APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001461-32.2020.4.03.6100
RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA
APELANTE: SAO FRANCISCO SISTEMAS DE SAUDE SOCIEDADE EMPRESARIA LIMITADA
Advogado do(a) APELANTE: ENEIDA VASCONCELOS DE QUEIROZ MIOTTO - SP349138-A
APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL
OUTROS PARTICIPANTES:
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001461-32.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA APELANTE: SAO FRANCISCO SISTEMAS DE SAUDE SOCIEDADE EMPRESARIA LIMITADA Advogado do(a) APELANTE: ENEIDA VASCONCELOS DE QUEIROZ MIOTTO - SP349138-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: R E L A T Ó R I O O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (RELATOR): Trata-se de recurso de apelação interposto por SÃO FRANCISCO SISTEMAS DE SAÚDE SOCIEDADE EMPRESÁRIA LTDA, em face de r. sentença que extinguiu o presente feito, sem julgamento do mérito, na forma do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, condenando a ora recorrente ao pagamento de multa processual, fixada em 5% (cinco) por cento sobre o valor da causa atualizado, determinando a expedição de ofício à Procuradoria da Fazenda para inscrição do valor em Dívida Ativa da União. Requer a apelante, em suma, que seja afastada a condenação à título de litigância de má-fé, uma vez que não teria restado caracterizada conduta dolosa/culposa, uma vez que a propositura do procedimento de jurisdição voluntária se deu única e exclusivamente por determinação do Juízo a quo nos autos do Cumprimento de Sentença nº 0015568-80.1994.4.03.6100/SP. Foram opostos embargos de declaração, rejeitados (ID 287245672). Com contrarrazões (ID 287245680), subiram os autos a este E. Tribunal. É o breve relatório.
APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº 5001461-32.2020.4.03.6100 RELATOR: Gab. 04 - DES. FED. ALESSANDRO DIAFERIA APELANTE: SAO FRANCISCO SISTEMAS DE SAUDE SOCIEDADE EMPRESARIA LIMITADA Advogado do(a) APELANTE: ENEIDA VASCONCELOS DE QUEIROZ MIOTTO - SP349138-A APELADO: UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL OUTROS PARTICIPANTES: V O T O O EXCELENTÍSSIMO DESEMBARGADOR FEDERAL ALESSANDRO DIAFERIA (RELATOR): Resume-se a controvérsia à condenação da parte, ora recorrente, ao pagamento da multa por litigância de má-fé, sob o fundamento de que houve a instauração de demanda inútil à pretensão (procedimento de jurisdição voluntária, com vistas à obtenção de alvará judicial), com potencial consequência de geração de danos ao erário pela expedição de ordem dúplice de pagamento, caso fossem acolhidas as pretensões em suas respectivas sedes processuais. A respeito da litigância de má-fé, esta resta caracterizada nas hipóteses elencadas pelo art. 80, do CPC, in verbis: “Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidente manifestamente infundado; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório”. “Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou. § 1º Quando forem 2 (dois) ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até 10 (dez) vezes o valor do salário-mínimo. § 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos”. No caso em análise, em consulta ao sistema PJE, verifica-se que nos autos de cumprimento de sentença nº 0015568-80.1994.4.03.6100, a ora Apelante requereu, em 10/10/2019, por simples petição, a expedição de Alvará Judicial (ID 23094181), para o saque do valor do precatório depositado. Entretanto, o MM. Juízo a quo proferiu, naqueles autos, despacho, nos seguintes termos: “Vistos. Vieram-me os autos conclusos diante da petição ID:23094751, em que foi solicitado o soerguimento dos valores depositados e informada a sucessão por incorporação. Trata-se de cumprimento de sentença em desfavor da FAZENDA PÚBLICA, com informação da incorporação da parte autora pela empresa SÃO FRANCISCO SISTEMAS DE SAÚDE SOCIEDADE EMPRESÁRIA LTDA., inscrita no CNPJ n.01.613.433/0001-85. Assim sendo, deverá a empresa interessada extrair peças de todo o processado, providenciando a distribuição em autos apartados, atendendo ao disposto no art. 319 c/c 720 e seguintes do Código de Processo Civil. Prazo: 15 (quinze) dias. Após, conclusos. Int.” (ID 24230487) Na sequência, a parte informou no respectivo cumprimento de sentença, a distribuição em autos apartados do pedido de expedição de Alvará Judicial, que foi autuado sob o nº 5001461-32.2020.4.03.6100, conforme determinado pelo MM. Juízo a quo (ID 27690881). Em face do cenário, acima narrado, em relação à condenação ao pagamento de multa imputada à parte-autora fundada em litigância de má-fé, mostra-se pertinente a reforma do r. provimento judicial, uma vez que, o ajuizamento do procedimento de jurisdição voluntária, com vistas à obtenção de alvará judicial se deu pelo cumprimento do despacho proferido pelo Juízo, e não por livre vontade da recorrente. Depreende-se que a parte autora, em momento algum, almejou tumultuar o trâmite dos autos, conforme equivocadamente fundamentado na r. sentença, mas sim observou uma ordem judicial, com o fim de obter a expedição do alvará judicial, aspectos que possuem o condão de afastar a reprimenda cominada em 1º grau de jurisdição, tendo em vista a ocorrência de atuação pautada pelos deveres de lealdade, de lisura e de cooperação em relação a todo aquele que participa do processo. Nesse sentido, situação análoga a dos autos, em julgamento proferido por esta C. Segunda Turma: APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL. LITISPENDÊNCIA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CARACTERIZAÇÃO. - O sistema processual moderno impõe os deveres de lealdade, de lisura e de cooperação a todo aquele que participe do processo, ainda que ocupem posições antagônicas, a fim de que se obtenha, em tempo razoável e em vista da boa-fé, decisão de mérito justa e efetiva (metas do art. 5º e do art. 6º, ambos do CPC/2015). A inobservância desses deveres autoriza a imposição de medidas com o fim de inibir e reparar a litigância de má-fé e o ato atentatório à dignidade da justiça. - O art. 77 do CPC/2015 disciplina os deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de alguma forma participem no processo, estabelecendo sanções para o descumprimento de suas obrigações. Por sua vez, o art. 80 de mencionado Código traz o elenco de situações que permite o reconhecimento da litigância de má-fé. - No caso dos autos, a magistrada monocrática reconheceu acertadamente a ocorrência de litispendência entre a presente relação processual e aquela autuada sob o nº 5001069-85.2023.403.6133, ambas em tramitação junto ao MM. Juízo da 2ª Vara Federal de Mogi das Cruzes/SP, uma vez que, diante da identidade de partes, causa de pedir e pedido, a segunda demanda mostrava-se litispendente e, de fato, deveria ser extinta sem resolução de mérito na forma preconizada no art. 485, V, do Código de Processo Civil. - Em relação à condenação ao pagamento de multa à patrona da parte-autora fundada em litigância de má-fé, o r. provimento judicial deve ser reformado, uma vez que, logo após o primeiro declínio de competência realizado neste feito, a parte-autora apresentou peticionamento (sem qualquer impulso oficial para tanto), informando a ocorrência de litispendência e a sua não intenção de que dois processos tivessem curso ao mesmo tempo, comportamento que possui o condão de afastar a reprimenda cominada em 1º grau de jurisdição, tendo em vista a ocorrência de atuação pautada pelos deveres de lealdade, de lisura e de cooperação em relação a todo aquele que participa do processo. - Apelação provida. (TRF 3ª Região, 2ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL - 5003699-95.2023.4.03.6301, Rel. Desembargador Federal JOSE CARLOS FRANCISCO, julgado em 20/06/2024, DJEN DATA: 24/06/2024) Assim, de rigor a reforma da r. sentença, com o afastamento da multa por litigância de má-fé. Ante o exposto, dou provimento ao recurso de apelação, para afastar a condenação à multa por litigância de má-fé, nos termos desta fundamentação. É o voto.
Autos: | APELAÇÃO CÍVEL - 5001461-32.2020.4.03.6100 |
Requerente: | SAO FRANCISCO SISTEMAS DE SAUDE SOCIEDADE EMPRESARIA LIMITADA |
Requerido: | UNIAO FEDERAL - FAZENDA NACIONAL |
Ementa: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. CUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL. BOA-FÉ PROCESSUAL. PROVIMENTO DO RECURSO.
I. CASO EM EXAME
A parte recorrente foi condenada ao pagamento de multa por litigância de má-fé sob o fundamento de que ajuizou demanda supostamente desnecessária (procedimento de jurisdição voluntária para obtenção de alvará judicial), o que poderia ensejar prejuízos ao erário, caso houvesse duplicação de ordem de pagamento.
No cumprimento de sentença nº 0015568-80.1994.4.03.6100, a recorrente solicitou a expedição de alvará judicial, sendo determinada pelo juízo a extração de peças e distribuição do pedido em autos apartados, nos termos do art. 319 c/c 720 do CPC.
Em cumprimento à determinação judicial, foi distribuída a nova demanda sob o nº 5001461-32.2020.4.03.6100.
A sentença de primeiro grau entendeu caracterizada a litigância de má-fé e aplicou a multa prevista no art. 81 do CPC.
II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO
A questão em discussão consiste em saber se a distribuição de nova demanda, em cumprimento a despacho judicial, configura litigância de má-fé.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O art. 80 do CPC elenca as hipóteses que caracterizam litigância de má-fé, exigindo comportamento doloso ou temerário da parte.
No caso, o ajuizamento do procedimento de jurisdição voluntária decorreu do cumprimento de ordem judicial, não havendo indício de que a recorrente tivesse a intenção de tumultuar o processo ou obter vantagem indevida.
O dever de lealdade processual está previsto no art. 5º e no art. 6º do CPC, que impõem às partes conduta colaborativa, orientada pela boa-fé.
Jurisprudência do TRF da 3ª Região reconhece que a atuação pautada pelos deveres de lealdade, de lisura e de cooperação em relação a todo aquele que participa do processo afasta a aplicação da multa por litigância de má-fé, como no precedente ApCiv 5003699-95.2023.4.03.6301.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Recurso de apelação provido, afastando-se a condenação à multa por litigância de má-fé.
Tese de julgamento: "Não configura litigância de má-fé a distribuição de procedimento de jurisdição voluntária quando realizada em cumprimento a determinação judicial, demonstrando-se a boa-fé processual da parte".
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Dispositivos relevantes citados
Código de Processo Civil, arts. 5º, 6º, 80, 81, 319 e 720.
Jurisprudência relevante citada
TRF 3ª Região, 2ª Turma, Apelação Cível 5003699-95.2023.4.03.6301, Rel. Desembargador Federal José Carlos Francisco, julgado em 20/06/2024, DJEN 24/06/2024.