. 26/11/2014; EDcl  nos EDcl no REsp 1310034/PR, j.10/06/2015).

Colhe-se da ementa do acórdão as regras firmadas segundo o seguinte excerto: “Como pressupostos para a solução da matéria de fundo, destaca-se que o STJ sedimentou o entendimento de que, em regra; a) a configuração do tempo especial é de acordo com a lei vigente no momento do labor, e b) a lei em vigor quando preenchidas as exigências da aposentadoria é a que define o fator de conversão entre as espécies de tempo de serviço”. 

Nesse diapasão, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à contagem sob a égide da norma jurídica em vigor no momento da prestação. Entretanto, o direito à conversão deve se submeter à lei vigente por ocasião do perfazimento do direito à aposentação. 

A segunda emana do artigo 25, § 2º, da Emenda Constitucional nº 103, de 13/11/2019, que estabelece que: “será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data”.

Note-se que o Poder Constituinte derivado produziu norma vedando a conversão do tempo especial em comum. Todavia, no que diz respeito à disciplina da aposentadoria da pessoa com deficiência, é de rigor destacar que a nova ordem jurídica nacional recepcionou integralmente a Lei Complementar nº 142, de 08/05/2013, razão por que é mister observar os seus comandos.

Nesse diapasão, a jubilação pelo exercício do direito à percepção da aposentadoria por deficiência deve submeter-se à disciplina inserta na Lei Complementar nº 142, de 08/05/2013, que dispõe sobre a possibilidade de aproveitamento: (a) do tempo especial, laborado na condição de pessoa com deficiência, antes da vigência da lei complementar, se comprovada a condição de deficiência do segurado mediante perícia, e prova não exclusivamente testemunhal, para fins de fixação da data do início da deficiência; (b) do tempo comum laborado antes da deficiência, observada a tabela de conversão (art. 70-E do Regulamento); e, ainda, (c) do tempo especial, decorrente da submissão do segurado a agentes nocivos à saúde, devidamente comprovado, observada a tabela de conversão (art. 70-F do Regulamento).

DA VEDAÇÃO À CUMULAÇÃO DE REDUÇÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO

É expressamente vedada a cumulação de critérios redutivos do tempo de contribuição, na forma do artigo 10 da Lei Complementar nº 142, de 08/05/2013, cuja norma proíbe a utilização simultânea de dois fatores de redução decorrente de tempo especial por agente nocivo e tempo especial por deficiência. Eis a redação, in verbis:

"Art. 10. A redução do tempo de contribuição prevista nesta Lei Complementar não poderá ser acumulada, no tocante ao mesmo período contributivo, com a redução assegurada aos casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física."

 Dessa forma, o segurado não poderá se valer, de forma simultânea, da redução decorrente da deficiência (art. 3º LC nº 142/13) e daquela outra destinada àqueles que são submetidos aos agentes nocivos que prejudiquem a saúde (art. 57, Lei nº 8.213/91).

Cabe destacar, contudo, que, segundo a norma do artigo 9º, inciso V, da lei de regência, é possível a concessão ao segurado com deficiência de outra espécie de aposentadoria, se lhe for mais favorável, nos seguintes termos, in verbis:

"Art. 9º Aplicam-se à pessoa com deficiência de que trata esta Lei Complementar: 

(...)

V - a percepção de qualquer outra espécie de aposentadoria estabelecida na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que lhe seja mais vantajosa do que as opções apresentadas nesta Lei Complementar."

 Esse comando garante ao segurado a percepção do melhor benefício e, além disso, concede suporte legal à norma do § 1º do artigo 70-F do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999, que prevê a possibilidade de conversão do tempo cumprido em condições especiais, se resultar mais favorável ao segurado.

Nesse diapasão, o reconhecimento do tempo especial decorrente de exposição a agentes nocivos, não poderá conduzir à conversão em tempo comum, e, posteriormente, à conversão em especial, por vedação expressa da lei (art. 10 da LC nº 142/2013), que impede a utilização concomitante de dois fatores de proporção para redução.

Não obstante, é assegurado o cômputo do período reconhecido como especial mediante a conversão, apenas e tão somente, segundo os coeficientes da tabela do artigo 70-F do Decreto nº 3.048, de 06/05/1999. A regra faculta a transformação do tempo especial para fins de aposentadoria por deficiência, na hipótese de o cálculo com o aproveitamento dos interregnos especiais, convertidos segundo a tabela, se mostrar favorável ao trabalhador com deficiência.

Anote-se, contudo, que a recíproca não é verdadeira, pois é vedada a utilização de tempo de contribuição do segurado com deficiência para fins de conversão em tempo especial para aposentação na forma dos artigos 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24/07/1991.

Cabendo, no entanto, a possibilidade de utilização das prestações vertidas no período de tempo de contribuição como pessoa com deficiência, para fins de aposentação por idade ou tempo de contribuição a teor do artigo 421, § 3º, da IN INSS nº 77, de 21/01/2015.

Assim, temos que a aposentadoria por deficiência pode ser concedida a partir das seguintes condições:

a) Reconhecimento do tempo especial decorrente de deficiência por todo o período:

Trata-se do caso de segurados que ingressam no RGPS já portadores de deficiência.

Dessa forma, são observados os requisitos do artigo 3º da lei de regência para aposentação por tempo de contribuição e por idade.

 b) Reconhecimento do tempo especial decorrente de deficiência anterior à lei de regência:

Nos casos em que o segurado ingressou no RGPS anteriormente à vigência da Lei Complementar nº 142, de 08/05/2013, é garantido, expressamente, o aproveitamento do tempo especial de contribuição na condição de segurado com deficiência, na forma de seu artigo 6º, mediante a apresentação de prova, não exclusivamente testemunhal, e a realização de avaliação para “fixação da data provável do início da deficiência”.

A avaliação para fins de comprovação da existência de deficiência e o seu grau, antes da LC nº 142, de 08/05/2013, deverá observar os parâmetros do artigo 70-D, § 1º, do Decreto nº 3.048/1999, com redação do Decreto nº 10.410/2020, que impõe a realização de avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.

 c) Do aproveitamento do tempo de trabalho comum anterior à deficiência:

Trata-se da deficiência superveniente ao ingresso no RGPS, eis que o segurado ingressou no sistema sem deficiência, ou hipótese de grau de deficiência agravado no tempo.

Assim, é admitida a contagem do tempo de contribuição relativamente ao período laborado anteriormente à constatação da deficiência, na forma do art.7º da Lei Complementar nº142, de 08/05/2013, in verbis:

"Art. 7º Se o segurado, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no art. 3º serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, nos termos do regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 3º desta Lei Complementar."

Assim, foi consagrado o direito ao aproveitamento do período de contribuição, ainda que decorrente de tempo anterior à constatação da deficiente, bastando a aplicação dos coeficientes que constam da tabela inserta no artigo 70-E do Regulamento, que dispõe:

 "Art. 70-E.  Para o segurado que, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau alterado, os parâmetros mencionados nos incisos I, II e III do caput do art. 70-B serão proporcionalmente ajustados e os respectivos períodos serão somados após conversão, conforme as tabelas abaixo, considerando o grau de deficiência preponderante, observado o disposto no art. 70-A:   (Incluído pelo Decreto nº 8.145, de 2013)."

  

MULHER

 TEMPO A CONVERTER

 MULTIPLICADORES

 Para 20

 Para 24

 Para 28

 Para 30

 De 20 anos

1,00

1,20

1,40

1,50

De 24 anos

0,83

1,00

1,17

1,25

De 28 anos

0,71

0,86

1,00

1,07

De 30 anos

0,67

0,80

0,93

1,00

 

 

 

 

 

HOMEM

TEMPO A CONVERTER

MULTIPLICADORES

Para 25

Para 29

Para 33

Para 35

De 25 anos

     1,00

     1,16

     1,32

     1,40

De 29 anos

     0,86

     1,00

     1,14

     1,21

De 33 anos

     0,76

     0,88

     1,00

     1,06

De 35 anos

     0,71

     0,83

     0,94

     1,00

 

Na conversão do tempo comum para fins da jubilação mediante aposentadoria da pessoa com deficiência, observar-se-á o grau de deficiência preponderante, cujo parâmetro será também utilizado para a aposentação com tempo reduzido.

Assim, após a conversão do tempo de recolhimento na condição de pessoa sem deficiência, segundo a tabela acima, os respectivos períodos apurados serão somados ao tempo de recolhimento na condição de pessoa com deficiência, conforme os §§ 1º e 2º do artigo 70-E do Decreto nº 3.048/1999. 

DA AVALIAÇÃO DA DEFICIÊNCIA

A Lei Complementar 142/2013 dispõe, nos seus art. 4º e 5º, que a avaliação da deficiência será médica e funcional, nos termos do regulamento, e que o grau de deficiência será atestado por perícia própria do Instituto Nacional do Seguro Social, por meio de instrumentos desenvolvidos para esse fim.

Por outro lado, o § 1º do art. 2º da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15) estabelece que:

“§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:    (Vide Decreto nº 11.063, de 2022)

I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;

II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;

III - a limitação no desempenho de atividades; e

IV - a restrição de participação.

§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.  (Vide Lei nº 13.846, de 2019)       (Vide Lei nº 14.126, de 2021)       (Vide Lei nº 14.768, de 2023)

§ 3º O exame médico-pericial componente da avaliação biopsicossocial da deficiência de que trata o § 1º deste artigo poderá ser realizado com o uso de tecnologia de telemedicina ou por análise documental conforme situações e requisitos definidos em regulamento.     (Incluído pela Lei nº 14.724, de 2023)”

O instrumento destinado à avaliação do segurado da previdência social e à identificação dos seus graus de deficiência é o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria – IFBrA, estabelecido por meio da Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1 de 27.01.2014.

O IFBrA avalia e pontua a pessoa avaliada segundo as suas interações com o meio nos seguintes domínios da vida: sensorial, comunicação, mobilidade, cuidados pessoais, vida doméstica, educação, trabalho e vida econômica, além de socialização e vida comunitária.

Por meio de tais critérios, a pontuação determina a classificação dos graus de deficiência nos seguintes níveis:

Deficiência grave: quando a pontuação total for menor ou igual a 5.739;

Deficiência moderada: quando a pontuação total estiver compreendida entre 5.740 e 6.354;

Deficiência leve: quando a pontuação total estiver compreendida entre 6.355 e 7.584.

 

Nos termos do regulamento, as pessoas submetidas à avaliação pelo IFBrA que obtiverem pontuação superior a 7.585 não serão consideradas pessoas com deficiência para fins previdenciários.

DO CASO CONCRETO

Cuida-se de recurso de apelação interposto por JOSUEL CORREIA MILANI em face da r. sentença (ID 307243021) que julgou improcedente o seu pedido de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência por tempo de contribuição desde a DER (06.07.2020), mediante o reconhecimento de sua deficiência auditiva.

De início, observo que não foi realizada a avaliação da deficiência do autor na via administrativa (ID 307242719 – fls. 133/134).

O autor foi submetido a avaliação biopsicossocial nos autos, com laudo médico juntado no ID 307243000 e laudo social juntado no ID 307243010.

A perícia médica realizada nos autos atribuiu ao autor 4.100 pontos, utilizando-se do IFBrA (ID 307243000 – fl. 12). A perícia social, por sua vez, aplicando o método linguístico Fuzzy, atribuiu-lhe pontuação de 3.475 (ID 307243011).

Somadas as pontuações obtidas pelo autor nas avaliações médica e social realizadas nos autos, tem-se a pontuação final de 7.575, suficiente à caracterização de deficiência leve, segundo os níveis estabelecidos pelo Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria – IFBrA, estabelecido por meio da Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1 de 27.01.2014.:

Deficiência grave: quando a pontuação total for menor ou igual a 5.739;

Deficiência moderada: quando a pontuação total estiver compreendida entre 5.740 e 6.354;

Deficiência leve: quando a pontuação total estiver compreendida entre 6.355 e 7.584.

 

Em que pese a caracterização da deficiência leve do autor nos termos do regulamento e da legislação aplicável ao benefício em espécie, a r. sentença julgou improcedente o feito com base na conclusão do perito médico de que “não há incapacidade legalmente relevante” e “não é pessoa com deficiência” (ID 307243000 – fl. 8).

Pois bem. Em sendo o Juiz o destinatário da atividade probatória das partes, a qual tem por finalidade a formação de sua convicção sobre os fatos controvertidos, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo Diploma Processual Civil (art. 370 do CPC), incumbe-lhe aquilatar a necessidade da prova dentro do quadro dos autos, com vistas à justa e rápida solução do litígio, deferindo ou não a sua produção.

Nesse contexto, a solução do conflito entre os princípios constitucionais perpassa pelas máximas da razoabilidade e da proporcionalidade, que estão a ensejar a preponderância, no caso concreto, do devido processo legal sobre os princípios da celeridade e economia processuais, em face da necessidade de se preservar o valor da justiça da prestação jurisdicional.

No caso em apreço, a deficiência sensorial a deficiência sensorial, do tipo auditiva, em grau leve do autor, restou caracterizada pela soma das pontuações obtidas no IFBr-A, instrumento estabelecido em regulamento para caracterizar os graus de deficiência dos segurados do RGPS para a concessão da aposentadoria de que trata a LC nº 142/2013.

As conclusões do perito médico, contudo, destoam da resolução final do litígio obtida pela aplicação desse instrumento e, ao negarem a existência de qualquer tipo de deficiência, se omitiram quanto ao seu termo inicial, controvérsia ainda pendente e que constitui ponto nodal da lide, na medida em que influi diretamente na contagem do tempo de contribuição segundo os fatores de conversão que constam da tabela inserta no artigo 70-E do Decreto nº 3.048/99.

A avaliação biopsicossocial conduzida nos autos, nesse sentido, burlou o comando do art. 6º, § 1º, da Lei Complementar nº 142/13, in verbis:

“Art. 6º A contagem de tempo de contribuição na condição de segurado com deficiência será objeto de comprovação, exclusivamente, na forma desta Lei Complementar. 

§ 1o A existência de deficiência anterior à data da vigência desta Lei Complementar deverá ser certificada, inclusive quanto ao seu grau, por ocasião da primeira avaliação, sendo obrigatória a fixação da data provável do início da deficiênciag.n.

 Em sendo o Juiz o destinatário da prova, inclusive em instância recursal, apresenta-se permitido o reexame de questões inerentes à atividade probatória, não havendo que se falar em preclusão. Nesse sentido, cite-se a jurisprudência do C. STJ:

“PROVA. DISPENSA PELAS PARTES. DILAÇÃO PROBATÓRIA DETERMINADA PELA 2ª INSTÂNCIA. ADMISSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO.

Em matéria de cunho probatório, não há preclusão para o Juiz. Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido (...)”.

(REsp 262.978 MG, Min. Barros Monteiro, DJU, 30.06.2003, p. 251)

 

“PROCESSO CIVIL. INICIATIVA PROBATÓRIA DO SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO POR PERPLEXIDADE DIANTE DOS FATOS. MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PRECLUSÃO PRO JUDICATO. PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO QUE NÃO RENOVA PRAZO RECURSAL CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PROVA PERICIAL CONTÁBIL. DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. PROVIMENTO DO RECURSO PARA QUE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA PROSSIGA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO.

Os juízos de primeiro e segundo graus de jurisdição, sem violação ao princípio da demanda, podem determinar as provas que lhes aprouverem, a fim de firmar seu juízo de livre convicção motivado, diante do que expõe o art. 130 do CPC.

A iniciativa probatória do magistrado, em busca da verdade real, com realização de provas de ofício, não se sujeita à preclusão temporal, porque é feita no interesse público de efetividade da Justiça.

Não é cabível a dilação probatória quando haja outros meios de prova, testemunhal e documental, suficientes para o julgamento da demanda, devendo a iniciativa do juiz se restringir a situações de perplexidade diante de provas contraditórias, confusas ou incompletas (...)”.

(REsp 345.436 SP, Min. Nancy Andrighi, DJU, 13.05.2002, p. 208)

Assim, considero que, face à valoração de laudo pericial inapto à comprovação dos fatos alegados na inicial em sua inteireza, evidencia-se a ocorrência de cerceamento de defesa, uma vez ocasionado prejuízo aos direitos e garantias constitucionalmente previstos da parte autora. 

Nesse sentido citem-se os precedentes jurisprudenciais desta 10ª Turma Julgadora:

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LAUDO PERICIAL DEFICIENTE. NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE NOVA PROVA PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. PRELIMINAR ACOLHIDA.

1. A prova pericial realizada ateve-se apenas a examinar parte dos agentes agressivos para o período de 27.03.2007 até a data do desligamento, deixando de verificar a exposição ao agente “vibração de corpo inteiro” (302506092, 302506109, 302506111, 302506131, 302506146 – fls. 03/06 e 302506158 – fls. 03/05).

2. Os documentos apresentados não contêm informações suficientes para se apurar se a parte autora efetivamente foi submetida à ação de agentes agressivos durante todos os períodos em que laborou nas empresas elencadas na peça inaugural, sendo imprescindível, para o fim em apreço, a realização da perícia técnica.

3. A omissão da prova pericial, com julgamento da lide por valorização das informações escassas constantes do laudo, por conseguinte, acarretaram cerceamento de defesa.

4.  Anulada a r. sentença, de ofício, a fim de restabelecer a ordem processual e assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos.

5. Sentença anulada, de ofício. Prejudicada a análise do mérito das apelações.”

(TRF 3ª Região, 10ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5095590-30.2024.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal NELSON DE FREITAS PORFIRIO JUNIOR, julgado em 09/10/2024, DJEN DATA: 11/10/2024)

 

"PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA SENTENÇA.

I - É cediço que o motorista de ônibus fica exposto a vibrações mecânicas durante a jornada de trabalho.

II – A perícia judicial é relevante para a resolução do litígio, uma vez que subsidiará o magistrado na formação de sua convicção sobre o pedido formulado pelo autor, conforme ilação extraída do artigo 480 do Novo Código de Processo Civil/2015.

III - Há que se declarar a nulidade da sentença, a fim de que seja retomado o regular andamento do processo, com a devida instrução e produção de prova pericial, bem como prolação de nova sentença.

IV - Sentença declarada nula de ofício. Determinado o retorno dos autos ao Juízo de origem. Prejudicada a apelação do autor.”

(APELAÇÃO CÍVEL / SP; 5001426-85.2018.4.03.6183, Desembargador Federal SERGIO DO NASCIMENTO, e - DJF3 Judicial 1 DATA: 04/04/2019)

 

Diante da insuficiência do conjunto probatório dos autos a ensejar um juízo de convencimento sobre os fatos sob análise, devem os autos retornar à origem para a realização de nova avaliação biopsicossocial do autor.

Ressalto que a avaliação biopsicossocial deverá, obrigatoriamente, fixar a data provável do início da deficiência, nos termos do § 1º do art. 6º da Lei Complementar nº 142/2013.

Deverá, ainda, observar o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA, estabelecido na Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1 de 27.01.2014, aplicando-se o método linguístico Fuzzy para a obtenção final da pontuação.

Tal instrumento é destinado à avaliação da deficiência para fins de aposentadoria e foi elaborado com base no conceito de funcionalidade adotado pela Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial da Saúde - OMS, e estabelece que a avaliação médica e funcional englobará perícia médica e serviço social e deverá ser realizada mediante a aplicação (i) do Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria (IFBrA), que, levando em conta as barreiras externas (urbanísticas, arquitetônicas, nos transportes, nas comunicações e a na informação, atitudinais e tecnológicas) e a dependência de terceiros, atribui níveis de pontuação (25, 50, 75 e 100 pontos) para cada uma das 41 atividades funcionais, agrupadas nos 7 domínios - (1) Sensorial, (2) Comunicação (3) Mobilidade, (4) Cuidados pessoais, (5) Vida doméstica, (6) Educação, trabalho e vida social e (7) Socialização e vida comunitária -, e (ii) do Método Linguístico Fuzzy, que atribui um peso maior aos domínios principais de cada tipo de deficiência, podendo reduzir a pontuação obtida inicialmente.

Advirto, por fim, que a avaliação biopsicossocial da deficiência não poderá se confundir com a avaliação biomédica de capacidade laborativa que caracteriza um indivíduo inválido ou não, por tratar-se de conceitos categoricamente distintos, sob pena de nova decretação de nulidade.

Afinal, em oposição à invalidez, em que o segurado não tem mais condições de exercer atividade laborativa, a LC nº 142/2013 exige que o segurado efetivamente trabalhe e verta contribuições previdenciárias com a existência da sua deficiência para que cumpra com os requisitos necessários à aposentadoria.

Saliento que a confusão entre deficiência e invalidez/incapacidade não é apenas uma impropriedade, mas uma efetiva afronta ao direito fundamental das pessoas com deficiência ao trabalho, assegurado pelo art. 27 da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, vigente no Brasil sob status de Emenda à Constituição, sob o rito do § 3º do art. 5º da CR, e promulgada no Decreto n. º 6.949/09.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, de ofício, reconheço a ocorrência de cerceamento de defesa para anular a sentença, devendo os autos retornarem à origem para reabertura da instrução probatória quanto à avaliação biopsicossocial da deficiência sensorial do autor, por meio de perícia médica e perícia social, que deverá fixar a sua data provável de início e observar o IFBrA com a incidência do método Fuzzy, com oportuna prolação de nova decisão de mérito.

Julgo prejudicado o exame do mérito do recurso de apelação interposto.

É o voto. 



E M E N T A

 

 

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AVALIAÇÃO BIOPSICOSSOCIAL. TERMO INICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉTODO FUZZY. SENTENÇA ANULADA DE OFÍCIO. RECURSO PREJUDICADO. 

1. Observou-se que os documentos carreados aos autos não ostentam informações suficientes para se apurar a data provável do início da deficiência, nos termos do § 1º do art. 6º da Lei Complementar nº 142/2013.

2. A concessão da aposentadoria de que trata a LC nº 142/2013 depende da avaliação biopsicossocial da deficiência do segurado. Para a aferição do seu grau de deficiência, a avaliação deve observar o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria - IFBrA, estabelecido na Portaria Interministerial AGU/MPS/MF/SEDH/MP nº 1 de 27.01.2014, aplicando-se o método linguístico Fuzzy para a obtenção da pontuação final.

3. A avaliação biopsicossocial da deficiência não se confunde com a avaliação biomédica de capacidade laborativa que caracteriza um indivíduo inválido ou não para fins previdenciários, por tratar-se de conceitos categoricamente distintos.

4. A incapacidade ao labor ou às atividades habituais não é requisito à concessão da aposentadoria de que dispõe a LC nº 142/2013, eis que se trata de benefício programado.

5. Evidenciada a ocorrência de cerceamento de defesa e prejuízo aos direitos e garantias constitucionalmente previstos, o que torna de rigor a anulação da r. sentença e determinação para retorno à origem, objetivando a produção da prova pericial faltante.

6. Sentença anulada de ofício. Recurso do autor prejudicado.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Turma, por unanimidade, decidiu, de ofício, anular a sentença, devendo os autos retornarem à origem para reabertura da instrução probatória, restando prejudicado o recurso interposto, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
MARCOS MOREIRA
Desembargador Federal