APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5048937-33.2025.4.03.9999
RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: T. M. S.
REPRESENTANTE: ANDREIA RODRIGUES MARTINS
Advogados do(a) APELADO: CLEISON BAEVE DE SOUZA - MS25410-A,
OUTROS PARTICIPANTES:
FISCAL DA LEI: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL - PR/SP
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5048937-33.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: T. M. S. Advogados do(a) APELADO: CLEISON BAEVE DE SOUZA - MS25410-A, OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O Trata-se de apelação em ação ajuizada em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão do benefício assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal. Na r. sentença (Id. 320086997) foi julgado procedente o pedido, com a condenação da parte ré a conceder o benefício desde a data do requerimento administrativo, bem como ao pagamento de custas e honorários advocatícios. Com tutela deferida. Foi apresentado recurso de apelação pelo réu. Em suas razões recursais (Id. 320087004), requer o INSS a reforma da r. sentença, alegando não preencher a parte autora o requisito de miserabilidade necessário para a concessão do benefício. Contrarrazões pela parte autora (Id. 320087005). Subiram a esta instância. Parecer do Ministério Público Federal (Id. 320513876) pelo provimento da apelação do INSS. É o relatório. pc
REPRESENTANTE: ANDREIA RODRIGUES MARTINS
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5048937-33.2025.4.03.9999 RELATOR: Gab. 33 - DES. FED. GILBERTO JORDAN APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS APELADO: T. M. S. Advogados do(a) APELADO: CLEISON BAEVE DE SOUZA - MS25410-A, OUTROS PARTICIPANTES: V O T O Inicialmente, tempestivo o recurso e respeitados os demais pressupostos de admissibilidade recursais, passo ao exame da matéria objeto de devolução. Necessário se faz salientar que com o presente julgamento, fica prejudicado o pedido de recebimento do apelo no duplo efeito. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da Silva, consiste em: "um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'" (Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107). Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social e o art. 203, IV, que instituiu o benefício do amparo social. A Lei nº 6.179/74 instituiu, em nosso ordenamento jurídico, a renda mensal vitalícia, passando a ser amparados pela Previdência Social os maiores de 70 anos e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, desde que não exercessem atividades remuneradas ou não auferissem rendimentos. O valor do benefício correspondia à metade do maior salário-mínimo vigente no país, arredondada para a unidade de cruzeiro imediatamente superior, não podendo ultrapassar 60% do valor do salário-mínimo do local de pagamento. Com a promulgação da Carta Magna, em 05 de outubro de 1988, o valor do benefício foi aumentado para 1 (um) salário-mínimo, pelo art. 203, inciso V: "Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei." Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos. O art. 139 da Lei n.º 8.213/91 dispunha que a renda mensal vitalícia continuaria integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que o artigo constitucional fosse regulamentado. A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, deu eficácia ao inciso V do art. 203 da Constituição Federal e extinguiu a renda mensal vitalícia em seu art. 40, resguardando, entretanto, o direito daqueles que o requeressem até o dia 31 de dezembro de 1995, desde que preenchidos os requisitos previstos na Lei Previdenciária. A Lei de Assistência foi regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995, posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. O art. 20 da Lei assistencial e o art. 1º de seu decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam: ser o requerente portador de deficiência ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e, posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003, mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011 e da Lei nº 13.146, de 2015. Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa portadora de deficiência, família e ausência de condições de se manter ou de ser provido pela sua família. Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015). O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos (§10º). A incapacidade para a vida independente, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento sem o amparo de alguém. Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377), oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador". No que se refere à hipossuficiência econômica, de acordo com a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97, transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, definiu-se o conceito de família como o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/2011, fora estabelecido, expressamente para os fins do art. 20, caput, da Lei assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º). Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário-mínimo per capita como critério objetivo, anoto que fora ajuizada a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, pelo Procurador-Geral da República, julgada improcedente pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a constitucionalidade do §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Os debates, entretanto, não cessaram, por ser tormentosa a questão e envolver princípios fundamentais contidos na Carta da República, situação que culminou, inclusive, com o reconhecimento, pelo mesmo STF, da ocorrência de repercussão geral. A Suprema Corte acabou por declarar a inconstitucionalidade do referido dispositivo legal, inclusive por considerar defasada essa forma meramente aritmética de se apreciar a situação de miserabilidade dos idosos ou deficientes que visam a concessão do benefício assistencial (Plenário, RCL 4374, j. 18.04.2013, DJE de 04/09/2013). No entanto, é preciso que se tenha a possibilidade de ao menos entrever, a partir da renda informada, eventual quadro de pobreza em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, até que o Poder Legislativo estabeleça novas regras. Para tanto, faz-se necessário o revolvimento de todo o conjunto probatório, através do qual se possa aferir eventual miserabilidade. E assim o é diante do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, já mencionado no início desta decisão, com vistas à garantia de suas necessidades básicas de subsistência, o que leva o julgador a interpretar a normação legal de sorte a conceder proteção social ao cidadão economicamente vulnerável, tal como assentado no REsp 1112557 julgado sob o rito do art. 543-C do CPC/73. Confira-se: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO-MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. 2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. 3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001). 4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável. 5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar. 7. Recurso Especial provido. (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009) Por outro lado, observo que a Lei nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, passou a considerar como de "baixa renda" a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários-mínimos, ainda que para os fins específicos de custeio ali limitado. Na mesma trilha, as Leis que criaram o Bolsa Família (10.836/04), Programa Nacional de Acesso à Alimentação (10.689/03) e o Bolsa Escola (10.219/01) estabeleceram parâmetros mais coerentes de renda familiar mínima quanto em cotejo com aquele estabelecido de ¼ do salário-mínimo, agora declarado inconstitucional. Por fim, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 580.963/PR (DJe 14.11.2013), assentou a inconstitucionalidade por omissão do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, considerando a "inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário-mínimo." Assim, entendo que deve ser excluído do cômputo da renda per capita o valor decorrente de benefício de valor mínimo recebido por idoso ou inválido, pertencente ao núcleo familiar. Nesse sentido, o C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1355052, submetido ao regimento do art. 543-C do CPC, assentou que não se computa o valor de um salário-mínimo percebido por idoso a título de benefício assistencial ou previdenciário para aferição de hipossuficiência de núcleo familiar. PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO-MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário-mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário-mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (REsp 1355052 /SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015) Feitas essas considerações, passo à análise do conjunto probatório formado nestes autos. DO CASO DOS AUTOS Trata-se de ação visando a concessão de benefício assistencial de pessoa com deficiência. A deficiência da Autora, indígena menor de idade que foi diagnosticada com “paralisia cerebral (G80)”, está constatada nos autos (Id. 320086973) e é requisito legal contra o qual não há insurgência recursal. Quanto à miserabilidade, a ausência de condições da requerente em prover o seu sustento, ou de tê-lo provido pela família, cerne da controvérsia, restou demonstrada. O estudo social (Id. 320086974), de 16/02/2023, informou que a Autora vive com seus genitores, Andreia e Izalino, em cabana indígena assim descrita: “(...) A residência é própria, possui no espaço construído duas cabanas em sapé, uma utilizada como cozinha e outra como dormitório, não possui forro, nem piso. Possui um espaço que utiliza como banheiro para banho, não tendo banheiro sanitário. Em relação a eletrodomésticos, observamos que não há nada de valor expressivo, possui um televisor, um ventilador, uma geladeira e uma máquina de lavar tanquinho que foi emprestada pela avó materna e um fogão a gás. Possui um fogão a lenha ao qual faz uso para economia de gás de cozinha”. Há imagens fotográficas anexadas. Na data do requerimento (01/2021), não havia renda formal de nenhum dos integrantes do grupo familiar, contando somente com o auxílio-governamental de Auxílio Brasil. Com efeito, a ajuda governamental (bolsa-Escola, bolsa-Família e outros), não é computada no cálculo da renda per capita, conforme orientação contida no item 16.7 da OI INSS/DIRBEN nº 81, de 15 de janeiro de 2003, posteriormente inserida no §4º do art. 20 da Lei do BPC pela Lei 14.601 de 19 de junho de 2023. Ao tempo da perícia social (02/2023), o genitor da Autora mantinha vínculo empregatício com a empresa Larsil Florestal LTDA, cuja remuneração bruta consistia em R$ 2.712,41, descontados R$ 500,00 de pensão alimentícia destinada aos filhos do relacionamento anterior, o que enseja uma renda per capita de R$ 737,33, valor R$ 86,33 superior ao meio salário-mínimo de R$ 651,00 da época, incapaz de afastar a hipossuficiência econômica existente no caso concreto. Note-se que esse vínculo empregatício mencionado perdurou de 21/02/2022 a 01/08/2023, sendo que, no ano de 2024, o genitor conseguiu apenas um registre de emprego, que teve apenas um mês de duração, o restante do ano todo de 2024 sem renda. E no ano de 2025, obteve vínculo com “G. GONCALVES DE OLIVEIRA LTDA” no período de 08/01/2025 até 01/04/2025, com a remuneração de um salário-mínimo. Como se constata, as condições financeiras seguem sendo insuficientes, dadas as necessidades da Autora na situação específica vivenciada, notadamente pelas dificuldades descritas pelo perito judicial no laudo da perícia médica: “(...) [A autora] Nasceu com vários distúrbios graves, que impedem sua mãe de trabalhar. São indígenas e residem em uma aldeia, onde as oportunidades de trabalho são escassas e, além disso, sua filha requer cuidados constantes, devido a suas necessidades especiais. (...) A criança entrou na Sala de Perícias, carregada pela mãe e permaneceu no colo o tempo todo. Não consegue permanecer de pé, sem apoio, não engatinha. Não atende a chamados (possivelmente seja portadora de prejuízo auditivo). Movimenta os olhos de forma descoordenada. Não fixa o olhar. Não consegue manter o pescoço estável, precisa ter apoio da cabeça, sempre. Não engole a saliva. (...) É difícil determinar, na Requerente, quais os prejuízos provocados por Toxoplasmose e quais aqueles ocasionados por Hipertensão Arterial materna, entretanto, independente das causas, a situação da criança é extremamente grave e limitante. Ela apresenta prejuízos físicos e mentais irreversíveis e está, definitivamente, incapacitada para a vida Independente. Há necessidade de acompanhamento constante de terceiros. Quanto aos aspectos analisados, a Requerente é Inapta para a vida independente. As perdas funcionais são totais e permanentes. A incapacidade funcional teve início em 02/12/2019, data de seu nascimento” (g.n). Há imagem fotográfica anexada. Ressalta-se a existência de gastos que comprometem a suficiência da renda auferida com serviços, exames ou medicamentos não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, comprovadamente necessários à preservação da sua saúde e sua vida, nos termos do inciso III do art. 20-B da Lei de Assistência Social. Friso, ainda, que a Portaria Conjunta/MC/MTP/INSS nº 14, de 07 de outubro de 2021, atualizada em 2022, deduz do valor da renda auferida pelo grupo familiar o valor de R$ 45,00 gastos com medicamentos, de R$ 90,00 gastos com consultas e tratamentos médicos, de R$ 99,00 gastos com fraldas e de R$ 121,00 gastos com alimentação especial. Por fim, consigno que a existência de um veículo antigo descrito no laudo social como "GOL vermelho placa LXY2481" não descaracteriza a condição financeira de hipossuficiência do grupo familiar, considerando o quadro grave de paralisia cerebral da autora, sua severa restrição de mobilidade e o local remoto da moradia, distante dos sistemas de públicos de saúde. Destarte, à vista das informações financeiras constantes das provas dos autos, entendo que a Autora comprovou o cumprimento ao requisito da miserabilidade para o benefício vindicado. Assim sendo, diante do conjunto probatório dos autos, entendo preenchidos os requisitos necessários para a concessão do benefício assistencial, sendo de rigor a manutenção dos termos da r. sentença recorrida. Ressalto que o benefício assistencial deve ser revisto sempre que a cada 2 (dois) anos, para a avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem, podendo ser suspenso ou cancelado quando constatada irregularidade, nos termos do art. 21, caput e parágrafos da Lei de Assistência Social e art. 42 do Decreto nº 6.214/07. TERMO INICIAL O dies a quo do benefício de prestação continuada deve corresponder à data em que a Autarquia Previdenciária tomou conhecimento do direito da parte autora e se recusou a concedê-lo, sendo, no presente caso, a data do requerimento administrativo (27/01/2021), porquanto as provas dos autos demonstram que os requisitos estavam presentes desde então. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS Com o advento do novo Código de Processo Civil, foram introduzidas profundas mudanças no princípio da sucumbência, e em razão destas mudanças e sendo o caso de sentença ilíquida, a fixação do percentual da verba honorária deverá ser definida somente na liquidação do julgado, com observância ao disposto no inciso II, do § 4º c.c. § 11, ambos do artigo 85, do CPC/2015, bem como o artigo 86, do mesmo diploma legal. Os honorários advocatícios a teor da Súmula 111 do E. STJ incidem sobre as parcelas vencidas até a sentença de procedência. DISPOSITIVO Ante o exposto, nego provimento à apelação do INSS, observados os honorários advocatícios, na forma acima fundamentada. É o voto.
REPRESENTANTE: ANDREIA RODRIGUES MARTINS
Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5048937-33.2025.4.03.9999 |
Requerente: | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
Requerido: | T. M. S. |
EMENTA
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. REQUISITOS DE MISERABILIDADE E DEFICIÊNCIA COMPROVADOS. TERMO INICIAL. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. RECURSO NÃO PROVIDO.
I. Caso em exame
1. Apelação interposta pelo INSS em face de sentença que julgou procedente o pedido de concessão de benefício assistencial de prestação continuada ao recorrido, ao argumento de ausência do cumprimento do requisito de miserabilidade.
II. Questão em discussão
2. A questão em discussão consiste em saber se comprovada ou não a miserabilidade da parte autora para fins de recebimento do benefício assistencial de prestação continuada.
III. Razões de decidir
O benefício de prestação continuada é devido à pessoa com deficiência ou idosa que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
O critério econômico previsto no §3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 (LOAS) foi declarado inconstitucional pelo STF (RE 567.985 e RE 580.963), admitindo-se a utilização de outros meios para aferição da hipossuficiência.
A lei e a jurisprudência do STJ permitem que despesas essenciais relacionadas à saúde e à subsistência sejam consideradas na avaliação da miserabilidade (Lei nº 8.742/1993, art. 20-B, inciso III e REsp 1.112.557/MG).
No caso concreto, o estudo social e os documentos apresentados demonstram que a família da recorrida enfrenta condições financeiras precárias, agravadas pelos gastos necessários com a saúde da autora.
O dies a quo do benefício de prestação continuada deve corresponder à data do requerimento administrativo, desde que presentes os requisitos para a concessão. É o caso dos autos.
IV. Dispositivo e tese
8. Recurso desprovido.
Tese de julgamento: “O critério objetivo de renda familiar per capita do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 é uma presunção relativa de miserabilidade, admitindo-se outros meios para sua comprovação. É possível considerar despesas essenciais com saúde e subsistência na avaliação da vulnerabilidade econômica.”
Dispositivos relevantes citados: CF/1988, art. 1º, III, e art. 203, V; Lei nº 8.742/1993, art. 20-B, inciso III, Lei nº 8.742/1993, art. 20, §§ 3º e 10; Decreto nº 6.214/2007, art. 42.
Jurisprudência relevante citada: STF, RE 567.985, Red. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 18.04.2013; STF, RE 580.963, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. 14.11.2013; STJ, REsp 1.112.557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª Seção, j. 28.10.2009.