Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011549-67.2023.4.03.6119

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

APELADO: IZABEL MARTINS DOS SANTOS, GABRIELA TIEMI GOTO

Advogado do(a) APELADO: BRUNO NOGUEIRA SOUSA DE CASTRO - SP387251-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 


 

  

 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011549-67.2023.4.03.6119

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: IZABEL MARTINS DOS SANTOS, GABRIELA TIEMI GOTO

Advogado do(a) APELADO: BRUNO NOGUEIRA SOUSA DE CASTRO - SP387251-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

  

 

R E L A T Ó R I O

 

Trata-se de agravo interno interposto pela União Federal contra a decisão monocrática que, nos termos do artigo 932, IV, do CPC, negou provimento a seu recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença que a condenou ao pagamento de R$ 115.933,00 às autoras, a título de compensação financeira de que trata a Lei n. 14.128/2021, com as devidas atualizações, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde a data da citação, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação (art. 85, § 3º, I, do CPC), e majorou em 1% a sua condenação em honorários advocatícios. 

Sustenta a agravante, inicialmente, que o caso dos autos não se enquadra nas hipóteses previstas no artigo 932 do CPC, de modo que o recurso não poderia ter sido julgado monocraticamente. No mais, arguiu, preliminarmente, a inépcia da petição inicial em relação ao pedido de ressarcimento das despesas realizadas com funeral, bem como a ausência de interesse processual, por inadequação da via eleita, em razão da ausência de regulamentação da Lei n. 14.128/2021. No mérito, alega que: a) a parte autora não comprovou que o de cujus trabalhava no atendimento direto aos pacientes de COVID-19; b) a lei em comento possui termos imprecisos e vagos, que acarretam grave insegurança jurídica à União, além de não trazer qualquer estimativa de impacto orçamentário ou indicação de fonte de recursos; c) a lei em questão cria despesa obrigatória de caráter continuado e prevê efeitos posteriores à calamidade pública nacional decorrente da pandemia de COVID-19, em clara violação ao art. 8º, VII, da Lei Complementar nº 173/2020 e ao art. 3º da Emenda Constitucional nº 106/2020; e d) a concessão da compensação pelo Poder Judiciário viola o princípio da separação dos Poderes.

Requer, assim o provimento do agravo, a fim de que seja acolhida a apelação, julgando-se improcedente o pedido. 

Com contrarrazões.

É o relatório.

 

 

 

 

 

 

 

 


 PODER JUDICIÁRIO
Tribunal Regional Federal da 3ª Região
6ª Turma
 

APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5011549-67.2023.4.03.6119

RELATOR: Gab. 19 - DES. FED. VALDECI DOS SANTOS

APELANTE: UNIÃO FEDERAL

 

APELADO: IZABEL MARTINS DOS SANTOS, GABRIELA TIEMI GOTO

Advogado do(a) APELADO: BRUNO NOGUEIRA SOUSA DE CASTRO - SP387251-A

OUTROS PARTICIPANTES:

 

 

 

 

 

V O T O

 

 

De início, no tocante à possibilidade de julgamento monocrático, assevero que o artigo 932, IV, do Código de Processo Civil autoriza o relator, por mera decisão monocrática, a negar provimento a recurso que for contrário a: Súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal, acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Da mesma forma, o artigo 932, V, do Código de Processo Civil prevê que o relator poderá dar provimento ao recurso nas mesmas hipóteses do incisivo IV, depois de facultada a apresentação de contrarrazões.

Ademais, o entendimento da melhor doutrina é no sentido de que o mencionado rol é meramente exemplificativo. Conforme já firmado na orientação deste Colegiado: 

 

“(...)  

Manifestando esse entendimento, asseveram Marinoni, Arenhart e Mitidiero: 

Assim como em outras passagens, o art. 932 do Código revela um equívoco de orientação em que incidiu o legislador a respeito do tema dos precedentes. O que autoriza o julgamento monocrático do relator não é o fato de a tese do autor encontrar-se fundamentada em "súmulas" e "julgamento de casos repetitivos" (leia -se, incidente de resolução de demandas repetitivas, arts. 976 e ss., e recursos repetitivos, arts. 1.036 e ss.) ou em incidente de "assunção de competência". É o fato de se encontrar fundamentado em precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça ou em jurisprudência formada nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência capaz de revelar razões adequadas e suficientes para solução do caso concreto. O que os preceitos mencionados autorizam, portanto, é o julgamento monocrático no caso de haver precedente do STF ou do STJ ou jurisprudência firmada em incidente de resolução de demandas repetitivas ou em incidente de assunção de competência nos Tribunais de Justiça ou nos Tribunais Regionais Federais. Esses precedentes podem ou não ser oriundos de casos repetitivos e podem ou não ter adequadamente suas razões retratadas em súmulas. (Curso de Processo Civil, 3ª e., v. 2, São Paulo, RT, 2017). 

Os mesmos autores, em outra obra, explicam ainda que "a alusão do legislador a súmulas ou a casos repetitivos constitui apenas um indício - não necessário e não suficiente - a respeito da existência ou não de precedentes sobre a questão que deve ser decidida. O que interessa para incidência do art. 932, IV, a e b, CPC, é que exista precedente sobre a matéria - que pode ou não estar subjacente a súmulas e pode ou não decorrer do julgamento de recursos repetitivos" ("Novo Código de Processo Civil comentado", 3ª e., São Paulo, RT, 2017, p. 1014, grifos nossos). 

Também Hermes Zaneti Jr. posiciona-se pela não taxatividade do elenco do art. 932, incisos IV e V (Poderes do Relator e Precedentes no CPC/2015: perfil analítico do art. 932, IV e V, in "A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim", Dierle José Coelho Nunes, São Paulo, RT, 2017, pp. 525-544).(...)”. 

(ApCiv nº 0013620-05.2014.403.6100, Rel. Des. Fed. SOUZA RIBEIRO, decisão de 23/03/2023) 

 

Desta feita, à Súmula nº 568 do C. Superior Tribunal de Justiça – STJ ("O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema") une-se a posição da doutrina majoritária retro transcrita, que entende pela exemplificatividade do listado do artigo 932 do CPC. 

Impende consignar que o princípio da colegialidade não resta ferido, prejudicado ou tolhido, vez que as decisões singulares são recorríveis pela via do Agravo Interno (art. 1.021, caput, CPC). 

No mais, a decisão está bem fundamentada ao afirmar que:

 

"Trata-se de ação de procedimento comum, ajuizada por IZABEL MARTINS GOTO e GABRIELA TIEMI GOTO em face da UNIÃO FEDERAL, visando ao pagamento da compensação financeira, criada pela Lei nº 14.128/2021, no valor de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), sendo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com fundamento no inciso I do artigo 3º da Lei nº 14.128/2021, e R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), com fundamento no inciso II do mesmo dispositivo legal, em razão do óbito do profissional da saúde Tsuneo Antônio Alberto Goto, marido e pai, respectivamente, das autoras, ocorrido em decorrência da COVID-19, contraída no exercício das suas funções, bem como o ressarcimento das despesas relativas ao funeral, no valor correspondente a R$ 5.933,00 (cinco mil novecentos e trinta e três reais).

O D. Juízo concedeu a justiça gratuita às autoras.

Citada, a União apresentou contestação.

Houve réplica.

Foi realizada audiência de instrução, com oitiva das testemunhas das autoras.

Sobreveio sentença, julgando procedente o pedido, para condenar a União ao pagamento de R$ 115.933,00 (cento e quinze mil, novecentos e trinta e três reais) às autoras, a título de compensação financeira de que trata a Lei n. 14.128/2021, divididos em 3 (três) parcelas mensais e sucessivas de R$ 38.644,33, cabendo, de cada uma das parcelas, R$ 9.322,16 a ISABEL MARTINS GOTO e R$ 29.322,17 a GABRIELA TIEMI GOTO, com as devidas atualizações, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde a data da citação. A ré foi condenada, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação (art. 85, § 3º, I, do CPC).

Irresignada, a União interpôs recurso de apelação, arguindo, preliminarmente, a inépcia da petição inicial em relação ao pedido de ressarcimento das despesas realizadas com funeral, bem como a ausência de interesse processual, por inadequação da via eleita, em razão da ausência de regulamentação da Lei n. 14.128/2021. No mérito, alega que: a) a parte autora não comprovou que o de cujus trabalhava no atendimento direto aos pacientes de COVID-19; b) a lei em comento possui termos imprecisos e vagos, que acarretam grave insegurança jurídica à União, além de não trazer qualquer estimativa de impacto orçamentário ou indicação de fonte de recursos; c) a lei em questão cria despesa obrigatória de caráter continuado e prevê efeitos posteriores à calamidade pública nacional decorrente da pandemia de COVID-19, em clara violação ao art. 8º, VII, da Lei Complementar nº 173/2020 e ao art. 3º da Emenda Constitucional nº 106/2020; e d) a concessão da compensação pelo Poder Judiciário viola o princípio da separação dos Poderes. Requer, assim o provimento do recurso, com a improcedência do pedido.

Com contrarrazões, os autos vieram a este E. Tribunal.

É o relatório.

DECIDO. 

(...)

1. Das preliminares.

Argui a União, preliminarmente a inépcia da petição inicial em relação ao pedido de ressarcimento das despesas realizadas com funeral, sob o argumento de que a Lei n° 14.128/21 se restringe à compensação financeira, ainda pendente de regulamentação, pela morte ou incapacidade permanente de profissionais que atuaram no atendimento direto a pacientes acometidos pela COVID-19, não abarcando qualquer pleito adicional.

Todavia, razão não lhe assiste. Isso porque há previsão expressa no § 4º do artigo 3º da referida lei, no sentido de que, no caso de óbito do profissional de saúde, o valor relativo às despesas de funeral será agregado ao valor fixo da compensação financeira, previsto no inciso I do mesmo artigo.

Noutro giro, sustenta a União: i) a ausência de interesse processual, pois, sem a devida regulamentação, a lei ainda é ineficaz; e ii) caso a parte autora entenda que há mora excessiva na regulamentação da Lei nº 14.128/2021, esta não é a via adequada para tal alegação.

Igualmente, sem razão. Primeiramente, porque inexiste qualquer alegação na inicial, no sentido de que há mora excessiva do Poder Público para regulamentar a lei em questão. Ademais, a lei, por si só, é suficiente para gerar o direito à compensação nela prevista, já que este não poderá ser extinto ou modificado por norma regulamentadora.

Além disso, a ausência de regulamentação não pode ser suscitada pela União, que é a responsável pela omissão, como justificativa para negar o direito das autoras à indenização.

Por fim, há que se observar, também, o princípio constitucional da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).

Nesse sentido, os seguintes precedentes (g.n.):

 

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO – INTERESSE DE AGIR PRESENTE – ADMINISTRATIVO – ÓBITO DE PROFISSIONAL DA SAÚDE – PANDEMIA DE COVID-19 – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA (LEI Nº 14.128/21) – INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA - REQUISITOS DEMONSTRADOS – COMPENSAÇÃO DEVIDA – HONORÁRIOS – MAJORAÇÃO.

1. Cinge-se a controvérsia à compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito (art. 1º, caput, da Lei nº 14.128/2021).

2. Diferentemente dos benefícios previdenciários, operacionalizados por autarquia federal instituída especificamente para este fim, a compensação financeira de que trata a Lei nº 14.128/21 carece de regulamentação neste ponto, não sendo possível exigir prévio requerimento administrativo por parte dos demandantes, como requisito para o exercício do direito à postulação jurisdicional.

3. No mesmo sentido, a ausência de regulamentação por parte do Poder Executivo não tem o condão de afetar a sindicabilidade de direito assegurado por lei, até porque, no presente caso, a Lei nº 14.128/2021 estabelece os requisitos e critérios de fixação da compensação financeira.

4. Não se deve olvidar, por fim, do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CF), de sorte que o acesso ao Poder Judiciário não depende do prévio esgotamento das vias administrativas.

5. O E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.970/DF, realizado na sessão virtual de 16.08.2022, e nos termos do voto da Relatora Presidente, e. Ministra Cármen Lúcia, julgou improcedente o pedido formulado, declarando constitucional o disposto na Lei nº 14.128/2021.

6. O reconhecimento do direito à compensação demanda a comprovação de incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, de profissional ou trabalhador da saúde, em razão de contaminação pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), por ter trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pelo vírus, ou realizado visitas domiciliares, nos termos do art. 2º da Lei nº 14.128/2021.

7. In casu, analisando os elementos de prova coligidos aos autos, verifica-se a presença dos requisitos legais, tais como delineados supra.

8. Está demonstrado, portanto, o nexo de causalidade, eis que a infecção pelo vírus, constatada em coleta realizada em 04/06/2020, ocorreu durante a vigência de contrato de trabalho, na qualidade de auxiliar de enfermagem, com a Santa Casa de Misericórdia de Valparaíso-SP (14/02/2015 a 08/06/2020), bem como durante a Espin-Covid-19 (decretada em fevereiro de 2020).

9. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majora-se a verba honorária em 1%.

10. Agravo interno não provido.

(TRF 3ª Região - Sexta Turma - AC nº 5001822-57.2022.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, DJe 08/10/2024)

 

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA A PROFISSIONAIS DA SAÚDE. LEI N° 14.128/2021. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO STF. MEDIDA INSERIDA EM REGIME FISCAL EXCEPCIONAL. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO QUE NÃO OBSTA O RECONHECIMENTO JUDICIAL DO DIREITO À COMPENSAÇÃO. DESNECESSIDADE DE AVALIAÇÃO, EM AÇÃO JUDICIAL, POR PERITO MÉDICO OFICIAL. DIREITO SUBJETIVO DOS AUTORES À COMPENSAÇÃO. 1. Pretendem os autores, marido e filho de médica falecida a condenação da ré ao pagamento de compensação financeira prevista na Lei n° 14.128/2021. 2. Rejeitada a alegação de ausência de previsão orçamentária, uma vez que o Supremo Tribunal Federal decidiu que "a compensação financeira de caráter indenizatório prevista na Lei n. 14.128/2021, inserida no regime fiscal excepcional disposto nas Emendas Constitucionais n. 106/2020 e n. 109/2021, no contexto de enfrentamento das "consequências sociais e econômicas" da crise sanitária da Covid-19", na já mencionada ADI 6.970/DF. 3. Rejeitada a alegação de inadequação da via eleita, dado que a ausência de prévio requerimento administrativo não obsta o ajuizamento da presente demanda, sob pena de violação à garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). 4. A ausência de regulamentação da lei não pode ser invocada pela União - responsável por essa omissão, diga-se - para lesar os direitos dos autores. 5. Rejeitada a alegação de que a indenização pressuporia avaliação por perito médico federal, uma vez que a regra do artigo 2°, § 3°, da Lei n° 14.128/2021 destina-se aos requerimentos administrativos de compensação financeira. Além disso, no caso concreto a União foi regularmente intimada para especificar as provas que pretendia produzir e nada requereu nesse sentido, sendo contraditório que só agora traga a argumentação de que haveria necessidade de prova. 6. Demonstrado que o óbito da médica falecida - esposa e mãe dos autores - decorreu da COVID-19, mantido o nexo temporal entre a data de início da doença e a data do óbito, e que o seu contágio se deu em período no qual ela trabalhava em ambiente hospitalar, correta a sentença de procedência do pedido. 7. Honorários advocatícios devidos pela apelante majorados para 12% sobre o valor atualizado da condenação, com fundamento no artigo 85, § 11, do CPC/2015. 8. Apelação não provida.

(TRF3, APELAÇÃO CÍVEL: ApCiv 5000089-41.2022.4.03.6112, Relator Desembargador Federal WILSON ZAUHY FILHO, 1ª Turma, Intimação via sistema DATA: 08/08/2023)

 

Presente, portanto, o interesse processual no caso em tela.

Superadas as preliminares, passo à análise do mérito.

2. Do mérito.

A Lei nº 14.128/2021 instituiu a compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o estado de emergência em saúde pública de importância nacional (Espin), em decorrência do novo coronavírus (declarado pela Portaria nº 188/2020 do Ministro de Estado da Saúde), atuaram no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19 e, por essa razão, tornaram-se permanentemente incapacitados para o trabalho ou, no caso de óbito, a seu cônjuge/companheiro, dependentes e herdeiros necessários. Vejamos:

 

Art. 2º A compensação financeira de que trata esta Lei será concedida:

I - ao profissional ou trabalhador de saúde referido no inciso I do parágrafo único do art. 1º desta Lei que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19;

II - ao agente comunitário de saúde e de combate a endemias que ficar incapacitado permanentemente para o trabalho em decorrência da Covid-19, por ter realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições durante o Espin-Covid-19;

III - ao cônjuge ou companheiro, aos dependentes e aos herdeiros necessários do profissional ou trabalhador de saúde que, falecido em decorrência da Covid-19, tenha trabalhado no atendimento direto aos pacientes acometidos por essa doença, ou realizado visitas domiciliares em razão de suas atribuições, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, durante o Espin-Covid-19.

§ 1º Presume-se a Covid-19 como causa da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, mesmo que não tenha sido a causa única, principal ou imediata, desde que mantido o nexo temporal entre a data de início da doença e a ocorrência da incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, se houver:

I - diagnóstico de Covid-19 comprovado mediante laudos de exames laboratoriais; ou

II - laudo médico que ateste quadro clínico compatível com a Covid-19.

§ 2º A presença de comorbidades não afasta o direito ao recebimento da compensação financeira de que trata esta Lei.

§ 3º A concessão da compensação financeira nas hipóteses de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo estará sujeita à avaliação de perícia médica realizada por servidores integrantes da carreira de Perito Médico Federal.

§ 4º A compensação financeira de que trata esta Lei será devida inclusive nas hipóteses de óbito ou incapacidade permanente para o trabalho superveniente à declaração do fim do Espin-Covid-19 ou anterior à data de publicação desta Lei, desde que a infecção pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante o Espin-Covid-19, na forma do § 1º do caput deste artigo.

 

No tocante ao valor, dispõe a referida lei:

 

Art. 3º A compensação financeira de que trata esta Lei será composta de:

I – 1 (uma) única prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devida ao profissional ou trabalhador de saúde incapacitado permanentemente para o trabalho ou, em caso de óbito deste, ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, sujeita, nesta hipótese, a rateio entre os beneficiários;

II – 1 (uma) única prestação de valor variável devida a cada um dos dependentes menores de 21 (vinte e um) anos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior, do profissional ou trabalhador de saúde falecido, cujo valor será calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem, para cada um deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a idade de 21 (vinte e um) anos completos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior.

§ 1º A prestação variável de que trata o inciso II do caput deste artigo será devida aos dependentes com deficiência do profissional ou trabalhador de saúde falecido, independentemente da idade, no valor resultante da multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número mínimo de 5 (cinco) anos.

§ 2º No caso de óbito do profissional ou trabalhador de saúde, se houver mais de uma pessoa a ser beneficiada, a compensação financeira de que trata o inciso I do caput deste artigo será destinada, mediante o respectivo rateio em partes iguais, ao cônjuge ou companheiro e a cada um dos dependentes e herdeiros necessários.

§ 3º A integralidade da compensação financeira, considerada a soma das parcelas devidas, quando for o caso, será dividida, para o fim de pagamento, em 3 (três) parcelas mensais e sucessivas de igual valor.

§ 4º No caso de óbito do profissional ou trabalhador de saúde, será agregado o valor relativo às despesas de funeral à compensação financeira de que trata o inciso I do caput deste artigo, na forma disposta em regulamento.

(...)

Art. 6º A compensação financeira de que trata esta Lei será paga pelo órgão competente para sua administração e concessão com recursos do Tesouro Nacional.

 

No caso, narram as autoras que eram esposa e filha de TSUNEO ANTÔNIO ALBERTO GOTO, médico cardiologista, que atuou no atendimento a pacientes acometidos pela COVID-19, vindo a falecer em decorrência da referida doença, no dia 25/12/2020, ou seja, durante a vigência do período de emergência de saúde pública declarado pelo Governo Federal, conforme Portaria nº 188/2020 do Ministério da Saúde.

Na r. sentença, a União foi condenada ao pagamento da citada compensação, nos seguintes termos:

 

"prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (art. 3º, I) há de ser rateada entre as duas beneficiárias, cabendo R$ 25.000,00 a cada uma delas, nos termos em que determinado pelo § 2º do artigo 3º.

(...)

No caso em riste, as promoventes também possuem direito à agregação das despesas de funeral à compensação financeira de valor fixo (art. 3º, I, c/c § 4º). As despesas de funeral foram comprovadas pelas partes, e correspondem ao valor de R$ 5.933,00 (cinco mil novecentos e trinta e três reais), correspondentes a R$ 2.513,00 (Id. 309628196 - Pág. 1), de sepultamento, e R$ 3.420,00, de serviço funerário (Id. 309628195 - Pág. 1).

Com efeito, a compensação financeira em valor fixo total cabível às partes será de R$ 55.933,00 (cinquenta e cinco mil novecentos e trinta e três reais), cabendo R$ 27.966,50 (vinte e sete mil novecentos e sessenta e seis reais e cinquenta centavos) para cada uma das demandantes (art. 3º, § 2º).

A autora GABRIELA TIEMI GOTO tem direito, ainda, à prestação de valor variável (art. 3º, II).

A autora GABRIELA TIEMI GOTO, nascida em 07.02.2002, era menor de 24 (vinte e quatro) anos e cursava curso superior na data do óbito do seu genitor, em 25.12.2020, quando tinha 18 (dezoito) anos. Esta autora cursava o 2º semestre de medicina na Universidade de Mogi das Cruzes na época do óbito de seu pai (Id. 311251161 - Pág. 1).

Em razão de, à época, cursar curso superior, a sua compensação financeira será composta da prestação de valor variável cujo valor será calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem até a data na qual completou 24 (vinte e quatro) anos.

Por isso, GABRIELA TIEMI GOTO faz jus a mais R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), a teor do inciso II do artigo 3º da Lei n. 14.128/2021.

Por fim, o § 3º do artigo 3º determina que a integralidade da compensação (R$ 115.933,00) seja paga em 3 (três) parcelas mensais e sucessivas de igual valor (R$ 38.644,33), cabendo, portanto, a cada um dos autores, as seguintes importâncias:

 

- 1ª PARCELA de R$ 38.644,33

ISABEL MARTINS GOTO: R$ 9.322,16

GABRIELA TIEMI GOTO: R$ 29.322,17

- 2ª PARCELA de R$ 38.644,33

ISABEL MARTINS GOTO: R$ 9.322,16

GABRIELA TIEMI GOTO: R$ 29.322,17

- 3ª PARCELA de R$ 38.644,33

ISABEL MARTINS GOTO: R$ 9.322,16

GABRIELA TIEMI GOTO: R$ 29.322,17"

 

Em suas razões recursais, a União aduz que: a) a parte autora não comprovou que o de cujus trabalhava no atendimento direto aos pacientes de COVID-19; b) a lei em comento possui termos imprecisos e vagos, que acarretam grave insegurança jurídica à União, além de não trazer qualquer estimativa de impacto orçamentário ou indicação de fonte de recursos; c) a lei em questão cria despesa obrigatória de caráter continuado e prevê efeitos posteriores à calamidade pública nacional decorrente da pandemia de COVID-19, em clara violação ao art. 8º, VII, da Lei Complementar nº 173/2020 e ao art. 3º da Emenda Constitucional nº 106/2020; e d) a concessão da compensação pelo Poder Judiciário viola o princípio da separação dos Poderes.

Neste contexto, observo que os documentos acostados aos autos demonstram que o sr. TSUNEO ANTÔNIO ALBERTO GOTO era médico cardiologista, que faleceu em 25/12/2020, em razão de Covid-19 (IDs 306601868306601876306601870 e 306601989). Em seu CNIS consta que, à época do óbito, tinha vínculo com a Central de Cardiologia - Centro de Diagnósticos não Invasivos em Cardiologia S/S Ltda e com a Unimed de Guarulhos - Cooperativa de Trabalho Médico (ID 306601873, p. 02 e 11).

Há, também, a relação de atendimentos, entre consultas e exames, com a respectiva lista de pacientes, realizados pelo de cujus, no período de 01/09/2020 a 30/11/2020, na Central de Cardiologia – Cardiocity (ID 306601995 e ss).

Ademais, as testemunhas IRENE FUZARI COSTA, BIANCA FERREIRA DO NASCIMENTO e ADRIANA NOVAIS BRITO SIMOES afirmaram que o sr. TSUNEO era médico cardiologista e realizava consultas em clínica médica, não interrompendo seus atendimentos durante a pandemia de Covid-19, de modo que teve contato com pacientes infectados pelo vírus. A testemunha BIANCA, inclusive, relatou que alguns pacientes chegavam com tosse e ligavam depois dizendo que fizeram o teste e estavam com Covid-19.

Assim, embora não tenha trabalhado em hospitais, claro está que o Sr. TSUNEO atuou no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, durante o estado de emergência em saúde pública. Ressalte-se que, conforme bem assinalado pelo D. Juízo a quo, deve ser levado em consideração o contexto da época, no qual as pessoas evitavam ir a hospitais para não serem infectadas, cabendo às clínicas, muitas vezes, o trabalho de triagem de pacientes. 

Alie-se a isso o fato de que a especialidade do Sr. TSUNEO, cardiologia, foi bastante solicitada naquele período, pois, além do próprio risco que as cardiopatias representam, exigindo consultas e exames de rotina, as pessoas acometidas por essas doenças também integravam o grupo de risco para o coronavírus.

No tocante às alegações no sentido de que a lei em comento (i) não traz qualquer estimativa de impacto orçamentário ou indicação de fonte de recursos, (ii) contém termos imprecisos e vagos, que acarretam grave insegurança jurídica à União, e (iii) cria despesa obrigatória de caráter continuado e prevê efeitos posteriores à calamidade pública nacional decorrente da pandemia de COVID-19, em clara violação ao art. 8º, VII, da LC 173/2020 e ao art. 3º da EC 106/2020, assevero que o C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.970/DF, declarou a constitucionalidade da previsão de compensação financeira, de caráter indenizatório, estabelecida na Lei nº 14.128/2021, para o enfrentamento das “consequências sociais e econômicas” em decorrência da crise sanitária da Covid-19, estando ela inserida no regime fiscal excepcional cuidado nas Emendas Constitucionais nºs 106/2020 e 109/2021, considerando o prolongamento da crise sanitária. Vejamos:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 14.128, DE 26 DE MARÇO DE 2021. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA AOS TRABALHADORES DA ÁREA DA SAÚDE. COVID-19. MORTE OU INCAPACITAÇÃO PERMANENTE PARA O TRABALHO. POLÍTICA PÚBLICA SOCIAL. AUSÊNCIA DE INTERFERÊNCIA NO REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES PÚBLICOS DA UNIÃO OU ALTERAÇÃO NAS ATRIBUIÇÕES DE ÓRGÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL. LEGISLAÇÃO INSTITUÍDA COM BASE NO REGIME EXTRAORDINÁRIO FISCAL DAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS N. 106/2020 E N. 109/2021. ENFRENTAMENTO DA CRISE SANITÁRIA CAUSADA PELA COVID-19 E DE SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIAIS E ECONÔMICAS. ART. 167-D DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECONHECIMENTO DO ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA E PROLONGAMENTO DA CRISE SANITÁRIA CAUSADA PELA COVID-19. AÇÃO DIRETA JULGADA IMPROCEDENTE.

1. Instruído o feito nos termos do art. 10 da Lei n. 9.868/1999, é de cumprir-se o princípio constitucional da duração razoável do processo, com o conhecimento e julgamento definitivo de mérito da ação direta por este Supremo Tribunal, ausente a necessidade de novas informações. Precedentes.

2. É formalmente constitucional a Lei n. 14.128/2021 por não dispor sobre regime jurídico de servidores públicos da União ou interferir nas atribuições de órgãos da Administração Pública federal.

3. É constitucional a compensação financeira de caráter indenizatório prevista na Lei n. 14.128/2021, inserida no regime fiscal excepcional disposto nas Emendas Constitucionais n. 106/2020 e n. 109/2021, no contexto de enfrentamento das “consequências sociais e econômicas” da crise sanitária da Covid-19.

4. Ação direta de inconstitucionalidade: conversão do julgamento da medida cautelar em definitivo de mérito; improcedência do pedido formulado na ação para declarar constitucional o disposto na Lei n. 14.128, de 26 de março de 2021.

(ADI 6970, Relatora: Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 16/08/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-171  DIVULG 26-08-2022  PUBLIC 29-08-2022)

 

Constou, ainda, expressamente, no voto da Exma. Ministra Cármen Lúcia (Relatora), que "a compensação financeira em exame cuida de indenização em razão de um evento específico, não configurando despesa obrigatória de caráter continuado. Dela se poderão beneficiar o profissional de saúde ou os seus herdeiros que comprovem que a infecção causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante o Espin-Covid-19 (estado de emergência em saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus), nos termos do § 4º do art. 2º da Lei n. 14.128/2021".

Frise-se, por fim, que a concessão da indenização pelo Poder Judiciário não viola o princípio da Separação dos Poderes, uma vez que já foram previstos pela lei os possíveis valores, a forma de pagamento, os beneficiários e a origem dos recursos para tal fim. 

Desta feita, deve ser mantida a r. sentença que declarou o direito das autoras à compensação financeira, na forma acima transcrita.

Nesse sentido:

 

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ÓBITO DE PROFISSIONAL DA SAÚDE – PANDEMIA DE COVID-19 – COMPENSAÇÃO FINANCEIRA (LEI Nº 14.128/21) – INCONSTITUCIONALIDADE AFASTADA - REQUISITOS DEMONSTRADOS – COMPENSAÇÃO DEVIDA – HONORÁRIOS - MAJORAÇÃO.

1. Cinge-se a controvérsia à compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito (art. 1º, caput, da Lei nº 14.128/2021).

2. O E. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.970/DF, realizado na sessão virtual de 16.08.2022, e nos termos do voto da Relatora Presidente, e. Ministra Cármen Lúcia, julgou improcedente o pedido formulado, declarando constitucional o disposto na Lei nº 14.128/2021.

3. O reconhecimento do direito à compensação demanda a comprovação de incapacidade permanente para o trabalho ou óbito, de profissional ou trabalhador da saúde, em razão de contaminação pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), por ter trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pelo vírus, ou realizado visitas domiciliares, nos termos do art. 2º da Lei nº 14.128/2021.

4. In casu, analisando os elementos de prova coligidos aos autos, verifica-se a presença dos requisitos legais, tais como delineados supra.

5. Está demonstrado, portanto, o nexo de causalidade, eis que a infecção pelo vírus, constatada em coleta realizada em 17/06/2020, ocorreu durante a vigência de contrato de trabalho, na qualidade de enfermeiro, junto à Santa Casa de Misericórdia de Birigui-SP (05/01/2016 a 17/07/2020) e Unimed de Birigui-SP (09/06/2020 a 17/07/2020), bem como durante a Espin-Covid-19 (decretada em fevereiro de 2020).

6. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majora-se a verba honorária em 1%.

7. Apelação não provida.

(TRF3 - Sexta Turma - AC nº 5002875-10.2021.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, DJe 17/08/2023)

 

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA. PROFISSIONAIS DA ÁREA DA SAÚDE. INDENIZAÇÃO. COVID-19. PERÍODO DE EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA NACIONAL. LEI Nº 14.128/2021. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO STF. ADI Nº 6970/STF. POLÍTICA PÚBLICA DE REGIME FISCAL EXCEPCIONAL. HERDEIRO NECESSÁRIO. INTERESSE DE AGIR. 

1. Cinge-se a controvérsia acerca de pedido de pagamento de indenização devido pelo óbito de profissional da saúde, enquanto atuava na linha de frente do combate do COVID19, com fulcro na Lei nº 14.128/2021.

2. Inicialmente, a União alegou ausência de interesse processual em razão da via eleita ser inadequada, conforme previsto no art. 4º da Lei nº 14.128/2021: Art. 4º A compensação financeira de que trata esta Lei será concedida após a análise e o deferimento de requerimento com esse objetivo dirigido ao órgão competente, na forma de regulamento.

3. Entendo que o interesse de agir da parte autora é legítimo, pois até a presente data não houve a devida regulamentação do dispositivo legal em comento. Assim, denota-se a morosidade da Administração Pública em regulamentar a norma, o que não pode ser impeditivo para a concretização do direito ora pleiteado. Há que se observar aqui a aplicação do princípio de acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Desta forma, tal argumento não merece prosperar.

4. A Lei nº 14.128/2021 trata sobre a compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o período de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente da disseminação do novo coronavírus (SARS-CoV-2), por terem trabalhado no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, ou realizado visitas domiciliares em determinado período de tempo, no caso de agentes comunitários de saúde ou de combate a endemias, tornarem-se permanentemente incapacitados para o trabalho, ou ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, em caso de óbito.

5. Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6970, em 16/08/2022, firmou entendimento com relação à constitucionalidade formal do referido diploma legal.

6. Cabe aqui mencionar que o diploma legal em comento trata de política pública que visa atender finalidade específica, no cumprimento do dever constitucional outorgado ao Estado com o objetivo de amenizar os malefícios causados pelo coronavírus aos profissionais da área da saúde.

7. No que diz respeito às regras de responsabilidade fiscal, é importante observar que a compensação financeira visa enfrentar as consequências sociais e econômicas da COVID-19, não sendo considerada uma despesa obrigatória de caráter continuado. O pagamento indenizatório está limitado ao período de calamidade pública e está inserido no contexto normativo das Emendas Constitucionais (EC) nº 106/2020 e nº 109/2021, que estabeleceram um regime fiscal excepcional.

8. Já as situações fáticas e os beneficiários da compensação financeira estão descritos na Lei nº 14.128/2021, em que se estabelecem os valores e as formas de cálculo, conforme cada caso. Não há falar em lacuna nesse sentido, contanto que reste comprovado que as complicações decorreram de acometimento do coronavírus ao profissional da saúde, no exercício de suas funções, durante o período de emergência na pandemia da COVID-19.

9. Assim, há que se observar que a declaração do fim do estado de emergência de saúde pública no enfrentamento ao COVID-19 em 05/05/2021 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), bem como a revogação dos decretos de enfrentamento da pandemia causada pelo coronavírus em 23/05/2023 pela Presidência da República, analisando-se estes dados com a situação fática do caso concreto.

10. Na hipótese dos autos, a falecida Josiane Aparecida Antunes exercia o cargo de técnico de enfermagem na Fundação Doutor Amaral Carvalho e o cargo de auxiliar/técnico de enfermagem na Irmandade de Misericórdia do Jahu, conforme cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS). Os autores Josias de Lima Santos (cônjuge), Jayane Antunes Prestes e Jonathan Felipe Prestes (filhos) colacionaram cópias da certidão de casamento e de identidade, comprovando assim o requisito do vínculo familiar com a pessoa falecida, conforme exigência prevista no art. 2, inc. III, da Lei nº 14.128/2021.

11. O MM. juízo de primeiro grau juntou extrato do CNIS, que demonstrou que a partir do falecimento de Josiane Aparecida Antunes, foram instituídos três benefícios de pensão por morte, tornando incontroversa a condição de dependente dos autores. A certidão de óbito de Josiane informa que a data do falecimento ocorreu em 03/02/2021, demonstra da atividade desempenhada e do óbito em razão do coronavírus: “falência de múltiplos órgãos. Síndrome respiratória aguda grave. COVID-19”.

12. Desta forma, com base na documentação trazida aos autos, restam comprovados os vínculos familiares entre a parte falecida e os herdeiros necessários, bem como a relação entre a atividade desempenhada pela profissional da saúde em ambiente hospitalar e o seu falecimento em razão da COVID-19.

13. Impõe-se, portanto, a manutenção da r. sentença, também pelos respectivos e apropriados fundamentos. 

14. Os honorários advocatícios devem ser majorados em 1% sobre o valor atualizado da causa, nos moldes do art. 85, § 11, do CPC.

15. Recurso não provido.

(TRF 3ª Região, Terceira Turma, AC nº 5001160-63.2022.4.03.6117, Rel. Des. Fed. Adriana Pileggi, j. 23/10/2024)

 

Por conseguinte, majoro em 1% a condenação da União em honorários advocatícios, nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, nos termos do art. 932, IV, do CPC, nego provimento à apelação da União, na forma da fundamentação."

 

No presente feito, a matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento.

Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

Quanto à regra contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC, entendo que a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das razões de apelação, o que não é o caso do presente recurso. Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno, nos termos da fundamentação.

É o voto.



E M E N T A

 

 

AGRAVO INTERNO. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PREVISTA NA LEI N° 14.128/2021. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. ÓBITO DO PROFISSIONAL DA SAÚDE. MÉDICO CARDIOLOGISTA. ATENDIMENTO DIRETO A PACIENTES ACOMETIDOS PELA COVID-19. RESSARCIMENTO DE DESPESAS REALIZADAS COM O FUNERAL. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO NÃO OBSTA O DIREITO À COMPENSAÇÃO. INTERESSE PROCESSUAL DEMONSTRADO. CONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO STF. MEDIDA INSERIDA EM REGIME FISCAL EXCEPCIONAL. COMPENSAÇÃO NÃO CONFIGURA DE DESPESA OBRIGATÓRIA DE CARÁTER CONTINUADO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECURSO IMPROVIDO.

1. Trata-se de agravo interno interposto pela União Federal contra a decisão monocrática que, nos termos do artigo 932, IV, do CPC, negou provimento a seu recurso de apelação, mantendo integralmente a sentença que a condenou ao pagamento de R$ 115.933,00 às autoras, a título de compensação financeira de que trata a Lei n. 14.128/2021, com as devidas atualizações, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, desde a data da citação, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da condenação (art. 85, § 3º, I, do CPC), e majorou em 1% a sua condenação em honorários advocatícios.

2. No tocante à possibilidade de julgamento monocrático, tem-se que à Súmula nº 568 do C. STJ ("O relator, monocraticamente e no Superior Tribunal de Justiça, poderá dar ou negar provimento ao recurso quando houver entendimento dominante acerca do tema") une-se a posição da doutrina majoritária retro transcrita, que entende pela exemplificatividade do listado do artigo 932 do CPC. Impende consignar que o princípio da colegialidade não resta ferido, prejudicado ou tolhido, vez que as decisões singulares são recorríveis pela via do Agravo Interno (art. 1.021, caput, CPC). 

3. Rejeitada a preliminar de inépcia da petição inicial em relação ao pedido de ressarcimento das despesas realizadas com funeral, pois, há previsão expressa no § 4º do artigo 3º da Lei n° 14.128/21, no sentido de que, no caso de óbito do profissional de saúde, o valor relativo às despesas de funeral será agregado ao valor fixo da compensação financeira, previsto no inciso I do mesmo artigo.

4. A União alega ainda: i) a ausência de interesse processual, pois, sem a devida regulamentação, a lei ainda é ineficaz; e ii) caso a parte autora entenda que há mora excessiva na regulamentação da Lei nº 14.128/2021, esta não é a via adequada para tal alegação. Igualmente, sem razão. Primeiramente, porque inexiste qualquer alegação na inicial, no sentido de que há mora excessiva do Poder Público para regulamentar a lei em questão. Ademais, a lei, por si só, é suficiente para gerar o direito à compensação nela prevista, já que este não poderá ser extinto ou modificado por norma regulamentadora.

5. Além disso, a ausência de regulamentação não pode ser suscitada pela União, que é a responsável pela omissão, como justificativa para negar o direito das autoras à indenização. Por fim, há que se observar, também, o princípio constitucional da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal). Precedentes.

6. A Lei nº 14.128/2021 instituiu a compensação financeira a ser paga pela União aos profissionais e trabalhadores de saúde que, durante o estado de emergência em saúde pública de importância nacional (Espin), em decorrência do novo coronavírus (declarado pela Portaria nº 188/2020 do Ministro de Estado da Saúde), atuaram no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19 e, por essa razão, tornaram-se permanentemente incapacitados para o trabalho ou, no caso de óbito, a seu cônjuge/companheiro, dependentes e herdeiros necessários.

7. No tocante ao valor, dispõe o artigo 3º da referida lei que a compensação financeira de que trata esta Lei será composta de: "I – 1 (uma) única prestação em valor fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devida ao profissional ou trabalhador de saúde incapacitado permanentemente para o trabalho ou, em caso de óbito deste, ao seu cônjuge ou companheiro, aos seus dependentes e aos seus herdeiros necessários, sujeita, nesta hipótese, a rateio entre os beneficiários; II – 1 (uma) única prestação de valor variável devida a cada um dos dependentes menores de 21 (vinte e um) anos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior, do profissional ou trabalhador de saúde falecido, cujo valor será calculado mediante a multiplicação da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pelo número de anos inteiros e incompletos que faltarem, para cada um deles, na data do óbito do profissional ou trabalhador de saúde, para atingir a idade de 21 (vinte e um) anos completos, ou 24 (vinte e quatro) anos se cursando curso superior".

8. No caso, as autoras que eram esposa e filha de TSUNEO ANTÔNIO ALBERTO GOTO, médico cardiologista, que atuou no atendimento a pacientes acometidos pela COVID-19, vindo a falecer em decorrência da referida doença, no dia 25/12/2020, ou seja, durante a vigência do período de emergência de saúde pública declarado pelo Governo Federal, conforme Portaria nº 188/2020 do Ministério da Saúde.

9. Das provas constantes nos autos, verifica-se que, embora não tenha trabalhado em hospitais, o Sr. TSUNEO atuou no atendimento direto a pacientes acometidos pela Covid-19, durante o estado de emergência em saúde pública. Ressalte-se que, conforme bem assinalado pelo D. Juízo a quo, deve ser levado em consideração o contexto da época, no qual as pessoas evitavam ir a hospitais para não serem infectadas, cabendo às clínicas, muitas vezes, o trabalho de triagem de pacientes. 

10. Alie-se a isso o fato de que a especialidade do Sr. TSUNEO, cardiologia, foi bastante solicitada naquele período, pois, além do próprio risco que as cardiopatias representam, exigindo consultas e exames de rotina, as pessoas acometidas por essas doenças também integravam o grupo de risco para o coronavírus.

11. No tocante às alegações no sentido de que a lei em comento (i) não traz qualquer estimativa de impacto orçamentário ou indicação de fonte de recursos, (ii) contém termos imprecisos e vagos, que acarretam grave insegurança jurídica à União, e (iii) cria despesa obrigatória de caráter continuado e prevê efeitos posteriores à calamidade pública nacional decorrente da pandemia de COVID-19, em clara violação ao art. 8º, VII, da LC 173/2020 e ao art. 3º da EC 106/2020, assevera-se que o C. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.970/DF, declarou a constitucionalidade da previsão de compensação financeira, de caráter indenizatório, estabelecida na Lei nº 14.128/2021, para o enfrentamento das “consequências sociais e econômicas” em decorrência da crise sanitária da Covid-19, estando ela inserida no regime fiscal excepcional cuidado nas Emendas Constitucionais nºs 106/2020 e 109/2021, considerando o prolongamento da crise sanitária.

12. Constou, ainda, expressamente, no voto da Exma. Ministra Cármen Lúcia (Relatora), que "a compensação financeira em exame cuida de indenização em razão de um evento específico, não configurando despesa obrigatória de caráter continuado. Dela se poderão beneficiar o profissional de saúde ou os seus herdeiros que comprovem que a infecção causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2) tenha ocorrido durante o Espin-Covid-19 (estado de emergência em saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus), nos termos do § 4º do art. 2º da Lei n. 14.128/2021".

13. Frise-se, por fim, que a concessão da indenização pelo Poder Judiciário não viola o princípio da Separação dos Poderes, uma vez que já foram previstos pela lei os possíveis valores, a forma de pagamento, os beneficiários e a origem dos recursos para tal fim. 

14. Deve ser mantida a r. sentença que declarou o direito das autoras à compensação financeira, na forma acima transcrita. Nesse sentido: TRF3 - Sexta Turma - AC nº 5002875-10.2021.4.03.6107, Rel. Des. Fed. Mairan Maia, DJe 17/08/2023; TRF 3ª Região, Terceira Turma, AC nº 5001160-63.2022.4.03.6117, Rel. Des. Fed. Adriana Pileggi, j. 23/10/2024.

15. Honorários advocatícios majorados em 1%, nos termos do artigo 85, §11, do Código de Processo Civil.

16. A matéria em síntese mereceu nova apreciação deste MM. Órgão Judiciário, em face da permissão contida no artigo 371 do Código de Processo Civil, que consagra o princípio do livre convencimento ou da persuasão racional, e que impõe ao julgador o poder-dever. O poder no que concerne à liberdade de que dispõe para valorar a prova e o dever de fundamentar a sua decisão, ou seja, a razão de seu conhecimento. 

17. Sob outro aspecto, o juiz não está adstrito a examinar todas as normas legais trazidas pelas partes, bastando que, in casu, decline os fundamentos suficientes para lastrear sua decisão.

18. Quanto à regra contida no § 3º do artigo 1.021 do CPC, a vedação só se justifica na hipótese de o agravo interno interposto não se limitar à mera reiteração das razões de apelação, o que não é o caso do presente recurso. Conclui-se, das linhas antes destacadas, que a decisão monocrática observou os limites objetivamente definidos no referido dispositivo processual.

19. Agravo interno não provido.


  ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sexta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
VALDECI DOS SANTOS
Desembargador Federal